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ASSOCIAÇÕES PARA FÍNS LÍCITOS: ESTUDO SOBRE A LEGALIDADE DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR

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Agenda 18/11/2021 às 10:44

ASSOCIAÇÕES PARA FÍNS LÍCITOS: ESTUDO SOBRE A LEGALIDADE DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR

ASSOCIATIONS FOR LITTLE FIELDS: STUDY ON THE LEGALITY OF VEHICLE PROTECTION ASSOCIATIONS

Márcio Messias Cunha[1]

Goiânia, 16 de novembro 2021[2]

Resumo

O direito de constituir associações está presente no ordenamento brasileiro desde a primeira constituição da era republicana, datada de 1891, garantindo a todos, indistamente, o direito de se reunirem a fim de obter um objetivo em comum, sendo ele educacional, cultural ou patrimonial. A Constituição Federal de 1988 prevê este direito no seu artigo 5°, dos incisos XVII ao XX evidenciando a sua grande importância na formação do Estado Demovrático de Direito. Com essa visão, e com a exclusão de grupos pré-determinados pelas seguradoras, à população vislumbrou a possibilidade de se reunir a fim de ratear eventuais despesas sofridas em sinistros, assim, surgiram às associações de proteção veicular, entidades de ajuda mútua sem fins lucrativos que dividem entre os seus associados os prejuízos sofridos. O presente artigo tem como finalidade apontar as diferenças entre associações de proteção veicular e seguradoras, bem como apresentar suas semlehanças e diferenças, evidenciando os problemas enfrentados por estas duas entidades e o longo caminho que ainda precisam percorrer para que convivam em harmonia. Utilizou-se como metodologia uma pesquisa teorética, com explorações bibliográficas, jurisprudenciais e legais, além de apresentar quantias concretas que demonstram a diversidade de valores ofertados pelos mesmos serviços.

Palavras-Chaves: Associações; Seguradoras; Legalidade; Proteção Mútua; Semelhanças.

Abstract

The right to form associations has been present in the Brazilian system since the first constitution of the republican era, dated 1891, guaranteeing everyone, without distinction, the right to assemble in order to obtain a common objective, be it educational, cultural or patrimonial. The Federal Constitution of 1988 provides for this right in its article 5, from items XVII to XX, showing its great importance in the formation of the Democratic State of Law. With this vision, and with the exclusion of groups predetermined by the insurers, the population envisioned the possibility of meeting in order to apportion eventual expenses incurred in claims, thus, the vehicle protection associations, non-profit mutual aid entities emerged. Who share the losses suffered among their associates. The purpose of this article is to point out the differences between vehicle protection associations and insurance companies, as well as to present their similarities and differences, highlighting the problems faced by these two entities and the long road they still need to travel in order to live together in harmony. A theoretical research was used as methodology, with bibliographic, jurisprudential and legal explorations, in addition to presenting concrete values ​​that demonstrate the diversity of values ​​offered by the same services.

Keywords: Associations; Insurers; Legality; Mutual Protection; Similarities.

SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 1. O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIVRE ASSOCIAÇÃO; 2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E À LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO; 3. REQUISITOS ESSENCIAIS PARA UMA ASSOCIAÇÃO LÍCITA; 4. ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR; 4.1 CONCEITO E OBJETIVO; 4.2 O CARÁTER NÃO LUCRATIVO DAS ASSOCIAÇÕES E O SEU CAMPO DE ATUAÇÃO; 4.3 ATUAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS FRENTE ÀS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR; 5. A (I)LEGALIDADE DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR; 6. ENTENDIMENTO DO CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL E APLICAÇÃO DO CONCEITO DE ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR; 7. REGULAMENTAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES NO ESTADO DE GOIÁS; 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS; 9. REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

As seguradoras no Brasil é um mercado que movimenta bilhões de reais todos os anos, sendo um dos mais importantes segmentos de comércio para o Produto Interno Bruto PIB no país.

A contratação de seguros esta intimamente ligada no ressarcimento de danos incertos, mas pré-determinados em uma apólice, conforme regulamenta o Código Civil. Como consequência deste mercado complexo alguns problemas começaram a surgir com o passar dos anos.

Os altos índices de roubos, furtos e violência fizeram com que estas seguradoras criassem grupos de risco dificultando o acesso destes ao seguro, impondo desde restrições até valores exorbitantes pelos bens que pretendiam proteger. Entre estas pessoas estavam os caminhoneiros, taxistas e recém-habilitados.

Assim, com a imposição de altos valores e requisitos praticamente inalcançáveis um grupo de pessoas se reuniram, sob a égide do direito constitucional à associação, e resolveram ratear entre os seus associados as eventuais despesas sofridas por roubo, furto ou colisão.

O Fundo de Assistência ao Carreteiro Autônomo FACA foi um dos pioneiros nessa modalidade de associação, fundada em 1987 por caminhoneiros que buscaram garantir e proteger o seu patrimônio de eventuais acidentes, furtos ou roubos de carga, já que seguro para este tipo de veículo apresenta valores alviltantes.

Outras classes, que observaram que o sistema de rateio funcionava, constituíram as suas próprias associações a fim de seguirem os mesmos moldes do FACA.

Assim, inicia-se as associações de proteção veicular, que nada mais são do que um sistema de divisão de prejuízos sofridos entre os associados, através de valores mais acessíveis aos grupos anteriormente excluídos pelas seguradoras.

Atualmente estima-se que existem cerca de duas mil associações nesta modalidade que protegem mais de três milhões de veículos, evidenciando a sua força.

Tendo em vista o crescimento das associações de ajuda mútua no mercado a Superintendência de Seguros Privados SUSEP, autarquia responsável pela regulamentação e fiscalização das seguradoras, começou uma verdadeira caça as bruxas contra estas entidades, alegando o seu funcionamento irregular. O que ocasionou no fechamento de inúmeros estabelecimentos.

O presente artigo possui o objetivo de elucidar o tema, sem a necessidade de esgotá-lo, visto a sua extensa complexibilidade, demonstrando a viabilidade de coexistência entre associações de proteção veicular e seguradoras, além de pontuar o seu principal argumento que justifica a sua formação, o direito à livre associação, protegido como garantia fundamental na Constituição Federal de 1988.

1. O DIREITO CONSTITUCIONAL À LIVRE ASSOCIAÇÃO

O direito à associação só ganhou notoriedade após a Segunda Guerra Mundial, principalmente com a constituição italiana de 1947 que previa expressamente o direito dos cidadãos unirem-se entre si para um objetivo comum, desde que não ferissem o próprio ordenamento constituicional e o Direito Penal vigente à epóca.

Anteriormente pairava um sentimento de incerteza, pois grupos sem finalidade lucrativa eram vistos como uma ameaça à soberania do rei ou do parlamento, uma vez que o cunho político poderia perdurar, sendo capaz de enfraquecer o governo.

O direito à associação só foi introduzido no Brasil na constituição de 1891, a primeira constituição da era republicana, tornando-se a predecessora das demais que garantiriam esse direito fundamental.

Em 1893 foi promulgada a primeira lei que regulamentava a criação e término das associações, a Lei n° 173, de 10 de setembro, a partir de então a população poderia se reunir em grupos para fins religiosos, morais científicos, artísticos, políticos ou de simples recreio, bem como se registrarem e constituírem sede[3].

A Carta Magna de 1934 manteve a estrutura material e os fundamentos liberais praticamente intactos sobre a liberdade e a propriedade, mantendo os conceitos e definições já existentes na constituição de 1891. A inovação manteve-se nos direitos trabalhistas, da família e a previsão do Mandado de Segurança, além de conceder uma maior importância às associações civis, já que impossibilitou a dissolução compulsória destas, senão por sentença judiciária.

Como é de conhecimento notório, a constituição de 1934 foi a de menor tempo de vigência, durou apenas três anos, pois o então presidente, Getúlio Vargas, outorgou em 1937 o texto elaborado por Francisco Campos, sendo denominada como Constituição dos Estados Unidos do Brasil.

Por mais que a Carta Política tivesse um conteúdo democrático esta não representava o momento atual do Brasil e a implementação do Estado Novo por Getúlio Vargas, pois representava a sua manutenção no poder. O Congresso Nacional, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais foram fechadas e o presidente passou a concentrar os poderes executivo e legislativo, possuindo como marco principal o autoritarismo.

Apesar desse autoritarismo a constituição de 1937 previa liberdades individuais, preservando em seus artigos 122 e 138 o direito à livre associação, desde que seguissem regras rígidas, como por exemplo, a necessidade de serem reconhecidas pelo Estado e preservassem os bons costumes. O que dificultava o pleno exercício do direito, pois ficavam condicionadas ao que o presidente considerava bons costumes.

Em contrapartida, a Carta Magna de 1946 foi considerada a mais democrática da história, o seu principal ideal era o repúdio ao totalitarismo e o autoritarismo que permeavam a constituição anterior, já que centralizava o poder nas mãos do presidente. A nova constituição trouxe textos semelhantes à carta de 1934, como por exemplo, o fato de nenhuma associação poder ser dissolvida de forma compulsória, senão em face de sentença judiciária, além de retirar a necessidade de seguir os bons costumes.

Com o advento da constituição de 1967 o direito à associação foi suprimido, existindo apenas a garantia de permanência das associações já existentes nos moldes da constituição anterior.

Somente com a Emenda Constitucional n° 01/1969 é que o direito à associação passou novamente a constar expressamente, em seu artigo 153, § 28, sendo praticamente idêntico ao texto da Carta Política de 1934.

A Constituição de 1988 foi o marco de retornada do regime democrático no Brasil após os vinte um anos do regime militar. Apelidada de Constituição Cidadã, sendo uma das mais avançadas do mundo, garantiu direitos sociais que não existiam em outros países, como licença maternidade, saúde pública e as liberdades e direitos individuais.

No que concerne ao direito à associação, o mesmo voltou a ter espaço no rol de direitos e garantias fundamentais, existindo como limitação apenas a necessidade de possuir fins lícitos, sendo vedada a de caráter paramilitar.

A inovação se fez presente na previsão da não obrigatoriedade em permanecer-se associado, além da proibição de interferência do Estado em suas atividades, desde que seja lícita.

Apesar de estar no rol de garantias fundamentais individuais este é um direito que só alcança a sua plenitude quando exercido de forma coletiva, evidenciando a sua suma importância na concretização do Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, trouxe a seguinte redação:

XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;

XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento;

XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado;

XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;

XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;

Concedendo uma maior segurança jurídica ao direito de constituir associações, preservando a vontade coletiva da população na busca de interesses comuns baseados nos princípios fundamentais.

2. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E À LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO

Princípios é o mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele (SILVA, 2001, p. 91), servindo como base das normas, além de auxiliar em sua interpretação. Os princípios podem ser considerados como os alicerces do Ordenamento Jurídico, dando estrutura ao Estado Democrático de Direito.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 1° trouxe como fundamentos da República Federativa do Brasil e, consequente, princípios norteadores:

I a soberania;

II a cidadania;

III a dignidade da pessoa humana;

IV os valores sociais e da livre iniciativa;

V- o pluralismo político.

Deste modo, estes, e outros mais princípios que cosntam no decorrer do texto consitucional, orientam e iluminam a interpretação de todas as normas do ordenamento brasileiro.

Neste diapasão, a liberdade de associação irradia-se de forma diferente em relação aos direitos fundamentais, que são iluminados pelos princípios da dignidade humana, liberdade, do regime democrático, da legalidade e da soberania nacional, pois representam um dos principais pilares que sustentam a democracia no país (CUNHA, 2020, p. 50).

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Assim, a união de pessoas com um objetivo comum, sendo ele cultural, social, artísitico ou altruístico, tem como principal objetivo o de assegurar existência digna, possibilitando que a população usufrua de direitos previstos na Constituição Federal, mas que não são concedidos pelo Estado.

Portanto, o direito à associação está intimamente ligado ao não fazer do Estado, já que a sua inércia corrobora para a atuação coletiva que busca assistência em determinadas áreas mais sensíveis, como a saúde, educação e o patrimônio, caso das associações de proteção veicular.

Deste modo, as associações são uma forma de preservar garantias e direitos fundamentais não assistenciados à população, apesar de previstos na Constituição Federal, concretizando a dignidade da pessoa humana, a cidadania dentro outros fundamentos da República, além de usar como alicerce o princípio da livre iniciativa, garantindo a todos uma existência digna, como preceitua o artigo 170 da Carta Magna[4].

3. REQUISITOS ESSENCIAIS PARA UMA ASSOCIAÇÃO LÍCITA

Associações são pessoas jurídicas de direito privado constituídas pela união de pessoas sem fins lucrativos, conforme preceitua o artigo 53 do Código Civil, tendo como principal objetivo a benemerência ou o fortalecimento de uma classe ou causa, incentivada pelo bem estar social ou para a realização de processos produtivos ou venda de bens ou serviços.

O Código Civil não delimita um número nínimo ou máximo de pessoas que pode conter em uma associação, mas na prática o número recomendado é de pelo menos dez pessoas, já que é a quantidade necessária para preencher os cargos do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal.

A Constituição Federal veda apenas a formação de associações para fins ilícitos e de caráter paramilitar o que dá amplo entendimento para a população cria-lás.

De acordo com pesquisa efetuada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísitca (IBGE) com a finalidade de averiguar o número de fundações privadas e associações sem fins lucrativos (FASFIL), tendo com ano de referência 2016, estima-se pela existência de 236.950 mil associações ou fundações no Brasil[5] que atuam nas mais diversas áreas (IBGE, 2016, online).

Mas para que ocorra o pleno funcionamento de uma associação deve-se seguir parâmetros impostos pela lei brasileira, com isso, exemplificaremos de uma forma sucinta como funciona o registro de uma associação, demonstrando os documentos necessários no momento de sua fundação, bem como o seu procedimento de abertura (CUNHA, 2020, p. 115).

O primeiro passo é o Estatuto Social, documento obrigatório para a constituição de uma associação. Este é produzido por uma assembleia na qual os participantes redigem e debatem as diretrizes, regras, objetivos sociais e regulamentos da associação, e após o seu crivo a associação deve-se registrar no Cartório de Títulos e Documentos e Registro Civil de Pessoa Jurídica por meio de um requerimento assinado pelo representante legal da instituição, normalmente o presidente, devendo constar o seu nome, por extenso, residencia e cargo, nos termos do artigo 121 da Lei n° 6.015/73 e artigo 1.151 do Código Cívil, visto que a representará em eventuais lides.

Posteriormente a entidade deve ser registrada junto ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica, o CNPJ, passando a ter plena capacidade de direito, podendo contratar funcionários, firmar parceiras, alugar ou comprar imóveis.

Outro requisito muito discutido é o animus de se associar, apesar de não estar previsto expressamente no ordenamento jurídico, o Supremo Tribunal Federal entende ser necessário à vontade de se ligar a um determinado grupo. Deste modo, caso a associação obrigue a filiação esta estaria contrariando a boa-fé e a jurisprudência e, portanto, seria um instituto ilícito.

Gilmar Mendes e Paulo Gonet trata a associação como um ato de vontade, pois a pretensão de se unir coletivamente com um objetivo comum está intimamente ligado à voluntariedade, não sendo permitido a união forçosa.

As associações de proteção veicular não fogem disso, necessitando que todos os requisitos legais para uma constituição lícita sejam seguidos, assim como o animus associativo, só após o cumprimento destas exigências é que a entidade está legalmente constituída.

4. ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR

4.1 CONCEITO E OBJETIVO

Associação de Proteção Veicular é uma entidade sem fins lucrativos formada por pessoas com o objetivo comum de minimizar o risco sobre seus bens ou veículos, através de cooperação mútua, rateando entre os associados os danos ou prejuízos sofridos dentre seus membros.

Assim, as associações de proteção veicular são caracterizadas pela autogestão e o rateio de despesas, evidenciando a não lucratividade da instituição. Nesse sentido Carlos Ayres Britto (BRITTO, 2015, p. 03) a conceitua como:

Associações de proteção veicular, assim comumente referidas para dar conta das pessoas jurídicas de direito privado: a) que tenham por objeto social a tutela financeiro-coletiva de veículos dos respectivos associados; b) desprovidas de qualquer finalidade lucrativa por parte delas próprias, associações civis particulares. Mais precisamente, trata-se de entidades associativas privadas que se constituem com o fito de assumir, assim por modo coletivo, as consequências financeiras de eventuais furtos, roubos, incêndios ou então colisão de veículos automotores de propriedade.

As associações de ajuda mútua, como também são denominadas, adotam dois modelos de operação. O primeiro é constituído pelo pagamento de contribuições períodicas pelos prórpios associados. Já o segundo é efetuado por meio de rateio de prejuízos auferidos mensalmente, deste modo, pode o valor variar a cada mês.

Todos colaboram pelos prejuízos de forma consciente, mesmo que não tenham participação no evento danoso.

Essa autogestão e ajuda mútua difere-se das empresas de seguro, já que estas são sociedades anônimas (S/A) que por meio de um contrato de adesão são obrigadas a indenizarem o seu cliente em decorrência dos sinistros cobertos, e que são discriminados na apólice.

A indenização por danos futuros é um dos principais pontos diferenciais entre as duas instituições, já que as seguradoras apresentam apólice discriminando os sinistros cobertos, sendo obrigadas a repará-lo, as associações de proteção veicular, por sua vez, rateiam despesas que já foram auferidas no mês anterior, ou seja, que já ocorreram, não possuindo obrigação de ressarcir os associados, caso não tenha dinheiro em caixa.

O objetivo dessas associações mostra-se claro em seu conceito, a proteção do patrimônio de seus associados por meio de ajuda mútua, atuando principalmente no mercado não abarcado pelas seguradoras (CUNHA, 2020, p. 141).

O Brasil apresentou um grande crescimento na frota de veículos antes do recesso ecônomico. Com esse superaquecimento do mercado as seguradoras procuraram mecanismos de seleção de riscos, criando critérios mais rígidos na aceitação de novos clientes. Neste momento criou-se perfis de risco que nada mais são do que pessoas com altas possibilidades de se envolverem em acidentes, como por exemplo, os recém-habilitados, taxistas, motoristas de aplicativos, caminhoneiros, etc.

Deste modo, as pessoas que não conseguiam contratar um seguro, por não serem aceitas ou devido aos altos valores, criaram as associações de proteção veicular, rateando eventuais despesas entre si. Possuindo um campo fértil de atuação, as pessoas não atendidas pelas seguradoras.

Esse é o caso do Fundo de Assistência ao Carreteiro Autônomo FACA, associação formada por caminhoneiros em 1987 com o objetivo de firmar proteção veicular a um preço mais justo e acessível a sua categoria, protegendo contra furtos, roubos de carga e eventuais acidentes através de um rateio mensal dos prejuízos entre os associados.

Essa associação está em pleno funcionamento até os dias atuais, sendo uma das pionerias neste segmento no Brasil.

De acordo com a Agência de Autorregulamentação das Entidades de Autogestão de Planos de Proteção Contra Riscos Patrimoniais - AAAPV existem cerca de 2.000 mil associações de proteção veicular no mercado e estima-se que 3 milhões de veículos são protegidos por essas entidades, variando entre veículos leves, motocicletas, caminhões, taxis dentre outos.

A fim de demonstrar a diferença entre os valores das associações e seguradoras, foi recolhido informações de 3 (três) seguradoras (Mpafre, Liberty e HDI) e 3 (três) associações (Segbem, Proauto e Ancore), todas em Goiânia. O perfil utilizado para comapração foi de jovem, 24 anos, do sexo masculino, com CNH definitiva com o veículo Ford Focus Sedan 1.6, 2013/2013, flex, manual, o qual apresentou os seguintes valores:

Tabela 1 Cotação de Preços Por Ano

COTAÇÃO DE PREÇOS POR ANO

MODELO

SEGURADORAS

PREÇOS

FRANQUIA

ASSOCIAÇÕES

PREÇOS

COTA PARTICIPAÇÃO

Ford Focus Sedan 2013

1.6/1.6 Flex 8V/16V 4p Manual

MAPFRE

R$ 3.256,92

R$ 3.606,00

SEGBEM

R$ 1.596,00

R$ 3.105,99

LIBERTY

R$ 3.339,54

R$ 7.448,00

PROAUTO

R$ 1.428,00

R$ 2.940,66

HDI

R$ 3.501,31

R$ 7.330,86

ANCORE

R$ 1.866,60

R$ 2.500,00

Fonte: Elaborada pelo Autor

Como pode ser observado há uma grande variação nos preços entre associações e as seguradoras. Vale ressaltar que as associações não cobram franquia, sendo substituído por uma cota participação caso o associado sofra algum sinistro.

Existe também uma varaição entre os benefícios ofertados aos associados/segurados pelas duas entidades, muitas das associações extrapolam a proteção do bem em si e fornecem outros serviços, como desconto em combustiveis, escolas e etc.

A Superintendência de Seguros Privados SUSEP manejou algumas ações civis públicas em desfavor destas associações sob a justifiactiva de serem seguros piratas, além de promoverem uma concorrência desleal, visto a apresentação de valores ínfimos comparados com as associações.

A discussão sobre concorrência desleal nunca foi devidamente enfrentada, já que, em tese, atuam em campos distintos, uma vez que as associações possuem como foco principal as pessoas não atingidas pelas seguradoras.

4.2 O CARÁTER NÃO LUCRATIVO DAS ASSOCIAÇÕES E O SEU CAMPO DE ATUAÇÃO

As associações se encontram em diversos ramos do mercado, mas, via de regra, as suas atividades econômicas estão em segundo plano, já que não podem possuir caráter lucrativo, por isso, a grande maioria destes institutos atuam como organizações filantrópicas, principalmente no campus da educação, saúde e cultura.

Basicamente é possível constituir associação para qualquer fim, desde que seja lícito e não possua caráter paramilitar, assim, as pessoas podem se reunir para promover qualquer objetivo que almeje, inclusive patrimonialmente.

No caso das associações de proteção veicular a ideia principal é a de reduzir despesas provenientes de acidentes de trânsito, furto ou roubo, permitindo as pessoas que normalmetne não teriam capacidade de ingressar no mercado de seguros possam proteger seu bem material.

As associações de proteção veicular não pretendem, mesmo que inicialmente, atingir o mercado das seguradoras, mas sim o campo não atingido por elas ou que criaram grandes dificuldades, como é o caso dos caminhoneiros, taxistas, pessoas com rstrições cadastrais diversas, etc.

Portanto, não haveria concorrência desleal entre os dois institutos, além de criar uma expectativa de bom convívio entre as associações de ajuda mútua e as seguradoras, já que ambas buscam atingir categorias diferentes.

Vale resslatar que o enunciado 534 do Conselho da Justiça Federal tem permitido que as associações realizem atividades de cunho econômico para incorporar o seu patrimônio ou para a sua própria subsistência. Flávio Tartuce pontua que o artigo 53 do Código Civil não deveria constar o termo geral fins econômicos e sim fins lucrativos, pois é inteiramente viável que uma associação venda serviços ou produtos a fim de promover as suas atividades, vejamos (TARTUCE, 2014, p. 127):

Nesse trilhar, o Enunciado n. 534 CJF/STJ, da VI Jornada de Direito Civil (2013): As associações podem desenvolver atividade econômica, desde que não haja finalidade lucrativa. Segundo as justificativas do enunciado doutrinário, andou mal o legislador ao redigir o caput do art. 53 do Código Civil por ter utilizado o termo genérico econômicos em lugar do específico lucrativos. A dificuldade está em que o adjetivo econômico é palavra polissêmica, ou seja, possuidora de vários significados (econômico pode ser tanto atividade produtiva quanto lucrativa). Dessa forma, as pessoas que entendem ser a atividade econômica sinônimo de atividade produtiva defendem ser descabida a redação do caput do art. 53 do Código Civil por ser pacífico o fato de as associações poderem exercer atividade produtiva. Entende-se também que o legislador não acertou ao mencionar o termo genérico fins não econômicos para expressar sua espécie fins não lucrativos.

Assim sendo, as associações só não podem obter lucratividade e, portanto, não podem dividir lucros entre seus associados.

Nos casos de dissolução da associação o seu estatuto social deverá prever o que será feito com o seu patrimônio, nos termos do artigo 61 do Código Civil[6], não podendo ser dividido entre os associados, mesmo com o seu encerramento.

4.3 ATUAÇÃO DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS FRENTE ÀS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR

A Superintendência de Seguros Privados SUSEP foi criada em 1966 através do Decreto-Lei n° 73/66, que dispõe e regulamenta o Sistema de Seguros Privados e Resseguros juntamente com o Conselho Nacional de Seguros Privados CNSP.

A SUSEP é uma autarquia federal vinculada ao Minstério da Economia, sendo responsável pela fiscalização e acompanhamento da comercialização dos serviços ofertados pelas seguradoras, resseguradoras, corretoras ou qualquer grupo econômico que comercialize seguros ou previdência privada.

A autarquia é composta por um Conselho Diretor, formada pelo Superintendente e quatro diretores técnicos, possuindo como atribuições:

1. Fiscalizar a constituição, organização, funcionamento e operação das Sociedades Seguradoras, de Capitalização, Entidades de Previdência Privada Aberta e Resseguradores, na qualidade de executora da política traçada pelo CNSP;

2. Atuar no sentido de proteger a captação de poupança popular que se efetua através das operações de seguro, previdência privada aberta, de capitalização e resseguro;

3. Zelar pela defesa dos interesses dos consumidores dos mercados supervisionados;

4. Promover o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos operacionais a eles vinculados, com vistas à maior eficiência do Sistema Nacional de Seguros Privados e do Sistema Nacional de Capitalização;

5. Promover a estabilidade dos mercados sob sua jurisdição, assegurando sua expansão e o funcionamento das entidades que neles operem;

6. Zelar pela liquidez e solvência das sociedades que integram o mercado;

7. Disciplinar e acompanhar os investimentos daquelas entidades, em especial os efetuados em bens garantidores de provisões técnicas;

8. Cumprir e fazer cumprir as deliberações do CNSP e exercer as atividades que por este forem delegadas;

9. Prover os serviços de Secretaria Executiva do CNSP.

O que demonstra a forte atuação da SUSEP no mercado de seguros, bem como a rigorosidade do Decreto-Lei n° 73/66.

Essa rigorosidade resultou consequências ao mercado, segundo relatório da SUSEP atualmente existem 122 seguradoras no país, incluindo as de vida, previdência e imóveis. Número relativamente pequeno em relação ao comércio atual.

A SUSEP, sob a justificativa de fiscalizar o mercado de seguros, ingressou com ações civis públicas em desfavor de algumas associações de proteção veicular, argumentando que estas atuavam de forma irregular no mercado de seguros, solicitando a penalização dos administradores e o fechamento das instituições.

O principal argumento da autarquia é, além de serem irregulares, a falta de experiência das associações para atuarem no mercado de proteção veicular o que poderia comprometer a segurança das pessoas que aceitaram ter os seus carros protegidos por estas associações.

Assim, começou uma verdadeira guerra entre as duas instituições, a SUSEP pedindo o fechamento das associações de ajuda mútua e a responsabilização dos administradores e as ajúdas mútuas com o argumento de monopólio do mercado para as seguradoras que não atendem devidamente o mercado.

Essa é uma discussão que perdurará até a regulamentação das associações de proteção veicular ou a completa proibição de suas atividades.

Existem inúmeros projetos de lei favoráveis à regulamentação das associações de ajuda mútua e apenas uma desfavorável solicitando a extinção das existentes e a aplicação de multas milionárias a instituição[7].

Mas a única certeza que é viável auferir é de que a SUSEP não pode fiscalizar as associações de proteção veicular, pois não está no rol de suas atribuições e, por óbvio já que manejou inúmeras ações, não pretende permitir o funcionamento destas entidades, a não ser que a legislação permita.

5. A (I)LEGALIDADE DAS ASSOCIAÇÕES DE PROTEÇÃO VEICULAR

Os requisitos impostos pela SUSEP para abertura de empresas que pudessem operar seguros são bastante pesados, como por exemplo, a exigência de capital de 15 milhões, um fundo de reserva e necessidade de ser operado por meio de sociedade anônima.

Esses requisitos serviram, intrinsecamente como uma válvula de afastamento dos pequenos e médios empresários que queriam ingressar no mercado. Dessa forma, poucas foram as empresas de seguro que sobreviveram ao mercado brasileiro somado com as regulamentações da SUSEP. Atualmente, cerca de 120 seguradoras operam regularmente no Brasil, e em todas pode-se notar um certo tipo de investigação de perfil.

Com isso, as seguradoras estabelecem perfis que consideram alto risco e baixo risco, refletindo assim no valor ofertado ao cidadão nas mensalidades do seguro. Através dessa prática, as seguradoras reduziram o valor pago com as indenizações e aumentaram supervenientemente os seus lucros. Entretanto, viram-se ameaçadas com o surgimento das associações de proteção veicular.

A SUSEP realizou uma verdadeira maratona de processos junto à justiça federal para tentar barrar o funcionamento das associações de proteção veiculares, com o principal argumento de que estas atuavam à margem da lei, oferecendo serviços próprios de seguradoras, sem que obtivessem autorização junto ao órgão federal competente ou cumprissem com os critérios técnicos.

Com base nestas alegações, vários juízos federais passaram a determinar a suspensão do funcionamento destas associações de proteção veicular, embasando suas decisões de acordo com a ilegalidade de funcionamento e desvio de finalidade, sobre o fundamento de que comercializavam seguros, atividades próprias de seguradoras, que são reguladas pela SUSEP.

Pois bem, as associações tem em seu principal argumento para sua funcionalidade a previsão constitucional para sua formação, sob a égide do artigo 5º, que apenas não permite associações para fins ilícitos ou de caráter paramilitar. Seguindo esse princípio, o ministro OG Fernandes concedeu voto em seu relatório, garantindo o funcionamento das associações que trabalhavam com proteção veicular, sob o fato de as mesmas não utilizarem de vendas de seguros, e sim de socorro mútuo, uma forma de rateio de prejuízos entre seus associados.

Sob a ótica do ínclito Ministro (FERNANDES, 2018, Online):

A ideia, evidentemente, é dividir os prejuízos com outras pessoas na mesma situação, em sistemática diversa daquela implementada pelas companhias seguradoras, em que o contrato celebrado entre segurado e segurador efetivamente obriga o segurador a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos determinados (art. 757, caput, do CPC).

[...]

Aliás, se o condutor de veículo automotor desejar garantias de que receberá pelo seu sinistro, caberá contratá-lo com a seguradora legalmente autorizada para tanto, e, para isso, pagará o preço correspondente, que contém embutidas todas as análises de riscos e as cautelas exigidas no mercado securitário. A associação Ré, porém, não fornece qualquer garantia de cobertura de risco, mas sim a possibilidade de rateio dos prejuízos já verificados entre os associados, em valor variável de acordo com o número de associados e o total dos prejuízos sofridos. Não entram no cálculo, portanto, complexas análises de riscos, típicas dos contratos de seguro convencionais. (STJ - REsp: 1616359 RJ 2016/0194359-4, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 21/06/2018, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 27/06/2018)(g.n).

As associações, no entender jurisprudencial acima elencado, não trabalha com venda de seguros, mercado de riscos, pois isso representa assumir o risco de indenizar seus clientes associados, não sendo essa atividade própria desta instituição. O que elas garantem, e isso presente em seu estatuto, é tão somente a garantia de que os prejuízos serão repartidos entre todos os demais associados.

Em síntese, observadas as vedações constitucionais, o funcionamento das associações de proteção veicular estão livres desses vícios, se faz correto e possível, à luz do Código Civil e da Constituição Federal.

6. ENTENDIMENTO DO CONSELHO DE JUSTIÇA FEDERAL E APLICAÇÃO DO CONCEITO DE ASSOCIAÇÃO DE PROTEÇÃO VEICULAR

É notório que essas associações cobram um tipo de mensalidade a seus associados, contanto, se trata de uma normalidade no meio. Se faz comum o ato, tendo em vista que a associação é uma pessoa jurídica, precisa de uma fonte de renda para custear seu funcionamento, e tradicionalmente, o custeio partir-se-á das mensalidades de seus associados.

Não obstante, uma das vedações impostas às associações, são a finalidade lucrativa ante suas atividades primárias, no entanto, são facilmente confundidas com atividades econômicas.

O Conselho de Justiça Federal em sua Jornada de Direito Civil, interpretou através do Enunciado 185 que a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão. Ou seja, para que um contrato de seguro seja caracterizado, este tem que seguir as normas do artigo 757, senão vejamos:

Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.

De certo, em que pese a semelhança nos serviços, as associações não trabalham com a modalidade prevista no artigo 757, pelo contrário, não se vê uma relação de empresa e consumidor, onde basta chegar e assinar um contrato e se tem um seguro, onde a empresa acobertará o risco previsto naquele contrato durante um tempo determinado e mediante o pagamento de um prêmio legítimo.

As associações operam de uma forma mais simplificada e sem adentrar nenhum dos pontos do artigo 757 do Código Civil, que representaria atividade fim das seguradoras. Segundo estudos empíricos realizados, as associações que prestam esse tipo de serviço, prevê a cobertura dos danos não em contrato, mas sim, em estatuto, dessa forma, todos que desejarem se associar, terão os mesmos privilégios, e, diferentemente das seguradoras, que fazem distinção de perfis para gerar o valor do seguro, nas associações, isso não é possível, pois o valor da taxa de adesão e mensalidade são pré-definidas, sem distinção de perfis e, por se tratarem de rateio entre os associados, todos pagam uma quota parte pelo sinistro ocorrido a um dos seus.

Dessa forma, quanto mais associados, menor o valor do rateio, o que torna o serviço mais atrativo para os cidadãos. Outro argumento trazido pela SUSEP, bem como pelos defensores do seguro, é que as associações trabalham a margem da lei descumprindo uma de suas vedações legais, que seria o desenvolvimento de atividade lucrativa.

Como já visto anteriormente, o próprio CJF tratou de dar uma interpretação mais adequada à vedação trazida ao artigo 53 do CC/02 que tratou de coibir as atividades econômicas. Desta forma, com o auxílio destes entendimentos e apoiados na decisão do ministro OG Fernandes, trazida alhures, apresentou uma excelente segurança jurídica para firmar o funcionamento destas associações de socorro mútuo sem que haja interferência do Estado.

Ao unir essas duas linhas de pensamento, pode-se concluir pelo legítimo funcionamento dessas associações como um serviço prestado legalmente, e sob a tutela do estado (através das decisões jurisprudenciais).

7. REGULAMENTAÇÃO DAS ASSOCIAÇÕES NO ESTADO DE GOIÁS

Apesar da ilustre e correta decisão do Ministro do STJ, OG Fernandes, tal entendimento ainda encontra resistência em alguns tribunais ao redor do país. Contudo, não é o caso que se encontra no Estado de Goiás. O governo local tem aceitado a presença das associações, inclusive, redigiu uma lei estadual no intuito de regulamentar o funcionamento destas, bem como instituir poucas e acessíveis regras para o sua regularização.

A Lei Complementar Estadual nº 20.894, de 29 de Outubro de 2020, assinada pelo Governador Ronaldo Caiado vem com o escopo de, principalmente, transpassar a responsabilidade consumerista às associações de socorro mútuo, uma novação até então, visto que a relação entre associados e associações era uma relação civil.

Dessa forma, nos termos do artigo 1 da lei, ficou assim definido:

Art. 1º Define como fornecedor a Associação de Socorro Mútuo destinada a organizar e intermediar o rateio/divisão das despesas certas e ocorridas entre os seus associados. 

Parágrafo único. Conceitua-se como consumidor os associados que participam do grupo de rateio e utilizam de serviços prestados por tais associações. 

Com uma relação consumerista sendo estabelecida pelo estado para caracterizar os negócios fornecidos por estas, fica também suscetível à fiscalização estatal, e a lei também tratou desse ponto, quando no seu artigo 8º, impõe sujeição ao PROCON GO como órgão fiscalizador das mesmas.

Quanto a questão de regularização, as principais trataram-se apenas das questões técnicas referentes ao estatuto, como por exemplo, explicitar aos futuros interessados que se tratam de uma associação de rateio, e não seguro propriamente dito, e também, dar publicidade de das normas de rateios, em documentos escritos e/ou sítios eletrônicos.

Assim dispõe os artigos 3 e 4 da legislação:

Art. 3º Deve expor de forma expressa em sua ficha de filiação, site e regulamento a informação de que é uma associação civil que realiza rateio de despesas já ocorridas entre os seus membros e que não se confunde com o seguro empresarial. 

Parágrafo único. Além das informações de que não é seguro empresarial, deve conter também de forma clara que não existe apólice ou contrato de seguro, mas que as normas são da própria associação.  

Art. 4º A norma criada pela associação, referente ao rateio de despesas, deve ser exposta ao associado por meio de documento escrito, o qual deverá conter em linguagem clara os direitos dos associados quanto às despesas que a associação irá amparar e as que serão excluídas do rateio, forma de procedimentos de amparo, filiação e desfiliação, prazos, obrigações pecuniárias e outras regras que impliquem limitações de direitos dos associados.

Desse modo, o legislador tratou de diferenciar as associações que agem corretamente, com o devido rateio, das que se passam por seguradoras, submetendo-as à fiscalização do órgão responsável. Além do mais, fica dada a segurança jurídica, permitindo o funcionamento legal das associações, que devido ao sucesso entre os cidadãos interessados em proteger seu patrimônio, tem garantido uma importante função social: A geração de emprego e renda.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pela leitura do presente artigo é possível observar que as associções estão pautadas sob a égide da garantia fundamental à livre associação, presente desde a primeira constituição da era republicana.

O direito à livre associação é instrumento de suma importância para o Estado Democrático de Direito, permitindo que a população alcance objetivos não assistindos pelo Estado, ou que intervinham de forma precária, o que efetiva direitos e garantias fundamentais, no caso das associações de proteção veicular alcança o direito a pessoa de baixa renda em ter o seu bem assegurado.

O rateio de despesas por entidades de autogestão já vinha sendo reconhecido em outras áreas, como a da saúde, moradia e educação, não sendo viável a proibição desta modalidade no campo patrimonial, já que não causa significativas interferências no mercado de seguros.

Assim, não há o que se falar em ilegalidade ou concorrência desleal na prática da ajuda mútua, que inclusive foi indiretamente reconhecida como lícita pelo estado de Goiás, uma vez que editou lei efetivando a atuação dos orgãos do consumidor, bem como reconheceu a relação de consumo.

Portanto, a regularização desta modalidade é enssencial par que a SUSEP encerre a perseguição contra as associações de proteção veicular, bem como para trazer maior segurança jurídica as associado desta modalidade.

9. REFERÊNCIAS

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo os Conceitos Fundamentais e a Construção do Novo Modelo/ Luís Roberto Barroso São Paulo: Saraiva. 2 ed. 2010. 454p. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/1J8dkR9tq0GM8farlh1n5P69VuHTrV5Vi/view?usp=sharing>. Acesso em 02 fev 2020.

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BRASIL. Decreto-Lei Nº 73, de 21 de Novembro De 1966. Dispõe sôbre o Sistema Nacional de Seguros Privados, regula as operações de seguros e resseguros e dá outras providências. Brasília, 21 de novembro de 1966; 145º da Independência e 78º da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del0073.htm>. Acesso em 28 fev 2020.

BRITTO, Carlos Ayres. O Regime Constitucional das Associações Civis. Parecer Jurídico. 2015. Disponível em: https://onedrive.live.com/?authkey=%21AL0dlbd7IG6zRms&cid=1F74C2C9313BAF47&id=1F74C2C9313BAF47%213521&parId=1F74C2C9313BAF47%213522&o=OneUp. Acesso em: 13, de fevereiro de 202, p. 03.

CANOTILHO, J.J. Gomes et al (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva/Almedina, 2013, p. 308.

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Resolução 46 de 18 de dezembro de 2007. Cria as Tabelas Processuais Unificadas do Poder Judiciário e dá outras Providencias. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/167. Acesso em 06, de março de 2020.

CUNHA, Márcio Messias. Criação e Formação De Associações Para Fíns Lícitos: Estudo Sobre a Legalidade Das Associações de Proteção Veicular. Brasília, 392 páginas. Mestrado Dissertação. Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Desenvolvimento. IDP.

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STJ. RECURSO ESPECIAL. Resp nº 1616359. Relator: Ministro OG Fernandes. Publicação em 21/06/2018. Jusbrasil, 2018. Disponível em <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/594805956/recurso-especial-resp-1616359-rj-2016-0194359-4/inteiro-teor-594805972?ref=juris-tabs>. Acesso em 04 mar 2020.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único - São Paulo: METODO. 2014.

  1. Márcio Messias Cunha. Advogado e Professor Universitário há mais de 10 (dez) anos. Coordenador dos livros Expoentes da Advocacia em Goiás I e II, escritor da obra Código de Processo Civil Lei de Execução de Títulos Extrajudiciais que foi destaque no ano de 2008 na comunidade jurídica. Com formação de mestrado pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa IDP.

  2. Artigo feito pelo autor na qualidade de Doutorando em conjunto com o IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa;

  3. Artigo 1° da Lei n° 173/1893 As associações que se fundarem para fins religiosos, moraes, scientíficos, artísitocos, políticos, ou de simples recreio, poderão adquiri individualidade jurídica, inscrevendo o contrato social no registro civil da circusmcripção onde estabelecerem a sua sede. (SIC).

  4. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; X - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País;  

  5. Art. 61. Dissolvida a associação, o remanescente do seu patrimônio líquido, depois de deduzidas, se for o caso, as quotas ou frações ideais referidas no parágrafo único do art. 56, será destinado à entidade de fins não econômicos designada no estatuto, ou, omisso este, por deliberação dos associados, à instituição municipal, estadual ou federal, de fins idênticos ou semelhantes.

    § 1 o Por cláusula do estatuto ou, no seu silêncio, por deliberação dos associados, podem estes, antes da destinação do remanescente referida neste artigo, receber em restituição, atualizado o respectivo valor, as contribuições que tiverem prestado ao patrimônio da associação.

    § 2 o Não existindo no Município, no Estado, no Distrito Federal ou no Território, em que a associação tiver sede, instituição nas condições indicadas neste artigo, o que remanescer do seu patrimônio se devolverá à Fazenda do Estado, do Distrito Federal ou da União.

  6. Projetos de Lei favoráveis 39/2017, 2441/2019, 356/2012 e 5127/2019. Projeto de Lei desfavorável às associações 3139/2015

Sobre o autor
Marcio Messias Cunha

Advogado; Mestre em Direito pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa; Doutorando em Direito Constitucional pelo IDP - Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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