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Conciliação: busca pela resolução eficaz de conflitos fundamentados no direito à proteção de dados e à privacidade na LGPD

PALAVRAS-CHAVE: Conciliação, Conflitos, Direito, Dados, Privacidade, Internet,

INTRODUÇÃO:

O presente trabalho foi elaborado no âmbito do Projeto Conciliação Judicial e extrajudicial em Montes Claros e tem como objetivo esclarecer entendimentos sobre a conciliação e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), além de evidenciar a relação existente entre esses dois conceitos.

O ordenamento jurídico brasileiro defende a utilização de meios alternativos para a solução dos litígios fora do âmbito de atuação do Poder Judiciário mediante técnicas adequadas para cada conflito. O próprio Código de Processo Civil consagra em seu art. 3º, §§ 2º e 3º acerca da necessidade de incentivo para solução consensual dos litígios, estimulando a autocomposição. A autocomposição é uma forma de solucionar conflitos em que um ou ambos os conflitantes abrem mão de seu interesse em todo ou parte, podendo ser dirimido por terceiros.

Para que ocorra o emprego do método mais adequado à solução de um litígio, é crucial se atentar as especificidades do caso concreto, uma vez que se preza pela solução em prazo razoável e de maneira satisfativa. A busca pela tutela jurisdicional para dirimir um conflito, nem sempre é a alternativa mais eficaz, tendo em vista que o número de demandas judiciais no Brasil está cada vez maior.

Ressalte-se que no contexto de implementação de novos dispositivos, caso da Lei Geral de Proteção de dados, que traz matéria completa acerca da proteção de dados e privacidade, com a previsão de sanções sobre a violação dos dispositivos da lei, prevê-se um aumento no número de demandas judiciais, fato que pode corroborar consequências positivas e negativas.

Nessa conjuntura, propõe-se analisar a conciliação como método de resolução dos conflitos relacionados à LGPD, uma vez que por essa técnica tem-se uma economia, celeridade e garantia do sigilo, afora que impulsiona a diminuição de demandas judiciais.

Em artigo publicado no site Jusbrasil, o advogado Martins (2015) utilizou o art. 165 do novo Código de Processo Civil (CPC/2015) para explicar o que vem a ser conciliação:

Segundo o Código, na conciliação, o conciliador, atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.

Para realização da pesquisa utilizou-se o método dedutivo, partindo da premissa geral do tema sob o viés jurídico, a fim de promover uma abordagem das implicações que dele decorrem. Para consecução dos objetivos foram utilizadas as técnicas bibliográfica e documental, busca-se explicar e analisar a temática com a utilização de referências teóricas publicadas em artigos, legislação, jurisprudência e doutrinas.

Desse modo, o artigo objetiva analisar até que ponto a conciliação um método adequado para resolver conflitos no âmbito da LPGD, dada a iminência de um volume extenso de conflitos que podem abarrotar ainda mais o Judiciário.

1 - CONCILIAÇÃO: CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

A solução de conflitos por métodos autocompositivos pode acontecer através da mediação, negociação e conciliação. Essas formas autocompositivas podem acontecer dentro ou fora da esfera judicial. São tratadas diversas vezes no novo CPC, como por exemplo, nos arts. 3º, §§2º e 3º, artigos 190, 165 ao 175, 334, 515, III e §2º, 695, 725, VIII, do Código de Processo Civil (DIREITONET, 2016):

 Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. (BRASIL, 2015)

Nesse sentido:

vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacificação venha por obra do Estado ou por outros meios -, desde que eficientes. Por outro lado, cresce também a percepção de que o Estado tem falado muito na sua missão pacificadora, que ele tenta realizar mediante o exercício da jurisdição e através das formas do processo civil, penal ou trabalhista. (CINTRA, 1997, p. 26)

Após análise do trecho supracitado, percebe-se que trata dos meios alternativos de pacificação social. O presente trabalho abordará a conciliação. No livro Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas de Vasconcelos (2008, p.78) é possível abstrair a seguinte definição sobre conciliação:

Portanto, conciliação é mediação. Com efeito, não é o nome que se dá a um instituto o que caracteriza a sua natureza, mas é a sua natureza aquilo que o caracteriza. A natureza da conciliação é a da mediação de conflitos. O que a distingue de outros modelos de mediação não é a sua natureza, mas as suas particularidades, ou algumas das suas particularidades procedimentais.

De acordo com o art. 5º, LIV, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), o processo é necessariamente formal, isso porque as suas formas constituem o modo pelo qual as partes têm a garantia de legalidade e imparcialidade no exercício da jurisdição. Para que um processo seja efetivamente justo, tem que se cumprir diversas etapas, fazendo com que tudo seja muito demorado.

Sendo assim, muito tempo será ocupado, fazendo com que a função pacificadora perca a efetividade, gerando angustia e infelicidade as partes envolvidas. Logo, o que se espera é uma rápida solução dos conflitos, visto que a demora na solução causa o enfraquecimento do sistema judiciário.

A conciliação sendo usada como meio alternativo de pacificação social contribui para a celeridade, diminuindo a duração do processo além de que reduz custos, visto que o processo civil, por exemplo tem se mostrado um instrumento muito caro de resolução de conflitos. Meios alternativos, como a conciliação possuem algumas características: quebra do formalismo processual, não ter uma forma especifica para o processo seguir contribui para a celeridade; com a gratuidade é possível que mais pessoas tenham acesso a formas de dirimir seus conflitos, ou que pelo menos tenham um custo menor; já sobre a delegalizaçao oferece mais liberdade nas soluções não-jurisdicionais, ou seja, são escolhidos juízes de equidade, não necessariamente juízes de direito. (CINTRA, 1997)

Mas para entender como a conciliação está sendo usada é válido entender quando e como começou a ser utilizada no ordenamento jurídico brasileiro. Os primeiros registros que se tem sobre essa forma de resolução são da Constituição Imperial brasileira, ela previa que a conciliação teria que ser exigida, pelo menos na tentativa, antes do inicio de qualquer outra fase do processo. Era assim, um requisito para que o processo fosse realizado e alcançasse o julgamento da causa. (CINTRA, 1997).

Posteriormente, na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a conciliação foi mencionada no art. 850, que tratam sobre as reclamações trabalhistas.

Art. 850 - Terminada a instrução, poderão as partes aduzir razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez) minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou presidente renovará a proposta de conciliação, e não se realizando esta, será proferida a decisão.

Parágrafo único - O Presidente da Junta, após propor a solução do dissídio, tomará os votos dos vogais e, havendo divergência entre estes, poderá desempatar ou proferir decisão que melhor atenda ao cumprimento da lei e ao justo equilíbrio entre os votos divergentes e ao interesse social. (BRASIL, 1943)

Já a Lei dos Juizados Especiais é direcionada principalmente para o uso da conciliação como meio de resolução de conflitos. Por essa lei, a conciliação passa a ter mais destaque, isso porque passa a existir uma fase exclusivamente conciliatória no procedimento e a referida lei disciplina: Art. 21. Aberta a sessão, o Juiz togado ou leigo esclarecerá as partes presentes sobre as vantagens da conciliação, mostrando-lhes os riscos e as conseqüências do litígio, especialmente quanto ao disposto no § 3º do art. 3º desta Lei. (BRASIL, 1995)

Um dos argumentos utilizados por quem defende o uso da conciliação para a resolução de conflitos é a quebra da rigidez formal. Por exemplo, não há a exigência da presença de um juiz de direito para a realização de reunião de conciliação, basta a presença de um profissional conhecido como juiz leigo ou conciliador. Essa afirmação pode ser provada pelo art. 22 da Lei dos Juizados Especiais:

Art. 22. A conciliação será conduzida pelo Juiz togado ou leigo ou por conciliador sob sua orientação

§ 1º Obtida a conciliação, esta será reduzida a escrito e homologada pelo Juiz togado mediante sentença com eficácia de título executivo. (Incluído pela Lei nº 13.994, de 2020).

§ 2º É cabível a conciliação não presencial conduzida pelo Juizado mediante o emprego dos recursos tecnológicos disponíveis de transmissão de sons e imagens em tempo real, devendo o resultado da tentativa de conciliação ser reduzido a escrito com os anexos pertinentes. (Incluído pela Lei nº 13.994, de 2020). (BRASIL, 1995)

A conciliação é uma forma de solução de conflitos usada em casos em que há alguma relação mais próxima entre as partes litigantes. Sendo assim, subentende-se que seria mais fácil chegar a um acordo. Mas em casos em que pelo menos uma das partes não colaborar para a solução do problema, a lide será encaminhada para o juiz de direito, que tomará a decisão: Art. 23. Se o demandado não comparecer ou recusar-se a participar da tentativa de conciliação não presencial, o Juiz togado proferirá sentença (BRASIL, 1995)

Pode acontecer de ambas as partes conflitantes estarem empenhadas para resolverem a lide e ainda assim não chegarem a um consenso. Nestes casos, dentre os juízes leigos, as partes podem escolher um para atuar como árbitro da lide:

Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.

§ 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução.

§ 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos. (BRASIL, 1995)

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A partir da escolha do árbitro, por mais que ele tenha sido escolhido pelas partes, terá que agir de forma semelhante ao juiz: Art. 25. O árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do Juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por equidade. (BRASIL, 1995)

Fazendo a escolha de que a solução parta de um árbitro, a decisão pode demorar até 5 (cinco) dias para ser homologada: Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subseqüentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível. (BRASIL, 1995)

Na área criminal, anteriormente, a conciliação não era admitida. Isso porque era inviável a liberdade corporal para que acontecessem as reuniões de conciliação. Mas a partir da promulgação da CRFB de 88, seu artigo 98 passou a prever:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo , permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (BRASIL, 1988)

Também, a partir da lei que regulamenta os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, já se admite o uso da conciliação. Essa alteração se justifica pela necessidade de maior efetividade da pacificação também na área criminal.

De acordo com o artigo A conciliação como meio alternativo de solução de litígios, publicado por Victoria de Menezes Halsman, no site Jus.com.br, existe diferença entre a conciliação judicial e a extra judicial:

O conciliador pode ser judicial ou extrajudicial. O conciliador judicial atua como auxiliar da justiça nas audiências de conciliação conforme os artigos 165 a 175 do CPC. Já para o conciliador extrajudicial, não há lei específica para regular o procedimento ou sua atuação. Além disso, as regras da Lei 13.140/2015 serão aplicadas por extensão para as duas formas de atuação do conciliador. (HALSMAN, 2018)

Por exemplo, o art. 167 prevê:

Art. 167.  Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional. (BRASIL, 2015)

A forma de conciliação mais utilizada no Brasil é a extrajudicial, ela dispensa a figura do juiz de direito, basta ser juiz de paz ou promotor de justiça (em caso de comarcas do interior). Esse tipo de conciliação teve seu ápice durante a onda renovatória e é voltada para solução de pequenas causas.

Quem deu início a utilização da conciliação extrajudicial foram os gaúchos, durante os Conselhos de Conciliação e Arbitramento. Depois, em São Paulo, foram criados os Juizados Informais de Conciliação. Nesse contexto, havia apenas a tentativa de conciliar as partes conflitantes, caso não ocorresse a conciliação, também não haveria julgamento. (CINTRA, 1997).

Além dos órgãos conciliadores supracitados, com a promulgação da Lei dos Juizados Especiais, outros órgãos conciliadores foram implementados, como é o caso do Ministério Público, por exemplo.

Art. 57. O acordo extrajudicial, de qualquer natureza ou valor, poderá ser homologado, no juízo competente, independentemente de termo, valendo a sentença como título executivo judicial.

Parágrafo único. Valerá como título extrajudicial o acordo celebrado pelas partes, por instrumento escrito, referendado pelo órgão competente do Ministério Público. (BRASIL, 1995)

A CRFB de 88 prevê a restauração da antiga Justiça de Paz.

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:

II - justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelo voto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e competência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofício ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitação e exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além de outras previstas na legislação.

§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. (Renumerado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392)

§ 2º As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (BRASIL, 1988)

Sobre a conciliação no processo penal:

No processo penal, não há possibilidade de conciliação fora do processo. Mesmo para a transação anterior ao oferecimento da denúncia, [...], haverá sempre necessidade de controle jurisdicional: trata-se de conciliação extraprocessual por natureza, mas endoprocessual pelo momento em que pode ser efetivada (audiência preliminar). (CINTRA, 1997, p. 29)

A partir desse necessário esclarecimento sobre a conciliação, na próxima seção será evidenciada a relação entre essa forma de resolução de conflitos e a LGPD.

2 - IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DO ADVENTO DA LGPD

Consoante ao tema explanado, a evolução da sociedade proporcionou o avanço tecnológico e com isso voltou-se o foco para as relações no meio digital, que possui bastante destaque nos dias hodiernos, uma vez que seus desdobramentos provocam consequências positivas e negativas na esfera das relações no ambiente virtual.

Em virtude disso, usuários tem se valido das facilidades proporcionadas pela internet para realizar a aquisição de produtos, serviços ou mesmo uso das redes sociais, por meio de sites e aplicativos voltados ao âmbito virtual. Assim, existe uma troca de informações e dados pessoais daqueles que utilizam os serviços na internet, sendo que muitas vezes esses dados podem ser compartilhados ou mesmo utilizados para fins que não tenham o conhecimento ou autorização do seu titular.

Ressalte-se, que durante um longo período a legislação brasileira dispôs de ínfima legislação voltada ao direito digital, caso da Lei 7.492/86 que protege em parte, a violação de sigilo e confidencialidade; da Lei n.º 12.737/2021, também conhecida como Lei Carolina Dieckmann, estabelecendo como infração uma série de condutas, como a invasão de computadores e do Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014. Com vistas a implicar o âmbito de proteção no ambiente virtual, houve a promulgação de lei específica que visa abordar detalhadamente acerca do tema, buscando mitigar questões desencadeadas pelo uso e compartilhamento de dados na internet.

A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, dispõe acerca do tratamento de dados pessoais, abrangendo os meios digitais, com o intuito em proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade, nos seguintes termos:

Art. 1º Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.

Parágrafo único. As normas gerais contidas nesta Lei são de interesse nacional e devem ser observadas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.      (Incluído pela Lei nº 13.853, de 2019) (BRASIL, 2018)

Muito embora a LGPD tenha sido sancionada em 2018, alguns dos seus dispositivos entraram em vigor somente a partir de 1º de agosto de 2021, caso dos arts. 52, 53 e 54, que versam sobre sanções administrativas. A LPGP é fundamentada em quatro pilares, sendo estes: segurança, prevenção, responsabilização e prestação de contas.

Sua incorporação na legislação brasileira traz um conjunto de normas acerca da proteção de dados, um cenário passível de provocar intensas transformações no cenário jurídico brasileiro, uma vez que dispõe sobre legislação específica acerca da matéria, contrapondo ao fato que de antes só existiam leis esparsas.

Não obstante, antes de tecer outras considerações, é mister assinalar que a privacidade já era um direito previsto pela Constituição Federal, em seu art. 5º, inciso X. Além do art. 21 do Código Civil, conforme disposto a seguir, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988)

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (BRASIL, 2002)

Com o advento da LGPD o direito à privacidade passa a ser instituído de maneira abrangente, objetivando a proteção dos direitos fundamentais de liberdade e privacidade com legislação criada para dirimir conflitos relacionados ao tema. (PLANALTO, 2020).

A inexistência de legislação específica contribuía para a ausência de uma cultura que tivesse por objetivo a proteção de dados. Assim, aqueles que são responsáveis por atividades que envolvam dados exerciam suas funções sem que haja fiscalização, além de não ter o devido cuidado ou responsabilidade com os dados manuseados. Essa lacuna na lei deixava uma obscuridade para os titulares dos dados, que não dispunham de garantias de que seus dados estariam protegidos e sem um procedimento para exigir certo ajuste daquele que trata os dados a fim de resguardar suas informações.

Com a ampliação da discussão acerca do assunto, com base na falta de proteção dos dados manuseados na rede, fez com que houvesse mudanças na esfera nacional em face do tema. Por isso, a falta de instrumentos jurídicos para a proteção de dados propiciou o advento da LGPD. (BOTTINO, 2020).

A LGPD é responsável por pela regulamentação de temas atinentes ao dia a dia, trazendo responsabilidade para aqueles que trabalham com dados e assegurando ao cidadão a propriedade de fato dos seus dados pessoais, garantindo a exclusão dos dados caso o seu legítimo proprietário solicite. Logo, percebe-se que intuito é a afirmação dos direitos dos indivíduos, que são os titulares de tais dados e as obrigações para os entes que tratam dos seus dados, que são os controladores e operadores.

É imperioso destacar que o Brasil é o quarto lugar em número de usuários da internet, conforme dados da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Em termos práticos, isso quer dizer que a utilização desse mecanismo é muito grande no país, o que traz implicações jurídicas. Com isso, impasses no que diz respeito ao uso da internet crescem de maneira proporcional à quantidade de adeptos, haja vista que os usuários aproveitam as facilidades e comodidades no uso da internet para a realização de atos da vida cotidiana, troca de e-mails e mensagens, compra de produtos, contratação de serviços, dentre outros.

Consoante a levantamento realizado pela associação SaferNet Brasil em parceria como Ministério Público Federal, são registrados ao menos 366 crimes cibernéticos por dia em todo país, tendo sido contabilizadas 133.732 queixas de delitos virtuais no ano de 2018. Os números são estarrecedores, demonstrando uma realidade em que a internet parece ser terra de ninguém e que os crimes ali cometidos não vão sofrer punição, nem dos criminosos ou daqueles que permitiram o vazamento das informações pessoais. (FERNANDES, 2019).

O Relatório de Crimes Cibernéticos Norton: O Impacto Humano, identificou que vírus de computador e ataques malware são os meios mais comuns de cometimento dos crimes cibernéticos, com golpes on-line, ataques de phishing, roubo de perfis de redes sociais, fraudes de cartão de crédito e assédio sexual. Crimes comuns relatados com o advento da internet, dada a ausência de monitoramento das ações praticadas no âmbito da internet. . (GODOI, 2015).

Em notícia divulgada pelo canal G1, tem-se que cerca de 540 milhões de usuários do Facebook tiveram dados pessoais expostos no ano de 2019. Sendo que tais dados podem ser utilizados para a prática de atos ilícitos que venham a prejudicar usuários que nem mesmo tiveram ciência do vazamento de suas informações pessoais. Assim, essa exposição dos dados pessoais demonstra uma vulnerabilidade e a ausência de investimento em mecanismos com o fito de coibir a divulgação de informações pessoais dos usuários de determinado serviço, como o exemplo do Facebook. (G1, 2019)

Não somente isso, o aumento no uso de sistema bancário via internet tem crescido muito nos últimos anos. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), o aumento do número de contas bancárias 100% digitais já vem crescendo desde 2018. Passou de 1,6 milhão de contas em 2017 para 2,5 milhões em 2018. (FEBRABAN, 2019).

Ainda existem desafios para a completa implementação dessas formas digitais, algumas questões precisam ser aprimoradas para que mais pessoas entrem para esse mundo digital. Também segundo a FEBRABAN, 82% dos entrevistados estavam com medo de ir nas agências bancárias (por causa da pandemia), 63% estavam mais dispostos a tentarem usar um aplicativo digital, 84% esperam que os bancos melhorem a interação nos aplicativos para ficarem mais seguros. Pensando nesses últimos 84% é que em 2018 foi criada a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que como o próprio nome já diz, foi criada para proteger os dados de clientes de agências bancárias e empresas e impedir que tais dados sejam divulgados indiscriminadamente. A LGPD será tratada com mais ênfase posteriormente. (FEBRABAN, 2021).

O Mobile Banking, por exemplo, tem sido um meio de movimentar contas bancárias que mais tem crescido, isso se dá pelo fácil acesso, visto que não precisa de acesso a computador, basta um celular com conexão com internet. Devido a essa facilidade, ocorreu um crescimento considerável de número de transações dessa modalidade, passou de 37 bilhões em 2019 para 52,9 bilhões em 2020. Foi um aumento de 20%. Como todas as inovações citadas anteriormente, o mobile banking também veio para facilitar a vida, mas também pode ser alvo de crimes cibernéticos, conforme pode ser comprovado em trecho de matéria do site TechTudo:

Uma nova família de vírus ameaça aplicativos bancários do Brasil e de outros países da América Latina, Europa e África. Chamado de Ghimob, o trojan é uma nova versão do trojan Guildma, desta vez desenvolvido especificamente para apps de celular. O novo sistema pode avançar em aplicativos de bancos, fintechs, corretoras de valores e corretoras de criptomoedas para roubar dados das vítimas e fazer transações ilegais. (FERNANDES, 2020)

Mesmo que pareça contraditório, até um sistema como o open banking, recém-lançado e justamente com o intuito de proteger dados, até ele já está sendo alvo de golpes. Quem afirma isso é o site da Jovem Pan, que divulgou matéria que possui o seguinte trecho:

A tecnologia facilita a vida das pessoas em diferentes aspectos, sobretudo, em relação às questões financeiras. No entanto, com movimento proporcionado pelo open banking, fraudadores digitais estão usando a novidade para aplicar golpes financeiros. As tentativas poderão ocorrer por meio do envio de mensagens de texto ou ligações que solicitem dados, por exemplo para cadastramento no novo sistema. (PAN, 2021)

Nessa conjuntura, a entrada em vigor da LGPD passa a exigir uma adaptação no que tange ao desenvolvimento de medidas técnicas e administrativas que possam prevenir e proteger danos aos titulares de dados contra atos ilícitos. Devendo demonstrar que estão cumprindo com as normas dispostas na legislação supra, protegendo os dados pessoais de seus usuários. Sendo que, conforme disposto na legislação, aqueles que não se adequarem ao dispositivo legal poderão sofrer sanções administrativas em razão do seu descumprimento.

Podendo abranger a imposição de multas e sanções caso não haja o cumprimento do dispositivo legal. Com a entrada em vigor da LGPD, as organizações serão responsabilizadas por qualquer vazamento, não tendo relação com o método de coleta dos dados. A privacidade quanto ao uso de dados passou a ser mais rígida e com delimitação por lei.

Pelos estudos realizados observa-se que, como medida de enfrentamento para as possíveis demandas, faz-se necessário colocar em prática mecanismos eficientes para a dirimir os conflitos que vão surgir em relação a LGPD, dando ênfase para a conciliação, tal como em dispositivo próprio da referida lei tem-se a sua previsão, de maneira impedir que a busca pela tutela jurídica impacte o sistema jurídico, provocando a morosidade processual tanto das novas causas quanto daquelas que já estão em andamento.

3 - CONCILIAÇÃO COMO MÉTODO EFICAZ DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS NO ÂMBITO DA LGPD

Com o advento da LGPD não se pode ignorar a possibilidade de ocorrer um aumento no volume de demandas judiciais em virtude da regulação dos conflitos de privacidade, situação que pode sobrecarregar o sistema judiciário com base na busca pela tutela jurisdicional.

Na época da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor (CDC), também houve um aumento no número de demandas judiciais.

O demandismo nesse campo, por sua vez, pode ter relação com algumas similaridades do regime previsto pela LGPD e do Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para especialistas, inclusive, a LGPD talvez seja o Código de Defesa do Consumidor 2.0, porque pode ter um impacto no Poder Judiciário tal como ocorreu com o CDC. (BOTTINO, 2020).

Nesse passo, o surgimento de legislação que proteja o direito de liberdade e privacidade também pode provocar impactos também no número de demandas no Poder Judiciário, assim como ocorreu com a entrada em vigor do CDC, uma vez que o usuário vai ter um empoderamento sobre a forma que os seus dados vão ser tratados, proporcionando um maior controle. Caso haja ação de maneira distinta, com a violação dos preceitos da LGPD, então o usuário poderá se valer do mecanismo jurídico a fim de resguardar seu direito violado, é nesse contexto que poderá influir para o aumento de demandas pela via judicial.

Contudo, ainda que diversos conflitos exijam a intervenção do Poder Judiciário, outros tantos poderiam ter suas soluções encontradas sem a provocação da via judicial. Caso da conciliação, que é uma forma mais rápida, eficaz e justa para a solução dos conflitos, de maneira democrática, uma vez que permite que as partes construam a pacificação do conflito, tanto que a própria LGPD em seu art. 57, §7º, defende a utilização da conciliação para resolver determinados conflitos.

Nesse passo, a previsão no dispositivo acerca da possibilidade de conciliação tem-se por intuito impedir que o Poder Judiciário seja impactado com demandas que poderiam ter suas soluções encontradas por meio do titular dos dados e daquele que oferece produto ou serviço, isto é, o detentor dos dados que são alvo de vazamentos e fraudes.

Esse cenário permite que possam ser utilizadas plataformas digitais para que essa conciliação ocorra de maneira mais eficaz, sendo um aliado que poderia influenciar para minimizar o número de demandas pela via judicial, com uma solução mais rápida para os litígios. (TEIXEIRA, 2020)

A este respeito, é possível citar a plataforma consumidor.gov.br, um serviço público gratuito, que possibilita o contato direito entre consumidor e fornecedor de produtos ou serviços, para que possam buscar uma solução para o litígio. (BOTTINO, 2020). A plataforma consumidor.gov.br pode ser utilizada como exemplo para a implementação de um mecanismo similar para a resolução de conflitos de privacidade, com a aplicação dos meios tradicionais de resolução dos conflitos. Nesse sentido, Bottino et al destaca:

A experiência com a plataforma consumidor.gov.br, por exemplo, serve como um paralelo para os desafios encontrados com a solução de conflitos relacionados à aplicação da LGPD. Alguns elementos podem ser transpostos para o sistema de proteção de dados pessoais, vez que facilita as reclamações e solução de conflitos. (BOTTINO, 2020).

Com isso, é possível influir de maneira direta na questão da morosidade processual, que já é um problema corriqueiro da justiça brasileira, isso porque com a diminuição das demandas judiciais de determinadas situações, os processos já em andamento poderiam ter uma solução mais rápida, impactando de maneira positiva o Judiciário.

Desse modo, resta perceptível que os conflitos de privacidade podem impor um novo desafio na esfera jurídica, devendo-se cogitar o incentivo da conciliação, principalmente mediante plataforma digital criada para o devido fim, para que se possibilite a mitigação de demandas judiciais, com o intuito de diminuí-las, provocando melhorias no que diz respeito à demora na resolução dos conflitos.

CONCLUSÃO

Após a realização da pesquisa, depreende-se, portanto, que a legislação brasileira incentiva a utilização de meios alternativos para a solução de conflitos no âmbito do Poder Judiciário, uma vez que é medida capaz de dirimir conflitos de maneira a causar menos impactos tanto para as partes quanto para a justiça, encontrando soluções mais rápidas com resultado eficaz.

Assim, com o advento da LGPD restou evidente que, ao regular matéria completa sobre a proteção de dados e o direito à privacidade, o número de demandas judiciais poderia ter um aumento significativo, impactando o judiciário. Por isso, com vistas a não impactar os processos judiciais a própria LGPD dispõe acerca de tentativa de solução do problema mediante a conciliação.

Desse modo, preza-se pela busca por solução justa dos litígios minimizando percalços que o Judiciário vem lutando ao longo dos anos, dado o excesso de demandas que poderiam ser resolvidas por meio da conciliação, principalmente, no ambiente virtual buscando um resultado útil e eficaz.

REFERÊNCIAS

BOTTINO, Celina; CARNEIRO, Giovana; HERINGER, Leonardo et al. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e Resolução de Conflitos: Experiências internacionais e perspectivas para o Brasil.

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Sobre as autoras
Cynara Silde Mesquita Veloso

Doutora em Direito Processual pela PUC Minas, Mestre em Ciências Jurídico-políticas pela UFSC, Professora do Curso de Direito da UNIMONTES. Professora e Coordenadora do Curso de Direito das FIPMoc.

Lívia Santos e Amorim

Discente do quinto período matutino do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Samira Rodrigues dos Reis

Discente do quinto período matutino do curso de Direito na Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Informações sobre o texto

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