A legislação de trânsito impõe como regra a abordagem do veículo e identificação do condutor infrator, quando verificado o cometimento da infração, mas relativiza essa abordagem a sua efetiva possibilidade. Isso significa que, sendo impossível ou excessivamente difícil, o agente de trânsito poderá lavrar auto de infração sem a abordagem do condutor. Alguns chamam isso de autuação à distância.
A regra para a abordagem está prevista no artigo 280, §3°, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB):
Art. 280.
§ 3º Não sendo possível a autuação em flagrante, o agente de trânsito relatará o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, além dos constantes nos incisos I, II e III, para o procedimento previsto no artigo seguinte.
A palavra flagrante no dispositivo é sinônimo de com abordagem. Nesse dispositivo fica claro que a legislação somente permite a autuação sem abordagem em caso de impossibilidade, mas sendo possível, esta sempre deverá ser feita. Outra constatação do dispositivo é de que o agente de trânsito deve descrever no auto de infração o motivo para a não abordagem do veículo, tipificar a infração, colocando a data, hora e a identificação do veículo com placa, marca e espécie, no mínimo (Art. 280, I, II e II, CTB).
Outras normas que complementam o assunto são as Resoluções CONTRAN n° 371 e 561, conhecidas como Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito volumes I e II respectivamente, e servem para padronizar os procedimentos de fiscalização de trânsito. Por elas foram aprovadas fichas individuais com algumas regras específicas de observação obrigatória pelo agente de trânsito na constatação e lavratura do auto de infração. Uma delas é sobre as infrações que obrigatoriamente são verificadas com abordagem e as infrações em que a abordagem pode ser dispensada. As infrações possíveis de constatação sem abordagem são a grande maioria.
Com a publicação do Manual Brasileiro de Fiscalização de Trânsito, a abordagem do veículo infrator, para elaboração da autuação, passou a ser obrigatória somente nos casos em que for indispensável para que o agente tenha a convicção de que a infração de trânsito realmente aconteceu, conforme informações específicas em cada ficha de enquadramento do MBFT. Nos casos em que for possível visualizar a infração de trânsito, com o veículo em movimento, deixa de ser obrigatória a sua abordagem, ainda que seja prevista alguma outra medida administrativa, a qual é considerada como um complemento da penalidade principal, que é a multa de trânsito.
Na Resolução CONTRAN n° 561, que aprova as fichas do Volume II do MBFT, fica determinado que o agente de trânsito, sempre que possível, deverá abordar o condutor do veículo para constatar a infração, ressalvados os casos nos quais a infração poderá ser comprovada sem a abordagem. Para esse fim, o Manual estabelece as seguintes situações:
Caso 1: possível sem abordagem - significa que a infração pode ser constatada sem a abordagem do condutor.
Caso 2: mediante abordagem significa que a infração só pode ser constatada se houver a abordagem do condutor.
Caso 3: vide procedimentos - significa que, em alguns casos, há situações específicas para abordagem do condutor.
Um exemplo para a visualização das fichas do MBFT é referente a infração de transitar pelo acostamento (Art. 202, inciso I, do CTB) que, como a grande maioria, pode ser verificada sem a abordagem.
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Um segundo exemplo, agora das poucas infrações que obrigam a abordagem, é a infração por dirigir sem os documentos de porte obrigatório, prevista no artigo 232 do CTB. Essa infração só pode ser verificada com a abordagem do veículo, para que se verifique de fato que o condutor não está com os documentos obrigatórios consigo.
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Uma outra situação polêmica em relação a autuação sem abordagem é na hipótese do CTB prever a aplicação de alguma medida administrativa para a infração.
As medidas administrativas são previstas no artigo 269 do CTB e podem ser aplicadas pelo agente de trânsito, sendo exemplo a remoção do veículo, recolhimento da CNH e do documento do veículo, dentre outras.
Determinadas infrações preveem a aplicação de uma ou mais medidas administrativas e alguns operadores mais garantistas entendem que a abordagem deve necessariamente ser feita, quando a infração prever a sua aplicação, para que a autuação atinja a finalidade da norma.
As medidas administrativas têm a função de impedir a continuidade da prática infracional, garantindo a proteção à vida e à incolumidade física das pessoas. Apesar do entendimento, a corrente majoritária adota o sentido de que a medida administrativa é apenas complementar às penalidades, não sendo obrigatória a sua aplicação para a caracterização do ato de autuação. Isso porque tem previsão expressa no artigo 269, §2°, do CTB, e na Resolução CONTRAN n° 561:
Art. 269.
[...]
§ 2º As medidas administrativas previstas neste artigo não elidem a aplicação das penalidades impostas por infrações estabelecidas neste Código, possuindo caráter complementar a estas.
Resolução CONTRAN n° 561
A impossibilidade de aplicação de medida administrativa prevista para infração não invalidará a autuação pela infração de trânsito, nem a imposição das penalidades previstas.
Contudo, apesar de ser possível a autuação sem abordagem, esta continua sendo a regra e a sua impossibilidade deve obrigatoriamente ser registrada pelo agente de trânsito no auto de infração, como determina o artigo 280, §3°, do CTB. Nesse sentido também é o entendimento firmado por alguns CETRANs, dentre eles o de Santa Catarina, que firmou o entendimento nos Pareceres n° 32 e 138:
Parecer n° 32/2005
A autuação em flagrante é a regra devendo a exceção ser relatada no próprio auto de infração, também para que a autoridade admonitora possa promover o julgamento da autuação de forma criteriosa.
Parecer n° 138/2011
Abordar o infrator para preenchimento do auto de infração é uma regra elementar, importante não só para identificar e cientificar o acusado acerca da imputação que lhe coube, mas também para inibir a continuidade delitiva e sensibilizar o transgressor quanto a nocividade e ilicitude da conduta praticada. A autuação sem abordagem é exceção, e como tal deve se restringir aos casos em que a autuação em flagrante realmente não seja possível, hipótese em que o agente deverá relatar este fato à autoridade de trânsito no mesmo expediente utilizado para a autuação, como manda o §3º do art. 280 do CTB.
Por fim, outro ponto a ser analisado quanto ao assunto é sobre a razoabilidade da justificativa do agente de trânsito para a não abordagem do veículo. Para alguns não basta que o agente não aborde e consigne qualquer justificativa, tal justificativa tem que ser razoável e demonstrar que efetivamente impossibilitou a ação do agente de trânsito.
Porém, o entendimento majoritário é de que a legislação exige apenas uma justificativa e não a sua razoabilidade. Basta que o agente apresente uma justificativa no auto de infração para que a autuação seja válida e siga as determinações do artigo 280, §3°, do CTB. As justificativas mais comuns são devido a falta de segurança da via, falta de acostamento e pelo trânsito intenso de veículos. No Parecer n° 100 do CETRAN/SC foi fixado o entendimento que não há e não pode ser ficado um rol de justificativas razoáveis, devendo cada uma ser analisada caso a caso:
Parecer n° 100/2010
Não há como estabelecer um rol exaustivo dos motivos que autorizem o agente da autoridade de trânsito a lavrar um auto de infração sem abordar o transgressor. Para tanto, deve-se levar em consideração uma série de fatores, como o tipo infracional, o local do fato, as circunstâncias que envolvem o ocorrido etc.
Por tudo, conclui-se que a abordagem é regra para que seja lavrado auto de infração de trânsito, sempre que seja prevista no MBFT. A abordagem só é dispensada quando o MBFT não determinar e for impossível de executá-la, sendo necessário, neste caso, que o agente consigne a justificativa no auto de infração de trânsito. Não havendo abordagem em infração que é obrigatória ou não havendo justificativa para a ausência, o auto de infração deve ser considerado inconsistente (para outros ele seria nulo), devendo ser arquivado e suas penalidades anuladas.
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Por Heitor Gregório
Consultor Jurídico na L&T Consultoria.