O presente texto apresenta uma explanação acerca do instituto da desconsideração da personalidade jurídica como meio de efetivação da jurisdição, sob a ótica do autor, Desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Ainda, aborda quesitos sobre abuso de utilização deste instituto, bem como os posicionamentos jurisprudenciais, alguns dos quais, contando com a participação do autor.
Para tanto traz, à luz de sua dissertação, um julgado, o qual mostrou-se como o divisor de águas (com relação à legislação anterior e regras acerca do instituto, e a legislação atual). Isso se deve ao fato de, por se tratar de uma novidade, à época, destacou sobre a fundamentação rica de apontamentos doutrinários, demonstrando que, referida decisão, fundou-se em na lucidez e profunda análise da matéria, resultando na evolução histórica nas decisões envolvendo a aplicação do instituto.
Destarte, partindo do princípio de que o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei (art. 789 do Código de Processo Civil), entende-se que, uma vez que não seja cumprida a obrigação, voluntariamente, poderá o credor promovera execução forçada. E se tratando de obrigação por quantia certa, buscar patrimônio do devedor.
Neste ponto que a legislação inovou, pois, em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
Isto posto, para que o instituto possa ser utilizado é necessário seguir ao regramento imposto pelo art. 133 do CPC, o qual estabelece a forma de como deverá proceder à desconsideração da personalidade jurídica.
Há, ainda, a possibilidade da desconsideração inversa, a qual possibilita que, o devedor, pessoa física, cujo patrimônio não sejam suficientes para saldar a dívida, e este oculta seus bens pela utilização da pessoa jurídica (os bens da empresa se confundem com os bens do sócio devedor).
Imperioso destacar que a utilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica não carece de ação autônoma, bastando o requerimento, fundamentado, nos próprios autos da execução.
Conforme o art. 50 do Código Civil (CC), são duas a situações que possibilitam a utilização do instituto em comento, quais sejam: i) abuso de personalidade jurídica (caracterizado pelo desvio de finalidade); e ii) confusão patrimonial (situação em que não seja possível distinguir de quem é o patrimônio, ou seja, o sócio usa o bem como se seu, fosse). Em suma, mister que, em ambos os casos, a intensão é ocultar patrimônio com o intuito de lesar credores.
Obviamente, o exercício do contraditório e da ampla defesa devem ser garantidos, uma vez que, como princípios constitucionais, a desconsideração da personalidade jurídica não pode ocorrer sem que seja garantido, ao devedor, o exercício de seus direitos. Afinal, não se pode presumir que toda personalidade jurídica deva ser desconsiderada, apenas quando apuradas as circunstâncias legais.
Mister frisar que a aplicação do instituto sem a oitiva do devedor é possível, mediante aplicação tutela de urgência (cautelar), conforme art. 301 do CPC, para garantir o resultado útil do processo. Para tanto, imperioso a necessidade de fortes indícios da responsabilidade do sócio devedor.
Pertinente ressaltar que, da decisão que determina a desconsideração da personalidade jurídica não incide honorários advocatícios. Contudo, caso ocorra a inclusão de sócios do devedor no polo passivo, como codevedores, e o pedido vier ser julgado improcedente, neste caso sim, incidirá honorários advocatícios em favor dos patronos dos sócios do devedor original.
A mera constituição de sociedade não torna os sócios devedores solidários!
Neste diapasão, do pedido de desconsideração da Personalidade jurídica, poderia o sócio (não devedor), integrar a lide? Entende-se que sim!
Tal possibilidade parte da premissa de que ninguém poderá reclamar direito alheio como próprio. Contudo, diante da possibilidade de constrição de bens da sociedade, ao sócio não devedor é possibilitado defender o patrimônio que lhe pertence. Ou seja, pleitear para que a desconsideração alcance os bens até o valor limite da cota integralizada do sócio devedor.
Não apenas no Código Civil, como também no Código de Defesa do Consumidor (CDC) estão previstas a desconsideração da personalidade jurídica como forma de efetivação de cumprimento da obrigação do devedor. Neste ponto, observa-se que, segundo a doutrina, existem duas teorias, ou requisitos para utilização do instituto:
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Teoria Maior da Desconsideração: É aquela segundo a qual deve ser provado um motivo para que seja decretada a desconsideração, não bastando a simples insuficiência patrimonial da pessoa jurídica (art. 50 do CC, e art. 28, caput, do CDC).
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Teoria Menor da Desconsideração: insuficiência patrimonial da pessoa jurídica é o quanto basta para que seja decretada a desconsideração da sua personalidade (art. 28, §5° do CDC).
Uma terceira teoria, denominada Teoria do Risco da Atividade Econômica, própria do Direito do Trabalho, segundo a qual, o empregado, por contrato individual, aceita receber salário como contraprestação por sua força de trabalho, resultando em lucro para o empresário, o empregador, em contra partida, assume o risco de eventual prejuízo advindo dessa contratação. Essa teoria está amparada no art. 2º da CLT.
Como bem destaca o autor: Em suas respectivas áreas, tanto o Código de Defesa do Consumidor CDC como a Consolidação das Leis do Trabalho CLT trazem ferramentas para proteção de quem, supostamente, representa a parte mais frágil das relações.
Analisando a aplicação jurisprudencial e a leitura do texto em comento, pode-se concluir que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é meio pelo qual busca-se outorgar maior proteção aos credores e a responsabilização dos devedores quanto às obrigações contraídas. Porém, esclarecendo que a utilização do instituto somente é possível quando se trata de cobrança por quantia certa.
Por fim, e não menos importante, apesar de ter sua utilização, em sua maior parte, nas execuções, o requerimento da desconsideração pode ser realizado em qualquer fase do processo, inclusive na petição inicial, bastando, para tanto, o cumprimento dos requisitos legais.
Referência:
Valente, J. J. Desconsideração da personalidade jurídica: uma visão crítica, à luz da jurisprudência - Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 20, nº 49, p. 73-90, maio-junho/2019.