Artigo original em https://advambiental.com.br/principios-processo-administrativo-ambiental/
A doutrina do Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, ensina que violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.
O professor ensina ainda, que a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos.
E finaliza dizendo que é a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.
Diante da fundamental importância - cuja violação importa na nulidade do ato como já escrevemos aqui -, elencamos alguns dos princípios de observância obrigatória no processo administrativo ambiental.
1. Princípio do devido processo legal
A Constituição Federal de 1988 consagra a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no país, o devido processo legal.
Por sua vez, a Lei 9.784/99, que rege o processo administrativo no âmbito federal, estabelece normas básicas a serem cumpridas pelo Administração Pública visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados.
Logo, cabe à autoridade ambiental zelar pela boa condução do processo administrativo, a fim de que os administrados e interessados não corram o risco de serem prejudicados.
Do contrário, a ofensa ao princípio do devido processo legal conduz a necessária anulação do ato administrativo.
2. Princípio da razoável duração do processo
A injustificada demora no trâmite e na decisão do procedimento administrativo ambiental configura violação ao princípio da razoável duração do processo conforme artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, afrontando, também, os prazos estabelecidos pelas demais normas ambientais que regem a matéria.
Cabe à administração pública respeitar o princípio da razoável duração do processo, e o prazo previsto tanto na Lei 9.605/98 para julgar o auto de infração, não podendo ela cogitar a falta de estrutura administrativa, seja material ou pessoal, como argumento que justifique a demora da prestação de um serviço público.
Apesar de o desrespeito ao prazo para julgamento do auto de infração constituir mera irregularidade formal, incapaz de gerar a nulidade do procedimento administrativo, o autuado está autorizado a formular requerimentos para que seu processo seja julgado dentro do prazo legal e razoável.
Tal requerimento pode ser imprescindível, sobretudo nos casos em que um bem foi apreendido e está sob a guarda da Administração, ou nos casos de embargo de obra ou atividade ou área.
3. Princípio da legalidade
O princípio da legalidade, um dos pilares do Estado Democrático de Direito, está contido no artigo 5º, inciso II, e artigo 37 da Constituição Federal, de modo a limitar a atuação da Administração Pública a estrita observância da lei.
É dizer, toda e qualquer atuação administrativa deve estar prevista em lei.
No caso dos atos administrativos que impõe sanções ao autuado, é vedado à Administração conceder direitos, criar obrigações ou impor vedações, muito menos aplicar sanção e multas ambientais não previstas em Lei.
Cabe à Administração Pública respeitar o princípio da legalidade, segundo o qual só poderá ser exercida quando estiver em conformidade com a lei, e todo ato que não possuir embasamento legal, é ilícito, podendo, assim como a violação a qualquer princípio, ser revisto no âmbito judiciário.
4. Princípio da finalidade
O desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Trata-se de vício insanável, ou seja, não comporta convalidação.
Hely Lopes Meirelles[1] explica que o princípio da finalidade veda é a prática de ato administrativo sem interesse público ou conveniência para a Administração, visando unicamente a satisfazer interesses privados, por favoritismo ou perseguição dos agentes governamentais, sob a forma de desvio de finalidade.
Esse desvio de conduta dos agentes públicos constitui uma das mais insidiosas modalidades de abuso de poder.
5. Princípio da impessoalidade
O princípio da impessoalidade representa a ideia de que o tratamento a ser dado pela administração nas relações mantidas com os administrados deve se ater ao conteúdo normativo da relação jurídica estabelecida.
Veda-se com isso, portanto, que do ato administrativo decorra favorecimentos espúrios, perseguições injustificadas, ou qualquer outro tipo de conduta que implique, ao final, a influência de um juízo subjetivo incompatível ao ato.
O princípio da impessoalidade deve ser conjugado com os demais princípios constitucionais, notadamente com o princípio da isonomia, segundo o qual, somente haverá igualdade quando o tratamento dispensado entre indivíduos em idêntica situação for igual, havendo, por outro lado, flagrante desigualdade se o tratamento for igual a indivíduos em situações desiguais.
José Afonso da Silva[2] defende a neutralidade da atividade administrativa, que só se orienta no sentido da realização do interesse público.
O doutrinador ensina ainda, que a violação ao princípio da impessoalidade requer a comprovação de que o ato administrativo fora realizado com a finalidade de favorecer alguém, seja o responsável pelo ato ou terceiros.
6. Princípio da moralidade
O princípio da moralidade exige que a Administração Pública e seus agentes atuem com decoro no desempenho de suas atividades, sobretudo, no exercício do poder polícia, sem se aproveitar de seus poderes, nem favorecer ou prejudicar os administrados.
Os atos administrativos que buscam perseguir e reprimir os administrados violam o princípio da moralidade administrativa pelo qual a Administração é regida.
Referido princípio exige que a conduta da autoridade ambiental seja pautada na transparência, na clareza, na certeza, de modo a evitar surpresas ao autuado, devendo sempre, buscar o bem comum, protegendo os interesses da coletividade.
A moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum, ligando-se a ideia de função pública, interesse do povo e de bem comum. Moralidade administrativa está, portanto, ligada ao conceito de bom administrador, o qual, necessariamente, deve zelar pela correção de atitudes.
7. Princípio da eficiência
O princípio da eficiência, um dos preceitos norteadores da atividade administrativa, consiste na otimização dos atos administrativos,.
Ou seja, deve-se esperar o melhor desempenho possível na atuação dos agentes públicos, bem como, alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.
E, por estar expressamente previsto no artigo 37 da Constituição Federal, sua observância é obrigatória, devendo nortear a Administração e o serviço público.
8. Princípio da publicidade
O caput do artigo 37 da Constituição Federal, elenca o princípio da publicidade como regra aos atos estatais, somente se excluindo aqueles cujo sigilo, pela natureza da informação, comporta e deve ser mantida sob proteção.
Tal princípio obriga a Administração Pública a dar publicidade de seus atos administrativos para possibilitar que os administrados tenham conhecimento de todas as suas atuações e decisões.
Além disso, visa garantir que a atuação da Administração seja transparente, representando efetivo requisito de eficácia e de moralidade, além de constituir um dos pressupostos fundamentais do Estado Democrático de Direito.
9. Princípio da motivação
O princípio da motivação impõe à Administração Pública o dever de indicar os fundamentos de fato e de direito de suas decisões, estendendo-se sua obrigatoriedade a qualquer tipo de ato, para permitir o controle da legalidade e impedir arbitrariedades.
A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, nestes casos, serão parte integrante do ato.
Com efeito, a decisão deve refletir os motivos reais que a justificam penetrar no exame da situação, sendo vedada a utilização de conceitos genéricos utilizáveis em qualquer outra decisão similar, ou até mesmo, limitar-se a repetir os dispositivos violados.
Dirley da Cunha Júnior[3] ensina que, em razão do princípio da motivação, toda decisão administrativa deve ser fundamentada em razões de fato ou de direito suficientes a ensejá-la.
E ainda, lembra que é necessário, assim, motivá-las, enunciado as circunstâncias fáticas ou jurídicas sobre as quais se arrima o ato decisório.
Motivar, segundo o doutrinador, não significa mencionar que a situação fática se enquadra à norma hipotética. É necessário demonstrar e expor porquê e de que modo a situação concreta se coaduna à previsão legal.
10. Princípio do contraditório e da ampla defesa
A Constituição Federal assegura aos litigantes em processo administrativo e acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Acusado, para fins de conceituação, compreende todo aquele passível de sanção que possa resultar em restrição do seu direito.
Não se coaduna com os princípios do contraditório e da ampla defesa, a apuração da infração sem que o autuado seja notificado para exercitar sua defesa no âmbito administrativo.
Isso porque, os meios e recursos de defesa se constituem como garantias fundamentais do cidadão, erigindo, assim, a observância do devido processo legal como pressuposto para a eficácia de qualquer decisão administrativa.
11. Princípio da razoabilidade e proporcionalidade
O princípio da proporcionalidade, pela sua estreita ligação com os conceitos de justiça, equidade, bom-senso, moderação e da justa medida, materializa eficaz instrumento da exegese jurídica, em especial para o desate das situações de colisão entre valores constitucionais que guardam a mesma valência.
Os atos administrativos devem ser informados pelos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, como bem explica o Ministro Luís Roberto Barroso[4] ao dizer que
O princípio da razoabilidade ou da proporcionalidade, termos aqui empregados de modo fungível, não está expresso na Constituição, mas tem seu fundamento na ideia de devido processo legal substantivo e na de justiça.
Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o controle de discricionariedade dos atos do Poder Público.
E, mais valioso ainda, por funcionar como a medida com que uma norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.
12. Princípio do in dubio pro reo
Com visto anteriormente, a Constituição Federal de 1988 assegura aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, não diferenciando os acusados para fins de processo administrativo ou judicial.
O princípio do in dubio pro reo é cabível no momento da valoração das provas para imposição de penalidade, de modo que, se há dúvida, a decisão tem que favorecer o autuado, mesmo diante da presunção de veracidade e legalidade dos atos administrativos que gozam de certa presunção de veracidade e legitimidade.
Até porque, as sanções administrativas que neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses do administrado não podem ser impostas sem prova conclusiva, convicções pessoais ou certezas subjetivas.
13. Princípio da insignificância
O princípio da insignificância, de aplicação excepcional, comumente aplicado na esfera penal, é instrumento que afasta a tipicidade material, tornando o comportamento atípico quando o dano causado ao bem jurídico protegido pela norma for desprezível, tornando desproporcional a pena cominada, remanescendo a tipicidade formal.
Temos defendido sua aplicação em sede de processo administrativo quando presentes os requisitos já consagrados pela jurisprudência, quais sejam, a mínima ofensividade da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e relativa inexpressividade da lesão jurídica.
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
[2] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 6ª ed. São Paulo: Malheiros. 2008. p. 335.
[3] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 7ª. ed. 2009, p. 529/530.
[4] BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição Paulo: Saraiva, 7ª. ed., 2009, p. 374/375
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