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Reflexão sobre o convívio equilibrado e a tutela do menor

Agenda 15/12/2021 às 10:37

RESUMO

 

Propõe-se, no presente trabalho, uma crítica à atual legislação que regulamenta ser regra a adoção do regime de guarda compartilhada, de modo a se aproximar do disposto no Projeto de Lei 3.224/2015, que visa não tornar a guarda compartilhada como regra. Para tanto, é feita análise do que se trata regime de guarda, a fim de demonstrar que o instituto abarca tão somente a tomada de decisão para a criação e formação do menor. Diferencia-se, portanto, regime de guarda e poder familiar. Verifica-se, no presente trabalho, os diferentes tipos de guarda existentes, de modo a apontar as possibilidades que se tem para se fixar o melhor regime para um caso em concreto. Demonstra-se o real significado da guarda compartilhada e suas repercussões no dia a dia dos menores e dos genitores. Aponta-se o desacerto da legislação e a necessidade de averiguação caso a caso, para a estipulação do regime de guarda a ser adotado. Demonstra-se a prática da responsabilidade parental na Europa, para demonstrar quão próximo estamos sobre o assunto. Por fim, destaca-se a diferença entre regime de guarda e regime de visitação, para demonstrar que qualquer genitor terá/poderá ter amplo convívio com o menor, independentemente, do regime de guarda instituído.

Palavras-chave: Regime de guarda. Guarda compartilhada. Responsabilidade parental. Regime de visitação.

ABSTRACT

 

It is proposed a critique about the current legislation about the sharing custody regime, with what it is draw near the idea present on the Law Project n. 3224/2015. Therefore, this paper analysis the meaning of what mean the custody regime, in order to demonstrate that this institute only covers decision-making for the creation of a child. The different types of guard are analyzed, in order to find the type that best suits the concrete case. It stands out the shared guard, due to the option of the legislator in making it the regime to be adopted. The real meaning of the shared guard and its repercussions in the daily life of the minors and the parents is demonstrated. It points to the lack of legislation and the need for a case-by-case inquiry into the stipulation of custody. The practice of parental responsibility is demonstrated in Europe, to show how closely we are in this matter. Finally, it is established the difference between custodial regime and visitation regime, to demonstrate that any parent will have/can have broad acquaintance with the minor, independently, of the established custody regime.

 

Keywords: Regime of guard. Shared guard. Parental responsibility. Visiting regime.

1. INTRODUÇÃO

A guarda compartilhada, nos termos do art. 1.584, do Código Civil de 2002 (doravante CCB), era, via de regra, uma opção preferencial[1]. Em dezembro de 2014, porém, com a alteração imposta pela Lei 13.058, que incluiu o § 2º no mencionado art. 1.584, do CCB/2002, a guarda compartilhada passou a ser a regra do nosso ordenamento jurídico. Essa significativa mudança no direito de família estabeleceu que quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, e encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, seja aplicada o regime de guarda compartilhada do filho. A motivação para formulação do projeto legislativo explicita que o Judiciário só determinava a aplicação da guarda compartilhada nos casos em que os genitores conseguiam manter bom relacionamento, o que não seria razoável na visão do legislador.

Acrescentou-se, também, na motivação da proposição legislativa, que possuindo bom relacionamento entre os genitores, não haveria sentido para a criação da Lei que previa a guarda compartilhada como preferencial, devendo assim tornar-se a regra. Além disso, anotou-se que a condição de bom relacionamento entre os genitores para a aplicação da guarda compartilhada permitiria que um genitor beligerante e detentor da guarda unilateral, ou até mesmo um alienador parental, provocasse, propositadamente, conflitos com o outro genitor, para impedir a aplicação da guarda compartilhada, o que contrariaria o princípio de melhor interesse da criança e privilegiaria os interesses do genitor beligerante.

Somou-se ainda o entendimento de que uma medida cautelar de separação de corpos tinha por principal objetivo a obtenção da guarda provisória do menor, de modo a utilizá-lo como arma contra o ex-cônjuge. Com esses fundamentos, constatou-se que essa postura de um dos cônjuges detentores de guardas unilaterais teria permitido a defesa de muitos magistrados[2] para a aplicação incondicional da guarda compartilhada.

A regra geral da guarda compartilhada, imposta pela legislação, contudo, ressalva duas hipóteses[3], quais sejam: (i) quando um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja exercer a guarda do menor; e (ii) quando se constatar a impossibilidade do exercício do poder familiar.

É, pois, diante das opções dadas pelo legislador que se critica, no presente trabalho, a promulgação da Lei 13.058/2014, na medida em que se entende que diante de uma pluralidade de formas e formações familiares dos dias atuais, não se deveria estabelecer uma situação standard, para se estipular um regime de guarda como regra. E, além disso, critica-se as ressalvas ao estabelecimento do regime de guarda compartilhada como sendo as únicas possíveis para modificar a decisão judicial na determinação do melhor regime de guarda para o caso em concreto.

Sabe-se que a questão posta em debate é bastante controversa. A fim de se evitar maiores controvérsias, estabelece-se, no presente trabalho, a definição de forma bastante cuidadosa do que: (i) consistiria o poder familiar; (ii) consistiria o regime de guarda; (iii) consistiria na efetiva guarda compartilhada; e o (iv) significado do regime de visitação. É certo que não se pode se furtar na análise desses temas da obrigatória incidência dos princípios que regem o Direito de Família, em especial o princípio do melhor interesse do menor.

Entende-se que com uma definição precisa desses conceitos, poder-se-á aplicar o melhor regime de guarda, bem como o melhor regime de visitação ao caso concreto, de modo a garantir e preservar o princípio do melhor interesse do menor, garantindo-lhe, na medida do possível, a melhor criação e formação física e psíquica.

2. PODER FAMILIAR: QUAL É A SUA DEFINIÇÃO?

O poder familiar pode ser entendido como gênero, do qual o regime de guarda e de visitação são espécies. O termo poder familiar advém do poder pátrio, de origem romana. Segundo Andréa Guedes (2015, p. 35), na Roma Antiga, o pater familiar representado pela figura do homem não se submetia a ninguém e possuía um poder ilimitado, enquanto os filhos se submetiam a todas as ordens impostas por este. Com o advento do Código de Napoleão se passou a destacar uma maior importância do menor e extinguindo o autoritarismo antes presente. Mas, foi somente com o Código Civil de 2002 que, aqui no Brasil, o termo pátrio poder fora substituído por poder familiar, mudando-se o seu conceito, de modo que tanto o pai, quanto a mãe, possuem as mesmas responsabilidades sobre os filhos.

Para Moacir César Pena Júnior, o poder familiar: [...] consiste numa séria de atribuições e deveres legalmente imputados aos pais, com o propósito de que sejam garantidos aos filhos, enquanto menores, todos os direitos fundamentais, de grande importância, para sua proteção e desenvolvimento (2017, p. 339).

A obrigação de assessorar os filhos surge ante a dependência natural e absoluta deles, no momento em que nascem. Por essa razão, ou seja, pelo fato de os filhos dependerem naturalmente dos pais, é que se estipulou, em lei, a obrigação de zelar pelo menor. Acrescentou-se também as características de irrenunciabilidade, intransferibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade ao poder familiar (PENA JÚNIOR, 2017, p. 339). É claro, contudo, que não é relevante o fato de o poder familiar ser natural ou civil, a sua incidência e aplicação é equânime. O surgimento do poder familiar se dá com a paternidade. Esse poder, que na verdade é uma obrigação, deve ser exercido em igualdade de condições entre os genitores (ou pais), cessando com a maioridade civil do menor.

Moacir César Pena Júnior anotou também que é necessário que os pais, ao exercerem o poder familiar, estejam sintonizados com o princípio do melhor interesse do menor (PENA JÚNIOR, 2017, p. 340). Ou seja, até para o exercício do poder familiar, que é, como visto, a obrigação mais basilar de pais para com os filhos, é preciso se atentar para o princípio do melhor interesse do menor. Mais adiante, o princípio será melhor trabalhado.

Para o momento, o que importa definir é que o poder familiar se trata da obrigação natural (seja decorrente de evento natural ou imposto por ato civil) entre pais e filhos, donde os pais devem, nos termos do art. 1.634, do Código Civil de 2002, dirigir criação e educação[4]; ter o(s) filho(s) em companhia e guarda; conceder consentimento para casamento; nomear tutor por testamento, na impossibilidade de exercício do poder familiar; representar o(s) filho(s) até os 16 anos de idade e assisti-lo(s) após essa idade; reclamar de quem ilegalmente o(s) detenha; e exigir que prestem obediência e respeito.

A noção de poder familiar surge para que o pai/mãe empreenda esforços para garantir ao menor, na medida do que é possível, a melhor formação física e psíquica. O que é importante observar é que o atual poder familiar não se trata de direitos dos pais para com os filhos, mas sim obrigações, responsabilidades, deveres. Essas obrigações surgem para os pais como medidas para que os menores cresçam e se desenvolvam, física e psiquicamente, da melhor maneira possível. O poder familiar, ressalta-se, não é direito dos pais, é um dever. Sendo, pois, um dever, o legislador cuidou de punir aqueles que não assumem as suas responsabilidades, diante do nascimento do seu filho. Para tanto, criou sanções de multa, conforme o artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)[5]. O que se verifica, portanto, é que o poder familiar não é um direito, é uma obrigação que emerge com o nascimento da criança e acompanha os genitores até a maioridade civil do menor.

Ressaltada a importância do poder familiar, bem como sua natureza, destaca-se, também, como pode se dar a sua extinção ou destituição. Certamente, destituir um pai ou uma mãe do poder familiar é a sanção mais severa que se pode aplicar, pelo que o procedimento deve se dar de forma própria e exclusiva. Esse procedimento, revela-se de difícil e demorada resolução (PENA JÚNIOR, 2017, p. 342). A destituição do poder familiar pode ser bastante prejudicial ao menor, que se verá inserido em um conflito importante entre seus genitores, durante anos. O que se chama atenção para essa circunstância é que a perda do poder familiar é uma das duas circunstâncias para não adoção da guarda compartilhada, com o que se verifica que, na verdade, pela praticidade que só se tem uma circunstância ágil na não aplicação da guarda compartilhada: o manifesto desejo de não exercer a guarda por um dos genitores.

Além da possibilidade de extinção do poder familiar por processo judicial, é certo que se tem a extinção do poder familiar com a morte dos pais; pela emancipação do menor; pela maioridade; e pela adoção.

3.AFINAL, O QUE É ENTÃO GUARDA?

Como abordado no tópico anterior, poder familiar é gênero, enquanto guarda é uma espécie. Em termos gráficos, pode-se dizer que se tem a seguinte estrutura:

Em se tratando de guarda de filhos, significa que os progenitores possuem dever de tomada de decisões na criação de seus filhos, de modo a conferir proteção e educação, enquanto não atingirem a maioridade civil (MADALENO, 2015, p. 55). A guarda é, portanto, um atributo do poder familiar, mas não se pode confundir com este. Isso porque, o poder familiar é algo intrínseco, natural, que surge com o nascimento da criança. O poder familiar tem maior abrangência da relação pai/mãe/filho, do que o regime de guarda. A perda do poder familiar poderá, inclusive, interferir na sucessão dos envolvidos (BULSING, 2013).

A guarda do filho se exterioriza com o exercício da administração, vigilância dos interesses da criança e do adolescente, mas não se confunde com o poder familiar, pois não é, necessariamente, uma relação natural. Ou seja, o poder familiar surge com o nascimento da criança, já a guarda é atributo estabelecido unicamente pela lei, ou pelo julgador. Isso porque, a guarda pode ser estabelecida para terceiro que não tenha, necessariamente, o poder familiar. Por exemplo: a guarda pode ser estabelecida em favor de avós (maternos ou paternos); de tios; tutores etc. Essas pessoas, em um primeiro momento, não detinham (assim como, não deterão, o poder familiar), mas passam a ter a guarda do menor, a fim de poder administrar e vigiar os interesses da criança até a sua maioridade civil.

A guarda caracteriza-se, portanto, pelo dever de o tutor (seja pai, mãe, avô, avó, tio, tia etc.) de tomar as decisões que atendam os interesses do menor, da melhor forma possível, bem como o dever de prover assistência material e moral à criança ou adolescente. Esse dever não se caracteriza, necessariamente, pela convivência em si. Isso porque, é possível se deparar com casos em aquele que detém a guarda está em local geográfico distante da do menor, mas, ainda assim, esse é quem toma as decisões sobre a vida do menor (em conjunto ou separadamente de outra pessoa/genitor), p. ex.: em que escola vai estudar; se irá fazer e com quem irá fazer uma determinada cirurgia etc. Da mesma forma, em que um dos genitores não tem condições de prover a mantença material do menor, isso não pode ser impeditivo de exercer a guarda, pois ele poderá tomar as decisões que entendem ser as melhores, diante de um determinado cenário.

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Nesse contexto, o Código Civil, atualmente prevê que a guarda será exercida de forma igualitária entre os ex-cônjuges, sendo-lhes, sobretudo, um dever e não um direito, conforme consta no art. 1.566, IV: Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:[...]. IV sustento, guarda e educação dos filhos; [...] (BRASIL, 2002). A guarda é, como se viu, a ferramenta pela qual os genitores, parentes próximos, tutores, se utilizam para zelar pela criança e adolescente, de modo a guiar a sua vida da melhor maneira possível, fazendo as escolhas que entendem serem devidas.

O regime de guarda não modifica o poder familiar, nem impede aquele que não detenha a guarda possa passar ensinamentos, suprimir necessidades afetivas etc. A guarda restringe-se, conforme se apontou, ao dever de zelar e tomar as decisões para o crescimento mais saudável da criança e do adolescente até atingir a maioridade civil. Naturalmente, o que se deseja é que com o passar dos anos, com o desenvolvimento da criança, as escolhas passam a ser da própria criança, que está prestes a se tornar um adulto.

E se diz que a guarda não modifica o poder familiar, pois aquele que não a detém (p. ex.: em relação à guarda unilateral), não deixou de ser o pai, nem de ser a mãe; não se teve uma diminuição do seu papel, nem da sua importância e também não perderá o seu poder familiar, pelo fato de não se ter a guarda. A definição da guarda para um dos ex-cônjuges gera, apenas, o ônus para aquele que a deteve de melhor zelar pelos interesses do menor, garantindo-lhe um crescimento saudável, tanto material e, principalmente, imaterial. Isso não afasta de forma absoluta as mesmas responsabilidades para o outro cônjuge. Tanto assim o é, que independentemente da escolha de um tipo de regime de guarda, não se impede um amplo acesso ao menor, nem se impede de pais, mães, avós, parentes próximos de demonstrarem afeto, carinho, ensinamentos que vão moldar a criança/adolescente; nem mesmo se limita, ou se proíbe, que aquele que não detém a guarda não fiscalizar as ações do genitor que a detém.

Em síntese, poder familiar surge de forma ante o nascimento da criança e abarca, tão-somente, os pais e a criança (é claro que o mesmo acontece na adoção) e consiste no dever de proteção, educação e zelo, nos sentidos mais amplos. A guarda, por outro lado, é a ferramenta pela qual se conseguirá exercer, de modo que se aplica às tomadas de decisão no dia a dia; é a materialização do poder familiar nas decisões diárias das crianças.

3.1. Os diferentes tipos de guarda e da opção pela guarda compartilhada no Brasil

Uma vez esclarecido que a guarda é a ferramenta pela qual um dos ex-cônjuges, ou ambos ex-cônjuges[6], tem/têm para zelar pelos interesses do menor, tem-se por relevante demonstrar os tipos de regime de guarda existentes.

O primeiro modelo é o da guarda comum, que é a espécie de guarda exercida igualitariamente por ambos os cônjuges na constância do relacionamento conjugal e que não necessita de oficialização judiciária. Nesse modelo, basta a união de fato para surgir a guarda comum, já que a sua origem é natural e surge a partir do estado de filiação (MADALENO, 2015, p. 103).

Existe também a guarda originária e a guarda derivada. A originária é aquela exercida pelos pais, que originariamente, detêm o poder familiar e o direito/dever de zelar pelos interesses dos filhos. A derivada, por sua vez, é a decorrente da lei, onde o Estado determina quem exercerá a tutela do menor, seja um particular, de forma dativa, legítima ou testamentária, seja por um organismo oficial do Estado exercendo a sua função (MADALENO, 2015, p. 104).

Há a guarda de fato, que é aquela que independe do pronunciamento do juiz para existir. A guarda de fato é aquela que ocorre no dia a dia e não possui, necessariamente, vinculação com determinação legal ou estatal (MADALENO, 2015, p. 104).

Existe, ainda, a guarda provisória e a guarda definitiva, in verbis:

A provisória se caracteriza por ser aquela atribuída a um dos pais (ou a ambos) durante o processo de separação ou divórcio, de modo a regular provisoriamente a situação. A definitiva, intuitivamente, é aquela que é estabelecida de forma sedimentar, após o trânsito em julgado da decisão que a definiu. Aqui, contudo, cabe uma pequena ressalva, pois os processos de definição de guarda não fazem coisa julgada material, ou seja, sobrevindo alteração das circunstâncias fáticas que envolvem a estipulação da guarda da criança é oportunizado ao outro genitor rediscutir no judiciário a determinação do tipo de guarda, de modo a sempre zelar pelos melhores interesses das crianças (MADALENO, 2015, p. 109, grifo nosso).

Outros dois modelos de guarda são: a material e a jurídica. A material é aquela exercida por quem possui a posse da criança, quando do rompimento do vínculo matrimonial (ou da união estável) e a jurídica é aquela determinada pela lei (MADALENO, 2015, p. 111).

Outro modelo de guarda é a da guarda alternada. Esse tipo de guarda não tem previsão no nosso ordenamento jurídico, mas é aceito pela jurisprudência. Não é um tipo convencional de guarda, pelo que quando aplicada o é por convenção das partes. A guarda alternada é a alteração de tempos em tempos do exercício da guarda pelos genitores. Essa alternância no exercício da guarda pressupõe, também, uma alternância de residências, ponto em que é criticada pela doutrina (MADALENO, 2015, p. 111).

E se tem, por fim, a guarda compartilhada, em que ambos os genitores exercem simultaneamente a guarda sobre o menor, quando rompida a relação conjugal que os unia. Esse tipo de guarda, em especial, será melhor abordado no tópico seguinte, pois se trata, hoje, do tipo predeterminado em lei e mais aplicado no Judiciário (MADALENO, 2015, p. 113).

Esses variados tipos de guarda, como se pode perceber, às vezes se confundem nos conceitos. Nesse sentido, compara-se, por exemplo, a guarda comum com a guarda originária. Além dessas duas, vê-se a guarda de fato e a guarda material. O que é mais importante do que o tipo da guarda que é estabelecida, é entender que qualquer que seja o tipo de guarda, a sua função é conferir ao genitor que a detém o direito/dever de melhor atender às necessidades do menor. E, além disso, é entender que cada família é única, de modo que se deve compreender as diferentes possibilidades de estipulação do regime de guarda, inclusive com possibilidade de mudança futura.

3.2. Da guarda compartilhada

Como adiantado no tópico anterior, a guarda compartilhada é aquela que é exercida pelos dois genitores, de forma simultânea, quando do rompimento do vínculo conjugal. A guarda compartilhada pressupõe, portanto, a capacidade de os genitores em dividir as responsabilidades nas tomadas de decisões sobre os interesses dos menores, após o término da relação conjugal. Ou seja, os genitores terão que ter a habilidade de conduzirem diálogos a permitirem tomar as decisões em favor dos menores.

O ideal é que consigam fazer as tomadas de decisão sem que gerem, com isso, mais ou outros conflitos. Isso porque, o rompimento do vínculo conjugal é um período traumático para todos daquele seio familiar e o incremento de situações conflitantes que permeiam o dia a dia de todos, gerando novos conflitos, não é o melhor ambiente para o desenvolvimento psíquico das crianças.

A ideia da guarda compartilhada é promover uma maior participação dos pais na criação e no desenvolvimento de seus filhos. No entanto, acaso não se consiga estabelecer uma relativa harmonia no engajamento entre os genitores, não se percebe uma efetividade do regime, pelo contrário se pode perceber prejuízos ao desenvolvimento dos menores.

Conforme preceitua Maria Antonieta Pisano Motta:

[...] a guarda compartilhada deve ser tomada, antes de tudo, como uma postura, como o reflexo de uma mentalidade, segundo a qual pai e mãe são igualmente importantes para os filhos de qualquer idade e, portanto, essas relações devem ser preservadas para a garantia de que o adequado desenvolvimento fisiopsíquico das crianças ou adolescentes envolvidos venha a ocorrer (2006, p. 591).

A ideia é que se deve ter uma interação saudável entre os genitores, a ponto de os menores não sentirem uma alteração significativa na rotina familiar, no que tange à tomada de decisões, bem como na relação entre os genitores.

Em relação à guarda compartilhada, se verificou modificações relevantes no ordenamento jurídico, principalmente, quando da inclusão do § 2º, do II, do art. 1.584, do Código Civil de 2002. Conforme o citado artigo, não havendo acordo entre os genitores, será decretada a guarda compartilhada, caso ambos sejam aptos a exercer o poder familiar. A não aplicação da guarda compartilhada só teria espaço, quando se constatar a incapacidade do exercício do poder familiar, bem como quando um dos genitores declarar ao juiz a não vontade de exercer a guarda.

A introdução desse dispositivo se deu por meio da Lei 13.058/2014, que, por sua vez, um dia foi o Projeto de Lei 117, de 2013, originário da Câmara dos Deputados. E se julga importante a análise do Projeto de Lei, para se entender a intenção do legislador, quando propôs a introdução do dispositivo legal mencionado. No caso, como se pode verificar da justificativa apresentada para o Projeto de Lei, anotou o legislador que:

(i) supostamente a prevalência da aplicação da guarda compartilhada, conforme constava no ordenamento jurídico, não faria sentido para os casais que conseguiam separar as relações conjugais das parentais, de modo que não teria sido para esses casais que se determinou a prevalência da aplicação da guarda compartilhada; (ii) não seria possível encontrar ex-casais que consigam manter um bom relacionamento entre si, pois se assim o fizessem não se teria sentido romper o vínculo conjugal; (iii) não haveria necessidade da criação da Lei, para os casais que conseguem estipular acordo entre si, sobre a guarda dos filhos; (iv) a condição de bom relacionamento entre os genitores, pós relacionamento, para a estipulação da guarda compartilhada, permitiria a qualquer genitor beligerante e que detenha a guarda unilateral provocar situações de conflito com o outro, com o propósito de impedir a estipulação da guarda compartilhada, o que não favoreceria os melhores interesses dos menores, mas sim do próprio genitor; (v) seria comum encontrar casos em que a estipulação da medida cautelar de separação de corpos tinha o propósito de utilizar o menor como arma contra o ex-cônjuge (SANTOS; RIVERA, 2018, p. 8).

É importante, pois, analisarmos as justificativas apresentadas, para que a norma positivada tenha o maior e melhor alcance possível e, se for o caso, deve-se conferir nova interpretação, para que tenha uma melhor efetividade.

Pois bem, a primeira razão apontada pelo legislador para determinar a aplicação da guarda compartilhada, como regra, caso não haja acordo entre os genitores, foi o fato de que não seria possível encontrar ex-casais que consigam manter um bom relacionamento entre si e, caso assim o tivessem, não faria sentido a Lei que indicava a prevalência da guarda compartilhada. Salvo melhor juízo, a afirmação de que não se tem ex-casais que consigam manter um bom relacionamento entre si é um tanto quanto mítica. O legislador não trouxe qualquer dado que comprovasse tal afirmação. Além disso, o propósito de todo e qualquer processo judicial, ainda mais nos de família, é a busca da pacificação entre as partes que se encontram em litígio.

Ou seja, o fim último do processo judicial é restabelecer uma harmonia na vida das pessoas que se encontram com um ponto de discórdia. Desse modo, como o objetivo do processo é trazer a paz social, findo o processo judicial e imposta uma dada decisão, dever-se-ia existir uma pacificação na relação dos litigantes, o que em última análise se contrapõe ao exposto pelo legislador na edição da Lei 13.058/2014, pois a estipulação da guarda compartilhada, em um contexto de conflito entre os genitores, não se terá a paz social presente ao término do processo. O processo judicial não pode ser uma fonte de estabelecimento de conflitos (SANTOS; RIVERA, 2018, p. 9).

Impor, portanto, que as partes que já se encontram em litígio vivenciem mais conflitos no cotidiano por uma estipulação legal de que a guarda dos menores deve ser compartilhada, caso não haja acordo entre os genitores, é um contrassenso com a finalidade do processo, que é trazer a paz social.

No mesmo sentido, entende-se que não acertou o legislador ao indicar que a Lei não seria funcional para aqueles que conseguem estabelecer acordo. Essa concepção é, no nosso entender, limitada. Isso porque, inúmeros são os dispositivos legais que convergem para a formalização de acordos entre as partes, fomentando-os. Assim, os dispositivos legais devem servir como ferramentas para que as partes possam firmar acordos e não, por meio deles, criar mais conflitos.

Indicar, também, que a estipulação de um bom relacionamento entre as partes, como condição de estipulação da guarda compartilhada, faz emergir a possibilidade de um genitor beligerante fomentar conflitos com o outro, para impedir a aplicação desse determinado tipo de guarda, não se afigura razoável e nem se traz elementos empíricos para tal afirmação. É claro que não se deseja que os genitores assim se comportem uns com os outros, em qualquer situação, em primeiro lugar. Mas, entende-se que a norma anterior não conferia essa possibilidade, ou seja, não se fomentava criação de conflitos para que um dos genitores conseguissem a guarda unilateral dos menores para si. Encontrar um genitor beligerante e que crie conflitos, é, infelizmente, uma característica daquele indivíduo e não se vai extirpar esse comportamento com a imposição da guarda compartilhada. Eventualmente, se pode agravar ainda mais a situação. É como querer apagar uma fogueira, colocando mais lenha para queimar. E tal solução pode criar mais prejuízos para os menores.

A imposição da guarda compartilhada se mostra, pela justificativa apresentada no Projeto de Lei, como a proteção de supostos direitos dos genitores contra aqueles que criam conflitos, deixando em um segundo plano os interesses dos menores. O sopesamento dos valores (se os dos genitores; se os dos menores) deveria, no nosso entendimento, se inclinar para os dos segundos. Ou seja, os interesses dos menores deveriam vir em primeiro lugar. E, nesse sentido, a imposição da guarda compartilhada pode não significar o atingimento desse fim. Explica-se:

Como exposto na seção 1 deste artigo, a guarda é a ferramenta pela qual o genitor zelará pelos interesses dos menores. Desse modo, a guarda se revela na tomada das decisões, ou seja, em qual escola se irá estudar; se será aberta conta bancária em nome do menor; se e com quem irá fazer determinada cirurgia etc. Com esse foco, a guarda compartilhada surge como sendo a ferramenta pela qual ambos os genitores, ainda que separados, conseguem juntos definir quais são as melhores escolhas para os menores. Não se inclui no rol dessa tomada de decisão, a capacidade/possibilidade de um genitor passar ensinamentos morais para o menor, pois essa circunstância é indiferente em relação ao regime de guarda; tal circunstância, por exemplo, é intrínseca da relação pai/mãe com o menor (SANTOS; RIVERA, 2018, p. 10).

A estipulação de uma guarda compartilhada, em que os genitores enfrentam conflitos constantes, pois estão a tomar decisões frequentemente, geram situações corriqueiras de estresse, de conflito, o que é sentido e percebido pelas crianças, o que afeta significativamente a formação psíquica delas. Essa ideia consegue revelar, portanto, que atender aos interesses dos genitores (quaisquer que sejam eles, pais ou mães), para uma guarda compartilhada, não significa atender, necessariamente, os melhores interesses dos menores.

De acordo com Fernando Augusto Chacha de Rezende:

[...] nas situações em que o casal não está alinhado com a forma de educar a criança e em que não se dispõe a tomar decisões conjuntas, mantendo um relacionamento marcado por rivalidade e desavenças, referido ambiente não é o mais propício ao exercício da guarda compartilhada. Acrescenta, ainda, que psicólogos de diversos países apontam que para se ter eficácia na guarda compartilhada é preciso estarem presentes na relação entre os genitores alguns requisitos, entre eles: (i) certo grau de flexibilização e maturidade para submissão aos sacrifícios; (ii) forte capacidade parental de ambos os genitores; (iii) capacidade de cooperação entre os genitores; (iv) inexistência de problemas de comunicação etc (2015).

Não se vislumbra também, com a análise da guarda compartilhada, uma avaliação de quanto tempo que se está passando com cada genitor, pois essa matéria é afeta, exclusivamente, ao regime de visitação, instituto que não precisa ter relação intrínseca ao regime de guarda, pois é autônomo e independente. Talvez, esse seja o grande ponto a ser debatido, o quanto a estipulação de imposição da guarda compartilhada significa a proteção ao direito de visitação, tema a ser melhor explorado na seção pertinente.

Voltando à guarda, é preciso ter em mente que o Código Civil de 2002, não dá margem ao genitor que não detenha a guarda de se afastar dos cuidados do filho, pois impõe uma obrigação de acompanhar o desenvolvimento do menor, questionando, sempre que julgar pertinente, a decisão tomada por aquele que detenha a guarda. Na nossa visão, entendemos que poucos são os genitores que possuem esse conhecimento. A percepção que se tem é: se o genitor não tem a guarda, não pode questionar as atitudes do outro genitor e isso o afasta do convívio dos filhos. São duas premissas equivocadas.

Na prática, e como exemplo, se teria o seguinte cenário: um genitor (seja a mãe ou o pai) detém a guarda unilateral, pois não consegue manter boa relação com o outro genitor. O detentor da guarda escolhe uma determinada escola para as crianças estudarem. O outro genitor, discorda. Ao que não detém a guarda, caberá uma ação para solicitar ao outro as razões pelas quais tal escola foi a escolhida. Não há a necessidade de o genitor que não detém a guarda se omitir pelo fato de não ter a guarda.

Até porque, no exemplo dado, a guarda compartilhada em nada ajudaria. Isso porque, havendo conflito em qual escola as crianças estudarão, caberá aos pais ingressarem com uma demanda para saber qual é a melhor, já que eles não conseguem acordar sobre o tema. O que se pode levar ao absurdo de as crianças serem matriculadas em duas escolas simultaneamente. E, mais do que isso, perdurar conflitos.

Acredita-se que se terá mais ações judiciais questionando as decisões tomadas entre os genitores que compartilham uma guarda, do que ações questionando as decisões tomadas em casos de guardas unilaterais. Até porque, caso se tenham vários questionamentos bem fundamentados sobre as tomadas de decisão do genitor que detenha a guarda unilateral e se verifique que, de fato, as decisões por ele tomadas não foram acertadas, abre-se a possibilidade de se alterar a titularidade da guarda dos menores, podendo-se passar para o outro genitor.

3.3. A guarda ou responsabilidade pelo menor na Europa: comparação com os institutos brasileiros

Apesar das diferenças culturais, é no mínimo interessante entender como o direito ou as normas funcionam em outras jurisdições, para que se possa eventualmente adotar boas medidas no nosso ordenamento jurídico. Nesse cenário, se analisará algumas questões envolvendo a responsabilidade dos pais na criação dos filhos e como isso se aplica e funciona em outros países.

A primeira análise é feita de como o exercício, ou não, da guarda funciona na Europa. Lá, tal como aqui, o exercício da guarda é, em regra, exercida pelos dois genitores, como vigorava enquanto casados. No entanto, caso a determinação do exercício da guarda se mostrar contrário aos interesses do menor, o Tribunal determinará que a guarda seja atribuída a um dos genitores.

A par da instituição do exercício da guarda em conjunto, as responsabilidades do dia a dia recaem àquele genitor que reside habitualmente com o menor. Aliado a isso, ao outro genitor é vedado contrariar as orientações educativas mais relevantes daquele com quem o menor reside habitualmente. É certo também, como aqui o é, que ao genitor que não exerce a guarda (seja no todo ou em parte), é reservado o direito de ser informado sobre como está sendo cumprido o exercício da guarda pelo outro, bem como sobre qualquer aspecto da criação e educação do menor.

Na Europa, as famílias podem, se desejar, recorrer aos meios alternativos de solução de conflitos, como mediação privada. Caso as partes desejam ingressar com uma ação judicial, o Tribunal tenta, em um primeiro momento, realizar uma conciliação. Não logrando êxito, o Tribunal sugere a mediação. Caso os pais não concordem com a mediação, o Tribunal envia o caso para uma apuração técnica. Só após a tramitação em mediação ou apuração técnica e não havendo acordo entre os genitores, se iniciará a fase contenciosa da ação, oportunidade na qual os genitores farão produção de provas e se terá o julgamento da causa.

Um dado interessante revela que lá, na Europa, o Tribunal liminarmente se pronuncia sobre três aspectos: (i) a guarda; (ii) o regime de visitação; e (iii) o valor dos alimentos a serem prestados. Aqui, por outro lado, os alimentos são fixados em ação autônoma daquela em que se discute a guarda e a visitação (SANTOS; RIVERA, 2018).

Alguns dados interessantes hão de ser ressaltados:

Na Europa, a responsabilidade dos pais consiste em: (i) educar os filhos, pessoal e profissionalmente; (ii) promover o desenvolvimento físico e psíquico dos filhos, dentro das suas possibilidades; (iii) prover ao sustento dos filhos e assumir as despesas relativas à sua segurança, saúde e educação; (iv) representar os filhos; (v) administrar os bens dos filhos com o mesmo cuidado com que administram os seus; (vi) ter a guarda e determinar qual a residência dos filhos; (vii) protestar, com recurso da autoridade pública se necessário, caso eles abandonem a casa ou sejam retirados dela; (viii) decidir sobre a educação religiosa dos filhos menores de 16 anos; (ix) ouvir, considerando a maturidade dos filhos, a opinião destes nos assuntos familiares importantes e reconhecer-lhes autonomia na organização da própria vida (SANTOS; RIVERA, 2018, p. 12).

Essas diretrizes são, à primeira vista, universais, pois muitas delas fazem parte da nossa legislação e cultura, igualmente. Quanto ao dever do item (iii), os pais ficam desobrigados desse encargo, na medida em que os filhos consigam suportar as citadas despesas, pelo produto do seu trabalho ou outros rendimentos.

A previsão de retirada da responsabilidade dos pais de arcarem com os gastos relativos à segurança, saúde e educação, não é compartilhada por aqui. O Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, por meio do seu artigo 60, veda a possibilidade de existência de trabalho para menores de 14 (quatorze) anos; e o Código Civil de 2002 não contempla essa hipótese, pelo que a responsabilidade para prover a segurança, saúde e educação, continua com os genitores ou com àquele que detém a guarda, ainda que o menor tenha condições de suportar as citadas despesas.

No Brasil, os genitores, enquanto no exercício do poder familiar, são usufrutuários dos bens dos filhos, o que lhes dá a propriedade dos frutos oriundos dos bens dos menores. Caso haja divergência em relação à administração dos filhos, apenas uma disputa judicial conseguirá resolver o impasse. Os genitores, aqui, não podem alienar ou gravar de ônus real, os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse do menor, hipótese em que necessitará de autorização judicial. Em contrapartida aos deveres dos genitores, os menores, tanto na Europa, quanto aqui, devem: (i) obedecer aos pais; e (ii) permanecer na casa dos pais, não podendo abandoná-la (SANTOS; RIVERA, 2018).

Na Europa, há algumas limitações ao exercício da guarda pelos genitores, de modo que eles não podem, sem autorização judicial:

(i) alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou deterioração (esta restrição não abrange a aplicação de dinheiro ou capitais do menor na aquisição de bens); (ii) votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução; (iii) adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação, (iv) entrar em sociedade em nome coletivo ou em comandita simples ou por ações; (v) contrair obrigações cambiárias ou resultantes de qualquer título transmissível por endosso; (vi) garantir ou assumir dívidas alheias; (vii) contrair empréstimos; (viii) contrair obrigações cujo cumprimento se deva verificar depois da maioridade; (ix) ceder direitos de crédito; (x) repudiar herança ou legado; (xi) aceitar herança, doação ou legado com encargos, ou convencionar partilha extrajudicial; (xii) locar bens, por prazo superior a seis anos; (xiii) convencionar ou requerer em juízo a divisão de coisa comum ou a liquidação e partilha de patrimónios sociais; (xiv) negociar transação ou comprometer-se em árbitros relativamente a atos referidos nas alíneas anteriores, ou negociar concordata com os credores; (xv) arrendar ou adquirir, diretamente ou por interposta pessoa, ainda que em hasta pública, bens ou direitos do filho sujeito às responsabilidades parentais; (xvi) tornar-se cessionários de créditos ou outros direitos contra os filhos, exceto nos casos de sub-rogação legal, de licitação em processo de inventário ou de outorga em partilha judicialmente autorizada (SANTOS; RIVERA, 2018, p, 12-13).

Na Europa, há também a possibilidade de o exercício das responsabilidades parentais ser estipulado em conjunto com o cônjuge ou convivente daquele que detém unilateralmente a guarda da criança. Na impossibilidade de ambos genitores ficarem impedidos de exercerem as responsabilidades parentais, o Tribunal, em ordem preferencial, designará a responsabilidade para o cônjuge ou convivente de qualquer dos genitores e, na impossibilidade/inexistência destes, para alguém da família de qualquer dos genitores.

Interessante destacar que na Europa é possível restringir o exercício da responsabilidade parental a apenas aos cuidados (segurança, saúde, educação, formação psíquica/física etc.) ou à administração dos bens. Nessa hipótese, há a possibilidade de suspensão de apenas parte dos bens dos filhos. O que se percebe é que os países ocidentais têm trabalhado com o tema de forma muito similar, onde há uma tentativa constante de: (i) proteção aos interesses do menor; (ii) manter uma unidade familiar, tal como era, enquanto os pais eram casados; (iii) conferir direitos igualitários para os genitores, em prol dos menores (SANTOS; RIVERA, 2018).

4. DO REGIME DE VISITAÇÃO

Até o momento, se discorreu sobre o que é a guarda, os seus tipos existentes e se analisou de forma mais detalhada o regime de guarda que, pela Lei 13.058/2014, passou a ser regra. Nessa oportunidade, se verificou as razões pelas quais a mudança legislativa fora proposta e se questionou a possibilidade de instituição da guarda compartilhada como regra, para se tentar alcançar outro instituto, o regime de visitação.

Afinal de contas, a Lei 13.058/2014 alterou o § 2º do art. 1.583, do Código Civil de 2002, para determinar que, na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos. Entende-se que essa alteração vai além do que determina o regime de guarda, ou seja, estipular como deve se dar o tempo de convívio com o tipo de guarda a ser exercida é abarcar tema que não pertence ao regime de guarda.

O regime de visitação, mais do que um direito dos genitores, é um direito da criança. Logo, não se trata de um fator a ser influenciável em razão de um determinado tipo de guarda a ser estipulado. O direito da criança em ter o genitor em sua companhia sobressai ao tipo de guarda instituída. Em sendo direito da criança em ter a companhia do genitor, torna-se dever deste concretizar esse direito, sendo completamente irrelevante o regime de guarda instituído.

Não deveria haver qualquer determinação ou regulação vinculativa do regime de guarda a ser adotado com o tempo de convívio entre pais e filhos; são institutos distintos. É plenamente possível um pai ou uma mãe deter a guarda unilateral e se determinar um tempo de convívio equilibrado entre os pais e os filhos. Da mesma forma, ainda que compartilhada, pode-se estipular um tempo de convívio reduzido de um genitor com o filho.

Em qualquer caso, ou seja, qualquer que seja o tipo de guarda existente no caso, entende-se que os genitores devam trabalhar para que se tenha não só mais tempo com os filhos, mas que o tempo desfrutado seja de qualidade. Não se vê a necessidade de estipular como se dará o tempo de convívio entre pais e filhos, vinculando a um determinado tipo de guarda. Quanto à temática, indaga-se o que seria melhor: a determinação/imposição de uma guarda compartilhada com conflitos entre os pais e a determinação de um tempo de convivência equilibrado; ou a estipulação de uma guarda unilateral ou qualquer outra que melhor se adeque ao caso concreto, com o respeito à determinação de tempo de convivência equilibrada entre pais e filhos (SANTOS; RIVERA, 2018)

Entende-se que a segunda opção é a melhor, na medida em que se estará estipulando um cenário com menos conflitos. E a determinação da guarda unilateral não deve significar um afastamento do genitor que não detenha a guarda dos cuidados com seu filho. Além de conservar um tempo de convívio equilibrado, o § 5º, do art. 1.583, impõe (já que o verbo utilizado na Lei foi obriga) ao pai e à mãe que não detenha a guarda uma supervisão dos interesses dos filhos. Desse modo, os pais que não detenham a guarda serão legítimos para propor ação de prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica, bem como a educação dos filhos.

É importante lembrar que o Código Civil de 2002 não restringe o direito de visitas (seja da ótica do genitor; seja da ótica do menor), quando o tipo de guarda não for a compartilhada.

5. CONCLUSÃO

No presente trabalho, apresentou-se uma definição do que consiste, o instituto da guarda, de modo a demonstrar que se trata de uma ferramenta para o exercício do poder familiar. Como se demonstrou, qualquer que seja o regime de guarda, nenhum genitor deixa de exercer o poder familiar; nenhum genitor pode deixar de acompanhar o desenvolvimento psíquico e físico do menor.

Ora, uma eventual designação da guarda unilateral, por exemplo, não exime ou exclui o outro genitor do seu dever de educar, dar carinho, proteger, entre outros. A guarda é tão-somente uma ferramenta de tomada de decisão, em prol do melhor interesse para o menor, seja na sua formação física, psíquica e na administração dos seus bens, sem que, com isso, se exclua um poder fiscalizador pelo outro genitor.

Nesse contexto, apresentou-se também dez tipos diferentes de guarda existentes atualmente, com o fito de se encontrar uma melhor que se adeque ao caso concreto. Analisou-se, também, de forma mais detalhada a guarda compartilhada, que fora instituída como regra, por lei. Ponderou-se que, apesar de dever ser instituída como regra, há de se considerar caso a caso a melhor conveniência da guarda compartilhada, para a criação do menor. Isso porque, como apontado no presente trabalho, a guarda compartilhada pressupõe uma capacidade de os genitores conseguirem, em conjunto, compartilhar a tomada de decisão sobre os afazeres do dia a dia do menor.

O que se mostrou, na seção específica da guarda compartilhada, é que o compartilhamento da guarda deve se dar quando há capacidade de diálogo entre os genitores. A concepção da guarda compartilhada é para os ex-casais conseguirem, pós-separação, manter a mesma dinâmica de criação das crianças, enquanto estavam juntos. Na impossibilidade de se manter diálogo entre os genitores, não se estará diante de uma guarda compartilhada.

Analisou-se a legislação que inseriu no ordenamento jurídico a regra de aplicação da guarda compartilhada, bem como dos motivos pela propositura da Lei. E, nesse ponto, demonstrou-se alguns desacertos da legislação, principalmente, no que se refere à indicação de verdadeira confusão de conceitos: regime de guarda versus regime de visitação. Obviamente, não se pode confundir os dois institutos.

Com a aplicação correta de seus propósitos, o regime de guarda aponta para a tomada de decisão e o regime de visitação é o tempo de convivência entre genitor e menor, afasta-se o entendimento de que a guarda compartilhada deve ser aplicada para garantir uma ampla convivência do menor com ambos genitores. Ora, querendo um maior e mais amplo convívio com o filho, não se precisa alterar o regime de guarda, altera-se, apenas, o regime de visitação.

Apontou-se, por fim, como questões relativas aos poderes/responsabilidades parentais têm sido enfrentadas na Europa, com a comparação de como é entendido no Brasil, a demonstrar que, por mais que tenhamos culturas diferentes, são questões tratadas de forma muito similares entre os países e culturas ocidentais, apontando-se como diretiva quase que universal a proteção do menor e de seus interesses.

As críticas aqui apontadas reverberam em um Projeto de Lei que visa a modificar a estipulação dada pela Lei 13.058/2014. Trata-se do Projeto de Lei 3.224/2015, que indica não ser adequada a fixação da guarda compartilhada nos casos onde há conflitos entre genitores. A par da possível alteração legislativa sobre o tema, entende-se, na verdade, que o legislador não poderia estipular uma regra a ser adotada nas famílias, em relação à estipulação de como se dará o exercício dos regimes de guarda e de visitação. Entende-se que não há regra para as famílias, pois cada seio familiar funciona de um determinado jeito.

Além disso, o que se vê como mais importante é utilizar modalidades de guarda que melhor se aplique ao caso concreto, de modo a minimizar os conflitos entre os genitores, enaltecendo o princípio de melhor interesse dos menores, já que intimamente se sabe que quanto melhor se dá a relação entre os genitores, menores são os impactos da separação para os filhos. E, nesse sentido, a adoção pura e simples de um determinado tipo de guarda, por imposição da lei, não nos parece a melhor solução.

6. REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 22 nov. 2021.

_______. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 14 nov. 2021.

_______. Lei nº 13.058, de 22 de dezembro de 2014. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13058.htm. Acesso em: 14 nov. 2021.

_______. Projeto de Lei nº 3.224 de 10 de junho de 2015. Câmera dos Deputados. LEXML. Disponível em: https://www.lexml.gov.br/urn/urn:lex:br:camara.deputados:projeto.lei;pl:2015-10-06;3224. Acesso em: 16 nov. 2021.

BULSING, Karine Machado. A destituição do poder familiar como fator de exclusão sucessória. Revista Eletrônica do Curso de Direito da UFSM, v. 8, n. 1, 2013. Disponível em: https://www.periodicos.ufsm.br/revistadireito/article/view/8857/pdf. Acesso em: 12 nov. 2021.

COLTRO, Antônio Carlos Mathias; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Guarda Compartilhada. 2. ed. São Paulo: Ed. Método, p. 182.

MADALENO, Rafael. Guarda compartilhada: física e jurídica. São Paulo: Ed. RT, 2015.

MOTTA, Maria Antonieta Pisano. Compartilhando a guarda no consenso e no litígio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006. p. 591-602.

MOURA, Andréa Guedes Martins Bastos de. Um olhar sociológico sobre a disputa de guarda. Revista Síntese, n. 91, ano 16, ago.-set. 2015.

PENA JÚNIOR, Moacir César. Curso avançado de direito das famílias. Teresina: Ed. EDUFPI, 2017.

REZENDE, Fernando Augusto Chacha. Inconstitucionalidade material do § 2º, do art. 1.584 do Código Civil: a guarda compartilhada impositiva no dissenso. Revista Jurídica Consulex, n. 435, ano 19, 01.03.2015.

SANTOS, M. H. G.; RIVERA, M. Crítica à estipulação da guarda compartilhada como regra: reflexão sobre o convívio equilibrado e a tutela do menor. Revista dos Tribunais. vol. 989/2018 | Mar / 2018. DTR\2018\10313. Disponível em: https://www.revistadostribunais.com.br. Acesso em: 22 nov. 2021.


[1] Antes da Lei 13.058/2014, a legislação previa que preferencialmente, devia-se adotar o regime da guarda compartilhada, mas caso não fosse aconselhável (em razão das particularidades de cada caso) dever-se-ia adotar a guarda unilateral, ou qualquer outra que melhor se adequasse ao caso concreto. 

[2] Destacou-se o adjetivo de quantidade, pois não se tem dados empíricos para tal afirmação. A indicação de muitos magistrados, aparentemente, se deu de forma especulativa.

[3] Apenas para clarificar as duas hipóteses de não aplicação da guarda compartilhada: (i) impossibilidade de exercício do poder familiar; e (ii) declaração do genitor do não interesse em exercer a guarda.

[4] Entende-se que os conceitos trazidos pelo art. 1.634 do Código Civil não devem ser analisados de forma restritiva. Ou seja, quando se exige que o pai/mãe dirija educação ao filho, trata-se do mais amplo conceito possível de educação e não apenas uma educação acadêmica, por exemplo.

[5] Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar: Pena multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (BRASIL, 1990).

[6] Não se pode esquecer de todas as outras figuras que podem exercer a guarda de um menor, como avós, tios, tutores etc.

Sobre o autor
Matheus Henrique Silva

Sou bacharel em Direito com aprovação no exame de Ordem (EOU XXXII), todavia, em razão da minha atual função, ainda não realizei minha inscrição perante os quadros da Ordem dos Advogados do Brasil. Atualmente exerço a função de assistente (assessor) de Juiz de Direito lotado em Vara Cível e Fazendas Públicas, local no qual também fui estagiário por dois anos. No período trabalhado, adquiri grande experiência em Processo Civil, em Direito Público (com ênfase em processos executivos e judicialização da saúde) e em litígios privados.

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