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Stalking: Perspectivas sobre a Lei 14.132/21

Agenda 19/11/2021 às 21:42

RESUMO

Os casos de violência doméstica no Brasil são uma constante. Esses casos de violência podem apresentar-se de diversas maneiras, como violência sexual, física, moral, patrimonial e psicológica. Dentro da violência psicológica temos uma conduta que se destaca, que é o stalking. O stalking é o ato de perseguir ou assediar a vítima insistentemente. Esse ato até recentemente não era criminalizado e, com isso, muitas vezes, não tinha o devido tratamento legal, quer pelas autoridades, ou até mesmo pela vítima, que não tinha consciência do perigo que ele representa. Neste trabalho, pretendeu-se verificar as perspectivas que a Lei 14.132/21 traz para coibir o stalking e enfrentar a violência doméstica e diminuir o feminicídio. A fundamentação teórica baseia-se na conceituação do stalking, da Lei Maria da Penha e do Feminicídio. Percebe-se que já foi um grande avanço a sanção da Lei 14.132/21, mas que temos um longo caminho a percorrer para que as vítimas sejam realmente amparadas pelo Estado e os perseguidos punidos de acordo com a gravidade dos seus atos.

PALAVRAS-CHAVE: Stalking. Lei Maria da Penha. Feminicídio.

1. INTRODUÇÃO

A violência cometida contra a mulher não é algo novo, no entanto, esses números atualmente se tornam mais alarmantes. Na realidade essa violência sempre aconteceu, mas ficava na inviolabilidade do espaço doméstico. Essa violência tem várias formas de acontecer, como a violência física, sexual, patrimonial moral e psicológica. Neste último tipo de violência, observou-se que vinha acontecendo com frequência um fenômeno que não tinha a devida atenção pela legislação pátria. Esse fenômeno é o stalking, que é uma perseguição obsessiva, uma invasão da privacidade da outra pessoa de forma repetitiva, acarretando sofrimento mental e social da vítima. De acordo com pesquisas, as maiores vítimas de stalking são as mulheres e, nesses casos, não são raras as vezes em que essa perseguição chegue ao feminicídio.

Salienta-se que o stalking, no ordenamento jurídico brasileiro, foi criminalizado recentemente pela Lei 14.132/21. Antes desta lei, a prática de stalking era compreendida como contravenção penal e, no âmbito da violência doméstica, se amparava na Lei Maria da Penha para inibir e garantir a segurança da vítima.

Sendo assim, o presente trabalho, com a sanção da Lei 14.132/21, tem o objetivo de verificar a perspectiva da referida lei e sua possível contribuição para a redução da violência doméstica e, em consequência, do feminicídio.

A relevância desta temática deve-se à necessidade de compreender o stalking como o começo de uma conduta que leva a crimes mais graves, sendo imprescindível que o perseguidor seja punido a tempo de parar e não cometer o feminicídio.

O recorte metodológico tem início na conceituação da palavra stalking, seus motivos, seus efeitos e sua contextualização histórica.

No segundo item apresentam-se os dispositivos legais para coibir a violência contra a mulher, como a Lei 11.340/2006, a Lei 13.104/2015 e a Lei 14.132/21. Neste item também foi realizada uma pesquisa das decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no período de 2016 a 2020, e foi realizada a busca pela palavra stalking, considerando os resultados que foram vinculados à violência doméstica. Esta pesquisa tem o intuito de conhecer como era tipificado o crime de stalking e verificar quais medidas eram utilizadas para coibir esses casos. Posto isso, sendo possível compreender os benefícios da criminalização do stalking.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1. Stalking

Em relação à etimologia da palavra stalking, segundo Botiglerri[2] tem origem inglesa e nos transmite a concepção de perseguir, espreitar, andar com cautela, ato de aproximar-se silenciosamente, sorrateiramente, com intenção obsessiva, como o tigre persegue silenciosamente a sua presa. Embora sem tradução para o português, pode-se afirmar que é muito utilizada no mundo da caça, quando o predador persegue a presa de forma contínua e obsessiva.

Ramidoff e Triberi mencionam que a origem da expressão:

Está provavelmente ligada a uma terminologia em tema de caça, que remonta ao renascimento inglês e foi transportada das histórias de caça aos animais à caça, agora, do próprio ser humano (to stalk perseguir um animal). (...) provavelmente, a primeira referência a um trágico caso de stalking, deve-se a um serial killer norte-americano que, em 1975, referindo-se ao próprio comportamento, declarou como fosse realmente excitante a perseguição, o stalking, da vítima[3].

Para Grangeia e Mato[4] é um padrão de comportamento de assédio persistente, que se traduz em formas diversas de comunicação, contato, vigilância e monitorização de uma pessoa. Ou seja, o agente utiliza-se de vários recursos para invadir a privacidade de outra pessoa repetitivamente, na grande maioria dos casos sem violência física, somente através do sofrimento psicológico e social.

A intenção do agente é estar próximo da vítima e, na grande maioria, reatar relacionamentos. Inúmeros são os motivos inspiradores para perseguidores darem início a essa atitude, e os mais comuns são: violência doméstica, inveja, rejeição, ódio, brincadeira e/ou estado de amor crônico[5].

Independente do motivo, o fato preponderante é que essa perseguição causa efeitos catastróficos na vida das vítimas, trazendo, no mínimo, perturbação emocional. A vítima constrange-se a tal ponto que troca número de telefone, os horários e os percursos que costumava fazer e aumenta os mecanismos de segurança e proteção pessoal.

Salienta-se que qualquer pessoa pode ser vítima de stalking em algum momento da vida. De acordo com Pathé, Mullen, Purcel apud Matos et al.[6], as vítimas de stalking podem ser agrupadas em oito categoriais, de acordo com a relação da vítima com o stalker e de acordo com o contexto em que ocorre. As categorias são as seguintes:

- Vítimas de ex-parceiros: Envolve uma vítima do sexo feminino que é perseguida por um ex-parceiro íntimo. Estas vítimas tendem a experimentar um número maior de comportamentos de stalking e, com frequência, ocorrem ameaças e agressões físicas. A vítima muitas vezes se autoculpabiliza por ter mantido uma relação com o stalker atual. Esta é a categoria que nos interessa no caso deste trabalho, porém, mesmo assim, vamos discorrer brevemente a respeito das outras, com intuito de aprofundar conhecimento.

- Vítimas de conhecidos ou amigos: A maioria dos homens vítimas de stalking insere- se nesta categoria. Geralmente ocorre depois de um encontro casual, tem curta duração e envolve um baixo risco de violência.

- Vítimas em contexto de uma relação profissional de apoio: Determinadas profissões, que se baseiam no desenvolvimento de relações regulares e de proximidade, envolvem um risco acrescido de stalking. Exemplo de profissionais de saúde, advogados, os professores, os assistentes sociais, entre outros. O desejo de estabelecer uma relação de intimidade e o desejo de vingança são os principais motivos envolvidos.

- Vítimas em contexto laboral: Ocorre no contexto profissional, envolvendo empregadores, subordinados, colegas ou clientes, motivados pelo desejo de iniciar uma relação de intimidade ou pelo sentimento de vingança.

- Vítimas por desconhecidos: Geralmente este tipo de situação é a que causa maior alarme e apreensão na vítima, contudo, estudos não comprovam que os stalkers desconhecidos sejam os mais perigosos.

- Celebridades vítimas: Celebridades e figuras públicas são perseguidas com o intuito de estabelecer uma relação de intimidade, vingança ou obtenção de favores. Raramente ocorrem situações de violência, pelas medidas de segurança fortemente adotadas. Porém, não foi o que se observou no caso ocorrido com a apresentadora Ana Hickmann, que foi vítima de stalking.

- Falsas vítimas: Algumas correspondem a trocas de papéis, em que o stalker acusa a vítima de o perseguir, o que proporciona um contexto de retaliação e uma forma de manter um contato legal com a vítima. Algumas falsas vítimas têm como propósito obter recompensas.

Pathé, Mullen, Purcel apud Matos et al.[7] classificam cinco tipos de stalkers, listados a seguir:

- Rejeitado: Surge no contexto da ruptura de uma relação de proximidade, geralmente íntima. Incluem-se os ex-parceiros, mas podem surgir casos de conhecidos. Em termos psicológicos, dificilmente apresenta distúrbios de natureza psicótica.

- Ressentido: Percepciona-se como vítima de uma injustiça ou humilhação e, por isso, aumenta os comportamentos de stalking devido ao desejo de vingança ou validação. As vítimas tornam-se alvo devido ao seu comportamento ou como representantes de um grupo. Alguns casos estão associados a perturbações sociológicas. Como perturbação de personalidade paranoide ou narcísica.

- Busca de intimidade: Ocorre num contexto de solidão ou na ausência de um parceiro ou de um confidente, com o objetivo de estabelecer uma relação de intimidade, que é fantasiada ou idealizada pelo stalker. Na maioria dos casos o stalker apresenta perturbações psiquiátricas.

- Cortejador inadequado: Persegue inapropriadamente um alvo com quem procura iniciar uma relação ou ter um encontro, por se sentir atraído por essa pessoa. Envolve pessoas desconhecidas ou com quem o stalker mantém contatos ocasionais. Os estudos sustentam que não representa grande risco de violência.

- Predador: Os comportamentos de perseguição funcionam como uma fase preparatória da agressão sexual, com o objetivo de recolher informações sobre a potencial vítima. A conduta é coberta, as ações são dissimuladas de forma a prevenir o alarme da vítima.

Depois de conceituarmos stalking, podemos afirmar que se configura como um conjunto de comportamentos de assédio persistentes e repetitivos por parte do stalker que causam mudanças de estilo de vida da vítima, afetando sua saúde física e mental.

No Brasil, o termo stalking começou a ser recentemente estudado. De acordo com Royakkers apud Bottiglieri[8], a primeira referência mundial ao evento foi encontrada no ano de 527 D.C., no Código Justianiano, mais precisamente no quarto livro, Título IV, Capítulo IV, o qual dispunha da seguinte redação: ser um incômodo seguindo uma mulher casada, menino ou criança poderá levar a acusação.

Através da Escola Positiva de Cesare Lombroso, o stalking adquiriu perspectivas no âmbito da Psicologia e Psquiatria. Em 1921 o psiquiatra francês Gaëtan Gatian de Clérambault apresentou a Síndrome de Clérambault, também conhecida como Erotomania[9]. O psiquiatra registra a experiência marcante de uma de suas pacientes, uma mulher de 53 anos que ficou convencida de que o rei Jorge V da Inglaterra estava apaixonado por ela. Durante várias viagens que fizera à Inglaterra, ela ficava pacientemente esperando diante das grades do Palácio de Buckingham, quando via alguma cortina se movendo, ela interpretava como um sinal que o rei estava enviando[10].

Nos anos 1980 a palavra stalking começou a se tornar familiar com as notícias de vários crimes de repercussão global. Segundo Hall apud Amiky[11], o stalking começou a receber atenção na mídia em 1980, com o assassinato de John Lennon. E em 1981, com a tentativa de assassinato do presidente dos Estados Unidos Ronald Reagan por um homem chamado John Hinckley Jr. Que disse ter cometido o ato para chamar a atenção da atriz Jodie Foster, por quem era obcecado. Em 1989 a atriz Rebecca Schaeffer foi assassinada, no Estado da Califórnia, por um fã na porta do edifício onde morava, fato que motivou a criação da lei criminalizando o stalking. A Dinamarca foi o primeiro país europeu a legislar sobre o tema, criminalizando as condutas de assédio sobre outrem desde 1912 em seu código penal, sendo alterado posteriormente para que os casos mais graves também fossem abarcados pelo mesmo código. Na Austrália, o stalking é definido em termos de proximidade do perseguidor com a vítima, a persistência e constância nos atos praticados e o prejuízo causado à vítima devido às situações que levariam ao estresse[12].

De acordo com Bottiglieri[13], no Reino Unido, Inglaterra, País de Gales e Escócia em 1997, e Irlanda do Norte em 2000, classificaram o stalking como crime. Todos culminaram com uma pena de até cinco anos de prisão para quem for flagrado perseguindo obsessivamente, previstas também penas de prestação pecuniária, medidas restritivas e protetivas.

No cenário brasileiro, os estudos ainda são escassos, e o reconhecimento do stalking como tipo de violência interpessoal está ganhando maior visibilidade. Considerando que recentemente o stalking, no ordenamento jurídico brasileiro, era tido como uma contravenção penal, intitulado como perseguição insidiosa, com previsão no artigo 65 do Decreto-Lei nº 3688/41:

Molestar alguém ou perturbar-lhe a tranquilidade, por acinte ou por motivo reprovável.

Pena prisão simples, de quinze dias a dois meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.

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O fato de o ordenamento jurídico brasileiro enquadrar o stalking como contravenção penal deixava as vítimas sujeitas a reincidências e os perseguidores com remotas chances de serem punidos.

Em relação à tipificação penal no Brasil, tivemos um avanço no último dia 31/03/2021, quando foi sancionada a Lei nº 14.132/21/, que acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848/40 (Código Penal), para prever o crime de perseguição; e revoga o art. 65 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais). O artigo 147-A do Decreto-Lei nº 2.848/41 traz a seguinte previsão:

Perseguição

Art. 147-A.  Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.

Pena reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I contra criança, adolescente ou idoso;

II contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

Considera-se que essa medida não irá resolver completamente a questão, mas representa um passo para as vítimas se sentirem mais seguras.

Sendo assim, após ter explanado a respeito do stalking, o item a seguir expõe a violência contra a mulher, a Lei Maria da Penha e o crime ocorrido caso esse dispositivo não tenha efetividade.

2.2. Violência contra mulher

Apesar de a Constituição da República Federativa do Brasil (CRBF) de 1988 trazer, no § 8º do artigo 226, que repudia a violência doméstica e familiar contra a mulher, foi com o passar dos anos que esse tema começou a receber por parte das autoridades e da própria sociedade uma atenção especial. Essa atenção foi verificada através da criação de algumas leis, como: a Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha; a Lei nº 13.104/2015, que institui o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio; e recentemente a Lei 14.132/21, que prevê o crime de stalking. Cabe ressaltar que, em relação a está última lei, evidencia-se que uma parte significativa dos casos envolvendo stalking são contra mulheres no âmbito doméstico. Desse modo, esses dispositivos legais têm a intenção de coibir a violência doméstica e familiar.

2.2.1. Lei Maria da Penha

Desde 2006 o Brasil conta com um importante aliado no enfrentamento da violência contra a mulher, a Lei n. 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha. Noleto e Barbosa[14] afirmam ser de extrema relevância para o enfrentamento da violência contra a mulher no Brasil e tem como objetivo proporcionar proteção e o acolhimento emergencial à mulher vítima da violência doméstica e familiar, criando mecanismos para garantir a assistência jurídica e psicossocial à ofendida, e tende a dirimir qualquer forma de violência no ambiente das relações íntimas.

Cunha e Pinto[15] enfatizam que a Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal.

Com a Lei Maria da Penha, ocorreu a aplicação de punições mais rígidas para os agressores de mulheres, e modificou-se significativamente o trâmite das denúncias de violência doméstica e familiar, o que trouxe um enorme avanço no campo dos direitos humanos. Souza[16] descreve os benefícios que a lei trouxe como:

A criação de alguns serviços e a melhoria de outros como: casas abrigo; delegacias especializadas; núcleos de defensoria pública especializados; serviços de saúde especializados; centros especializados de perícias médico-legais; centros de referência para atendimento psicossocial e jurídico; Juizados de violência doméstica e familiar contra as mulheres; equipe de atendimento multidisciplinar para auxiliar o trabalho dos Juizados e núcleos especializados de promotoria.

A Lei Maria da Penha foi o primeiro passo no rol de medidas tomadas pelo Estado para a desnaturalização da violência contra a mulher. Para Noleto e Barbosa[17] a lei ainda carece de melhor efetividade, especialmente no que tange às ações de prevenção, como aquelas voltadas à educação, e à concretização de uma complexa rede de apoio às mulheres vítimas de violência. 

A Lei Maria da Penha prevê cinco tipos de violência doméstica, classificadas em violência física, psicológica, sexual, patrimonial, moral. As formas mais frequentes de violência doméstica são as ameaças, as lesões corporais, os crimes contra a honra, a perseguição obsessiva e, lamentavelmente, o feminicídio. O feminicídio normalmente representa a consequência final, anteriores a ele ocorreram outros comportamentos agressivos e inúmeros sinais que caracterizam que o fim seria a morte da mulher.

Esse ciclo de violência inicia-se com a violência psicológica, se manifestando através da própria ameaça, do desrespeito, intimidações, atribuições de culpa a mulher pelo fracasso, constrangimento público, dentre outros atos. Após a etapa de tensão mencionada anteriormente, ocorre a fase da explosão, onde acontece a violência física propriamente dita, sendo um estágio mais curto e que é o ápice da violência[18]. Ressalta-se que o stalking está incluído num tipo de violência psicológica e que a maioria dos casos de feminicídio pode ser evitada, pois existe uma série de violências que o antecedem, sendo ele identificado como a consequência máxima de um ciclo repetitivo de violência que não foi interrompido. Dentre os principais avanços da Lei Maria da Penha, estão as medidas de protetivas[19], por ser uma medida de urgência, a lei prevê que a autoridade judicial deverá decidir o pedido no prazo de 48 horas após o pedido da vítima ou do Ministério Público. No stalking, por ser considerado uma violência psicológica, a mulher pode fazer uso da medida protetiva para preservar sua integridade física e psicológica.

Salienta-se que os verbos coibir, prevenir, punir e erradicar nos levam a acreditar que se pode impedir, evitar, castigar e, por fim, acabar com toda forma de violência contra a mulher, porém, na prática, não são sinônimos de realizar e concretizar o que a lei traz. O sistema prevê nas medidas o afastamento físico, porém não cura a psicopatia, o desejo de perseguição existente dentro do agressor, resultando no descumprindo de ordem judicial e, consequentemente, na morte da vítima[20].

Diante disto, o que se observa no contexto do stalking e de outras formas de violência doméstica é que, quando o agressor está obcecado pela vítima, a medida protetiva tem quase nenhuma aplicabilidade, pois a primeira oportunidade de descumprimento da medida e de contato do agressor com a vítima é para ele cumprir as ameaças de morte. Por isso, para um melhor proveito da medida protetiva, tanto a vítima como o agressor necessitam de amparo psicológico e social. Pois, em vários casos, nem mesmo com a aplicabilidade da Lei 13.641/2018, que criminaliza o descumprimento da medida protetiva, consegue-se evitar o crime de feminicídio.

2.2.2. Feminicídio

Os conceitos de femicídio e feminicídio surgiram após a tradução da expressão inglesa femicide para o castelhano. Para autores como Ortega[21] e Chaves[22] existe a seguinte diferenciação entre os dois termos: o femicídio como sendo o homicídio que tem como vítima a mulher, independente de qualquer circunstância, e o feminicídio como o homicídio praticado contra a mulher simplesmente pelo fato de a vítima ser do sexo feminino, e este é o termo que tem relevância jurídica no Brasil[23].

Nesse sentido, Mello[24] define o feminicídio como a morte violenta de mulheres, por sua condição de mulher ou assassinato de mulheres por razões associadas a gênero. Sendo assim, o feminicídio ocorre por causa da própria condição de ser mulher, diferenciando-se de um homicídio feminino por conta da natureza e dos motivos da sua execução.

Assim, entendemos que a definição de feminicídio:

Mais adequada e útil para a análise jurídico-penal seria, o assassinato de mulheres baseado no gênero, fruto da dominação e forma de controle sobre o corpo feminino, sendo, portanto, um crime de poder, incluindo não apenas o assassinato por parceiros íntimos, mas também a morte intencional por parceiros não íntimos, que tenha sido motivado em razão de gênero (SEGATO, apud, MELLO).[25]

Diante deste contexto, justificam-se, na história, a dominação da mulher pelo homem e a impunidade e a indiferença que perduraram durante anos na sociedade e no Estado.

Para Pasinato[26] a tipologia do feminicídio é composta por três grupos:

  1. Feminicídio íntimo aquele cometido por homem com o qual a vítima tem ou teve uma relação íntima, familiar, de convivência ou afins.

  2. Feminicídio não íntimo aquele cometido por homem com o qual a vítima não tinha relações íntimas, familiares ou de convivência, mas tinha uma relação de confiança, hierárquica ou amizade.

  3. Feminicídio por conexão é aquele em que as mulheres foram assassinadas porque se encontravam na linha de fogo de um homem que tentava matar outra mulher.

O Brasil foi o 16º país da América Latina a incluir o crime de feminicídio no Código Penal. O crime de feminicídio foi incluído no Código Penal através da Lei nº 13.104/2015, que trouxe a alteração do artigo 121, para prever, no inciso VI, o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o artigo 1º da Lei nº 8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. A lei considera que o feminicídio acontece quando o crime envolve: violência doméstica e familiar; e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher[27]. Destaca-se que os homicídios simples têm pena de 6 a 20 anos, os homicídios qualificados têm de 12 a 30 anos. A lei prevê algumas causas de aumento de pena para o crime de feminicídio, como aumento da pena em 1/3 até a metade se o crime é cometido durante a gestação, ou nos 3 meses após o parto, se é cometido contra pessoa menor de 14 anos, maiores de 60 anos, com deficiência ou portadora de deficiência degenerativa, na presença física ou virtual de ascendentes ou descendentes da vítima e em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I, II e III do caput do artigo 22 da Lei Maria da Penha.

A lei do feminicídio foi uma importante construção coletiva, porém evidencia-se que existe um atraso entre a lei e a realidade social observada no Brasil. Com base nos dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a taxa de feminicídios no Brasil é uma das maiores do mundo. Em 2017 o Brasil ocupava o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH). E este ano, até meados de janeiro, ao menos 46 mulheres foram assassinadas em crimes tipificados como feminicídio, média de quatro a cada 24 horas[28]. Em relação ao Estado de Santa Catarina, segundo o Boletim Mensal de Indicadores da Segurança Pública, de janeiro a abril de 2021 foram 11 feminicídios consumados. Fazendo um parâmetro com os anos de 2018, 2019 e 2020, nesse mesmo período tivemos respectivamente 10, 24 e 19 feminicídios. Observa-se que desde 2019 esses números vêm caindo, e reafirma-se a necessidade de continuar aumentando a rede de proteção à mulher e conscientizando sobre o tema.

3. DECISÕES PROFERIDAS PELO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SANTA CATARINA

Foi realizada uma pesquisa nas decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina no período de 2016 a 2020. O termo da busca foi à palavra stalking, considerando os resultados que foram vinculados à violência doméstica.

Verificou-se na busca que, no Estado de Santa Catarina, existem: seis Apelações Criminais e um Recurso em Sentido Estrito.

O primeiro julgado, uma Apelação Criminal n.º 0002947-38.2012.8.24.0042[29], solicitando o pedido de afastamento da agravante da reincidência e pela substituição da pena privativa de liberdade para a restritiva de direitos. No dia 24 de setembro de 2012, no trajeto entre a residência da vítima e seu trabalho, o réu ameaçou, por meio de palavras, causar mal injusto e grave à vítima, que mantinha um relacionamento amoroso com ele, e afirmou que iria matá-la e que quebraria as suas pernas, se ela não reatasse o namoro. O réu perseguia e vigiava a vítima durante o período em que tiveram um relacionamento amoroso, e também após o término. A vítima relatou que, mesmo depois de registrar a ocorrência, o réu voltou a segui-la, e que não tinha mais paz, que não podia sair de casa que ele a estava esperando. O Ministério Público ofereceu denúncia como incurso nas sanções do art. 147, c/c o art. 61, II, 'f', ambos do Código Penal (CP).

O segundo julgado trata de Apelação Criminal nº. 0016860-13.2013.8.24.0023[30], solicitando a extinção da punibilidade por decadência e prescrição virtual, e nulidade do processo por falta de audiência preliminar. O réu, inconformado com a rejeição da vítima, já que esta não correspondeu aos seus sentimentos afetivos, nos dias 9, 10 e 12 de agosto de 2011 passou a enviar e-mails ofensivos à vítima, razão pela qual ela registrou Boletim de Ocorrência e pleiteou medidas protetivas de urgência, as quais foram deferidas. Dentre as obrigações, o réu não poderia manter contato com a vítima por qualquer meio de comunicação, inclusive e-mails. Embora devidamente intimado da decisão em 12 de agosto de 2011, o denunciado descumpriu a decisão proferida de manter contato com a vítima, e, no período de 1º de outubro de 2011 a 23 de outubro de 2011, enviou 24 e-mails para a sobrinha da vítima, com o propósito de ofender sua saúde mental/psicológica. Em abril de 2017, por maioria de votos, foi reconhecido parcialmente o apelo da defesa, afastadas as preliminares e deu-se parcial provimento. O Ministério Público ofereceu denúncia como incurso nas sanções do art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/1941, com a agravante do art. 61, inciso II, alínea f, do CP.

O terceiro julgado também trata de uma Apelação Criminal, nº 0004117-82.2011.8.24.0041[31]. A defesa alega que o descumprimento de medida cautelar protetiva deferida em favor da vítima não configura o crime de desobediência, que não houve prova da materialidade quanto ao crime do art. 129, § 9º, do CP, pois não houve ofensa à integridade corporal da vítima, e que considerar como lesão corporal a ocorrência de sofrimento emocional por parte da vítima constitui interpretação extensiva em desfavor da defesa. Foi decidido, por maioria de votos, conhecer parcialmente o apelo da defesa e dar parcial provimento. O Ministério Público ofereceu denúncia pela prática, em tese, dos delitos de lesão corporal no âmbito doméstico (CP, art. 129, § 9º c/c Lei n. 11.340/06, art. 7º, II), por vinte e sete vezes, e de desobediência (CP, art. 330), por vinte e quatro vezes, decretada prisão preventiva e com realização de exame de sanidade mental.

O julgado nº 0001079-2017.8.24.0104[32] é um Recurso em Sentido Estrito e, devido à Resolução 121 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foi possível somente obter as informações da ementa, que demonstra que foi oferecida denúncia pelos crimes de violação de domicílio, ameaça e desobediência, conforme artigo 150, § 1º, 147, Caput e 330 caput do CP.

Na Apelação Criminal do julgado nº 0000914-30.2016.8.24.0044[33] foi solicitado o afastamento da incidência da Lei Maria da Penha, pois réu e vítima nunca tiveram um relacionamento amoroso, e absolvição por insuficiência de provas. Foi decidido, por votação unânime, conhecer o recurso e, no mérito, negar-lhe provimento. Durante aproximadamente três anos, de 2014 a 2017, no Município de Orleans/SC, o denunciado, quase que diariamente, por incontáveis vezes, perturbou a tranquilidade da vítima, perseguindo-a até a faculdade ou sua residência, se escondendo em matagal nas proximidades da casa da vítima, vigiando-a na rua, deixando presentes, objetos e diversas cartas na porta da casa e no veículo de propriedade da vítima, efetuando ligações para o celular da vítima e abordando-a na via pública, tudo com o subterfúgio de prestar auxílio mediúnico, contra a vontade da vítima, causando grande abalo psicológico. O Ministério Público ofereceu denúncia, dando-o como incurso nas sanções dos art. 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41, c/c art. 7º, inciso II, da Lei n. 11.340/06.

No julgado de nº 0001442-32.2015.8.24.0066[34], uma Apelação Criminal, devido à Resolução 121 CNJ, só foi possível acesso à ementa. O apelante solicita absolvição por falta de provas, o recurso foi conhecido e desprovido. Constam na ementa crimes contra a liberdade, inviolabilidade de domicílio e perturbação da tranquilidade. O apelante, prevalecendo-se da relação doméstica e inconformado com o término do relacionamento, passou a perturbar a vítima, proferiu inúmeras ameaças verbais, entrou na residência da vítima de maneira clandestina e escondeu-se embaixo da sua cama munido com uma faca. O Ministério Público ofereceu denúncia, no incurso do artigo 147, caput e 150 caput, ambos do CP[,] e artigo 65 do Decreto-Lei n. 3.688/41. O recurso foi conhecido e desprovido.

No último julgado, uma Apelação Criminal nº 0006429-70.2016.8.24.00036[35], o apelante solicita pretensa absolvição cogitando atipicidade da conduta por ausência de dolo e ausência de substratos de convicção aptos para embasar a condenação. Foi decidido, por votação unânime, conhecer o recurso, e negado provimento. O apelante e a vítima mantiveram um relacionamento amoroso por 8 anos, estando separados desde o mês de fevereiro de 2015. O apelante não aceitou o fim do relacionamento conjugal e, por nutrir ciúme possessivo em relação à vítima, passou a dirigir-se com frequência até a casa e trabalho da vítima para perturbar a sua tranquilidade, praticando atos de violência de doméstica em desfavor da vítima. O Ministério Público ofereceu denúncia em face do apelante, como incurso nas sanções do art. 65 do Decreto-lei 3.688/1941, por no mínimo três vezes, com incidência da Lei 11.340/2006, na forma do art. 71, caput, do CP.

Observou-se que em três julgados foi oferecida denúncia no artigo 65 do Decreto-Lei 3.688/1941, que faz menção à perturbação da tranquilidade, que é muito bem utilizado no direito ambiental, mas que não se aplica aos casos de stalking no âmbito doméstico. Essa tipificação do stalking como contravenção penal deixa vulnerável a penalização desta repreensão para impedir a repetição dos atos de perseguição. Por outro lado, em três julgados foram oferecidas denúncia no artigo 147 caput do CP, o que já faz com que o perseguidor seja responsabilizado por infração penal, como ameaça. Porém, percebe-se uma certa resistência em adotar essa tipificação, como nos traz Cunha[36], quando menciona que existem posicionamentos tímidos a respeito da possibilidade de o stalking amoldar-se ao crime de ameaça, pois se trata de um ataque à liberdade pessoal do ameaçado, perturbando a sua tranquilidade e a confiança na sua segurança jurídica, abalando, desse modo, a sua faculdade de determinar-se livremente.

O alerta realmente apareceu no fato de que, de todos os julgados, somente três mencionaram a Lei 11.340/06, considerado que todas as vítimas eram mulheres e começaram a ser ameaçadas após o término de relacionamento. Somente um julgado considerou o stalking como violência psicológica no âmbito doméstico e um julgado teve ordem judicial de medida protetiva. Ressalta- se que essas medidas têm a finalidade de inibir a reincidência e garantir a segurança da vítima, e que temos a Lei 13.641/2018, que criminalizou o descumprimento da ordem judicial que defere medidas protetivas, estipulando pena de detenção de 3 meses a 2 anos.

4. PERSPECTIVAS SOBRE A LEI 14.132/21

Como mencionado anteriormente, recentemente foi sancionada a Lei nº 14.132/21, que criminaliza o stalking no Brasil. Porém, existem ainda alguns obstáculos a serem enfrentados para que ela atinja seu objetivo, que é coibir a prática do stalking, e também ser um mecanismo de enfrentamento ao crime de feminicídio. De acordo com pesquisas realizadas por Viegas e Mansur[37], uma em cada quatro mulheres e um em cada oito homens são vítimas de stalking em algum momento da vida.

Um dos obstáculos para coibir o stalking, é a identificação da conduta do responsável, pois é necessário que se detecte a linha divisória entre as condutas criminosas destes e aquelas condutas que não constituem crime. Para Trindade[38], o comportamento do ofensor nem sempre constitui algo tido como ilegal. Às vezes consiste em acompanhar a vítima a distância e às escondidas, vigiar, andar atrás dela sem ser percebido. Alguns desses comportamentos são vistos muitas vezes com normalidade, ou a vítima não tem noção do real perigo que eles significam.

Destaca-se que a mulher que está inserida no ciclo de violência muitas vezes não consegue enxergar saída e opta por sofrer em silêncio, e que casos de violência psicológica e perseguição também são crimes que ainda não possuem muito espaço para se discutir dentro dos caminhos legais e oficiais. Existe uma dificuldade em analisar e responsabilizar aqueles que permanecem praticando violências psicológicas e até mesmo perseguindo suas ex-companheiras. A inserção legislativa do stalking busca mostrar que os abusos psicológicos de perseguição à vítima não serão tolerados.

Outro obstáculo deve-se ao fato de crime de stalking exigir a necessidade de representação (vontade da vítima), o que parece acertado, pois transformar o referido crime em ação pública incondicionada traria o Estado como vítima principal, ocupando a efetiva vítima um lugar secundário na legitimidade de querer ver o transgressor censurado. E a luta das vítimas deve ser um caminho escolhido por elas e não pelo Estado somente. Até porque calar a voz de uma mulher por algo que ela não deseja não se tolera mais e, com a nova lei aprovada, perseguir também não[39].

Pode-se ressaltar ainda a importância de registro para imputar a responsabilidade do autor do crime, é fundamental registrar e documentar todos os atos que configurem a perseguição. Isso porque essa comprovação irá facilitar a investigação e tornará a ação penal mais forte, corroborando na elucidação dos fatos apresentados. É indispensável a demonstração desses fatos de ameaça por parte dos stalkeadores, aptos a violarem a liberdade individual da vítima, o que não se presume pela mera presença do agente, tampouco por frequentarem um mesmo local. Costa, Fontes e Hoffmann esclarecem que:

[...] não deixa dúvidas de que o crime demanda habitualidade, [...] um único ato de importunação não tem o condão de configurar o delito, [...]. A repetição não precisa necessariamente se dar pelo mesmo meio executório. A lei penal não estabeleceu uma quantidade mínima de atos, bastando que não seja único. Nesse sentido, mais do que o número mínimo de ações persecutórias (se 2 ou 3), o importante é sua intensidade [...]. Para a configuração do crime de stalking é preciso, portanto, a presença do binômio, quantidade e intensidade[40].

Um fator muito benéfico foi a imputação de penas mais severas para os crimes cometidos contra mulheres, como um mecanismo de evitar a prática de delitos mais graves, como o feminicídio. Segundo dados obtidos na pesquisa Stalking Resource Center, 76% das vítimas do crime de feminicídio foram perseguidas e tiveram sua tranquilidade violada por terceiros, e também 54% das vítimas reportaram à entidade policial que estavam sendo stalkeadas antes de serem assassinadas por seus perseguidores[41].

E, mesmo que a prática do stalking não resulte em feminicídio, tem um viés de coibir a violência psicológica que muitas mulheres sofrem de seus ex-companheiros, pois as vítimas dessa prática ficam com danos temporários e/ou permanentes na saúde psicológica e emocional. Pois essa prática não somente incomoda a vítima, mas deixa-a sob seu controle, fazendo-a ficar em constante ansiedade e medo.

Constata-se que a pena para o crime de stalking é de reclusão, de 6 meses a 2 anos, e multa. Aplicam-se institutos e o procedimento da Lei 9.099/95: trata-se de infração de menor potencial ofensivo (art. 61), que admite a transação penal (art. 76) e permite a suspensão condicional do processo (art. 89), e que adota o procedimento sumaríssimo (art. 77 e seguintes). Se praticado na modalidade majorada por violência doméstica contra a mulher, não se aplicam tais institutos despenalizadores, por força do art. 41 da Lei n. 11.340/06. O acordo de não persecução penal pode ser celebrado, desde que a perseguição não tenha sido praticada com grave ameaça ou violência (art. 28-A do Código de Processo Penal - CPP)[42]. Aqui se percebe, mais uma vez, a tentativa de coibir a prática do feminicídio, a partir do momento em que não permite a aplicação dos institutos despenalizadores se o crime for praticado por violência doméstica, o que também faz aumentar a pena, e assim a pena máxima sai do patamar de infração de menor potencial ofensivo.

Costa, Fontes e Hoffmann[43] discorrem a respeito de quando a perseguição for um ato de desobediência à medida protetiva de urgência, que caracterizará concurso material entre a perseguição majorada contra mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 147-A, § 1º, II do CP) e o descumprimento de medida protetiva de urgência (art. 24-A da Lei Maria da Penha). Por mais que o stalking tenha pena maior, o que pode justificar a opção de alguns pela absorção, há outro fator que permite a cumulação: os bens jurídicos tutelados não são afins. No artigo 24-A da Lei n. 11.340/06 protege-se a administração da Justiça, ao passo que, no novo art. 147-A, tutela-se a liberdade pessoal da vítima. O cúmulo material parece a melhor interpretação. Salienta-se que não cabe prisão preventiva, porém, no caso de violência doméstica, a custódia cautelar pode ser imposta com fundamente no artigo 313, III do CPP.

5. CONCLUSÃO

Este trabalho teve como objetivo verificar a perspectiva da Lei 14.132/21 e sua possível contribuição para a redução da violência doméstica e, em consequência, do feminicídio.

Observou-se a importância da lei de criminalização do stalking, visto que ela não irá trazer benefícios somente no âmbito da violência doméstica, pois existem vários tipos de stalkers e seus comportamentos variam de acordo com o tipo de relação existente com a vítima. Contudo, a maioria das vítimas dos stalkers são mulheres que terminaram seus relacionamentos e, pelo inconformismo, seus companheiros passam a persegui-las. Sendo assim, a Lei Maria da Penha é muito proveitosa para esses casos, visto que o stalking constitui-se numa violência psicológica. Porém, conforme a pesquisa das Jurisprudências do Tribunal de Justiça de Santa Catarina,apurou-se que as medidas protetivas não são muito utilizadas nesses casos, tampouco o stalking considerado como violência doméstica. O que se espera que mude com o advento da Lei 14.132/21.

Em relação à criminalização do stalking, verificou-se que a própria mulher precisa ter consciência de que está sendo vítima de uma violência doméstica, que ela precisa sair da inércia e procurar ajuda, e o Estado precisa identificar na prática do stalking uma violência doméstica e garantir o cumprimento da medida protetiva.

Em contrapartida, teve-se um grande avanço, mesmo sendo uma infração de menor potencial ofensivo, quando cometido contra a mulher perde-se o benefício da transação penal, da suspensão condicional do processo e tem um aumento de pena, aonde se verifica uma tentativa de coibir o feminicídio.

Sendo assim, afirma-se que a lei veio corrigir uma lacuna legal ao criminalizar o stalking, que antes não recebia uma sanção muito alta e acabava, muitas vezes, inviabilizando a punição do autor. E, por esse delito acontecer em ambiente doméstico contra a mulher, foi muito bem recebido no âmbito de crimes contra a mulher e será possível mensurar quantos casos existem realmente no Brasil. Porém, mesmo sendo cedo para afirmar que a Lei trará resultados na diminuição dos crimes de feminicídio, temos boas perspectivas e já podemos considerar uma grande vitória, visto que traz o debate a respeito do stalking na sociedade, vinculando-o a violência doméstica e a alguns casos de feminicídio.

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  1. BOTTIGLIERI, Bruno. Stalking: a responsabilidade civil e penal daqueles que perseguem obsessivamente. São Paulo: Artesam, 2018. p. 1 .

  2. RAMIDOFF, Mário Luiz; TRIBERTI, Cesare. Atos Persecutórios Obsessivos ou Insidiosos. Belo Horizonte: Letramento: Casa do Direito, 2017.

  3. GRANGEIA, Helena; MATO, Marlene Stalking: consenso e controvérsias. Braga: Psiquilibrios, 2010. p. 17.

  4. BOTTIGLIERI, 2018, op cit., p. 2.

Sobre a autora
Christianne Martins Farias

Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Especialista em Gestão de Bibliotecas pela Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Acadêmica do Curso de Direito, Centro Universitário Estácio de Sá, Campus São José/SC.

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