Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

5 perguntas sobre Legítima Defesa

Agenda 18/12/2021 às 09:56

Dúvidas regulares acerca dessa cláusula de exclusão da antijuridicidade

Exemplo

Em meio a uma discussão, João, munido de uma faca pontiaguda, vai pra cima de sua esposa Maria e sobre ela lança tentativas de cortar seu pescoço; Maria, temendo por sua vida, consegue alcançar um taco de beisebol e, com toda sua força, acaba por acertar a cabeça de João, que imediatamente cai desmaiado; a polícia é acionada e João e Maria são levados à Delegacia de Polícia do local do fato.

Numa análise puramente objetiva, Maria cometeu algum crime?

Sim, em tese Maria teria cometido o crime de Lesão Corporal, previsto no artigo 129 do Código Penal CP:

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano.

Ocorre que, nessa situação hipotética, Maria não terá cometido o crime, uma vez que incide no caso a Legítima Defesa, instituto que afasta a Ilicitude e, por consequência, impede a configuração delituosa. 

Requisitos

Mas cuidado, a Legítima Defesa possui requisitos específicos, a saber:

·        deve haver afronta a um direito do AGENTE ou de outra PESSOA;

·        por meio de uma agressão ATUAL (que está ocorrendo) ou IMINENTE (que está prestes a ocorrer);

·        que também é uma agressão INJUSTA; e

·        que para afastá-la são utilizados meios NECESSÁRIOS e forma MODERADA.

Agora que você já sabe como se aplica esse famigerado instituto, vejamos algumas perguntas sobre o tema.

Pergunta 1 - Sob o manto de qual interpretação é utilizada a Legítima Defesa? Qual é a premissa interpretativa do Direito que permite a aplicação do instituto?

Como se sabe, o Direito não é uma ciência objetiva. Em muitos casos, num mesmo ponto, existem várias fontes que tratarão do tema e, não raras vezes, de forma conflitante. Essas antinomias (ou aparentes antinomias) devem ser enfrentadas pelo operador para se alcançar o fim social por trás da regra que o Legislador entendeu por bem positivar.

No caso discutido, se nos apegarmos só ao artigo 129 do CP, teremos que qualquer prática que ali se subsuma gerará a condenação do agente. Porém, como dito, é preciso que o operador lance mão de meios interpretativos para se alcançar o fim que é dedicado à norma.

Assim, o que justifica a aplicação da Legítima Defesa no tocante à forma de aplicação e em detrimento à regra do artigo 129 é a intepretação sistemática, que advém da visão holística do Direito (sistema integrador).

Pergunta 2 - Deve-se preencher todos os requisitos para a Legítima Defesa ou há  a possibilidade de se dispensar algum deles e mesmo assim utilizar-se da mesma?

Todos os requisitos da norma devem ser preenchidos para que se possa aplicar a Legítima Defesa, de modo que tais requisitos são tidos como cumulativos. Isso quer dizer que, faltando apenas um deles, já restará possível o afastamento do instituto em tela.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Pergunta 3 - Por que não há Legítima Defesa se meu ato defensivo ocorrer dias após a agressão perpetrada pelo agente?

Porque nesse caso faltaria o requisito da contemporaneidade da agressão. Lembre-se que para que se possa aplicar a Legítima Defesa é necessário que a agressão esteja ocorrendo (atual) ou esteja prestes a ocorrer (iminente). Na situação hipotética acima, se Maria não tivesse reagido e João tivesse desistido de agredi-la, mas, após uma semana, Maria batesse nele com o taco de beisebol, não seria possível se falar em Legítima Defesa, justamente por faltar à situação a agressão contemporânea (hodierna).

Pergunta 4 - É possível falar-se em Legítima Defesa em caso de ataque de animal?

Existem pouquíssimos arestos que encamparam essa tese mas, em geral, essa utilização revela-se um uso equivocado. É que não seria possível se ponderar o requisito agressão injusta na conduta de um ser inconsciente e instintivo. Em outras palavras: não há como se dizer que há injustiça na ação do animal que age por instinto e não tem atributo de ponderação de seus atos, de forma que se torna impossível falar-se em agressão injusta.

Além disso, a hipótese possibilitaria o proveito de outro instituto, chamado de Estado de Necessidade, cuja aplicação, pelo princípio da Especialidade, mostra-se tecnicamente mais adequado a essa situação. 

Pergunta 5 - Qual é o entendimento que se dá à Legítima Defesa Putativa?

Na Legítima Defesa Putativa o indivíduo pensa estar se defendendo de uma agressão que em tese seria de fato injusta mas que na verdade é inexistente.

Exemplo: Maria e João são desafetos há tempos, sendo que aquela recebeu ameaças de morte deste último algumas vezes. Num determinado dia, João pede para que Maria o encontre num lugar a sós. Maria, aceita o convite, entretanto, temerosa pelo que poderia ocorrer, resolve levar consigo uma arma de fogo. Ocorre que João queria pedir desculpas a Maria por todos os desentendimentos que vinham acontecendo, levando junto de   si uma carta de perdão que gostaria de entregar a ela. Quando João coloca a mão no seu bolso para tirar a carta, Maria imagina que ele está pegando uma arma. Aí então que Maria, pensando estar em perigo, saca a arma que levava consigo e desfere contra João um tiro, qual morre imediatamente, já que acerta seu coração.

Nessa situação, Maria estará acobertada pela Legítima Defesa Putativa, tema que venho detalhar pra vocês na próxima vez.

Sobre o autor
Gustavo Carvalho

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Itu - FADITU e Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG - Assessor Jurídico e Advogado Contencioso - garantista por natureza

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!