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Direito ao silêncio, parcial ou total?

Agenda 14/01/2022 às 17:09

O direito ao silêncio é um direito fundamental do réu, esculpido na Constituição Federal e acolhida no Brasil em 1992 na Convenção Americana de Direitos Humanos Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, ou seja, o direito de não participar, de qualquer modo, na acusação estatal contra si mesmo. Podemos consagrar essa expressão do latim nemo tenetur se detegere.

Na Constituição Federal, de modo claro, o art. 5º, LXIII, impõe que o preso será informado de seus direitos (ou deveria ser), entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado. Sendo assim, além de ter o direito de omissão, ausência, inércia, manter-se calado, tem ainda o direito de ser informado sobre o direito de permanecer calado. Portanto, o art. 186 do Código de Processo Penal expressa:

depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

O ilustre professor Aury Lopes Junior leciona que o

Direito de silêncio é apenas uma manifestação de uma garantia muito maior, esculpida no princípio nemo tenetur se detegere, segundo a qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silêncio quando interrogado.

Neste viés a guarita contra a autoincriminação significa a afirmação de que a pessoa não está obrigada a produzir prova contra si mesma.

Portanto, o direito à não autoincriminação é um direito individual, humano e fundamental, de observância indispensável no processo penal. Não é executável compelir o ser humano a agir contra sua própria vontade, o que, caso acontecesse na prática, violaria por completo a integridade mental e moral do réu.

Podemos imaginar a seguinte hipótese onde a negativa do réu em fornecer ao juízo seus dados bancários estabelecidos no exterior, não constitua a conduta típica prevista no artigo 330, CP (desobediência), tendo em vista que, caso ocorresse, estaria infringindo flagrantemente a natureza humana e a dignidade do acusado, isto é, transferindo o ônus que compete integralmente ao Estado-acusação, corrompendo a lógica do processo penal acusatório.

Em suma, ao preferir permanecer em silêncio e não se autoincriminar, o réu estará agindo no exercício regular de um consagrado direito constitucional, logo, não poderá o magistrado imputar ao acusado a prática do delito de desobediência, fundamentando-se no artigo 23, III, CP.

Por outro lado, a indagação surge se tal direito pode ser exercido tanto parcialmente quanto totalmente?

Neste viés, o texto constitucional nada diz quanto ao seu exercício, ou seja, se o réu pode optar por responder apenas as perguntas formuladas pelo juiz, pelo Ministério Público ou somente da defesa. Contudo, não há qualquer limitação constitucional ou infraconstitucional, assim, o réu pode exercer seu direito de maneira livre, seletiva, não podendo o juiz impedir que o acusado responda apenas as perguntas de seu defensor, sob pena de nulidade.

Aliás, as jurisprudências dos Tribunais Superiores é firme neste sentido: HC 628.224/MG, Rel. Min. Felix Fischer; AgRg no RHC 100.332/PR, Rel. Min. Felix Fischer; HC 204.422/DF, Rel. Min. Roberto Barroso.

Contudo, mesmo diante dos precedentes dos Tribunais Superiores acima expostos, ainda há juízos que ignoram estes precedentes, impondo sua própria regra indeferindo que o réu só responda as perguntas da defesa. Dessa forma, aumenta-se a carga de processos por situações que os Tribunais Superiores já têm entendimento pacificado, assim, bem como salienta o Min. Sebastião Reis:

Onde já se viu a quantidade de questões que nos temos que julgar aqui, porque os tribunais se recusam a aplicar os nossos entendimentos. Ao mesmo tempo, nós temos um sistema político que fica discutindo o tempo de prisão de 40 para 50 anos, eu não vejo uma discussão sobre ressocialização, eu não vejo uma discussão sobre prevenção de crimes, ou seja, eu só vejo discussão em criar novos crimes, aumentar pena, dificultar a progressão.

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Ademais, continua a ilustre a fala em:

Dizer que essa política que adotamos ultimamente diminui a criminalidade? É brincadeira! Dizer que o comportamento de nós todos, ou seja, chamados atores do processo, está diminuindo a criminalidade? É brincadeira!

(julgamento da RHC 126.272/MG, Rel. Min. Rogerio Schietti)

Ora, diante ao exposto, é a realidade do judiciário brasileiro onde a instância inferior se recusa a aplicar o entendimento das instâncias superiores e, consequentemente, aumenta a carga de processos. Aliás, essa recusa não ajuda em nada no que diz respeito ao devido processo legal.

Contudo, estas decisões transgredem flagrantemente a dimensão ética do processo penal de viés acusatório e democrático. O direito ao silencio é uma das maiores conquistas alcançada pelo processo penal de Estados democráticos de Direito.

Assim, cabe ao réu e a sua defesa técnica no momento de sua arguição verificar e avaliar a necessidade de permanecer em silêncio. Portanto, também cabe ao depoente e à sua defesa escolher os limites do exercício do direito ao silêncio.

Concluindo, salienta Aury Lopes Junior que:

O sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer seu direito de silencio quando do interrogatório. Continua lecionando o professor que o exercício do direito de silencio não pode nascer nenhuma presunção de culpabilidade ou qualquer tipo de prejuízo jurídico para o imputado.

Por fim, não há quaisquer limitações ao exercício do direito fundamental, cabendo ao réu/indiciado e à sua defesa impor estes limites para uma melhor defesa técnica, podendo ser exercido de forma totalmente ou parcialmente. Assim, não produzir prova contra si mesmo é uma grande conquista no Estado Democrático de Direito e, indo mais além, sem nenhuma espécie de prejuízo ao réu e incogitável a presunção de culpabilidade ou qualquer outro tipo do gênero.

REFERÊNCIAS:

Lopes Jr., Aury Direito Processo Penal, Ed. 17ª, Saraiva Jur - https://amzn.to/2PJ2wi6

Precedentes:

RHC 126.272

https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?src=1.1.3&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&num_registro=202000997385

HC 628.224:

https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=119144395&num_registro=202003031874&data=20201209

AgRg no RHC 100.332/PR:

https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=96320583&num_registro=201801667236&data=20190604&tipo=91&formato=PDF

HC 204.422/DF:

https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15347447981&ext=.pdf

Sobre o autor
Jonathan Ferreira

Acadêmico de Direito pela universidade Estácio de Sá com foco em Dir. Penal, Dir. Proc. Penal, Dir. Constitucional Brasileiro. Administrador e fundador da página Âmbito Criminalista, no qual ajudo pessoas a entenderem o Direito Penal de forma simples e descomplicada. Amante da Sabedoria e estudante da psicanálise lacaniana em conjunto com a seara penal.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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