RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo abordar a violência praticada contra as mulheres, e para tanto, faz referência à questão de gênero e patriarcado, evidenciando o quanto o papel de inferioridade e submissão contribuiu na normalização de tal prática. O ordenamento jurídico acaba por confirmar essa relação de subordinação, sem perceber que sua neutralidade ou aparente igualdade acabam por legitimá-la. Importantes alterações legislativas possibilitaram uma maior visibilidade ao tema, constituindo importante passo na concretização da necessária e efetiva igualdade entre homens e mulheres, com respeito aos direitos da mulher.
Palavras-chaves: Direitos das mulheres; Gênero e patriarcado; Violência contra as mulheres.
ABSTRACT
This paper aims to study the violence against women, and for that, it makes reference to the issue of gender and patriarchy, showing how the role of inferiority and submission contributed to the normalization of such practice. The legal system ends up confirming this subordination relationship, without realizing that its neutrality or apparent equality end up legitimizing it. Important legislative changes made the issue more visible, representing an important step in the implementation of the necessary and effective equality between men and women, with respect for women's rights
Keywords: Womens rights; Gender and patriarchy; Violence against women.
INTRODUÇÃO
Embora já exista legislação específica voltada à proteção da mulher contra a violência, é visível que o tratamento desigual a elas dispensado permeia seu cotidiano, evidenciando que seu enfrentamento vai para além de mera disposição legal. A questão aqui relacionada demanda uma mudança de consciência, um novo pensar, acerca do papel por ela assumido na sociedade ao longo da história e seu lugar, enquanto sujeito de direitos.
Tanto é que para muitos, essa desigualdade sustentada não mais existe, sendo suas lutas contestadas, como se fossem desnecessárias e desarrazoadas. Ou pior, faz parecer que a mulher que busca se ver livre de toda forma de opressão e violência, parece querer muito, afinal, é normal que mulheres sejam submissas e, portanto, elas devem aceitar essa realidade.
Mas o fato é que a mulher ainda é vítima de muito preconceito, sendo constantemente subestimada em sua capacidade. Algumas falas evidenciam que até mesmo aqueles que se propõem a pôr fim a essa questão, que estão abertos a esse processo de desconstrução, não raras vezes ainda se percebam reproduzindo os mesmos velhos costumes. Afinal, um processo de desconstrução, como todo processo, se apresenta como sendo uma ação contínua e prolongada.
Assim, partindo de uma pesquisa bibliográfica, o presente artigo busca promover uma reflexão acerca da proteção à mulher e o enfrentamento à violência de gênero, tema já bastante debatido, mas ainda longe de se atingir o resultado esperado, não obstante já existam avanços nesse sentido.
1. MULHERES: GÊNERO E FEMINISMO NO DISCURSO DE UMA PRETENSA IGUALDADE
Não se pode negar a desigualdade de gênero, considerando que homens e mulheres são tratados de forma diversa. Mulheres são ainda excluídas e inferiorizadas, e sendo tal fato uma prática normal, pode aparentar não mais existir tal disparidade nos dias atuais. Embora o tema abordado implique sempre em uma análise interdisciplinar, Grazielly Alessandra Baggenstoss, de forma bastante elucidativa, reforça que o discurso neutro da igualdade, presente no ordenamento jurídico, se presta a mascarar as desigualdades estruturais da cultura e da sociedade, em questões relativas à raça, classe, orientação sexual, mantendo as mulheres em sua invisibilidade.[2]
A questão relativa a gênero também traz discussões. A história foi construída em torno do binômio masculino/feminino. Conforme ressalta Mayara Alice Souza Pegorer, há que se considerar que gênero é uma construção sociocultural, que varia conforme o desenvolvimento alcançado pela humanidade, bem como quanto às necessidades específicas de determinados grupos em determinadas épocas.[3] E acrescenta que o sexo se liga à diferenciação biológica entre homem e mulher; e gênero, compreende uma construção valorativa pela análise dos papéis assumidos pelo masculino e feminino em cada sociedade através dos tempos.[4]
E os movimentos feministas foram extremamente relevantes para essas conquistas, representando a luta dessas mulheres e sua resistência à toda forma de opressão. Entretanto, falta até mesmo compreensão ao que seja feminismo, levando a muitas distorções.
Bell Hooks ressalta o relevante papel dos Estados Unidos no sentido de chamar a atenção para a exploração e a opressão da mulher, em escala global, e assim contribuir com a luta feminista. Entretanto, afirma ela, que as mulheres, buscando dar ênfase aos abusos do sexismo, acabaram focando, quase exclusivamente, na questão da ideologia e da dominação masculina, fazendo com que tal movimento mais se assemelhasse a uma guerra dos sexos, e não à luta política para pôr fim à opressão. Sentimentos como raiva, hostilidade e revolta fizeram parecer que homens e mulheres eram inimigos, acabando por distanciar o movimento de seu real propósito.[5]
A opressão sexista tem as mulheres como suas principais vítimas. E sustenta Bell Hooks:
o sexismo é perpetuado por estruturas sociais e institucionais: por indivíduos que dominam, exploram ou oprimem; e pelas próprias vítimas, educadas socialmente para agir em cumplicidade com o status quo. A ideologia supremacista masculina encoraja a mulher a não enxergar nenhum valor em si mesma, a acreditar que ela só adquire algum valor por intermédio dos homens.[6]
Até mesmo as mulheres não nascem feministas, aprendem a ser. E para tanto, precisam aprender sobre o patriarcado como sistema de dominação, passando por um processo de conscientização.[7] E o caminho passa pela educação. Mas é preciso sair da academia. O discurso deve ser acessível a todos. É preciso compartilhar pensamentos e práticas feministas, permitindo uma consciência crítica.
O feminismo não quer a supremacia feminina, mas tão somente a igualdade de tratamento e de direitos. O fato de se afirmar por tantos anos que homens são superiores, se consolidou como verdade e a eles foram e são destinados os melhores papeis, aqueles mais reconhecidos e importantes, cargos de poder, gozando sempre de um maior prestígio.
Embora tais questões estejam intimamente ligadas aos direitos humanos, o uso da palavra feminista em seu lugar soa mais honesto, conforme defende Chimamanda Ngozi Adichie, que acrescenta:
O feminismo faz, obviamente, parte dos direitos humanos de uma forma geral mas escolher uma expressão vaga como direitos humanos é negar a especificidade e particularidade do problema de gênero. Seria uma maneira de fingir que as mulheres não foram excluídas ao longo dos séculos. Seria negar que a questão de gênero tem como alvo as mulheres. Que o problema não é ser humano, mas especificamente, um ser humano do sexo feminino.[8]
Assim, ao se alcançar a igualdade de gênero, ambos, homens e mulheres se beneficiarão, podendo livremente serem quem são, assumindo suas identidades, libertando-se de estereótipos.[9]
O discurso neutro de igualdade acaba por ocultar a fase perversa da desigualdade estrutural existente na sociedade, não adequadamente reconhecida e, por fim, legitimada pelo próprio ordenamento jurídico.
2. O REFLEXO DO PATRIARCADO NA TUTELA PENAL DA MULHER
Abordar o processo de inferiorização da mulher exige uma análise histórica, ainda que sem a pretensão de completude. Isso porque falar de algo perpassa pela necessidade de situar o objeto a ser examinado, considerando o momento e as circunstâncias em que se inserem, não obstante a história não ser linear.
A mulher sequer foi pensada como sujeito de direitos, sendo-lhe reservado um papel secundário, um papel de submissão ao homem, com a imposição de regras sobre como se comportar.
Conforme esclarece Silvia Chakian:
Não há dúvidas, portanto, que a mística cristã e a doutrina da Igreja contribuíram, ao longo dos séculos para a construção de um modelo de mulher controlada (da sua alimentação aos gestos e uso da palavra), afastada da cultura, educação e política, restrita ao espaço doméstico e cuidados com os filhos, subserviente ao marido. Com a condenação da emancipação social e econômica feminina, a Igreja reforçou a assimetria dos papéis sociais desempenhados por homens e mulheres, não somente no espaço público, mas também no âmbito das relações.[10]
Sua utilidade se limitava à procriação e ao cuidado para com o marido. Se detentora de qualquer conhecimento, passava a ser ameaça à ordem vigente, tanto que foram verdadeiramente caçadas, quando consideradas bruxas. Sempre que se falava na queda de um homem, no sentido de ele fraquejar, à mulher era atribuída a responsabilidade. Precisavam então, serem neutralizadas, mantidas sobre controle.
Assim, a mulher sempre foi desvalorizada em relação ao homem, seja quanto ao aspecto sexual, biológico, social e intelectual. Os papeis eram bem definidos: à mulher, cabia a esfera privada e, ao homem, a pública. A mulher era valorizada pelos traços de beleza, pela capacidade de gerar e bem cuidar de sua prole. Condutas femininas que afrontassem a moral mereciam reprimenda, onde se inseriam questões relacionadas ao adultério, ao aborto e à prostituição.
Conforme esclarece Milena Gordon Baker, o conceito de patriarcado prestou relevante contribuição para que se discutisse a questão de gênero, explicando a opressão sofrida pelas mulheres. Acrescenta ela que o termo patriarcado significa a lei do pai, o controle social que exercem os homens enquanto pais sobre suas esposas e filhas.[11]
Seu tratamento frente ao ordenamento jurídico, por óbvio, seguia a mesma linha. Por exemplo, o adultério da mulher sempre foi punido mais severamente que o do homem, havendo previsão para tal desde o Código de Hamurabi, bem como no Direito Romano. No Brasil, segundo as Ordenações Filipinas, também era considerado crime grave, sendo flagrante a desproporção entre a punição aplicada se o autor fosse homem ou mulher.
O Código Criminal do Império de 1830 trouxe em seu art. 16, § 6º, uma agravante genérica que, de certa forma, trazia proteção à mulher: Art. 16. São circumstancias agravantes: [...] §6º - Haver no delinquente superioridade em sexo, forças, ou armas, de maneira que o offendido não pudesse defender-se com probabilidade de repellir a offensa.[12]
Quanto ao estupro, conforme artigos 219 e seguintes, do mesmo diploma legal, pode-se observar que o autor dos fatos, em dadas situações, vindo a casar com a vítima, ficava isento de pena. Em sendo a vítima prostituta, a pena cominada era menor.[13] Em relação ao adultério, foram mantidas as punições, conforme artigo 250 e seguintes, do Código Criminal do Império de 1830.
Já com o Código Penal de 1890, a violência carnal estava inserida no título referente aos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor e dispunha no art. 266: Attentar contra o pudor de pessoa de um, ou de outro sexo, por meio de violencias ou ameaças, com o fim de saciar paixões lascivas ou por depravação moral.[14] Quanto ao estupro, se verifica a menção à mulher virgem ou não, porém honesta, entretanto traz a ideia de violência, física ou por outro meio que impeça a mulher de se defender. Em se tratando de prostituta, a pena cominada era menor.[15]
Quanto ao adultério, mantida a punição para a mulher casada e para o marido, em caso de concubinatos. Importa destacar ainda que, se autor vier a praticar o fato sob estado de perturbação dos sentidos e da inteligência, ficava privado de pena, conforme art. 27, § 4º, permitindo sustentar tal tese em se tratando de homicídios contra mulheres, em nome da defesa de sua honra.
A questão atinente à legítima defesa da honra é muito relevante, posto que evidencia o tratamento desigual e discriminatório dispensado às mulheres. O Superior Tribunal de Justiça, já na década de 1990, entendia ser ilegal tal tese, considerando que o adultério não ofenderia a honra do marido e que não existe honra conjugal. Entretanto, até bem pouco tempo ainda havia quem a sustentasse no Tribunal do Júri, inclusive para justificar o feminicídio.
Em sessão virtual encerrada em 12 de março de 2021, em Referendo na Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento sobre a inconstitucionalidade da tese de legítima defesa da honra, considerando a afronta aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e à igualdade de gênero.[16]
Importa destacar do mencionado julgado:
Legítima defesa da honra não é, tecnicamente, legítima defesa. A traição se encontra inserida no contexto das relações amorosas. Seu desvalor reside no âmbito ético e moral, não havendo direito subjetivo de contra ela agir com violência. Quem pratica feminicídio ou usa de violência com a justificativa de reprimir um adultério não está a se defender, mas a atacar uma mulher de forma desproporcional, covarde e criminosa. O adultério não configura uma agressão injusta apta a excluir a antijuridicidade de um fato típico, pelo que qualquer ato violento perpetrado nesse contexto deve estar sujeito à repressão do direito penal.[17]
Assim, a considerar o tratamento dispensado à mulher pelo ordenamento jurídico evidencia-se toda a carga discriminatória e desigual recebida, que a manteve em situação de inferioridade em relação ao homem.
3. A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E SEU ENFRENTAMENTO
A violência contra a mulher também deve ser discutida a partir da ideia do patriarcado, surgido no âmbito da família, mas com reflexos na esfera privada e pública. As diferenças entre os gêneros guardam relação direta com a violência, seja em relação a aspectos fisiológicos, econômicos, bem como aos papeis sociais desempenhados. Restou à mulher, opressão e subordinação, fazendo parecer ser a violência contra ela normal.
A violência de gênero é aquela que se dá contra a vítima em razão de sua identidade de gênero, no caso, o fato de ser mulher, sem que isso guarde relação com sua classe social, idade, religião, nível de escolaridade, ou outras condições que possam ser relacionadas. E essa violência se manifesta de diferentes formas, e não somente a física. Todas passam pela ideia de poder, de superioridade do homem em relação à mulher, quando não existe escolha, mas sim imposição.
Como esclarece Milena Gordon Baker, esses fenômenos não são naturais e essa questão, por sua vez, está ancorada na forma como se estruturou a família patriarcal.[18]
Assim, o fenômeno de violência de homens contra mulheres é histórico, consequência do patriarcado, não está relacionado ao grau de civilização de uma sociedade, sendo autorizado, silenciado e igualmente negado ao longo da história.[19]
O tema violência contra a mulher, embora já bastante discutido, ainda merece destaque, porque tal situação ainda se faz presente, alcançado números muito expressivos, evidenciando sua vulnerabilidade. Tal situação leva a se questionar se a violência hoje é maior que no passado ou, se hoje são denunciadas e, portanto, conhecidas.
Embora já se tenha alcançado algum avanço no âmbito jurídico, as situações de desigualdades ainda são muito presentes, não se podendo afirmar que mulheres e homens dispõem dos mesmos direitos.
Desde o fim do século XX, tal questão está reconhecidamente inserida no contexto dos Direitos Humanos. A exemplo disso tem-se a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, que aduz que:
a discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito da dignidade humana, dificulta a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao aumento do bem-estar da sociedade e da família e dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviço a seu país e à humanidade.[20]
Já a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, assim, conceitua violência:
Entende-se que a violência contra a mulher abrange a violência física, sexual e psicológica.
a) ocorrida no âmbito da família ou unidade doméstica ou em qualquer relação interpessoal, quer o agressor compartilhe, tenha compartilhado ou não a sua residência, incluindo-se, entre outras turmas, o estupro, maus-tratos e abuso sexual;
b) ocorrida na comunidade e comedida por qualquer pessoa, incluindo, entre outras formas, o estupro, abuso sexual, tortura, tráfico de mulheres, prostituição forçada, seqüestro e assédio sexual no local de trabalho, bem como em instituições educacionais, serviços de saúde ou qualquer outro local; e
c) perpetrada ou tolerada pelo Estado ou seus agentes, onde quer que ocorra.[21]
No ordenamento pátrio, tal proteção se materializou na Lei nº11.340/2006, após o Brasil ser condenado por negligência e omissão em relação à violência doméstica, em processo da OEA, a partir da história de luta de Maria da Penha, que inclusive traz as diferentes formas de violência, em seu art. 7º, evidenciando que vai além da violência física, que ofende sua integridade e saúde. Mencionado artigo ainda faz menção à violência psicológica, sexual, patrimonial e moral.[22] Interessante pontuar, que muitas mulheres, a partir destas definições e de um maior debate acerca da violência contra si praticadas, foram capazes de se identificarem como vítimas em alguma situação.
Essa lei tratou ainda de conceituar violência doméstica e familiar[23] contra a mulher, reforçando que sua ideia de violência de gênero, consubstanciada na relação de hierarquia e subordinação da mulher ao homem.
Não se pretende aqui detalhar o disposto na Lei Maria da Penha, mas sim constatar o quanto contribuído positivamente, principalmente em relação à visibilidade dada ao tema, bem como ter servido como instrumento para positivar direitos da mulher.
Outras alterações legislativas vieram no sentido de prosseguir nessa proteção à violência perpetrada contra a mulher. Como exemplo, a Lei nº 13.104/2015, popularmente conhecida como Lei do Feminicídio, que prevê a qualificadora para o crime de homicídio, vitimando mulheres por circunstâncias de gênero, culminando com mortes violentas, como forma de aprimorar a compreensão de que não se mata por amor. Tampouco é a vítima responsável por esse desfecho, mas antes de tudo, também está diretamente relacionado ao fenômeno cultural já tratado anteriormente.
Por todo o exposto, pode-se afirmar a necessidade de serem revistos antigos valores e serem desconstituídos padrões. Foram dados importantes passos, nesse sentido, mas é certo que o Direito Penal não é o único capaz de garantir direitos às mulheres. A transformação necessária vai além de seus limites.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se pode negar que a mulher sempre foi vítima de discriminação e desigualdade, desde os mais remotos tempos, e ainda o é, nos dias atuais. Sempre foram excluídas e inferiorizadas, sendo inconteste sua vulnerabilidade.
A manutenção de um discurso neutro ou, até mesmo o fato de se replicar uma suposta igualdade, que sabidamente não é real, fizeram com essas situações fossem negligenciadas, normalizadas e, também, silenciadas.
A questão relativa ao gênero também é permeada de discussões, posto que se traduz em uma construção valorativa e não somente uma diferenciação biológica. De igual forma, o entendimento acerca de movimentos feministas, também relevantes para essa compreensão, são constantemente tidos como polêmicos, como se pregassem uma superioridade feminina, não pretendida.
O patriarcado, por óbvio, contribuiu sensivelmente para esse processo de inferiorização sofrido pela mulher, demandando uma análise histórica mais profunda. Assim, a violência contra a mulher também deve ser discutida a partir da ideia do patriarcado, surgido no âmbito da família, mas com reflexos na esfera privada e pública. As diferenças entre os gêneros guardam relação direta com a violência, seja em relação a aspectos fisiológicos, econômicos, bem como aos papeis sociais desempenhados.
A violência de gênero é aquela que se dá contra a vítima em razão de sua identidade de gênero, no caso, o fato de ser mulher, sem que isso guarde relação com sua classe social, idade, religião, nível de escolaridade, ou outras condições que possam ser relacionadas. E essa violência se manifesta de diferentes formas, e não somente a física. Todas passam pela ideia de poder, de superioridade do homem em relação à mulher, quando não existe escolha, mas sim imposição.
Embora os crimes praticados contra a mulher já fossem passíveis de punição, considerando tratar-se de bens juridicamente tutelados, se fez necessário a edição de leis especiais, para que o tema alcançasse maior visibilidade, restando clara a flagrante desigualdade existente entre homens e mulheres.
Dessa forma, se faz necessário rever certos valores e padrões meramente repetidos, restando claro que somente o Direito Penal será capaz de trazer todas as respostas.
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