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APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PELO DELEGADO DE POLÍCIA E OS ASPECTOS PROCESSUAIS PENAIS. FLAGRANTE NEGATIVO QUANDO DA APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNICA PELO DELEGADO DE POLÍCIA

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Agenda 26/11/2021 às 12:35

Modernamente muito se discute se o Delegado de Polícia poderia aplicar o postulado da insignificância ou não.

A doutrina se divide quanto tal possibilidade e na jurisprudência, há poucos julgados sobre a temática.

Infelizmente a doutrina conservadora, entende que o Delegado de Polícia seria mero homologador de flagrantes levados pela Polícia Militar e ficaria restrito ao juízo de subsunção formal do fato à norma penal.

Contudo, não nos parece muito razoável, em pleno século XXI, essa mantra de que Delegado de Polícia não deve fazer juízo de valor ao analisar um boletim de ocorrência, defendendo a tese de que o Inquérito Policial possuir a característica da unidirecionalidade.

Quando um fato, aparentemente criminoso ocorre e um indivíduo é preso (na forma de prisão captura) em estado de flagrante seja por qualquer do povo (flagrante facultativo) ou agentes de segurança pública (flagrante obrigatório), ele deve ser imediatamente encaminhado até sede policial, para que o Delegado analise os aspectos do direito material, bem como analisa-se a atipicidade processual, isto é, se estão presentes as hipóteses que caracterizam o flagrante previstas do art. 302, do Código de Processo Penal.

Ante a situação apresentada, o Delegado de Polícia verifica a situação e toma sua decisão devidamente fundamentada no caso concreto.

Já não é de hoje que sua atribuição precípua é de salvaguardar direitos e garantias individuais, como por exemplo, o direito de liberdade, estampado no art. 5° caput e no inciso LIV da Constituição Federal.

Pensar que o Delegado deve apenas fazer juízo de análise de tipicidade formal é entendermos pela sua desnecessidade nas delegacias do Brasil a fora, porquanto bastaria um agente policial para encarcerar o suspeito e comunicar o boletim de ocorrência ao juízo.

Nas palavras do ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Mello, "é o primeiro garantidor da Legalidade e da Justiça".

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu expressamente que às policias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais.

O Delegado é quem fará a primeira avaliação jurídica do fato criminoso e definirá o rumo da ocorrência apresentada, além de coordenar a obtenção e preservação das provas de crimes em busca da atribuição da sua autoria.

Como se não bastasse, a Lei 12.830/2013 diz que atividade desempenhada é jurídica e exclusiva de Estado, devendo fundamentar sua decisão em todos os casos concretos.

Art. 2º As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

§ 6º O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias.

Ao mencionar a expressão análise técnico-jurídica do fato, guarda o amparo legal da aplicação da insignificância.

Ora, como agente do estado que o é, tem o dever de aplicar a lei, mas suas decisões são devidamente fundamentadas como dissemos alhures.

Percebam, o que está em em jogo é o direito ir, vir e permanecer, direitos esses que são demasiadamente caros no ordenamento jurídico.

Mas como salvaguardar tais direitos, entendendo que o Delegado não deve analisar um ocorrência à luz da tipicidade material? Ora, o Direito Penal moderno não se satisfaz mais com com a mera tipicidade formal.

Não é o foco desse trabalho explanar sobre o princípio da insignificância em seus aspectos materiais, mas teceremos alguns breves comentários para que possamos aprofundar na temática.

Quem primeiro tratou sobre o princípio da insignificância, no direito penal, foi Claus Roxin, em 1964.

Busca raízes no brocardo civil minimis non curat praetor (algo como o pretor magistrado à época não cuida de coisas sem importância).

O Direito Penal moderno vai além da análise da tipicidade formal, exige mais ainda, a tipicidade material que é a lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico protegido pelo tipo penal.

Para que se adentre à noção de insignificância, deve-se ter em mente a ligação do tema com a intervenção mínima do direito penal, na qual há quatro subprincípios: o da fragmentariedade, no qual o Direito Penal tem um caráter fragmentário, pois não cria bens jurídicos, mas seleciona bens jurídicos preexistentes; subsidiariedade, o da insignificância (propriamente dito) e adequação social. Da mesma forma, trabalha-se com as funções do princípio da lesividade e uma delas é a de proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na lavra do Min. Celso de Mello (HC 84.412-0/SP) idealizou quatro requisitos objetivos (vetores mínimos) para a aplicação do princípio da insignificância, sendo eles adotados pela jurisprudência do STF e do STJ.

Segundo a jurisprudência, somente se aplica o princípio da insignificância, se estiverem presentes os seguintes requisitos cumulativos: mínima ofensividade da conduta, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Contudo, não devemos nos preocupar com os conceitos desse vetores, pois esses requisitos ficam andando em círculos, ou seja, pode fazer qualquer combinação que não muda a ideia do que estar presente para sua aplicação, ou seja, se a conduta é inofensiva ela não traz nenhuma periculosidade social da ação e, por conseguinte, é reduzido grau de reprovabilidade e por isso inexpressiva lesão jurídica provocada. Você pode fazer qualquer combinação entre elas que dará no mesmo.

Analisando uma conduta que não guarda a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado, não há que se falar em crime, pois que à luz do conceito analítico de crime, este é fato típico ilícito e culpável.

Ante a isso, como poderia um Delegado de Polícia que é o primeiro garantidor dos Direitos Fundamentais, encarcerar uma pessoa conduzida até sede policial por furtar coisas de pequena monta? Não só pode como deve aplica o postulado da bagatela.

Sem nos esquecermos que o Inquérito Policial possui uma função como filtro, evitando processos abusivos e temerários.

A investigação preliminar serve como filtro processual para evitar acusações infundadas, seja porque despidas de lastro probatório suficiente, seja porque a conduta não é aparentemente criminosa. O processo penal é uma pena em si mesmo, pois não é possível processar sem punir e tampouco punir sem processar, pois é gerador de estigmatização social e jurídica (etiquetamento) e sofrimento psíquico. Daí a necessidade de uma investigação preliminar para evitar processos sem suficiente fumus commissi delicti.

A atividade como filtro processual resta plenamente concretada se levarmos em consideração três fatores: a) o custo do processo; b) o sofrimento que causa para o sujeito passivo (estado de ânsia prolongada); c) e a estigmatização social e jurídica que gera o processo penal.

Ao que interessa a nós nesse momento, é o primeiro fator, o seja, o custo do processo. O processo penal tem custo demasiado, iniciando na fase de investigações com diligências preliminares, papel, iniciando a ação penal, fase instrutória e até mesmo recursos para os tribunais superiores.

Imagina mover a máquina estatal para ver a materialização do Direito Penal pelo furto de um bem com o custo de R$ 50,00? Não faria o menor sentido.

O fato é insignificante, se o fato é insignificante para o juiz e para o promotor, não pode ser o fato ser típico apenas para o Delegado de Polícia.

Nesse sentido Cleber Masson:

O princípio da insignificância afasta a tipicidade do fato. Logo, se o fato é atípico para a autoridade judiciária, também apresenta igual natureza para a autoridade policial. (MASSON, Cleber, 13ª ed)

Alexandre Morais da Rosa, afirma que não só pode como devem aplicar a insignificância em casos em que estejam presentes os requisitos:

Não só os delegados podem como devem analisar os casos de acordo com o princípio da insignificância. Merecem aplauso e incentivo os delegados que agem dessa forma, pois estão cientes do papel que lhes cabe na investigação preliminar, atuando como filtros de contenção da irracionalidade potencial do sistema penal. (...) Não interessa reafirmar qualquer lugar de autoridade: interessa é obstaculizar a irracionalidade e para isso, os delegados devem ser a primeira barreira. (KHALED JR, Salah H.; ROSA, Alexandre Morais:)

Outro não é o entendimento do professor André Luiz Nicoltt: Do contrário, não sendo a narrativa real, ou não constituindo fato típico, o Delegado de Polícia não estará obrigado a instaurar o inquérito policial. É o que ocorre, por exemplo, diante da incidência do princípio da insignificância.

O Delegado de Polícia é o primeiro a fazer um juízo de tipicidade da conduta. Certo é que o direito penal não se contenta com a mera tipicidade formal, sendo necessária a tipicidade material, ou seja, a efetiva lesão ao bem jurídico tutelado pela norma, o que não ocorre quando a lesão é insignificante ou irrelevante. Neste caso, verificada a improcedência das informações (art. 5.º, § 3.º, do CPP) por força do princípio da insignificância, a autoridade policial não estará obrigada a lavrar o flagrante ou baixar portaria instaurando o inquérito policial. Possui nesse momento autoridade para fazer o primeiro juízo de tipicidade. (NICOLITT, André, 10 ed.)

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Guilherme de Souza Nucci: Ora, se o delegado é o primeiros juiz do fato típico, sendo bacharel em Direito, concursado, tem perfeita autonomia para deixar de lavrar do auto se constatar a insignificância do fato. (NUCCI, Guilherme de Souza)

O que ele defende aqui é a possibilidade de aplicação da bagatela pelo delegado de polícia, e malgrado ele diga, de plano, que a autoridade policial pode deixar de lavrar o auto, veremos adiante que ele acrescenta outros aspectos no sentido da proposta desse artigo.

Como percebe-se, trata de um poder-dever a aplicação por parte do Delegado de Polícia.

A grande celeuma perpassa sobre como materializar tal princípio em sede policial. De um lado uma atribuição na defesa de um suposto indivíduo que foi conduzido por um furto insignificante, por exemplo, de outro lado as atribuições dos demais órgãos atores de justiça.

O sistema processual adotado no ordenamento jurídico brasileiro, sempre foi defendido que seria o sistema acusatório, à luz do art. 129,I, CF/88, mas não há nenhum dispositivo na Constituição que diga isso de forma expressa.

Contudo, com advento da Lei 13.964/2019, em seu art. 3-A, CPP, foi enfático na adoção do sistema acusatório:

Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Tal sistema demarca a atuação de cada um dentro do cenário jurídico brasileiro.

A polícia investiga, o Ministério Público é o titular da ação e o judiciário atua como garantidor das regras do jogo, julgando demandas com força de definitividade.

Somado a isso, a mesma Constituição traz outras atribuições do Ministério Público, dentre elas o controle externo na atividade policial:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;

O controle externo da atividade policial pelo Ministério Público tem como objetivo manter a regularidade e a adequação dos procedimentos empregados na execução da atividade policial, bem como a integração das funções do Ministério Público e das Polícias voltadas para a persecução penal e o interesse público. Esse controle externo se assenta em dois pilares: verificar a eficiência da atividade policial, zelando para que sejam fornecidos elementos suficientes ao Ministério Público para o oferecimento da denúncia ou arquivamento do caso.

O controle difuso é exercido por todos os membros do Ministério Público com atribuição criminal, através do acompanhamento e fiscalização dos inquéritos e outros procedimentos de investigação policiais.

Enquanto o o controle concentrado é aquele exercido somente por alguns membros com atribuições específicas, que devem também realizar inspeções periódicas nas unidades policiais.

Não se trata de hierarquia entre o Delegado de Polícia e o membro do Ministério Público e sim, uma divisão de atribuições previstas na Constituição Federal.

Para que se possa aplicar a insignificância em sede policial, deve o Delegado de Polícia, se valer da devida fundamentação e de forma responsável.

Cada um tem sua importância dentro do cenário de justiça. Se a atribuição do Delegado tem morada no art. 144, §4° da CRFB/88, a residência do Ministério Público (art. 127) e o do Judiciário (art. 92), são no mesmo bairro, muda apenas o número, ou seja, a mesma constituição, mas em dispositivos distintos.

Arquivar um boletim de ocorrência, onde noticia fato aparentemente criminoso, sob o argumento da presença da atipicidade material em sede policial, sem o menor controle, é no mínimo temerário e arbitrário por parte da Autoridade Policial.

Os fatos devem ser pormenorizados, os sujeitos envolvidos na ocorrência devem ser ouvidos, não pode, de forma alguma, o procedimento ser arquivado, de plano pelo Delegado de Polícia, sob pena de sanções correicionais.

Arquivá-los, dessa forma, a Polícia estaria furtando a atribuição de fiscalização do Ministério Público.

Já que os Delegados querem respeito e reconhecimento, devem desempenhar suas atribuições dentro dos limites traçados pela Constituição Federal e os atos normativos da corregedoria.

Não estamos defendendo aqui que o Delegado tenha que se envergar perante ao membro Ministério Público e ao Judiciário, muito pelo contrário, estamos afirmando que sua atuação deve ser transparente, com a devida fundamentação jurídica e o mais importante, obediente à Constituição Federal.

Como proceder então diante de um indivíduo que foi abordado em estado flagrancial de suposto crime de bagatela?

A pergunta é: como deve proceder o Delegado de Polícia?

Algumas possibilidades são ventiladas, senão vejamos.

A primeira seria documentar tudo através de boletim de ocorrência, e em seguida comunicar ao Ministério Público e ao Judiciário por ofício.

Segunda possibilidade seria instaurar uma VPI (Verificação de Procedência da Informação), com fundamento no art. 5, §3° do CPP, documentando a narrativa fática e em seguida encaminhar ao Poder Judiciário e ao Ministério Público.

Outra possibilidade é converter o boletim de ocorrência em inquérito policial, para que tudo fique devidamente documentado com oitivas e ao final relatando pelo não indiciamento, considerando tratar-se de fato atípico, caso o promotor entenda não ser caso de incidência da insignificância, oferecer diretamente denúncia ou requisitar diligências nos moldes o art. 16 do Código de Processo Penal.

Pode ainda o Delegado de Polícia converter o boletim colocando em análise, em seguida proferir um despacho justificando a aplicação do postulado da insignificância, em na sequência, por sponte própria, determina o arquivamento.

E, por fim, lavrar o Auto de Prisão em Flagrante, com todas as oitivas e em seguida comunicando todas as peças produzidas no procedimento, determinando a soltura imediata do conduzido.

Feitas essas considerações, vamos aos argumentos de cada uma das hipóteses elencadas.

Quanto a primeira opção, nos parece que enviar um mero ofício ao Ministério Público informando o fato ser atípico, não seria a melhor solução, considerando que não é o meio adequado para tanto.

Ofício é correspondência, por meio da qual se mantém intercâmbio de informações a respeito de assunto técnico ou administrativo entre órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta.

Somado a isso, em vários estados da federação, os procedimentos, tais como Inquérito Policial, Autos de Prisão em Flagrante, são eletrônicos, com isso - restaria meio que inviabilizado o envio de peças/vídeos através de ofícios.

Não seria técnico enviar um procedimento de Polícia Judiciária através de ofício aos órgãos responsáveis, seria extremamente retrógrado.

Abordando a segunda possibilidade, converter o boletim de ocorrência em instauração de VPI, documentando o procedimento com oitivas, realizando um despacho de arquivamento e encaminhando as peças de informação. Seria uma tese sedutora, mas que não parece muito adequado.

A Verificação da Procedência da Informação é um instrumento pré-investigatório, quando são escassos os elementos referentes à autoria:

Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado:

§ 3o Qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Em regra, a VPI tem espaço em casos de notícia anônima, funcionando como uma espécie de filtro de contenção ao arbítrio de uma eventual pré investigação.

Nesse sentido Leonardo Marcondes Machado: O juízo de possibilidade delitiva e apuração preliminar, em questão, deve ser aferido em dois planos distintos: punitivo abstrato e investigativo operacional. A possibilidade (ou condição aparente) de incriminação e punição em relação a certa notícia-crime deve ser analisada quanto às estruturas legais necessárias para o exercício do poder punitivo (tipicidade, ilicitude/antijuridicidade, culpabilidade e punibilidade), bem como a viabilidade concreta de apuração naquele caso diante das informações apresentadas e dos instrumentos disponíveis à persecução criminal. (MACHADO, 2020, p. 252)

Na mesma senda, Adriano Souza Costa e Henrique Hoffmann: Nota-se que que a instauração do inquérito policial exige ao menos a possibilidade da colheita de indícios iniciais de materialidade e autoria.

O mecanismo criado pela legislação para averiguar a verossimilhança da notitia criminis e a viabilidade da investigação, e servir como barreira contra inquéritos policiais absurdos, é justamente a verificação da procedência da informação. Tal instrumento nada mais é do que uma investigação preliminar e simples, que a possibilita a colheita de um piso de informação que justifique a deflagração do inquérito policial. (Temas avançados de Polícia Judiciária, 4ª ed, pág.93)

Dissemos que a tese da instauração da VPI é bastante sedutora no caso de materialização da insignificância pelo Delegado de Polícia, inclusive é a proposta de André Nicolitt, mas que encontramos óbices dogmáticos para defendermos e explico.

A VPI tem aplicação quando há escassos ou nenhum indício sobre a existência da infração penal, ou seja, uma suposta notícia anônima, não sendo suficiente para a deflagração do inquérito.

De outro lado, o estado não pode quedar-se inerte, quando há a informação que pode ser procedente.

Ora, se há uma condução de determinado suspeito de ter furtado uma laranja de um feirante, você tem o mínimo de autoria, materialidade e demais circunstâncias, fatos estes que afastam, por si só, a instauração de VPI, isto é, o que iria se buscar nesse tipo de investigação prévia, já é afastado de plano pelas circunstâncias do caso concreto.

Segundo argumento contrário, é no sentido de que a VPI é um instrumento que, embora seja reconhecido pelos tribunais superiores e pela lei, não há um regramento de sua documentação, não pode substituir um inquérito policial e também não seria possível oitivas sobre as circunstâncias fáticas dentro desse instrumento prévio, que se assim o fosse, seria um inquérito policial, vestido com outra roupa.

E para espancar quaisquer dúvidas, a VPI é orientada por algumas características, como a informalidade, celeridade e simplicidade.

Adriano Souza Costa e Henrique Hoffmann argumentam que: A simplicidade, celeridade e informalidade dos atos são inerentes à VPI, não devendo ser reproduzidos nela expressões ou conteúdos próprios do inquérito policial.

Perceba então, que a VPI não deve constar expressões e conteúdos inerentes ao inquérito policial, o que significa dizer é que não pode haver atos de interrogatórios, depoimentos, oitivas em geral.

Lembre-se que o conduzido deve ser ouvido na condição de interrogado e não como depoimento ou declaração, até porque cada um tem sua advertência em sua oitiva.

A testemunha tem o dever legal de prestar a verdade, a vítima é ouvida como declarante, caso sua declaração seja desconectada com a verdade pode responder por denunciação caluniosa ou falsa comunicação de crime. Já o interrogado tem o direito de permanecer em silêncio.

Desta feita, fica claro que a VPI não é o instrumento mais adequado para materializar o princípio da insignificância.

Sem nos esquecermos que, em termos práticos, caso o membro do Ministério Público discorde da decisão de aplicação da insignificância pelo Delegado de Policia, as peças de informação retornarão até sede policial para a deflagração formal do inquérito através de requisição, e que pela informalidade a VPI já deveria ser convertida em inquérito policial.

Sobre a terceira possibilidade conversão do boletim de ocorrência em inquérito policial, cremos ser inviável.

O inquérito policial, para sua instauração, deve ter o mínimo de autoria e materialidade para a deflagração.

A autoridade policial recebe um boletim noticiando, por exemplo o furto de uma caneta esferográfica de ma grande loja de departamento, o fato possui autoria, materialidade e demais circunstâncias, percebe-se de imediato ser caso da insignificância, não há fato típico (tipicidade material), ou seja, primeiro substrato do crime.

Se ele está inclinado a aplicar a insignificância, seria no mínimo, contraditório, instaurar um inquérito policial por um fato que ele mesmo entende não ser crime, ou seja, um procedimento natimorto.

Somado a isso, o inquérito policial é orientado pela característica da indisponibilidade nos moldes do art. 17, CP.

Converter um boletim, em instauração de inquérito policial, com todas as oitivas, em seguida comunicar os demais órgãos de justiça, não é producente e técnico, instaurar-se-ia um inquérito policial quando o próprio Delegado de Polícia acredita não ser crime.

A última e mais coerente hipótese de materializar a insignificância em aspectos processuais, seria lavrar o auto de prisão em flagrante, ouvir todos os envolvidos no fato e, em seguida determinar a soltura imediata do conduzido, comunicando todas as peças confeccionadas ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Explico.

De plano, devemos tecer comentários sobre a peça Auto de Prisão em Flagrante, para depois justificarmos sobre as razões.

O auto de prisão em flagrante é um ato administrativo, lavrado pelo escrivão de polícia, na presença do delegado de polícia e na falta ou impedimento do escrivão, o delegado pode nomear qualquer pessoa para essa função, assumindo o compromisso (art. 305, CPP).

Renato Brasileiro de Lima: Cuida-se, o auto de prisão em flagrante delito, um instrumento em que são documentados os fatos que revelam a legalidade e regularidade da restrição excepcional do direito de liberdade. (LIMA, Renato Brasileiro)

Percebam que o auto de prisão é um ato administrativo onde se documenta a restrição de liberdade, apontando a legalidade da medida, uma vez que essa espécie de constrição de liberdade é precária de análise, ao menos de imediata, pelo Poder Judiciário.

Ocorre que o conduzido pelo suposto fato insignificante, teve sua liberdade restringida, ainda que com breve espaço de tempo, não raras vezes pode ter sido alvo de maus tratos, agressões ou ameaças por parte de seus condutores ou pessoas que o capturaram, como poderia o delegado de polícia liberá-lo sem ao menos formalizar o atos necessários para salvaguardar os servidores da unidade policial e a si próprio?

Nas infrações penais que deixam vestígios, o art. 158, CPP, é imperioso no sentido de realização de exame de corpo de delito, em casos de lesões praticadas por servidores pode desafiar crime de abuso de autoridade, se por particulares crime de lesão corporal.

O delegado de polícia tem o dever de apurar tais fatos e para isso deve documentar toda a circunstância fática, devendo ouvir todos os envolvidos, que se procedente extrair cópia do procedimento originário (nesse caso o auto de prisão) e adotar medidas pertinentes.

O grande problema reside no equívoco que diante da simples lavratura do auto de prisão em flagrante, necessariamente o sujeito deve ficar preso, quando isso não é verdade.

O Código de Processo Penal, em seu artigo 304, §1°, informa que ocorrendo as fundadas suspeitas contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, salvo em algumas hipóteses, de fixação de fiança, por exemplo.

Art. 304. Apresentado o preso à autoridade competente, ouvirá esta o condutor e colherá, desde logo, sua assinatura, entregando a este cópia do termo e recibo de entrega do preso. Em seguida, procederá à oitiva das testemunhas que o acompanharem e ao interrogatório do acusado sobre a imputação que lhe é feita, colhendo, após cada oitiva suas respectivas assinaturas, lavrando, a autoridade, afinal, o auto. (Redação dada pela Lei nº 11.113, de 2005)

§1o Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido, a autoridade mandará recolhê-lo à prisão, exceto no caso de livrar-se solto ou de prestar fiança, e prosseguirá nos atos do inquérito ou processo, se para isso for competente; se não o for, enviará os autos à autoridade que o seja.

Como sabemos, o flagrante perpassa por algumas fases (prisão captura, condução coercitiva, audiência preliminar de apresentação e garantias, lavratura do auto de prisão em flagrante, recolhimento ao cárcere e comunicação ao juiz), e o recolhimento ao cárcere é apenas uma delas.

Antes de decidir, deve o delegado de polícia ouvir todos os envolvidos e, ao final, deliberar sobre a adoção do procedimento no caso concreto, para isso se vale a autoridade policial da audiência de preliminar de apresentação.

Nesse sentido Francisco Saninni: É por meio dessa audiência que o delegado de polícia verifica se a prisão-captura do conduzido foi legal, se estavam presentes as hipóteses flagranciais do artigo 302 do CPP, se houve algum excesso por parte do responsável pela detenção e, sobretudo, se os fatos que lhe são apresentados constituem crime, devendo, para tanto, analisar todos institutos que repercutem na sua caracterização (NETO, Francisco Sannini - Delegado de Polícia e o Direito Criminal)

Ruchester Marreiros Barbosa aponta uma mesma fase: Trata-se de uma ato complexo por compreender um conjunto de atos dentro os quais o de oitiva do condutor e todas as pessoas relacionadas ao fato, como a(s) vítima (s), testemunha (s), diligências ao local do crime e demais locais necessários, podendo ocorrer ou não arrecadação de objetos necessários, requisições de documentos, imagens, vídeos, perícias, etc, que corroborem para a prova do ilícito penal. (BARBOSA, Ruchester Marreiros Temas avançados de Polícia Judiciária, 4ª ed, pág.122)

A interpretação a ser dada ao art. 304, §1º, CPP, é que o conduzido deve ser apresentado ao delegado de polícia, ouvindo todos os envolvidos no sinistro e, caso estejam presentes o fumus comissi, o delegado ratifica a voz de prisão captura, recolhe o preso.

Contudo, caso não reste fundada suspeita, ou seja, o conduzido não é o suposto autor ou não há materialidade para a ratificação, deve então soltá-lo.

Segue Ruchester Marreiros Barbosa: É imperioso destacar que a lavratura do auto de prisão em flagrante, por si só, não acarreta o encarceramento de forma automática, por força do art. 304, §1°, ao dispor que dependerá do resultado das respostas das oitivas para a comprovação da existência de indícios de autoria (Resultando das respostas fundada a suspeita contra o conduzido) e diligências (art. 6°, CPP), para () recolhê-lo à prisão à prisão (...). (Temas avançados de Polícia Judiciária, 4ª ed, pág.123)

Maurício Henrique Guimarães Pereira explica que o Delegado de Polícia pode e deve relaxar a prisão em flagrante com fulcro no art. 304, §1°, interpretando a contrário senso, correspondendo ao contraste de legalidade obrigatório, quando não estiverem presentes algumas condições somente passíveis de verificação final à formalização do auto, como por exemplo, o convencimento, pela prova testemunhal colhida, de que o preso não é o autor do delito; ou ainda, chegando a conclusão que o fato é atípico.

Perceba que é exatamente a proposta que defendemos, ao final da audiência preliminar de apresentação, conclui-se pela atipicidade do fato à luz da insignificância, o que denominamos de auto de prisão em flagrante negativo.

Gustavo Henrique Badaró nos informa que o dispositivo (art. 304, §1º) não prevê que não se lavrará auto de prisão em flagrante, mas que após sua lavratura, não se determinará o recolhimento do conduzido à prisão.

Tanto é assim que as respostas a que se refere o §1º do art. 304 são aquelas dadas durante a oitiva do condutor, testemunhas e o interrogatório do acusado, tal qual previsto no caput do mesmo artigo, que finda com a seguinte disposição: lavrando, a autoridade, afinal o auto. Ou seja, depois das respostas das oitivas, que já integraram o auto de prisão em flagrante, será lavrado, ao final, pela autoridade policial, o próprio auto. (BADARÓ, Gustavo Henrique Righi Ivahy, 9ªed pág. 1172)

Roberto Delmanto Júnior, citando Câmara Leal, menciona que se as provas foram falhas, não justificando fundadas suspeitas de culpabilidade, a autoridade, depois da lavratura do auto de prisão em flagrante, fará por o preso em liberdade (as modalidades de prisão provisória e seu prazo de direção, pag.121).

Badaró citando Espindola Filho (Código, v 3, p. 356) acrescenta ainda que pode suceder que não haja uma infração punível, ou que dessa infração, segundo os esclarecimentos idôneos e sem discussão de testemunhas, não seja o autor preso; então, a autoridade policial não deve manter uma prisão, que não se justifica, e soltará o autuado, remetendo imediatamente o instrumento de autuação em flagrante para o juiz, para apreciação (...)

Da mesma forma Magalhães Noronha (Curso, p.164) afirma que nem sempre, porém haverá lugar a custódia do preso: pode acontecer que, pelos esclarecimentos prestados, a autoridade verifique, v.g não ter havido crime e sim apenas um ilícito civil (...)

Traçados esses sólidos argumentos, a conclusão que chegamos é que deve o delegado, lavrar o auto de prisão em flagrante, ouvindo todos os envolvidos, na sequência, deve a autoridade policial proferir um despacho não ratificador da voz de prisão captura, determinando a soltura imediata do conduzido, restaurando a liberdade plena do suspeito, em seguida comunicando tudo aos órgãos de controle.

Como sabemos, uma das formas de instauração de inquérito policial é através do auto de prisão em flagrante.

Caso o membro do Ministério Público não concorde com a adoção da aplicação da insignificância, já terá elementos aptos ao oferecimento da denúncia de plano, pois o procedimento foi instruído com todas as oitivas exigíveis e dessa forma, o convencimento do delegado de polícia seria prestigiado, uma vez que sua análise técnico-jurídica já foi explanada, não podendo o membro do Ministério Público, vincular a convicção da autoridade policial à sua, somado a isso não restariam outras diligências a serem cumpridas caso houvesse discordância entre a autoridade policial e o titular da ação penal.

Também não há argumentos no sentido de que o suposto autor do fato que teve um auto lavrado, seria indiciado e lançado no banco de dados da polícia suas consequências. Ledo engano.

Realmente, em regra, o sujeito que tem um auto de prisão em flagrante lavrado em seu desfavor, é automaticamente indiciado, o que se denomina de indiciamento coercitivo, porquanto os mesmos requisitos para o ato de indiciamento, são os mesmos para a lavratura de um auto de prisão em flagrante, quais sejam, indícios mínimos de autoria materialidade e demais circunstâncias fáticas (art. 2º, §6º da Lei 12.830/2013)

De fato, quando uma pessoa é conduzida à presença do delegado de polícia, há o standard indiciário mínimo para a lavratura, em tese, pois, em regra, há a materialidade (traduzida na re furtiva), a autoria (hipóteses de tipicidade processual) e demais circunstâncias a serem demonstradas da análise fática.

Ocorre que o ato de conclusão de indiciamento não é automático. Necessário é o encaminhamento de peças formais para a consumação do apontamento delitivo pelo delegado de polícia ao Instituto de Identificação.

Como será lavrado o auto para fins de documentação da ocorrência e demais formalidades, basta a autoridade policial não concluir com a comunicação ao Instituto e, sendo assim, não restará nenhum estigma quanto ao procedimento, caracterizando uma exceção ao indiciamento coercitivo.

Um ponto de destaque nessa hipótese é que não se deve expedir nota de garantias constitucionais ao conduzido.

A nota de garantias constitucionais (nota de culpa) além de servir de documentação da prisão, levando ao preso o conhecimento dos motivos de sua prisão e os nomes do condutor e das testemunhas, para que alegue oportunamente as razões que tiver contra a prisão ou contra seus acusadores e testemunhas, constituirá também elemento de prova da data da prisão, para o efeito da computação do tempo desta no cumprimento da pena, no caso de condenação. Pela nota de culpa poderá o acusado alegar os direitos que lhe assistam, decorrentes da natureza da infração.

Mas como não haverá manutenção do encarceramento e o conduzido será posto imediatamente em liberdade, uma vez que não há crime, deve a autoridade policial se abster de entregar a nota de garantias.

Uma coisa é a possibilidade da aplicação da insignificância pelo delegado de polícia, que já não é novidade, outra coisa bem diferente é a materialização.

Conclusão

Não se defende aqui uma visão utilitarista, muito pelo contrário, nossa ideia é compatibilizar a dignidade da pessoa humana (art. 1, III, CFRB/88) fundamento da República Federativa do Brasil, restaurando o status libertatis do conduzido, com as atribuições de cada um dos atores de justiça.

Muito pelo contrário, infelizmente há certas ocasiões em que prender (e prender mal) dá mais trabalho do que soltar, proferindo um mero despacho de arquivamento e liberando todos em seguida.

A liberdade do conduzido será restaurada de uma forma ou de outra, seja, pelo despacho e em seguida o arquivamento ou pela materialização do procedimento flagrancial.

Apenas a materialização da restauração dessa liberdade deve ter parâmetros mínimos de segurança jurídica às autoridades policiais, bem como deve ser compatibilizada com as atribuições do Ministério Público, detentor do controle externo da atividade policial.

Desta forma, ao receber uma ocorrência apontando eventual aplicação aplicação do princípio da bagatela, deve o Delegado de Polícia lavrar o auto de prisão em flagrante (denominado negativo) e na sequência determinar a soltura imediata do conduzido.

O que não podemos defender, em hipótese alguma, é que a lavratura do auto e prisão em flagrante, signifique encarceramento automático, o que seria um erro crasso do dogmatismo processual penal.

Tiago Baltazar Ferreira Dantas, Delegado de Polícia Civil no Estado do Paraná, professor da Escola Superior da Polícia Civil, Pós-Graduado em Direito Penal/Processo Penal, Pós-Graduado em Direito Público, Pós-Graduado em Gestão em Segurança Pública.

Notas:

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Sobre o autor
Tiago Baltazar Ferreira Dantas

Delegado de Polícia Civil no Estado do Paraná, Pós-graduado em Penal e Processo Penal pela Faculdade Estácio de Sá, Pós-graduado em Direito Público, Pós graduado em Gestão de Segurança Pública pela Escola Superior de Polícia Civil do Estado do Paraná/PR, Graduado em Direito pela Universidade Veiga de Almeida (UVA) no Estado do Rio de Janeiro.

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