“Se alguém o convida para dar mil passos,
Vai com ele dois mil!
Quando os companheiros de jornada são irmãos,
É bom ser peregrino”.
(autor desconhecido)
PREFÁCIO
Este trabalho apresenta um novo enfoque de angustiante e, paradoxalmente, instigante questão: Segurança! Ou seria Insegurança?...
A abordagem é sob a óptica de um recente gênero de Ciências, as Policiais, mais especificamente de uma das espécies, a Policiologia, cuja perspectiva é o ser humano nas suas necessidades básicas de proteção e os fenômenos correlatos a esse objeto formal.
Discorre-se, preliminarmente, sobre o atual cenário, montado com embasamento no legado das Ciências Jurídicas, com ênfase no Direito, e nas Ciências Sociais, com destaque para a Sociologia.
É que, como se sabe, não havia, até bem pouco tempo, terminologia genuinamente policial, o que deve ser corrigido com o fortalecimento da Policiologia, na medida em que pesquisas e estudos específicos, teóricos e práticos, contribuam para o esclarecimento dos fenômenos emergentes nesse novo campo do saber e, como ocorre em toda ciência, ajudem a estabelecer teorias, uma estrutura conceitual, suas similitudes e diferenças.
Após cada consideração, sugerem-se conceitos, que poderão ajudar na compreensão do assunto tratado, deixando o leitor à vontade para optar por aquilo que melhor se enquadre em suas concepções e que seja útil em suas pesquisas, em seus trabalhos.
A razão está no fato de esta contribuição nada ter de dogmático, pois o objetivo é auxiliar na elaboração ou redefinição de pontos de referência para formulação de efetivas políticas públicas para essa área.
A ideia original, esboçada há alguns meses, era organizar um Libreto que reunisse inovações, já produzidas pela Policiologia.
Estávamos na fase final de elaboração deste trabalho, quando foi anunciada a realização do 1º Seminário Internacional de Editores e Pesquisadores na Área de Segurança Pública, do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), órgão que tem dado passos ousados no tratamento dado aos assuntos de sua competência.
Fizemos um extrato deste artigo, adaptando-o às normas estabelecidas, e o encaminhamos à Comissão Técnica do Seminário, que, gentilmente, sugeriu que a proposta fosse feita em forma de Pôster, o que foi acatado.
Entretanto, entendendo que os conteúdos contidos no Pôster e no “extrato” poderiam não exprimir a ideia em plenitude, em razão de espaço limitado para expô-la, retomamos a ideia inicial (publicar um libreto).
A mensagem recebida de referida comissão – “O texto está dentro do escopo do Seminário, é bom e traz novidades, mas carece de maior discussão do tema para ser apresentado como Artigo” – nos estimulou a fazer esta publicação.
Ancoramo-nos no pressuposto de que, para debater, discutir esse tema, com nobres e qualificados companheiros, é extremamente importante que se lhes dê a conhecer o texto.
Julgada a oportunidade (conveniência e necessidade) de corroborar, discordar, acrescentar anotações, fiquem à vontade para difundir essa nova perspectiva que, se estima, seja nossa, de todos nós.
1. INTRODUÇÃO
O enfrentamento da questão conceitual, uma espécie de ossatura do sistema ideológico da “Segurança Pública”, vem sendo feito há bastante tempo. O nosso caráter militar e a condição de força auxiliar do Exército de 1ª Linha nos proporcionaram o confortável caminho de seguir em tudo a doutrina militar. Não foi há muito tempo que o desenvolvimento da sociedade, sua industrialização e urbanização, a insegurança inerente a este tipo de sociedade nos obrigaram a formalizar uma doutrina para suporte profissional, que atendesse sim aos interesses da defesa social e, por extensão, da defesa nacional, mas que tivesse cunho eminentemente policiológico.
Como se verá aqui, os nossos postulados são firmados em alicerces de teorias, hauridas da experiência cotidiana no trato com pesquisadores externos, jornalistas, representações do público em geral e também do intenso e incansável trabalho do debate, da crítica e da reflexão.
A moldura desse trabalho são teorias desenvolvidas nos meios acadêmicos policiais militares, em 1985, em parceria com o Coronel Lúcio Emílio do Espírito Santo, com exceção da Teoria do Quadro de Empregos das Polícias Militares.
A seguir, um resumo dessas teorias com a sua referência bibliográfica.
2. TEORIAS POLICIOLÓGICAS
A Teoria do Vértice de Causas e Efeitos é um estudo empírico sobre a extensão e os limites da função social da polícia, deixando, ao mesmo tempo, expostos os limites e a extensão do papel de setores corresponsáveis pela defesa social.1
A Teoria Introdutória à Policiologia aborda o fato de que Polícia no mundo inteiro, ainda que variem os nomes, a cor dos uniformes, o tamanho da organização tem características semelhantes, traços universais e pontos comuns. Examina as características e possibilidades de uma ciência autônoma de polícia
A Teoria da Síndrome da Violência Urbana aborda o fato de essa síndrome ser transportada indistintamente para os pontos mais distantes e longínquos do território nacional, que passam a viver, solidariamente, o mesmo clima de insegurança vivido pelos grandes centros. 3
A Teoria das Realidades Culturais Diferentes é uma resposta aos que, consciente ou inconscientemente, dão ênfase a aspectos negativos, generalizando-os ou enfocando problemas locais como se fossem nacionais.
Teoria do Quadro de Emprego das Polícias Militares pretende despertar a curiosidade dos leitores para um assunto que julgamos da maior importância. Propõe que se pense a respeito da Instituição Policial Militar: o que é, o que faz, por que faz, como faz, quando faz, onde faz?5
A Teoria da Compatibilização Eficaz – entendida como um conjunto de conhecimentos rigorosos e sistemáticos - pretende demonstrar que, ao contrário do que sofismam alguns, há perfeita compatibilidade entre uma polícia/força militarizada e procedimentos de preenchimento das necessidades comunitárias de proteção. Demonstra também que não há apenas compatibilidade, mas Compatibilização, isto é, o preenchimento daquelas necessidades é alcançado concretamente através de ações efetivas. 6
O compromisso da Polícia é manter a Ordem na Sociedade, é conter e/ou restringir a Desordem. Para a Teoria da Novíssima Defesa Social, ela controla vulnerabilidades e mitiga o gênero ameaças e não apenas a espécie-crime.
A Polícia, depois de pequenos avanços, vem dando um colossal salto qualitativo, observado no modo de pensar dos seus integrantes. Assim, mais e mais, se firma a convicção de que a ciência é a ferramenta da eficiência e esta, o passaporte para a sobrevivência.
Enfim, eis aqui o primeiro documento, de circulação nacional, que, acredita-se, é divulgado para leitura e qualificada apreciação de policiais, em particular, dos pesquisadores e doutrinadores.
A discussão sobre “Segurança da e/ou na Sociedade” e de outras expressões correlatas vem num crescendo nesses últimos cinquenta anos e, hoje, apresenta-se bastante intensa, porém, minimamente, muito polêmica e de poucos resultados.
E por que isso está ocorrendo? Porque, em grande maioria, os esforços, os empenhos para se definirem ações, que minorem esse preocupante e complexo fenômeno social, podem ser reputados como paliativos.
Essa afirmativa é embasada ora na realidade fática, combinada com o Princípio da Não Contradição, de Aristóteles (ARANHA, 2009), ou seja, “duas afirmações contraditórias não podem ser verdadeiras ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto”, ora com as axiomáticas expressões:
“Problema bem definido é problema quase solucionado” e “pressupostos equivocados, mesmo se as argumentações forem corretas, inteligentes, conduzem a resultados equivocados”.
Nossa percepção é de que há duas incorreções: a primeira é que estaria havendo um erro de foco e a segunda é que muitos arrazoados, ainda que esmerados, são inaplicáveis, inadequados ou insuficientes para o debate.
Quanto ao foco, observa-se que a discussão tem girado em torno de procedimentos e comportamentos sobre “que” está ocorrendo, em relação à situação genérica e erroneamente (?) denominada de Segurança.
Meireles, Amauri e Espírito Santo. Teoria das Realidades Culturais Diferentes. Revista O Alferes V.4, nº 9, abr./jun. 1986, p. 5-37
É possível identificar uma saudável e positiva tendência de se ampliar a discussão para a busca de respostas para “por que” está ocorrendo.
É o caminho que se pretende trilhar e, quanto aos arrazoados, em particular, relativos a conceituações, serão tratados mais à frente, na medida em que apresentarmos nosso entendimento, permitindo-nos uma “licença poética” para realçar verbetes (iniciais maiúsculas) que entendemos fundamentais para compreensão do que se propõe.
Nesse início, a promissora anotação de que o contingente envolvido na pesquisa desse tema tem aumentado nas regiões brasileiras, com destaque para o Nordeste e o Sul e, ainda, a constatação de que policiais, sejam civis ou militares, apresentam-se, cada vez mais, como ótimos pesquisadores.
Por ser tema muito debatido, em outubro de 2019 o Ministério da Educação e Cultura (MEC) reconheceu as Ciências Policiais como área de conhecimento.
Tal fato aumentou o interesse da classe policial, em virtude, não apenas do conhecimento específico e residual que detém, mas, sobretudo, pela expertise acumulada em razão de sabedoria decorrente de secular experiência.
Se, até então, manifestações sobre assuntos dessa natureza tinham o protagonismo das Ciências Jurídicas, com destaque para o Direito, coadjuvado pela Sociologia, das Ciências Sociais, identifica-se, presentemente, avanço extraordinário das Ciências Policiais, em particular o de uma de suas espécies:
Policiologia (ESPÍRITO SANTO; MEIRELES, 1988), ciência que visa a construir, sedimentar e difundir a genuína essência doutrinária de Polícia.
Este trabalho pretende trazer uma contribuição para o debate, através de novo enquadramento dessa preocupante, angustiante e, paradoxalmente, instigante e indefinida questão: Segurança! Ou seria Insegurança?
Por certo, a conceituação de muitos termos, constantes da relação que segue, é do conhecimento, talvez até, do domínio de maioria dos leitores. Grande parte tem origem nas Ciências Jurídicas (Direito) e nas Ciências Sociais (Sociologia), além de entronizar outros, das Ciências Policiais (Policiologia), que podem trazer algum ineditismo. SEGURANÇA PROTEÇÃO DEFESA
NACIONAL ESTADO SOCIEDADE INSTRUMENTOS PROGRESSO SOCIAL AMEAÇAS ANTAGONISMOS CRIME PRESSÕES RECEIOS
VULNERABILIDADES ADVERSIDADES ORDEM DESENVOLVIMENTO MEDOS MECANISMOS UTOPIA INTEIRAÇÃO DESASTRES RISCOS PERIGOS EXCLUSÃO DESÍDIAS COMOÇÕES INTEGRAÇÃO CONFLITO POLÍCIA INCLUSÃO PODER INSERÇÃO INTERAÇÃO INSTITUIÇÃO AUTORIDADE FORÇA VIOLÊNCIA URBANA CLIMA MISÉRIA MARGINAL EDUCAÇÃO FATORES BIÓTICOS/ABIÓTICOS MARGINALIZADO PAZ GRUPOS GRAU FOME ÍNDICES CIDADANIA DESORDEM NÍVEL CONFRONTO CAUSALIDADE CAUSA EFEITOS REGRAS DISTOPIA EFETIVIDADE PENITENCIÁRIA HARMONIA DESEMPREGO IMPUNIDADE CONTENÇÃO POLÍTICA ISOTOPIA AMBIÊNCIA VALORES MENOR DROGA INSEGURANÇA TRANQUILIDADE
Não há como separar esses conceitos, porque estão entrelaçados e interdependentes, formando, na nossa expectativa, um sistema de grande complexidade. Daí a necessidade de mostrar, no íntimo cada um deles, essa rede que formam entre si. Caso não enfrentemos esse desafio – que nenhum jurista ou cientista social o enfrentará por nós – os postulados policiológicos se perderão na ambiguidade e na confusão conceitual.
3. SEGURANÇA: SIMILITUDES E DIFERENÇAS
A expressão Segurança tem sido usada como sinônimo de Proteção, como se o fato de estar em Proteção significasse estar em Segurança ou estar Protegido seria estar Seguro. Porém, a história nos mostra que não é bem assim. Vejam duas grandes potências, em matéria de proteção: EUA e Israel.
O presidente John Kennedy e o primeiro ministro Isaac Rabin foram assassinados. Em seus próprios países!... Tinham os maiores e melhores esquemas de proteção do mundo, mas não estavam seguros!
Há quem trate a Segurança como uma atividade, (somos profissionais de Segurança) e os que a veem como mercadoria (nosso negócio é Segurança) ou um produto ofertado (produzimos Segurança, instalamos Segurança).
Em todos esses casos, entende-se, Segurança está sendo confundida com Proteção. Porque, reitera-se, quem está protegido nem sempre está em segurança!...
Proteção é um recurso interposto entre um agente ameaçado e um ameaçador para se atingir um fim: Segurança (ESPÍRITO SANTO; MEIRELES, 2003). 7
Como surgiu a Proteção? Para explicar isso, nós vamos sair do eixo principal para um desvio.
Possivelmente, o próprio homem paleolítico sentiu essa necessidade, visando à preservação da própria vida. Posteriormente, sentiu que, se se alinhasse a outros homens, melhoraria o emprego dos recursos de proteção disponíveis.
Lembrando Beto Guedes, em sua bela canção Sal da Terra:
“Vamos precisar de todo mundo.
Um mais um é sempre mais que dois”.
4. O ESTADO, ORDEM E AUTORIDADE
Dessa aliança surgem as famílias, os clãs, as tribos, os grupos, as dinastias, as Nações, o Estado. Assim, no elenco das razões de surgimento do Estado, originariamente está o provimento da proteção e, posteriormente, a promoção do progresso.
Já, em nossos dias, o Estado brasileiro, Estado Democrático de Direito, tem como principais fundamentos a tripartição de funções/poderes, soberania, cidadania, a dignidade da pessoa humana e pluralismo político, além dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, de acordo com a CF/88, em seus artigos 1º, 3º e 5º (BRASIL, 1990).
Tem-se que os alicerces do Estado são Ordem e Autoridade.
Ordem, como desdobramento do exercício da soberania ou como reflexo dela, é um conjunto de prescrições que estabelecem a estruturação, a organização e o funcionamento do Estado (território, população e soberania), assim como o elenco de valores a serem respeitados e as regras que devem ser obedecidas.
As variações da Ordem são: Normalidade, Alteração, Perturbação, Grave Perturbação, Luta Interna (MEIRELES, 1984).
Há vários tipos de Autoridade. Aqui, nos interessa a Autoridade Estatal, que é a capacidade de intervir na vontade individual ou coletiva. Essa autoridade está, policiologicamente, bifurcada em duas vertentes:
Poder estatal, que é a capacidade de atender ou de alterar a vontade individual ou coletiva, e
Força estatal, que é a capacidade de impor a vontade sobre indivíduos ou sobre coletividades.
Voltando ao eixo, como ocorre ou como se dá essa Proteção? Através de Instrumentos de Proteção e Mecanismos de Proteção.
Os Instrumentos de Proteção são as Instituições (Família, Escola, Igreja, Estado, Economia, etc.), que controlam e restringem vulnerabilidades no tecido que reveste o corpo nacional/social.
Os Mecanismos de Proteção são as Defesas, ações que se antepõem ou atuam sobre ameaças que atacam o corpo nacional/social através das vulnerabilidades.
São procedimentos utilizados na proteção de uma Nação (daí, a defesa nacional) e/ou na proteção de uma Sociedade (defesa social).
5. AMEAÇAS, DEFINIÇÃO E CATEGORIAS
Falamos em Vulnerabilidade e em Ameaças.
Nosso entendimento é de que Vulnerabilidades são descontinuidades no tecido que reveste o corpo nacional/social, formado pelas Instituições, que ensejam avanços de ameaças ao organismo social.
Ou seja, são brechas que se se apresentam por desconhecimento, erro ou omissão institucional, permitindo a entrada das ameaças.
Já as Ameaças são adversidades, reais ou potenciais, advindas de forças da natureza, de antagonismos surgidos entre integrantes do próprio grupo ou entre grupos rivais, e de pressões, internas ou externas, isto é, situações que afetam diretamente a preservação da vida ou a perpetuação da espécie humana ou que perturbam a vida nacional ou a vida social.
São categorias indissociáveis das ameaças:
a) riscos, que são possibilidades significativas de ocorrência de uma ameaça;
b) perigos, que são riscos iminentes, prováveis; c) receio, apreensão diante de Riscos;
d) medos, receios iminentes, prováveis.
As maiores Ameaças estão grupadas no que se convencionou chamar de Ameaças-Tronco:
- a Exclusão Social, ausência de oportunidades iguais de acesso a bens e serviços para todos;
- o Crime, uma ofensa a um bem jurídico individual ou coletivo;
- o Desastre, resultado de eventos adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema (vulnerável), causando danos humanos, materiais e/ou ambientais e consequentes prejuízos econômicos e sociais (BRASIL, 1999);
- as Desídias Sociais, ameaças advindas de fenômenos naturais ou provocadas pelo próprio homem, que variam de transtornos razoáveis a situações em que há gravíssimos prejuízos materiais e perdas de vida (um exemplo clássico é a Interrupção de serviços essenciais decorrente de fenômenos naturais ou provocada pelo próprio homem. Varia de pequenos transtornos a situações em que há grandes prejuízos materiais e perdas de vida, em razão de paralisação de atividades de utilidade pública, que preenchem necessidades inadiáveis e indispensáveis à manutenção da vida e dos direitos);
- as Comoções Sociais, ameaças, enquadradas de início como Desídias Sociais, em que a situação da Ordem sofre um agravamento, passando de Perturbação da Ordem para Grave Perturbação da Ordem.
Lembre-se de que ações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), intervenção, Estado de Sítio e de Defesa são estritamente políticas (determinadas pelo Executivo, com autorização do Congresso, de forma temporária, nos casos taxativamente previstos na Constituição e de acordo com a lei) e executadas por militares.
6. DEFESA E SUAS RAMIFICAÇÕES. A NOVÍSSIMA DEFESA SOCIAL. CONSELHO DE DEFESA SOCIAL MINEIRO
Descartada a hipótese de haver sinonímia de Segurança com Proteção, há outras pessoas que a consideram como um ato, uma Defesa. Porém, conforme a Policiologia, Defesa é uma ação, um meio, um mecanismo de proteção para se alcançar um fim, que é a Segurança.
Para fazer face às vulnerabilidades no tecido que reveste o corpo nacional/social, ensejando a entrada de ameaças no organismo nacional/social, temos a defesa nacional e a social.
A Defesa Nacional está muito bem explicada em manuais da Escola Superior de Guerra (ESG). Também há documentos muito importantes como a Estratégia Nacional de Defesa (END), a Política Nacional de Defesa (PND) e o Livro Branco da Defesa Nacional.
A expressão Defesa Social, tem-se notícia, teria sido usada por Platão, para indicar a proteção da Sociedade contra os delinquentes perigosos.
Durante muito tempo, prevaleceu o entendimento de que a Defesa Social significava a proteção da sociedade contra o crime, na medida em que procurava obter essa proteção através repressão vigorosa. Esse entendimento perdurou até o final do século XIX e meados do século XX, período em que começaram os debates sobre esse tema.
Foi então que, dentre outros pesquisadores como Adolphe Prins e Filipo Gramatica, em 1945, destaca-se Marc Ancel, que lançou o livro “A Nova Defesa Social” (ANCEL, 1979) onde afirmava que Prevenção e Tratamento são as duas dimensões que faltavam à concepção tradicional.
Então, à ação inicial, juntam-se mais duas, na Nova Defesa Social: Prevenção do crime – antes da Repressão Vigorosa e outra depois – Tratamento do Criminoso.
Em 1980, surgiu, em Minas Gerais, o Movimento Policiológico, onde oficiais da PMMG divulgavam a conveniência de profissionais da área pesquisarem mais, escreverem mais, publicarem seus estudos e experiências, o que, em 1985, deu origem à criação da Policiologia, ciência que contempla a essência doutrinária de Polícia.
Ainda em 1985 surge o terceiro enfoque da Defesa Social, propugnando que ela não é apenas contra a espécie crime, mas, sim, contra o gênero ameaças, delineado na Teoria da Novíssima Defesa Social (MEIRELES, 1985), uma das Teorias Policiológicas.
A Novíssima Defesa Social pressupõe uma variedade muito grande de atividades, distribuídas na defesa da inteiração social (defesa da evolução social e defesa da seguridade social) e na defesa da salvaguarda social (defesa anti-infracional; defesa antidesastres; defesa antidesídias sociais; defesa anticomoções sociais).
Em 1986 o governo de Minas Gerais criou o Conselho Estadual de Defesa Social, de equivocado nome, visto que sua estrutura, organização e objetivos visavam a tratar aspectos relativos, apenas, à defesa da Salvaguarda Social, conforme a Novíssima Defesa.
Seu foco eram as ameaças, exceto a Exclusão Social, tratada por outros órgãos cujo compromisso era com a Defesa da Inteiração Social.
Tal dubiedade generalizou-se, originando criação de Secretarias de Segurança Pública e de Defesa Social. Se Defesa Social não é sinônimo de prevenção nem de controle de criminalidade, e muito menos de segurança pública; se Proteção não é Defesa nem Segurança e Defesa também não é Segurança, vamos conceituar Segurança sob a óptica Policiológica.
7. SEGURANÇA SOB A ÓPTICA POLICIOLÓGICA
Lembrando que Segurança é uma decorrência de ações de Proteção, sejam institucionais ou de defesa, cujos alvos são vulnerabilidades e ameaças. É um ambiente que pode ser visto sob dois aspectos concomitantes.
O primeiro, objetivo, mostra, através tratamento estatístico de ocorrências, que as vulnerabilidades estão controladas e todas as ameaças estão mitigadas. Ao mesmo tempo, há o segundo aspecto, o subjetivo, conhecido através tratamento estatístico da crença, da percepção de que isso está ocorrendo.
Segurança: ambiente em que todas as vulnerabilidades no tecido que reveste o corpo nacional/social, sob o aspecto objetivo, estão controladas e as ameaças ao organismo nacional/social estão mitigadas, além de haver a crença, a percepção, sob o aspecto subjetivo, de que isso está ocorrendo, concomitantemente.
Segurança Social é um ambiente em que o organismo social está objetivamente protegido, face o controle de vulnerabilidades e mitigação de ameaças, realizados por entidades estatais e particulares, e confiante nesse controle, concomitantemente.
Outras perspectivas da Segurança são quem a realiza e, ainda, qual o seu alvo, daí, a Segurança Pública e a Segurança Privada.
Em relação à Segurança Pública, algo interessante acontece: cada um de nós tem seu próprio entendimento. Ou seja, todos temos noção, mas nenhum tem convicção do que significa Segurança Pública. Ultimamente vem sendo empregada como se guardasse sinonímia com a Contenção da Criminalidade. Avançando em nosso raciocínio:
Segurança Pública é a fração do ambiente de segurança social cuja responsabilidade de instalação é de entidades estatais.
Segurança Privada é a fração do ambiente de segurança social cuja responsabilidade de instalação é de entidades particulares e de pessoas físicas.
Quando se pensava que tudo ia muito bem, vem a lembrança de que, inerente às vulnerabilidades e às ameaças, há duas particularidades, no mínimo, que, quase sempre, se fazem presentes: o inopinado (não se pode prever onde, como e quando elas vão surgir) e o imponderável (difícil de se medir a extensão e a duração) (MEIRELES, 1985).
É oportuno observar, à medida que se conhecem mais as vulnerabilidades, as ameaças e as duas citadas particularidades, mais nos aproximamos da realidade fática que, por muito tempo, nos passou despercebida:
Vive-se, e sempre se Viveu, em um Ambiente de Insegurança.
Não ocorre apenas no Brasil, mas em qualquer lugar do globo. Logo, em nenhuma parte do mundo há o ambiente de segurança cabal, plena, advinda da proteção absoluta, total. E segurança relativa é insegurança!...
O ambiente de segurança é aquele em que não há vulnerabilidades, nem ameaças, e há crença generalizada nisso.
Certamente, uma ficção, em razão do inopinado e do imponderável, invocados acima, que cercam vulnerabilidades e ameaças,
Então, podemos afirmar, categoricamente, que o ambiente de segurança é uma utopia.
A vida é vivida em um Ambiente de Insegurança!... Não se trabalha para Aumentar a Segurança, mas, sim, para Reduzir a Insegurança.
Em relação a esse ambiente, é possível dizer que temos ameaças mundiais, ou seja, que afetam o mundo como um todo ou grande parte dele. Atualmente temos a questão climática e a Pandemia da Covid-19.
Para enfrentamento, é extremamente importante identificar a origem, a causa, enfim, a vulnerabilidade que ensejou avanço da ameaça, bem como seus efeitos.
Em paralelo, observa-se, cada país tem sua própria matriz de Insegurança, que pode ser: Terrorismo, miséria, fome, as várias formas de Desastres (terremoto, tsunami, vulcão ou um Desastre Biológico como gripe suína, aviária, AIDS, ebola, vaca louca, ou a Covid-19.
Também, as desídias sociais, como a interrupção de serviços essenciais, ou as Comoções Sociais, como o permanente estado de guerra.
E no Brasil? Qual é nossa matriz de insegurança? É a Violência!
Para a Organização Mundial de Saúde, a Violência é definida como “o uso intencional da força ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação”.
Para a Policiologia, uma conceituação simples e objetiva: É a grave manifestação de uma vulnerabilidade ou ocorrência aguda de uma ameaça. Isso porque as ameaças são do homem contra o homem, do homem contra a natureza e da natureza contra o homem.
Consideradas, tão somente, as ameaças do homem contra o homem, constata-se que essa violência está bipartida em Violência da Exclusão Social, que gera Marginalizados, com quem deve ser trabalhado o Moral, e a Violência da Criminalidade, que gera Marginais, com quem deve ser trabalhada a Moral.
Nas últimas décadas do século passado, surgiram trabalhos manifestando endosso à hipótese de haver interdependência e/ou interligação das duas violências. Começam a surgir estudos, pesquisas para se saber se isso ocorre.
Havendo essa correlação, em que dimensão?
Isso porque a Violência da Exclusão Social (VES) tem sua gênese, preliminarmente, em vulnerabilidades socioeconômicas provocadas por falta, insuficiência, inadequação de políticas públicas para a área social.
Essas vulnerabilidades geraram crises de moradia, seguridade, fome, miséria, educação, transporte, saneamento, desemprego, desocupação, remuneração, concentração de renda, dando origem à marginalização (à margem social) e seu produto, os marginalizados.
Na sequência, a VES tem outra origem, a Distopia Estatal: ausência ou funcionamento anômalo de órgãos estatais, nos vários níveis.
Essa distopia surge em virtude do agravamento da vulnerabilidade socioeconômica, por má gestão, evoluindo para uma faixa cinzenta que resulta da superposição, dessa vulnerabilidade agravada, com uma das vertentes da vulnerabilidade sociopolítica.
Num primeiro momento, vulnerabilidades socioeconômicas, decorrentes de ausência/ineficiência de políticas públicas ou de erros de gestão, não são um problema de responsabilidade da Instituição Polícia. Sua evolução (posto de saúde sempre fechado, locais mal iluminados onde ocorrem estupros, etc.) pode vir a sê-lo.
No caso, antes de a Polícia intervir, ou mesmo paralelamente, convém seja feita a intermediação, comunicando os fatos aos órgãos responsáveis, solicitando lhes as correções.
Por certo, esse simples procedimento, reduzirá a demanda por Polícia.
Já a Violência da Criminalidade decorre de outra vertente da vulnerabilidade sociopolítica: a inobservância da Ordem, sob a obliquidade da anticidadania, quando, egoisticamente, indivíduos usufruem direitos, mas não querem observar, cumprir seus deveres sociais.
VIOLÊNCIA DA EXCLUSÃO SOCIAL |
VIOLÊNCIA DA CRIMINALIDADE |
VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA |
VULNERABILIDADE SOCIOPOLÍTICA |
ANTICIDADANIA |
DISTOPIA ESTATAL |
POLÍTICAS PÚBLICAS |
Aceita essa argumentação, apresentamos nossa discordância com certos posicionamentos, alguns artigos que correlacionam aumento da violência da criminalidade – cuja origem está em certa vulnerabilidade sociopolítica – com aumento da pobreza, miséria, fome, desemprego – fatos oriundos de vulnerabilidades socioeconômicas.
Ao que nos parece, tem ficado claro que nem todo marginalizado (excluído social) é marginal (criminoso) – exemplo disso é um determinado tipo que compõe a população em situação de rua – e que nem todo marginal (criminoso) é marginalizado (excluído social), como, por exemplo, o colarinho branco.
Vejamos os seguintes indicadores:
Países do BRICS, 03 (três) países da América do Sul, EUA, (maior PIB), Japão, país de tradições milenares.
IDH PIB
ARGENTINA 0,845 (3º) (7º)
ÁFRICA DO SUL 0,709 (9º) (8º)
BRASIL 0,765 (6º) (6º)
CHINA 0,761 (7º) (2º)
COLÔMBIA 0,767 (5º) (9º)
EUA 0,926 (1º) (1º)
INDIA 0,645 (10º) (4º)
JAPÃO 0,919 (2º) (3º)
RÚSSIA 0,824 (4º) (5º)
VENEZUELA 0,711 (8º) (10º)
Fonte: PNUD e UNODC. Referência: 2019
PIB baixo ou alto não significa IDH baixo ou alto.
IDH Tx Hom
ARGENTINA 0,845 (3º) 5,12 (6º)
ÁFRICA DO SUL 0,709 (9º) 36,42 (2º)
BRASIL 0,765 (6º) 21,70 (4º)
CHINA 0,761 (7º) 0,53 (9º)
COLÔMBIA 0,767 (5º) 24,95 (3º)
EUA 0,926 (1º) 4,99 (7º)
INDIA 0,645 (10º) 3,00 (8º)
JAPÃO 0,919 (2º) 0,25 (10º)
(10º) RÚSSIA 0,824 (4º) 7,68 (5º)
VENEZUELA 0,711 (8º) 61,30 (1º)
Fonte: PNUD e UNODC – Referência 2019
Observa-se que países, com menor IDH ou com menor PIB, têm Índice de Violência menor que o Brasil.
Certamente, há necessidade de se pesquisar, efetivamente, um eventual equívoco de correlacionar pobreza com a violência da criminalidade.
Afinal, nem todo pobre é bandido, nem todo bandido é pobre.
Dando um salto para o passado, vamos identificar que, por volta do ano de 1972, a imprensa brasileira cunhava a expressão “Violência Urbana”, uma nova roupagem da velha questão criminal, em razão do alarmante aumento dos índices de criminalidade.
Num primeiro momento, a mídia, talvez interpretando um sentimento da população, cometeu, às polícias, a responsabilidade por essa elevação. E a Polícia tratou de demonstrar que a origem estava no fenômeno do Êxodo Rural, quando a população urbana ultrapassa a rural.
A migração desordenada, em razão do Milagre Econômico (SOUZA, 2011), trouxe a explosão demográfica e a marginalização nas grandes cidades.
As resultantes foram crises que, eventualmente, evoluíram para a marginalidade. Aqui, convém abordar, no mínimo, três itens:
a) sobre o Índice de Criminalidade (nº crimes por 100.000 hab.) e o Índice de Criminalidade Violenta (crimes violentos por 100.000 hab.) (SANTA CECÍLIA, 1984) é possível afirmar que a espiral da violência estaria em limites socialmente toleráveis se não houvesse o tráfico de armas e o de drogas;
b) sobre a Síndrome de Violência Urbana (ou Neurose de Próxima vítima), é um aspecto que influencia bastante na Sensação de Segurança, na Segurança Subjetiva ou, consoante a Policiologia, na Sensação de Insegurança, na Insegurança Subjetiva, conforme explicaremos adiante (MEIRELES; ESPÍRITO SANTO, 1985);
c) sobre a Ilusão de Isotopia (MEIRELES; ESPÍRITO SANTO, 1985), é a sensação de que se está no lugar onde ocorre uma violência, ou que, logo, logo, essa violência chegará ao local onde se vive.
Então, a pergunta: como viver num ambiente de insegurança? Com precaução e informação, não sendo presa da Síndrome de Insegurança, isto é, adotando Atitude de Autocontrole e Medidas de Precaução.
Informação é muito importante, porém, sobre a violência é deficiente! Constata-se haver muita notícia (maioria sensacionalista) e pouca informação. A informação sobre a violência não é qualificada, não orienta, não educa. Além do que, a pesquisa em relação a, sobre esse tema é bastante incipiente.
Sobre a violência, o foco tem sido a Causalidade, vértice para onde fluem causas e refluem os efeitos, ou seja, nítida preocupação com o que está acontecendo. Hoje, já começa a surgir e a se fortalecer a preocupação com o porquê está acontecendo (tratamento científico).
Existem consistentes identificações, recordando que, às vezes, uma causa pode ser efeito de outra causa:
a) Causas: Desestruturação do modelo familiar tradicional; menores em situação de risco; população em situação de rua; incivilidade; impunidade (visão de vítima).
b) Efeitos: Prejuízos à tradição; menores em conflito com a lei; aumento do medo; desrespeito aos valores civilizatórios e desobediência às regras sociais, encartados pela Constituição; impunição (visão de agente).
O fato é que muito tem sido feito na Causalidade e pouco nas ações fundamentais de Restringir Causas e Antecipar-se aos Efeitos.
Como reverter o ciclo da Violência?
a) Com o fortalecimento das Instituições, o que implica em ações para readquirir a credibilidade e recuperar a confiabilidade da população.
b) Através de correções de desvios da Ordem estabelecida, ou seja, não transigir com os preceitos da Ordem;
c) Exigindo efetividade nas ações dos Agentes Políticos, começando por legisladores trabalhando para que as políticas públicas sejam de Estado (e não de Governo ou de Partido) e que os Administradores Públicos trabalhem para que as distopias estatais sejam minimizadas até serem eliminadas.
Portanto, ratifica-se que o ambiente de Segurança é uma utopia. Então, pode-se melhorar a qualidade de vida em um ambiente de insegurança?
Sim, basta identificar a causa-raiz e combatê-la. Falamos em Ambiente de Insegurança. Afinal, o que é Insegurança?
É um ambiente onde, sob o aspecto objetivo, nem todas as vulnerabilidades no tecido que reveste o corpo nacional/social estão controladas e nem todas as ameaças ao organismo nacional/social estão mitigadas, além de, sob o aspecto subjetivo, haver a crença de que isso pode estar ocorrendo, concomitantemente ou não.
Num voo de pássaro, é possível afirmar que cada localidade tem um Nível de Insegurança, estágio em que ali se encontra a Insegurança, que resulta de dois vetores: Grau de Insegurança e Clima de Insegurança.
O Grau de Insegurança, que analisa aspectos objetivos, é o resultado do exame de reais condições em que se encontram o controle de vulnerabilidades e a mitigação de ameaças, em determinado ambiente.
O Clima de Insegurança, que analisa aspectos subjetivos, representa a percepção, a crença no controle e na mitigação, em determinado ambiente.
Cada localidade tem um Limite Tolerável de Insegurança. Se comparado com o Nível de Insegurança, constata-se se aquela localidade está perto ou longe do utópico Ambiente de Segurança.
Entende-se que a Insegurança está no ineficiente arranjo ambiental e no deficiente preparo para a convivência harmoniosa e pacífica, visto em trabalhos de correção de desvios sociais, exigindo políticas de Estado que firmem os abalados princípios sociopolíticos.
Aspecto a ser considerado, insiste-se, é que, lamentavelmente, no Brasil, um genérico problema sociopolítico vem sendo tratado como um específico problema policial.
De passagem, lembre-se que Violência é uma ameaça acentuada, que se origina em uma vulnerabilidade politicossocial, que enseja ações policiais e questões sociais, por negligência à Ordem.
Para inúmeros problemas vinculados à violência, o primeiro impulso é chamar a Polícia, quando o problema, reitera-se, quase sempre, é de Distopia Estatal ou Anticidadania, e, em particular, de Educação e/ou de Assistência Social.
Tem prevalecido o entendimento de que, sob a óptica clássica do Direito, a Polícia tem a função de impedir ou paralisar atividades antissociais (polícia administrativa) ou investigar os atos e respectivas responsabilidades de violação da norma penal (polícia judiciária).
Sob a óptica da Sociologia, Polícia é o órgão que detém o monopólio estatal do uso da Força.
Para a Policiologia (ciência encarregada de produzir, coletar, divulgar a genuína essência doutrinária): Polícia é instituição estatal de provimento da Proteção, embasada em estruturas de Poder e Força, visando à Mantença da Ordem.
O compromisso da Polícia é manter a Ordem, é a Mantença da Ordem, que é diferente de “dar manutenção” à Ordem.
A Desordem latente começa a adquirir forma, quando há abalos na estrutura, na organização e no funcionamento Estatal, ao tempo em que o caráter social – o elenco de valores a serem respeitados e de regras a serem obedecidas – debilita-se progressivamente.
Como há várias espécies de Polícia, cada uma delas tem uma forma de cumprir esse compromisso. A dicotomia de Polícia (Administrativa e Judiciária) é antiga. Tem origem na Revolução Francesa e perdura até nossos dias.
Com o surgimento das Ciências Policiais, o conteúdo da Policiologia deve ser preenchido por policiais pesquisadores/doutrinadores que, além de conhecimento específico, detêm invejável expertise decorrente de sabedoria acumulada com secular experiência.
8. CLASSIFICAÇÃO DE POLÍCIA, CRITÉRIOS: UMA PROPOSTA POLICIOLÓGICA
Por essa razão, sem qualquer dogmatismo, apresenta-se a seguinte proposta de classificação de Polícia, convidando companheiros a ampliá-la, reduzi-la, modifica-la, enfim, amoldando-a conforme seu melhor entendimento.
Antes, sugerem-se abreviaturas e são feitas rápidas considerações.
PN – Polícia Normativa – a Polícia de normas, resoluções, portarias, interdições, apreensões, de sanções administrativas. Não se enquadra no espectro das Polícias de Salvaguarda Social, mas está presente nos órgãos que realizam a inteiração (isso mesmo, inteiração) social, ou seja, os que fazem a defesa da seguridade social e a defesa da evolução social.
PM – Polícia Militar – Mais conhecida pelo que faz do que pelo que é: Força Pública Estadual, que garante a Ordem nos Estados-membros e no Distrito Federal, guardando simetria com as Forças Públicas Federais (FFAA), que garantem a Ordem Nacional.
É Força Auxiliar do Exército Brasileiro (EB), atuando, sempre, como Polícia Ostensiva, em Operações de GLO e quando decretados os Estados de Sítio e de Defesa.
Entretanto, ao contrário de vigente preceito constitucional, NÃO é sua “reserva”, pois, não está apta a substituir o “titular”, o infante.
Em qualquer variação da Ordem (da normalidade à Grave Perturbação), sempre desempenhará ações e operações próprias de Polícia Ostensiva.
PC – Polícia Civil – É a Polícia Judiciária Estadual. Tem nome impróprio, visto que, exceto as PMs e os Corpos de Bombeiros Militares, todas as demais Polícias são civis.
As adjetivações de Polícia – Civil e Militar – confundem a população que, mal informada, acredita haver nos Estados apenas duas Polícias. Alguns “especialistas de plantão” chegam a propor a fusão, integração, unificação desses importantes órgãos: a Polícia Judiciária Estadual com a Força Pública Estadual. Contudo, não têm a coragem (ou o desplante) de sugerir unificação da Polícia Judiciária Federal com a Força Pública Federal.
A PC exerce algumas atividades burocráticas que prejudicam sua atividade-fim: investigar autoria e materialidade de delitos, em estreita ligação com o Ministério Público (MP) e com o Judiciário.
Livrando-se de alguns “varejos”, pode aumentar sua taxa de resolução de delitos.
PF – Polícia Federal – deveria denominar-se Polícia Judiciária Federal, visto que, no âmbito federal, há outras Polícias. Cumpre primorosamente sua missão, às vezes, até, indo além de sua missão, atuando como Força de Polícia
Ostensiva (exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras, reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho), pela ausência desse órgão na União.
FNSP – Força Nacional de Segurança Pública – criada como Diretoria da Força Nacional de Segurança Pública (DFNSP) – é um programa de cooperação de Segurança Pública, coordenado pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
Entretanto, já passa da hora de ser reconhecida constitucionalmente, liberando (ou antecedendo) o EB, em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), e a Polícia Judiciária Federal em operações de Polícia Ostensiva.
CBM – Corpo de Bombeiros Militar – é a Polícia do Socorrimento Público, que se liga à SENASP, do MJSP, e à Secretário Nacional de Proteção e Defesa Civil (SEDEC), do Ministério do Desenvolvimento Regional. Considerando que, conforme a Novíssima Defesa Social, atividade desenvolvida pelo CBM é de Salvaguarda Social, talvez fosse interessante transferir a CEDEC para o MJSP. Em alguns Estados, o CBM, ainda, integra a estrutura da PM. Visando à efetividade, seria interessante que fosse uma Instituição autônoma.
PTC – Polícia Técnico-Científica – também denominada Polícia Científica ou Polícia Pericial (ou de Perícias), deve ser órgão independente para cumprir sua missão. Em apenas 03 (três) Estados integra a estrutura da Polícia Judiciária local.
PP – Polícia Penal (Federal e Estadual) – recentemente reconhecida constitucionalmente, liberou as PMs e as PCs da amplo espectro da Custódia. Integra o SUSP local (onde ele existe, visto que, em alguns lugares, as Polícias trabalham de forma estanque, compartimentada, vale dizer, não há Sistema).
Em alguns Estados, há um Secretário que “comanda” as Polícias, quando deveria ser, tão somente, o coordenador das atividades policiais. Com a profissionalização da atividade e o profissionalismo de seus integrantes, certamente caminharemos para ter uma Instituição semelhante aos Marshals americanos.
PRF – Polícia Rodoviária Federal – o excelente desempenho dessa Instituição prova o acerto em reconhecer a antiga Patrulha Rodoviária Federal como uma Polícia que atua em área específica. Seu modelo, guardadas as devidas proporções, deveria ser aplicado na Polícia Aeroportuária (PAer), que, ainda, não está na CF/88, e na Polícia Ferroviária Federal (PFer).
GM – Guarda Municipal – ainda é alvo de muita polêmica, principalmente quanto à indagação se, de fato, é uma Polícia ou um órgão público que realiza zeladoria dos bens, do patrimônio público municipal. Conforme Art. 144, § 8º, da CF/88: “Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei”.
E a Lei nº 13.022, de 8 de Agosto de 2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais, traz, em seu Art.5º, “IV - colaborar, de forma integrada com os órgãos de segurança pública, em ações conjuntas que contribuam com a paz social”. A GM exerce sua atividade embasada em Poder de Polícia, a exemplo de outros órgãos da administração direta.
Contudo, ela não é “A” Polícia Municipal, mas, sim, uma das polícias do município. Deve interagir com outros órgãos de salvaguarda social (PM, PC, CBM, PF, PP, PTC, PRF, PAer, PFer) e com as Polícias Normativas presentes no município.
Sobre a celeuma envolvendo a expressão “Autoridade Policial”, observa-se que há muito mormaço, ou seja, muito calor e pouca luz. Afinal, Autoridade Policial significa “Autoridade de Polícia”. Ora, ambas as manifestações estão incompletas! Há necessidade, ou melhor, é fundamental que se nomine qual Polícia está sendo considerada.
Assim, o integrante da Polícia Federal é Autoridade de Polícia Judiciária; o integrante da Polícia Penal é Autoridade de Polícia da Execução Penal Administrativa, etc. Lembrando que “Autoridade Policial”, Autoridade de Polícia, é o agente público que exerce a autoridade do Estado (poder e/ou força), seja autorizando, proibindo, restringindo bens jurídicos e direitos individuais, nos limites da lei.
CLASSIFICAÇÃO DAS POLÍCIAS
(fugindo da dicotomia Administrativa e Judiciária)
1. Quanto à ESPÉCIE:
a. Normativa – PN
b. De Contingência – PM, PRF, PFer, PAer, FNSP, GM c. Judiciária – PC, PF
d. De Socorrimento Público – CBM
e. Pericial – PTC
f. De Execução Penal Administrativa – PP
2. Quanto aos FINS:
a. Manter a Ordem; Todas (através de Poder e/ou Força)
b. Preservar Ordem; PN, PJ, PP, PRF, PFer, PAer, GM
c. Garantir a Ordem; PM, CBM, FNSP
d. Assegurar a Ordem: PP
3. Quanto à CARACTERIZAÇÃO
a. Ostensiva: PM/CBM/PRF/PFer/PAer/PP/FNSP/GM
b. Velada – PM, PJ
c. Burocracial - PN, PTC.
4. Quanto à ATUAÇÃO
a. Orientativa – PN, PM, PC, PJ, CBM, PP, FNSP, PRF, PFer, PAer, GM
b. Preventiva – PN, PM, CBM, PP, FNSP, PRF, PFer, PAer, GM
c. Repressiva - PN, PM, PC, PF, PRF, PP, FNSP, PTC
d. Sustinente – CBM
5. Quanto ao exercício da AUTORIDADE
a. Poder de Polícia – Todas
b. Força de Polícia – PM, CBM, PP, FNSP
6. Quanto ao NÍVEL de atuação
a. Federal - PN, PF, FNSP, PRF, PP;
b. Estadual – PN, PM, PC, CBM, PTC, PENAL
c. Distrital – PN, PM, PC, CBM, PTC
d. Municipal - GM
7. Quanto à NATUREZA (da Instituição)
a. Civil: PN, PF, PC, PRF, PTC, PP, GM
b. Militar: PM, CBM. FNSP
8. Quanto à FREQUÊNCIA
a. Permanentemente: Todas, exceto:
b. Eventualmente: PN, FNSP
9. Quanto à ABRANGÊNCIA
a. Ambiente Público: Todas
b. Ambiente Privado: Todas, exceto a PRF e a PP
10. Quanto ao PROCEDIMENTO
a. Intermediação: Todas
b. Informação: Todas
c. Intervenção: Todas
A FNSP e a Polícia Aeroportuária foram incluídas, dentro do pressuposto de que logo, logo estarão no Art.144, da CF/88, que necessita de uma ampla revisão, começando pelo CAP.III DA SEGURANÇA PÚBLICA, contido no TÍTULO V - DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS.
A expressão Segurança Pública mostra-se desgastada, defasada, anacrônica e, sobretudo, restritiva, referindo-se, via de regra, apenas à contenção criminal, em detrimento de demais ameaças ao organismo social.
Seria oportuno examinar a oportunidade de se passar a utilizar a expressão Salvaguarda Social em seu lugar.
Art. 144. A Salvaguarda Social, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a mantença da ordem, através dos seguintes órgãos: ...
Não se abordaram as Polícias Legislativas (da Câmara, do Senado, das Assembleias), nem a Polícia do Judiciário, que são órgãos administrativos de ação extraordinária.
Ainda que seus feitos não estejam vinculados às atividades-fim dos referidos Poderes, mas, sim, às atividades-meio, são expressões do exercício de poder de polícia do Legislativo e do Judiciário, respectivamente, em razão da independência dos Poderes.
9. SÍNTESE
Em breve síntese, diríamos que se vive em um Ambiente de Insegurança, resultante ou de inadequado comportamento humano, quase sempre por inobservância da Ordem, ou de fenômenos naturais incontroláveis ou incontrolados.
Certamente, a Administração Pública, operando de forma sistêmica, sincrônica, sinérgica nas raízes da Insegurança, suas causas e seus efeitos, permitirá que o trabalho da Instituição Polícia – de Contenção da Desordem – seja mais efetivo.
Dessa forma, melhoraremos nossa qualidade de vida e nos aproximaremos da Tranquilidade Social, estágio em que a sociedade se encontra, serena e confiante, num clima de convivência harmoniosa e pacífica.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este final não poderia ser chamado de Conclusão, porque muito haverá de se escrever sobre esse tema. Essa tarefa, que, apenas, se inicia, será realizada por pesquisadores, escritores, doutrinadores policiais!... O que se apresentou, aqui, brevemente, foi uma análise de certos fatos, foram propostas de conceituações de termos policiais sob a óptica da Policiologia. Abre-se a oportunidade de se transferir o protagonismo da visão jurídica e da sociológica – as quais muito respeitamos – para uma visão própria, genuína de Polícia
Mesmo tendo nascido tardiamente, a Policiologia logo se sustentará como uma importante Ciência. Acreditamos que se tornará referência, para futuros estudos, pois a Polícia, aliás, as Polícias sempre estiveram intimamente relacionadas às ações de Proteção e de enfrentamento da Insegurança.
Assim, nada mais óbvio que seu estudo produza conceitos e oriente futuros escritos sobre essa área. Não concluímos esse trabalho e nem assim objetivamos, porque estamos iniciando uma jornada.
Estamos nos apresentando:
Muito prazer, somos a POLICIOLOGIA!
11.REFERÊNCIAS
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ARANHA, M. L. A.; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
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SANTA CECÍLIA, V. Estatística Aplicada às Operações. Belo Horizonte: Editora Belo Horizonte, 1984.
SOUZA, P. F. O êxodo rural e expectativa de permanência no campo: a educação do campo e a sustentabilidade. 2011. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Educação do Campo) – Universidade Federal do Paraná, Matinhos, Paraná, 2011. Disponível em:
https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/33084/P AULO%20FERREIRA%20SOUZA.pdf?sequence=1. Acesso em: 18 set. 2021.
1 Meireles, Amauri e Espírito Santo. Teoria do Vértice de Causas e Efeitos. Revista O Alferes. V.7, nº 22, jul./set. 1989, p. 13-58
2 Meireles, Amauri e Espírito Santo. Teoria Introdutória à Policiologia. Revista O Alferes. V.6, nº.18, jul./set.1988, p.15-50.
3 Meireles, Amauri e Espírito Santo. Teoria da Síndrome da Violência Urbana. Revista O Alferes V.3, nº 7, set./dez. 1985
5 Meireles, Amauri. O Quadro de Emprego das Polícias Militares. Revista O Alferes. V2, nº 2, jan./abr. 1984, p. 57-78
6 Meireles, Amauri e Espírito Santo. Teoria da Compatibilização Eficaz. Revista O Alferes. V.5, nº 14, jul./set. 1987, p. 9-41
7 Uma primeira incursão no campo da sistematização conceitual foi feita no livro Entendendo a nossa insegurança, elaborado em parceria com o Coronel Lúcio Emílio do Espírito Santo, em 2003, conforme bibliografia.