1 Introdução. 2 Boa-Fé: Venire Contra Factum Proprium. 3 Ato Atentatório à Dignidade da Justiça. 4 Proposta de Acordo Descumprida Pelo Devedor: Violação da Boa-fé e Ato Atentatório à Dignidade da Justiça. 5 Considerações Finas.
1 - Introdução
Buscar a satisfação do crédito por meio de acordo é plenamente possível. Cabe ao devedor o cumprimento integral do acordo.
Contudo, quando o devedor oferece um ajuste e não cumpre. É possível a punição por essa conduta?
Em virtude da vedação ao comportamento contraditório e da utilização de meios ardis e artificiosos, deve-se impor a multa por ato atentatório à dignidade da justiça.
O trabalho apresentará esses dois temas, juntando-os a fim de apontar como o devedor pode ser responsabilizado por se valer de acordo alguns casos para atrapalhar ou atrasar o cumprimento da obrigação.
2 Boa-Fé: Venire Contra Factum Proprium
Sabe-se que o processo civil, além de outros princípios, é alicerçado nos princípios da boa-fé processual, nos termos do Ar. 5 do CPC, in verbis:
Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Nesse contexto, entende-se que o Art. 5º é norma que impõe condutas em conformidade com a boa-fé objetivamente considerada, independentemente da existência de boas ou más intenções[i]. Isso quer dizer que a boa-fé processual se preocupa com conduta do indivíduo, permitindo e proibindo determinadas ações. Cita-se, por exemplo, a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
Venire contra factrum proprium significa vedação ao comportamento contraditório. É uma aplicação da boa-fé objetiva.
Nesse contexto, ao falar da vedação à conduta contraditória, esclarece Fredie Didier Jr que trata-se de proibição de exercício de uma situação jurídica em desconformidade com um comportamento anterior que gerou no outro uma expectativa legítima de manutenção da coerência. Em resumo, as partes devem manter a coerência, evitando-se serem contraditórias. Não pode praticar uma conduta hoje e, oportunamente, praticar outra que entra em conflito com a primeira.
No mesmo sentido, segue-se a jurisprudência:
Os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a parte, após praticar ato em determinado sentido, venha a adotar comportamento posterior e contraditório (STJ, 5ª T., AgRg no REsp 1.099.550/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, ac. 02.03.2010, DJe 29.03.2010).
3 Ato Atentatório à Dignidade da Justiça
Consoante a redação do Art. 774, II, do CPC, tem-se como conduta atentatória à dignidade da justiça, o executado que se opõe maliciosamente à execução, empregando ardis e meios artificiosos.
Meio ardil significa um processo para enganar[ii], tem como sinônimo: artimanha, astúcia, armadilha. Por seu turno, entende-se por mecanismo artificioso algo que demonstra astúcia; que engana [iii], tendo sinonímia com enganador.
Desta forma, o executado utilizando meios para burlar a satisfação do crédito, de modo a enganar o credor implica conduta incompatível com a boa-fé, merecendo a aplicação de multa por praticar ato atentatório à dignidade da justiça. Cita-se, por exemplo, a proposta de acordo ofertada pelo devedor e aceita pelo credor e, posteriormente, não cumprida pelo primeiro.
4 Proposta de Acordo Descumprida Pelo Devedor: Violação da Boa-fé e Ato Atentatório à Dignidade da Justiça
É comum as partes transacionarem sobre o objeto da execução. Isso é perfeitamente aceitável. Geralmente, o devedor oferece um acordo ao credor, informando quais seriam os termos da parcela, sendo facultativo ao credor a aceitação. Caso o credor aceite o acordo, o juiz realiza o sobrestamento do feito até o integral cumprimento do ajuste.
Contudo, há diversos ajustes que servem para atrasar o cumprimento da obrigação ou ganhar tempo para transferir/ocultar patrimônio. O devedor oferece um acordo e o credor aceita e, posteriormente, o primeiro deixa de honrar com o ajuste ofertado.
Ao deixar de honrar com o acordo, o devedor pratica uma conduta contraditória. Isso porque gerou a expectativa no credor de que a obrigação seria satisfeita, violando a boa-fé objetiva, notadamente no que tange à vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium).
Nota-se que o devedor se valeu de ajuste para enganar o credor, de modo a ganhar tempo ou atrasar o cumprimento da obrigação. Desta forma, além de realizar um comportamento contraditório, frustrou as expectativas de satisfação da obrigação, merecendo a aplicação da multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do Art. 774, II, do CPC.
É interessante que o juiz na decisão de sobrestamento do feito até o integral cumprimento da obrigação, faça um alerta que o não cumprimento será considerado ato atentatório à dignidade da justiça em virtude do venire contra factum proprium.
Consigna-se que antes de aplicar a multa, o juiz deve intimar o devedor para que ele comprove a impossibilidade do não cumprimento do acordo. Caso o devedor, regularmente intimado, mantenha-se inerte a multa deve ser aplicada em virtude do ônus da prova que recai sobre o do devedor.
5 Considerações Finais
Ao que se apura do trabalho realizado, as partes podem transigir sobre o objeto da execução, mas espera-se que boa-fé prevaleça durante o cumprimento do ajuste, de modo a evitar frustrações. Havendo ajuste ofertado pelo devedor e não cumprindo conforme proposto, em razão do comportamento contraditório e da utilização de meio ardil e artificioso para atrapalhar o cumprimento da obrigação, de modo a enganar o credor, aplica-se a multa por ato atentatório à dignidade da justiça, nos termos do Art. 774, II, do CPC.
[i] DIDIER JR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento, 2018, pág. 134.
[ii] XIMENES, Sérgio. Minidicionário Ediouro da Língua Portuguesa. 2º ed. reform São Paulo: Ediouro, 2000, pág. 78.
[iii] DICIO. Dicionário Online de Português. Artificioso. Disponível em:< https://www.dicio.com.br/artificioso/ >. Acesso em: 15.12.2021.