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Responsabilidade civil por danos aos direitos da personalidade em razão da propagação de “fake news”.

RESUMO

O Presente Artigo visa abordar temas pertinentes à responsabilização civil por danos aos direitos da personalidade em razão das de fake News, que consistem na propagação de notícias falsas ou boatos que são transmitidos com a intenção de enganar, difamar ou obter vantagens bem como proveito econômico. O fácil acesso à internet e aos meios audiovisuais nos dias atuais colabora com o aumento imoderado na propagação das fake News. Deste modo, o trabalho, em tela busca aprofundar no tema com o intuito de elucidar de forma minuciosa o que são as notícias falsas, e como são propagadas, bem como a responsabilidade civil pelos danos aos direitos da personalidade em virtude da propagação das mesmas.

Palavras-chave: Dano aos direitos de personalidade. Fake News.

ABSTRACTS

This Article aims to address issues relevant to civil liability for damages to the rights of the personality due to "false news", which consists of the propagation of false news or rumors that are transmitted with the intention of deceiving, defaming or obtaining advantages as well as economic benefit. The easy access to the internet and audiovisual media nowadays collaborates with the immoderate increase in the propagation of fake news. Thus, the work on screen seeks to deepen the theme in order to elucidate in detail what are false news, and how they are propagated, as well as civil liability for damages to the rights of the personality due to the propagation of the previous ones.

Keywords: Damage to personality rights. fake news

Sumário 1. Introdução. 2. Análise acerca da responsabilidade civil. 2.1. Conduta. 2.2. Culpa ou dolo. 2.3. Nexo causal. 2.4. Dano. 3. Direitos da personalidade. 3.1. Proteção jurídica aos direitos da personalidade. 4. Compreendendo as fakes news. 5. Danos aos direitos da personalidade em razão de fake news e o papel da responsabilidade civil. 6. Conclusão. 7. Referências.

I - Introdução

O avanço tecnológico proporcionou à sociedade, inegavelmente, diversos benefícios, em especial no que diz respeito ao acesso à informação. Notícias são difundidas de forma cada vez mais rápida, podendo ser acessadas em diversas plataformas e de diversos lugares. Todavia, nem só efeitos positivos o avanço tecnológico nos proporcionou. Dentre os efeitos negativos, estão as fakes news, ou notícias falsas, que, do mesmo modo, são propagadas em velocidade surpreendente e causam uma série de prejuízos à sociedade. Diante disso, este trabalho se propôs a analisar o fenômeno da fake news e compreender os diversos prejuízos que decorrem em razão dessa prática, especialmente no que tange os danos causados aos direitos de personalidade, averiguando, para isso o papel da responsabilidade civil na proteção e reparação desses direitos.

Para cumprir com o objetivo aqui proposto, esse trabalho se sustenta em três eixos centrais, a saber: responsabilidade civil; direitos de personalidade; e o fenômeno das fakes news. Em um primeiro momento, será feita uma análise dos principais pontos da responsabilidade civil no direito brasileiro, buscando, dessa forma, trazer uma compreensão que, ainda que não exaustiva sobre o tema, nos possibilite examinar como a responsabilidade civil influenciará na proteção e na reparação aos direitos de personalidade em razão da propagação de fake news.

Posteriormente, serão estudadas as principais características dos direitos de personalidade e como ocorre sua proteção jurídica. Além disso, buscar-se-á compreender quais direitos de personalidade podem ser eventualmente violados em razão da propagação de fake news. Por fim, será investigado o fenômeno das fake news e suas principais características para, posteriormente, demonstrar como a responsabilidade civil pode auxiliar na proteção aos direitos de personalidade e na sua reparação em caso de violação motivada por propagação de fake news.

II - Análise acerca da responsabilidade civil

A responsabilidade civil está positivada entre os artigos 927 e 954 do Código Civil, estando presente nos referidos artigos todas as regras atinentes a diversos tipos de responsabilidade, como, por exemplo, a disposta no artigo 932, inciso I, que define a responsabilidade dos pais pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia.[1]

Trabalhando sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho afirma que responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo, que surge em razão da violação de uma obrigação que, por sua vez, se trata de um dever jurídico originário.[2]

Investigando a noção de responsabilidade civil, Alexandre Cortez Fernandes explica que ela pode ser compreendida de duas formas, quais sejam em sentido amplo e em sentido estrito.

Em sentido amplo, a responsabilidade civil denota uma situação jurídica em que alguém tem o dever jurídico de indenizar outrem em virtude de obrigação que decorre de uma dada situação fática.[3]

Com relação ao sentido estrito da responsabilidade civil, por sua vez, afirma o referido autor que é tomada como o específico dever de indenizar oriundo de um dado fato lesivo imputável a um determinado agente.[4]

A responsabilidade civil, em resumo, se traduz como um dever reparatório, que surge para determinada pessoa em razão do ato danoso ilícito por ela causado a um terceiro.

Dentre as diversas espécies de responsabilidade existentes, imprescindível para a compreensão do tema aqui proposto a distinção entre a responsabilidade subjetiva e objetiva.

O parágrafo único do artigo 927 do Código Civil[5] traz a regra geral responsabilidade objetiva, traduzindo-a como uma obrigação reparatória que independe de culpa, devendo ser aplicada em razão de previsão legal ou quando a atividade realizada pelo causador do dano colocar em riscos direitos de terceiros. A título exemplificativo, é possível visualizar a responsabilidade objetiva nas relações de consumo. O Código de Defesa do Consumidor definiu, em seu artigo 12, como objetiva a responsabilidade do fornecedor de produtos. Com isso, é indiferente, para fins reparatórios, a existência de culpa do fornecedor ao causar o ato ilícito ao consumidor.

Acerca do surgimento da responsabilidade objetiva, Bruno Miragem explica o seguinte:

Desenvolve-se no direito contemporâneo a partir do século XIX, em parte como consequência do desenvolvimento industrial e tecnológico daquela época, assim como da crescente urbanização da vida de relações. Justifica-se pela impossibilidade prática, ou mesmo a inutilidade da investigação acerca da presença de culpa como critério para definir a responsabilidade do agente. E representa, ao mesmo tempo, o desenvolvimento gradual de um novo parâmetro ético da vida de ralações, que identifica fundamento suficiente para imputação de responsabilidade a alguém, com base no risco que sua atividade expõe à demais pessoas.[6]

Dessa forma, como dito, a responsabilidade objetiva se define como a responsabilidade que independe de culpa, sendo facultativa sua existência. Todavia, como alerta Carlos Roberto Gonçalves, a relação de causalidade entre ação e o dano é indispensável ainda que a responsabilidade seja objetiva, tendo em vista que não se pode acusar quem não tenha dado origem ao evento danoso.[7]

A responsabilidade civil subjetiva, por sua vez, exige a existência de culpa pelo ato danoso para o surgimento do dever reparatório. Sendo adotada como regra geral, afastada apenas em situações excepcionais ou mediante previsão legal, a responsabilidade subjetiva encontra seu fundamento no artigo 186 do Código Civil, que preceitua: aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.[8]

Arnaldo Rizzardo diz que pela teoria da responsabilidade subjetiva, só é imputável, a título de culpa, aquele que praticou o fato culposo possível de ser evitado. Não há responsabilidade quando o agente não pretendeu e nem podia prever, tendo agido com a necessária cautela.[9]

Conforme se extrai do próprio artigo 186 do Código Civil, para que se configure a responsabilidade civil, deverão ser observados quatro pressupostos, quais sejam a ação ou omissão; a culpa ou o dolo; o nexo causal; e, por fim, o dano.

Esses pressupostos são fundamentais para a compreensão da responsabilidade civil pois, em regra, na ausência de um deles inexistirá responsabilidade, salvo a responsabilidade objetiva, que dispensa a culpa ou o dolo. Assim sendo, importante uma análise de cada um desses pressupostos.

II.A - Conduta

O primeiro pressuposto da responsabilidade civil é a conduta do agente, ou seja, a ação ou omissão por ele praticada que dá origem ao evento danoso causado em desfavor de terceiro.

Sérgio Cavalieri Filho, ao trabalhar esse pressuposto, afirma que a conduta é o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas. A ação ou omissão é o aspecto físico, objetivo, da conduta, sendo a vontade seu aspecto psicológico, ou subjetivo.[10]

Sílvio Rodrigues explica que a responsabilidade do agente pode surgir em razão de ato próprio, de ato de terceiro que está sob sua responsabilidade ou em razão de danos causados por coisas que estão sob a responsabilidade do agente. Sobre a responsabilidade proveniente de ato próprio, o referido autor explica que é aquela que surge de uma ação pessoal que, ao infringir uma norma, causa prejuízos a terceiro. Acerca da responsabilidade por ato de terceiro, surge quando o agente está legalmente responsável pelos atos de outra pessoa, tal como o pai responsável pelos atos do filho menor. Por fim, a responsabilidade pelos danos causados por coisas que estão sob a guarda do agente surge em razão de ser ele quem está sob o domínio da coisa, como ocorre, por exemplo, em casos de defenestramento.[11]

II.B - Culpa

A culpa, compreendida em seu sentido amplo, irá abarcar o dolo e a culpa em sentido estrito. O dolo, explica Silvio Rodrigues, é a conduta do agente que tem como objetivo a realização do dano, ou seja, o agente, de forma intencional, planeja e executa o ato delitivo. A culpa em sentido estrito, por sua vez, ocorre quando o agente não tinha a intenção de causar prejuízos à vítima, mas o faz em razão de imprudência, imperícia ou negligência.[12]

Conceituando a culpa em sentido amplo, Sérgio Cavalieri Filho afirma que ela irá abranger toda espécie de comportamento contrário ao Direito, seja intencional, como no caso de dolo, ou tencional, como na culpa. [13]

Cavalieri Filho ainda explica que há no dolo uma ação intencional voltada à prática de um fim ilícito, enquanto na culpa, em sentido estrito, há a violação de um dever de cuidado, que gera como resultado o ato danoso, previsível ou previsto. [14]

Dessa forma, razoável concluir que, no dolo, sempre existirá a vontade do agente destinada a um fim ilícito, que tem como resultado o dano a um terceiro, enquanto a culpa surge em razão da violação de um dever de cuidado, proveniente de imprudência, imperícia ou negligência. A imprudência se traduz como a falta de cautela ao realizar certa conduta; a imperícia, por sua vez, significa a falta de habilidade técnica para realizar determinada atividade; a negligência, por fim, é compreendida como uma falta de cuidado em razão de conduta comissiva.

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A título exemplificativo, o dolo apto a ensejar responsabilidade existe quando determinado agente, de forma intencional, coloca fogo no veículo de um desafeto. A culpa, por sua vez, existiria em uma situação hipotética em que uma pessoa não habilitada assume a condução de um veículo e ocasiona um acidente, vindo a gerar danos em outro veículo.

II.C - Nexo de causalidade

O nexo de causalidade, também chamado de nexo causal, é o terceiro pressuposto da responsabilidade civil, e se traduz como a relação de ato e consequência entre a ação do agente causador do dano e o dano suportado pela vítima. É nesse sentido a explicação de Flávio Tartuce, para quem o nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa ou o risco criado e o dano suportado por alguém.[15]

Sobre o tema, Sérgio Cavalieri Filho esclarece:

É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta; e o resultado. A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não a causa do dano; determina se o resultado surge como consequência natural da voluntária conduta do agente. Algo assim como: se chover fica molhado.[16]

Dessa forma, tendo em vista que o nexo causal constitui o elo entre a conduta e o dano, restará preenchido o pressuposto em análise sempre que, em razão de determinada conduta danosa e ilícita do agente, uma pessoa vier a sofrer prejuízos.

II.D - Dano

Por fim, resta examinar o último pressuposto da responsabilidade civil, qual seja o dano. Sobre esse pressuposto, Sérgio Cavalieri Filho conceitua-o da seguinte forma:

Subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.[17]

O dano se traduz, portanto, como o efetivo prejuízo suportado pela vítima que, em razão de ato ilícito causado por outrem, sofre um dano patrimonial ou moral.

Imprescindível salientar, pois, que ausente qualquer desses pressupostos, prejudicada restará a responsabilidade civil, salvo a responsabilidade objetiva, que surge independentemente da existência de culpa.

III - Direitos da personalidade

Dentre os inúmeros direitos fundamentais para o exercício de uma vida digna, encontramos os direitos da personalidade. Tais direitos possuem, no ordenamento jurídico, distinta importância, tendo em vista que eles garantem ao indivíduo direitos como a integridade física e a honra.

Para Paulo Nader

os direitos da personalidade decorrem unicamente da condição humana e visam a proteger os atributos da personalidade. Não se confundem com os direitos humanos, mas deles se desprendem. Pode-se dizer que os direitos da personalidade constituem expressão do Direito Natural, porque são a-históricos, derivam da ordem natural das coisas e são revelados pela participação conjunta da razão e experiência.[18]

Carlos Alberto Bittar, investigando o tema, aponta que na doutrina existem duas concepções para os direitos da personalidade, uma positivista e outra naturalista.

Para a corrente positivista, os direitos de personalidade configuram direitos subjetivos que auxiliam na formação da personalidade humana. Sem esses direitos, a personalidade do sujeito seria irrealizável e carente de valor, uma vez que inviabilizaria o exercício de diversos outros direitos subjetivos. Todavia, a referida corrente compreende como direitos de personalidade apenas aqueles provenientes do ordenamento positivo, precisando, pois, do reconhecimento do Estado.

A corrente naturalista compreende os direitos de personalidade como faculdades exercidas normalmente pelo homem, se relacionando com as características inerentes à condição humana, sendo, pois, direitos inatos. [19]

Dessa forma, direitos da personalidade são aqueles que estão intrinsecamente ligados ao indivíduo, sem os quais ele não se desenvolveria de forma plena e digna, motivo pelo qual merecem especial atenção do ordenamento jurídico.

Nesse sentido é que é possível perceber a real importância dos direitos da personalidade. Impossível imaginar, por exemplo, alguém que não tenha resguardado seu direito ao nome, um dos mais importantes direitos da personalidade. Através do nome o sujeito se firma e se reconhece enquanto indivíduo dentro de uma coletividade, se diferenciando dos demais. Tal direito de personalidade deve acompanhar o indivíduo em toda e qualquer situação, jamais podendo ser tolhido. A propósito, oportuno destacar que até mesmo os presos possuem resguardado, de maneira integral, o direito ao nome. A Lei de Execução Penal[20] definiu, em seu artigo 41, inciso XI, que os presos possuem o direito ao chamamento nominal, não se admitindo que sejam chamados por números ou alcunhas, protegendo, dessa forma, um direito que é inerente a todo e qualquer ser humano, independentemente de sua situação.

O Código Civil trata dos direitos da personalidade em capítulo próprio, abrangendo os artigos 11 a 21. Nos referidos artigos, é possível encontrar diversas características dos direitos da personalidade, como, por exemplo, a intransmissibilidade e a irrenunciabilidade, presentes no artigo 11. Dizer que os direitos de personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis significa dizer que seu titular não pode transmitir ou dispor de tais direitos.

Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá, ao trabalharem as características dos direitos da personalidade, apontam, além das duas mencionadas acima, que eles são: absolutos; necessários; vitalícios; extrapatrimoniais; imprescritíveis; e impenhoráveis. Por absoluto compreende-se que os direitos da personalidade exigem uma atitude negativa por parte de todos, na medida em que todos devem se abster de praticar atos lesivos aos direitos da personalidade. Necessários pois eles são primordiais para a efetivação da dignidade humana e definidores da própria existência humana. A vitaliciedade dos direitos da personalidade reside no fato de que eles acompanham o indivíduo por toda sua vida. São extrapatrimoniais pois eles não são suscetíveis de avaliação econômica, ainda que em razão deles possa existir repercussão no patrimônio da pessoa. Os direitos da personalidade são imprescritíveis na medida em que, ainda que seu titular permaneça inerte, eles não serão extintos, não existindo qualquer prazo para seu exercício ou defesa. Por fim, a impenhorabilidade significa que os direitos da personalidade não podem ser transmitidos coativamente a um terceiro em razão de decisão judicial. [21]

Os direitos da personalidade não constituem um rol fechado, mas sim um rol aberto, ou seja, não apenas aqueles direitos da personalidade expressamente elencados entre os artigos 11 e 21 estão protegidos pelo ordenamento jurídico, mas também diversos outros. É o que ocorre, por exemplo, com o direito à intimidade que, embora não previsto nos artigos mencionados, é um direito de personalidade e como tal dever tratado. De acordo com Paulo Nader, a ausência de um extenso capítulo tratando sobre o tema e elencando diversos direitos da personalidade foi proposital, pois, dessa forma, tornou-se viável o auxílio da doutrina e da jurisprudência na construção da temática.[22]

III.A - Proteção jurídica aos direitos da personalidade

Conforme demonstrado, os direitos da personalidade possuem especial importância dentro do ordenamento jurídico, uma vez que auxiliam a conferir à pessoa a dignidade que lhe é merecida tão somente pelo fato de ser pessoa. Por esse motivo, a proteção a esses direitos precisa ser efetiva, garantindo aos seus titulares a devida reparação quando violados. Não há que se admitir, tampouco banalizar, em um Estado Democrático de Direito, violações aos direitos de personalidade, pois, caso contrário, restaria prejudicada a própria existência humana.

Por essa razão, o próprio artigo 12 do Código Civil tratou de definir que pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.[23]

Qualquer pessoa que tenha um direito de personalidade violado por terceiro poderá reclamar judicialmente, cobrando do violador as reparações cabíveis. Explicando a tutela aos direitos de personalidade, Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá dizem que ela pode ser inibitória ou indenizatória.

A tutela inibitória tem como escopo impedir que surja, se repita ou continue a lesão ao direito da personalidade. A tutela inibitória irá atuar de forma preventiva, tendo lugar antes da prática do ato danoso, considerando que a ameaça, por si só, já se apresenta como um ato lesivo ao direito da personalidade.[24]

Ainda acerca da tutela inibitória, os referidos autores destacam que esse tipo de tutela deve ser privilegiado frente a tutela indenizatória, que só terá início após a ocorrência da lesão. É muito mais salutar buscar um instrumento que evite a própria ocorrência do prejuízo do que tentar compensá-lo posteriormente ou reduzir-lhe os efeitos.[25]

Sobre a tutela indenizatória, esclarecem que ela tem o objetivo de reparar os danos causados a determinado direito da personalidade de uma pessoa. Para isso, surge para o violador a responsabilidade civil pelos prejuízos causados, sejam eles físicos ou morais, fazendo com que haja, para o lesado, o retorno ao estado anterior ao dano, restituindo materialmente aquilo que for possível e, aquilo que não o for, compensando.[26]

Bruno Torquato de Oliveira Naves e Maria de Fátima Freire de Sá ainda explicam que os danos podem ser de natureza material, moral ou estética. O dano material, também chamado de patrimonial, é aquele dano suscetível de apreciação econômica, podendo, por esse motivo, ser economicamente reparado. O dano moral, por sua vez, é a lesão a direitos da personalidade, refletindo no caráter existencial da pessoa, e não patrimonial. O dano estético, por fim, é aquele dano que atinge o corpo humano, causando marcas físicas no mesmo.[27]

Inegável a importância dos direitos de personalidade para o desenvolvimento da pessoa e, do mesmo modo, a importância de sua tutela. Em qualquer ordenamento jurídico que preze pelo respeito e pelo desenvolvimento da pessoa, os direitos de personalidade serão colocados em primeiro plano e respeitados, coibindo-se quaisquer formas de violações dos mesmos.

Por esse motivo, importante analisar, como será feito nos tópicos seguintes, como as fake news podem impactar negativamente em direitos da personalidade de terceiros, causando danos sérios e irreversíveis.

IV - Compreendendo as fakes news

Com o avanço tecnológico e a expansão da internet, o acesso aos meios de informação cresceu significativamente. Além disso, pelas mesmas razões passou a ser, prioritariamente, digital. Os principais jornais do mundo, por exemplo, estão em plataforma digital, permitindo que o cidadão o acesse em qualquer local do mundo.

Outro fenômeno que se observa na atualidade diz respeito aos meios tradicionais de informação, que estão, gradativamente, cedendo espaço aos meios alternativos. O número de pessoas que buscam informações em fontes tradicionais e especializadas como jornais ou revistas vêm caindo significativamente. Segundo Roseli Andrion, sete em cada dez brasileiros se informam pelas redes sociais.[28]

De fato, imensurável os benefícios que a ampliação do acesso à informação nos trouxe, possibilitando, por exemplo, que tenhamos acesso, quase que de forma simultânea, às notícias de fatos que ocorrem em outro continente. Todavia, tal fato nos trouxe também algumas angústias e infortúnios, como é o caso das fake news.

Fake news é um termo em inglês utilizado para se referenciar a notícias falsas. De acordo com o dicionário de Cambridge, traduz a ideia de histórias falsas, sob aparência de notícias, que se espalham pela internet ou outros meios de comunicação, criadas com o objetivo de manipular opiniões políticas ou como uma brincadeira.[29]

As fake news são um fenômeno que vêm crescendo em larga escala nos últimos anos. Diversos são os motivos que dão origem à criação de notícias falsas. Podem ser motivadas por interesses financeiros ou difamatórios, por exemplo. Além de manipular a opinião política ou funcionar como uma simples brincadeira, como dito, a criação de uma notícia falsa pode ter fins outros e também viabilizar a propagação de verdadeiro caos na sociedade, a depender de seu teor e da proporção de sua disseminação.

A disseminação de fake news podem ter consequências severas e irreversíveis. Exemplo disso ocorreu em agosto de 2018 no México, ocasião em que dois homens inocentes, após boatos espalhados por redes sociais de que seriam sequestradores de crianças, foram espancados e queimados vivos. O fato ocorreu na cidade de Acatlán, no estado de Puebla, no México. Um jovem e seu tio foram vistos, em determinada ocasião, perto de uma escola infantil. Noutra ocasião, foram presos por perturbar a paz. Após esse fato, surgiram boatos pela cidade de que esses homens seriam sequestradores de crianças, envolvidos com tráfico de órgãos. A notícia falsa tomou significativa proporção após o compartilhamento através do Facebook e do WhatsApp, fato que gerou mobilização social. No dia da prisão, mesmo após declaração da polícia de que eles não eram sequestradores, dezenas de pessoas se aglomeram na porta da delegacia, até que em determinado momento conseguiram capturar os suspeitos, espancando-os e ateando fogo nos mesmos.[30]

Outro caso de fake news que ficou mundialmente conhecido ocorreu em novembro de 2017. Um casal americano lançou uma campanha na internet para conseguir doações para um morador de rua. No caso em questão, o casal divulgou pelas redes sociais mensagens que diziam que, durante uma viagem, eles ficaram sem combustível e, em determinado momento, o referido morador de rua, de posse de seus últimos vinte dólares, adquiriu combustível para ajudá-los. Diante dessa narrativa, a campanha foi divulgada objetivando as doações para o morador. Todavia, a história não passava de uma mentira. Foi arrecada a quantia de mais de quatrocentos mil dólares, tendo sido doada por mais de quatorze mil pessoas. Todo o dinheiro arrecadado foi gasto pelo casal e pelo suposto morador de rua em carros, viagens, cassinos e roupas de luxo.[31]

Os danos decorridos em razão da propagação de fake news são, de fato, severos. Um fator que contribui para esse fenômeno são as redes sociais, tais como Facebook e WhatsApp. Através delas, as pessoas compartilham as informações falsas, na maioria das vezes, em razão de não checarem acerca da veracidade das informações. Em pesquisa realizada, apenas 47% das pessoas entrevistadas disseram que sempre verificam se as notícias que recebem são verdadeiras, enquanto 42% disseram que verificam às vezes e 11% nunca o fazem.[32]

Imensurável, pois, os prejuízos que podem advir da propagação de fake news. Diante desse cenário, o tópico seguinte busca investigar como as notícias falsas podem causar danos aos direitos da personalidade e, além disso, em que medida a responsabilidade civil pode auxiliar na reparação desses danos.

V - Danos aos direitos da personalidade em razão de fake news e o papel da responsabilidade civil

Conforme investigado nos tópicos anteriores, os direitos da personalidade são fundamentais para o pleno desenvolvimento humano, pois é através deles que o sujeito se reconhece e se firma enquanto indivíduo dentro da sociedade e, do mesmo modo, obtém toda a dignidade e respeito que lhe é inerente à condição de pessoa.

Imprescindível, portanto, a preservação ampla e efetiva dos direitos da personalidade, não podendo o Estado violar tais direitos ou admitir que os violem. A tutela aos direitos de personalidade, tanto preventiva quanto a repressiva, precisa ser, sempre, muito eficaz, auxiliando, dessa forma, na proteção a esses direitos.

As fake news surgem em um momento de expressivo avanço tecnológico, em que a informação chega às pessoas de forma fácil e rápida, resultando em um alto consumo de conteúdo, que é, por vezes, superficial e, até mesmo, falso. As informações nem sempre são obtidas em meios confiáveis, o que acaba resultando em propagação de diversas notícias falsas por parte daquelas pessoas que não se preocupam em checar a veracidade das informações que consomem. Significativa parte dessa propagação de notícias falsas ocorre através das redes sociais, em especial através de plataformas como WhatsApp e Facebook, conforme pesquisa realizada pelo Ibope Conecta.[33]

Em razão da velocidade de propagação e da abrangência das fake news, consequências nefastas podem surgir, tal como o caso do linchamento de dois homens inocentes, mencionado no tópico anterior.

Diante desse cenário, inegável, portanto, que as fake news podem atingir diversos direitos da personalidade de terceiros, resultando em prejuízos incalculáveis. Através da propagação de notícias falsas, a honra de determinada pessoa envolvida na notícia falsa pode ser severamente abalada e, dependendo do caso, jamais ser restaurada, tal como ocorrido com Adriana Machado Klein, uma técnica de enfermagem do estado do Rio Grande do Sul.

A técnica em enfermagem ficou surpresa ao chegar em casa e ser informada pela vizinha que ela e o namorado estavam sendo apontados como assassinos de uma criança de nove anos. Foi divulgado pelo WhatsApp um texto, juntamente com a foto do casal, que eles eram os responsáveis pelo homicídio de uma criança, tendo como objetivo a venda de órgãos. A notícia se espalhou pela região e trouxe diversas consequências ao casal. Adriana precisou se abrigar em casa de parentes em um município vizinho por algum tempo com medo de sofrer represálias. O namorado da enfermeira precisou se afastar do trabalho por dois dias em razão do episódio e, além disso, não puderam usar o veículo que tinham em razão de ter sido exposta a identificação do mesmo.[34]

Diversos Tribunais já decidiram acerca de situações envolvendo fake news, reconhecendo, quando o caso, a violação a direitos da personalidade e determinando a reparação cabível. Recentemente o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios condenou um portal de notícias a pagar indenização por danos morais por divulgar notícia falsa de que uma servidora estaria adulterando ponto eletrônico. Além disso, o portal de notícias também foi condenado a divulgar direito de resposta da servidora em seu site e em suas páginas do Facebook e do YouTube.[35]

A propagação de notícias falsas, portanto, poderá refletir na esfera da responsabilidade civil, fazendo com que surja para que cria ou dissemina tais notícias o dever de indenizar perante a pessoa lesada. Conforme preceitua o artigo 186 do Código Civil, aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.[36] Da leitura de tal artigo, não nos resta dúvida que, causado o dano em razão de fake news, a pessoa cuja notícia falsa lhe afeta fará jus à indenização. Cumpre esclarecer que ainda que a propagação não gere danos materiais, poderá gerar danos morais, que deverão ser reparados, fazendo com que se restaure o direito de personalidade violado e, quando não for possível, indenizando-o.

[37]A honra da pessoa figura entre os mais importantes direitos da personalidade, não podendo ser violada. A propagação de fake news facilmente poderá violar a honra da pessoa exposta na notícia, resultando, por vezes, em prejuízos irreparáveis. Há que se destacar também que, além das consequências cíveis estabelecidas pela responsabilidade civil, a propagação de fake news, quando atingem a honra, podem constituir também um ilícito penal. Os crimes contra a honra consistem em calúnia, difamação e injúria, conforme disposto nos artigos 138, 139 e 140 do Código Penal, respectivamente. De acordo com os referidos artigos, a calúnia consiste em atribuir falsamente a alguém fato definido como crime; a difamação consiste em imputar a alguém fato que ofende sua reputação; a injúria, por fim, consiste na ofensa à dignidade ou decoro de alguém.

Dessa forma, ainda que determinada pessoa seja condenada a indenizar outra, seja material ou moralmente, em razão da propagação de fake news, ela poderá também suportar as consequências penais decorrentes em razão de tal ato.

Diante do exposto, fica evidente que a propagação de fake news podem abalar os direitos da personalidade, causando aos mesmos diversos tipos de danos e, surgindo o dano ilícito, surge o dever reparatório, albergado pela responsabilidade civil, conforme trabalhado em tópico anterior.

VI - Considerações finais

O presente trabalho se sustentou em três eixos principais, quais sejam: a responsabilidade civil, os direitos da personalidade e as fake news. Com isso, objetivou-se compreender de que forma as fake news acabam por violar os direitos da personalidade e como a responsabilidade civil auxilia na proteção e reparação a tais direitos quando atingidos pelas notícias falsas.

A velocidade da informação, bem como a facilidade e amplitude em seu acesso, é uma importante conquista da humanidade, que foi viabilizada pelo avanço tecnológico ocorrido ao longo dos últimos anos. Infelizmente, dentre os malefícios disso, encontramos as fake news, que são um fenômeno que se propaga em larga escala dentro de nossa sociedade.

Para combater esse mal, é preciso que a sociedade se conscientize e passe a adotar um posicionamento crítico perante as notícias, realizando a checagem das fontes e das informações. É preciso compreender que, se assim não agirmos, inevitavelmente estaremos violando direitos da personalidade de terceiros, causando com isso, por vezes, danos irreparáveis àquela pessoa que foi injustamente envolvida na notícia falta. Não é demais lembrar que, como abordado, os direitos da personalidade, constituem parte importante para o desenvolvimento do sujeito dentro de uma coletividade, motivo pelo qual precisam ser amplamente protegidos.

Imprescindível salientar, ainda, acerca das diversas consequências provenientes acerca da propagação de fake news. Na esfera cível, poderá ensejar em reparação por danos morais e/ou patrimoniais. Na esfera penal, caso a propagação da notícia falsa resulte em crime de injúria, calúnia ou difamação, a pessoa que o realizou poderá sofrer, na pior das hipóteses, pena de três anos de reclusão. Portanto, as consequências para que propaga notícias falsas poderão ser severas.

Diante disso, é preciso que todos tomem consciência acerca dos severos danos que podem surgir em razão da propagação de fake news. Os direitos da personalidade da pessoa envolvida na notícia falsa podem ser severamente abalados e, até mesmo, jamais reparados. Mais salutar a todos e até mesmo mais eficiente que as consequências cíveis e penais para quem propaga a notícia falsa, é conscientização da sociedade acerca desse fenômeno. Perante esse cenário, é preciso que, incialmente, adotemos uma postura cética perante as notícias que recebemos, de forma que, apenas após uma investigação mais acurada acerca dos fatos, possamos tomá-los como verdade e, a partir de então, divulgá-los. Assim, estaremos nos prevenindo de possíveis consequências jurídicas em razão da propagação de notícia falsa e, ainda, resguardando os direitos da personalidade de terceiros.

VII - Referências

ROBERTO, Wilson Furtado. Site é condenado a indenizar servidora por divulgação de fake news. Juristas, 2018. Disponível em: < https://juristas.com.br/portal/2018/12/29/fake-news/#.XIg9oyhKhWw>. Acesso em: 12 mar. 2019.

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  37. BRASIL. Código Penal. Institui o Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940.

Sobre os autores
Thúlio Figueiredo Mourão Cassiano

Graduando em Direito pela UNA Contagem.

Informações sobre o texto

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