O polêmico Projeto de lei (PL) 2.337, de 25/6/21, que trata da Reforma do Imposto de Renda, foi recentemente aprovado na Câmara dos Deputados, encontrando-se, agora, pendente de apreciação no Senado Federal.
O PL em questão prevê, dentre outras novidades e alterações, a tributação dos dividendos à alíquota de 15%.
A tributação dos dividendos não alcançará, grosso modo, apenas (i) as micro e pequenas empresas optantes do Simples Nacional ou do Lucro Presumido; (ii) empresas do mesmo grupo econômico; e (iii) pessoa jurídica em que o único propósito seja a incorporação imobiliária.
A tributação dos dividendos, por si só, já é objeto de intensos debates. Porém, como se não fosse suficiente toda essa polêmica, o PL prevê a tributação dos lucros acumulados até 31.12.2021 e que serão pagos a partir da vigência da lei decorrente do PL, em 1/1/22.
De acordo com o PL, os pagamentos de dividendos ficarão sujeitos a retenção na fonte nos seguintes termos:
"Art. 10-A. A partir de 1° de janeiro de 2022, os lucros ou dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma, inclusive a pessoas físicas ou jurídicas isentas, excetuadas exclusivamente as hipóteses de que tratam o art. 14 da lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, os §§ 4º e 5º deste artigo e o art. 10-B desta lei, ficarão sujeitos à incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza retido na fonte à alíquota de quinze por cento na forma prevista neste artigo."
Perceba-se que o texto do PL faz expressa referência à tributação dos dividendos pagos ou creditados sob qualquer forma a partir de janeiro de 2022, não trazendo qualquer ressalva quanto a exclusão dos lucros acumulados antes da vigência da lei (até 31/12/21).
Acontece que os lucros que foram sendo acumuladas até 31/12/21 não podem, de forma alguma, ser objeto de tributação no caso de distribuição a partir do ano de 2022, como o PL leva a crer, tendo em vista estarem sob o regime de isenção previsto no artigo 10, lei 9.249/95.
Em situações exatamente como essa, o artigo 150, inciso III, "a", da Constituição Federal, é muito claro em proibir que uma lei nova, que cria ou aumenta um tributo, seja aplicada a fatos geradores que já ocorreram, sob evidente ofensa ao Princípio da Irretroatividade Tributária.
Em linhas gerais, a irretroatividade tributária homenageia os princípios da segurança jurídica e da moralidade e tem como intuito limitar o poder de tributar do Estado, permitindo, assim, a tributação apenas dos fatos geradores que ocorrerem após a publicação da citada lei nova, observados ainda os demais princípios constitucionais.
É provável que o Fisco argumente no sentido de que o fato gerador, qual seja, o pagamento dos dividendos, ocorrerá após a publicação da lei, sendo legítima, portanto, a cobrança do IR à alíquota de 15%. Ledo engano. Sendo os dividendos decorrentes de lucro apurado até 31/12/21, independentemente de quando vierem a ser distribuídos, não poderão ser atingidos pela nova tributação, sob pena de grave ofensa aos ditames constitucionais. A argumentação de que o fato gerador é o pagamento, podendo assim alcançar lucros do passado, é totalmente falaciosa.
Tanto é assim, que em uma situação muito parecida o Supremo Tribunal Federal (STF), quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 2.558/DF, decidiu pela inconstitucionalidade do artigo 74, da MP 2158-35/21, que previa a tributação de lucros apurados por controlada ou coligada no exterior em 2001, a partir de janeiro de 2002.
Se não bastasse tudo o que acima já foi dito, a tributação dos lucros apurados até 31/12/21 incorrerá ainda em evidente majoração da carga tributária do exercício de 2021 para incríveis 49% do lucro!
Explica-se: regra geral, uma empresa recolherá 25% de IRPJ e 9% CSLL em relação ao exercício de 2021, totalizando a montante de 34%. Haverá, ainda, a tributação dos dividendos à alíquota de 15%. Como fica fácil concluir, o lucro acabará tributado em 49%, de modo que não é nenhum absurdo afirmar que beira o confisco a tributação em um patamar tão elevado.
Pensando em afastar qualquer tipo de questionamento pelo Fisco, algumas empresas já pensam em antecipar a distribuição de dividendos até o fim do presente ano, justamente para evitar a tributação a partir de janeiro de 2022.
Porém, a distribuição apressada de lucros poderá incorrer na perigosa descapitalização da empresa que, nesse caso, precisará se socorrer junto aos bancos e seus elevados juros.
Todavia, vale registrar que os contribuintes que não conseguirem ou não desejarem antecipar os pagamentos de dividendos para 2021, certamente terão bons argumentos para afastar a cobrança na esfera judicial, referentemente aos lucros apurados até 31/12/21.