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Uma abordagem de Karl Engisch acerca dos limites do direito: A legitimação da revolução emancipatória e libertária

Agenda 15/01/2022 às 08:59

Resumo: O artigo faz abordagem analítica sobre o livro El Ambito de lo no jurídico, de Karl Engisch, notadamente no que concerne ao seu posicionamento acerca da legitimação das ações perpetradas pelo revolucionário, que não pode ser intimado pela sua ideologia. Com base no pensamento de Engisch, em breves linhas, discorremos sobre nossa opinião sobre a importância do processo revolucionário de forma a combater a ditadura civil pregada pelo sistema capitalista financeiro, com destaque maior para as ocorrências hodiernas no Brasil. Ao final, concluímos que somente a educação real, que transforma o pensamento manipulado em pensamento crítico, e que serve para fundamentar a condução do processo revolucionário (ações concretas e pontuais), é a maior ferramenta de que dispomos para resgatar o Estado Constitucional Social, que será o responsável pela libertação e emancipação da raça humana.

Palavras-chave: Direito. Limitações. Vazio. Positivismo. Legitimação. Revolução. Desobediência. Ditadura. Emancipação. Libertação. Educação.

Introdução breves considerações sobre o livro El Ambito de lo no jurídico, de Karl Engisch[1]

Em seu livro El Ambito de ló no jurídico, o filósofo e jurista Karl Engisch trava um debate acerca da integração das normas jurídicas, abordando a problemática do âmbito vazio do direito, analisando condutas frente à omissão e lacunas da lei.

Prima facie, comenta sobre os limites do direito, o seu direcionamento apenas aos seres humanos, excluindo do âmbito los esclavos y los proscriptos, bem como não serem destinatários das normas internas os estrangeiros e as pessoas consideradas incapazes.

Interessante questionamento faz acerca da criminalização (ou ao menos consideração) no que se refere aos atos que não passam de cogitações, ou seja, que não se exteriorizam do âmbito do pensamento, ou exteriorizados, digam respeito à livre sua manifestação: por consiguiente, también em el campo de los pensamientos, de las opiniones de Fe y de los afectos y hasta nuestras convicciones y nuestro caracter, son susceptibles de um juicio jurídico. Aqui é interessante pontuar que Engisch adverte que não seria ilógico condenar juridicamente desvios de convicção política, que se subtraem da fé (heresias) ou pensamentos que conduzam à ações que possam infringir um caráter pessoal perigoso para a sociedade.

Excetuando da valoração jurídica o pensamento, Engisch coloca em discussão outra questão curial para o direito: o grau de liberdade do campo de ação jurídica, destacando que: surge la cuestión de saber si esta norma de valoración no penetra también en este âmbito vacio de juridicidad. Seria portanto a liberdade restrita ao positivismo, ou estaria dentro das possibilidades do jusnaturalismo? Qual verdadeiramente seria esse campo de ação? Para dar respostas concretas, vale-se das condutas (nitidamente abarcadas pelo direito penal) e que se referem basicamente à atuação frente ao estado de necessidade ou a defesa legítima, sendo que ambas condutas não poderiam ser consideradas como arbitrárias.

Neste contexto, Engisch faz uma observação que atinge o ponto fulcral da desobediência de normas ilegítimas: por la propia naturaleza de las cosas, em situaciones de casos de necesidad o de resistencia contra uma intervención estatal fundada en una orden coactiva o em la realización legal de um juicio falso. Tais ilações teriam o condão de colocar em debate os conceitos de legalidade e ilegalidade (dos quais ousamos acrescentar legitimidade e ilegitimidade), como forma de valoração positiva ou negativa, no que se refere ao posicionamento frente ao ordenamento jurídico.

Seguindo no enfrentamento das questões primordiais postas, cujo debate fulcral gira em torno das condutas que seriam legal e legitimamente frente ao jusnaturalismo ou se somente poderiam ser consideradas pelo positivismo, Engisch discorre (pontuando suas objeções) e com base em Schreier que: ambitos libres de derecho son todos aquellos hechos naturales que no provocan consecuencias jurídicas.

Estariam, pois, fora do arcabouço jurídico apenas os fatos que não causam consequências. No entanto, é de verificar a essência da conduta no que concerne a sua desaprovação e ainda o risco social coletivo que possa ocasionar. Neste contexto, refere-se a una necesidad esencial para la falta de sanciones contra las violaciones de deberes com respecto a si mismo. Estaria portanto, o direito restrito a intervir apenas no âmbito que foge aos interesses individuais? Com base nesta inquietação, traça linhas acerca da responsabilidade do estado, de proteger el verdadeiro fin del hombre.

Prosseguindo em seu textual exame crítico, Engisch se manifesta sobre procedimentos a serem adotados por juízes de direito, que na relação entre lacunas da lei e vazio do direito, não podem se furtar a proferir decisões de mérito, dando como exemplo o artigo  do Código Civil Suíço: si no se puede sacar una disposición de la ley o del derecho consuetudinário, el juez debe juzgar según la regla que él hubiera dictado como legislador. Ou seja, para o referido código, o juiz acaba por se transformar em legislador, para suprir o vazio do direito e a lacuna da legal.

E por fim (e escolhemos esse tema para aprofundar, tendo em vista o momento pelo qual atravessa o Brasil), Engisch faz a seguinte assertiva: De la misma manera que no se puede intimidar mediante amenazas de pena a quien piensa em la salvación de su vida o a quien está decidido a suicidarse, tampoco puede intimidarse al revolucionário, al mártir, al virilmente decidido, que está dispuesto a soportar toda fuerza y dolor en aras de aquello de que está poseído o al menos convencido. Destarte, advertindo que não se pode modificar o caráter de uma pessoa, finaliza mostrando sua inquietação acerca da pluralidade do problema do vazio no âmbito do direito.

Problemática inicial

A questão da inimputabilidade das ações revolucionárias assume especial relevo frente às investidas capitalistas pelas quais atravessam os países latino-americanos e caribenhos, com destaque para o Brasil, notadamente após o processo de impeachment ocorrido em 2016 (que entendemos como golpe de estado) e que afastou da presidência da República a Presidente Dilma Rousseff, eleita legitimamente pela vontade popular.

Não há como refutar que para domínio do capital, o governo brasileiro vem se valendo de manipulação ideológica e política, com apoio da grande mídia, para garantir a hegemonia capitalista. Neste estado de ideologia única que se quer implantar, temos assistido o enfraquecimento dos direitos políticos, sociais e trabalhistas (neste incluso o direito de representação dos trabalhadores através de seus sindicatos), o que tem fragilizado sobremaneira a democracia, já combalida e à espera de socorros. Neste contexto, Laura Tavares, que de forma sucinta, mas não perfunctória analisou em seu ensaio Os custos sociais do ajuste neoliberal na América Latina, posiciona-se da seguinte forma, ao comparar o sistema neoliberal ao estado do mal-estar social:

No contexto neoliberal, a contradição acumulação-legitimação (marca do sistema capitalista) se coloca e se resolve em termos diferentes daqueles do Estado de Bem-Estar keynesiano. A partir da naturalização das desigualdades, o modelo devolve o conflito para o seio de uma sociedade fragmentada, onde os atores se individualizaram, ao mesmo tempo que os sujeitos coletivos perdem identidade. Muda, portanto, a orientação da política social: nem consumos coletivos nem direitos sociais... [...] Dessa forma, o Estado Neoliberal ou de Mal-Estar inclui, por definição, uma feição assistencialista (legitimação) como contrapartida de um mercado livre (acumulação)[2].

Esta forma de legitimação do capital pode ser nitidamente observada através das proposições legislativas conduzidas por Michel Temer, que assumiu o comando do Brasil no lugar da Presidenta Dilma. Com o discurso (encampado pela grande mídia e classes, tanto a empresarial e ou a patronal) de ajustamento fiscal (contenção dos gastos públicos) e modernização da legislação, Temer e seus asseclas, tem promovido um verdadeiro massacre aos trabalhadores brasileiros, extinguindo direitos durante conquistados e afastando-os da proteção social. Como exemplo, podemos citar a Emenda Constitucional EC n. 95/2016 (congelamento dos gastos com saúde, educação, previdência e assistência), a Reforma Trabalhista Lei n.13.467/2017 e a Proposta de Emenda Constitucional PEC n. 287/2016, que cuida da Reforma da Previdência.

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São medidas draconianas, que têm o desiderato de instalar o estado mínimo no Brasil e que contrariam o Estado Constitucional Social implantado pela Constituição Federal de 1988 (conhecida como Constituição Cidadã). Sem embargo, não se pode ainda negar que o retrocesso democrático foi responsável pela instauração do Estado Penal (ou Estado Policial) no Brasil, que usa do positivismo exacerbado para legitimação da sua conduta antissocial, escravizador e opressor para pobres, e libertário para as elites dominantes.

O vazio legislativo no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro tem servido como ferramenta para legitimação de condutas não apenas antiéticas (contexto da subjetividade), mas principalmente das jurídicas e legais. Um dos maiores gravames desta crise de legitimação que se traduz na imposição de condutas, pode ser sentida no aumento do desemprego (hoje o Brasil tem mais de quatorze milhões de desempregados), sendo que não se pode ainda estimar quantos perderão até mesmo a perspectiva de emprego com as medidas legislativas patrocinadas por Temer.

E é justamente nesse sentido que crise institucional, política, jurídica e social desencadeada pelo governo Temer, pode ser mais visivelmente sentida, vez que se aproveita do desemprego crônico para aviltar ainda mais os trabalhadores, diminuindo o valor da mão-de-obra, o que em linhas gerais, regride as políticas de bem-estar social, ampliando as condutas assistencialistas, marca das políticas neoliberais. Neste contexto, o sociólogo político alemão Claus Offe, de nítida orientação marxista, enfatiza que, o trabalho terceirizado e fragilizado, sem relevância no mundo do trabalho decente, acaba por retirar a produção direta das mãos dos trabalhadores e contribuir para o aumento da fiscalização (o aludido Estado Penal). Para Offe, essas condutas ainda têm o desiderato de contribuir para tornar o estado, ou seja, a máquina administrativa, mais burocrática, dificultando o acesso dos trabalhadores à proteção social. Senão vejamos:

A burocracia absorve mais recursos e presta menos serviços do que outras estruturas democráticas e descentralizadas de política social poderiam fazer. Por isso, a razão da manutenção da forma burocrática de administração dos serviços sociais, apesar da sua ineficiência e ineficácia, evidente para um número cada vez maior de observadores, deve estar relacionada com a função de controle social exercida pela burocracia centralizado do Estado social. Esta ideia leva os críticos da esquerda a criticar o caráter repressivo do Estado social, isto é, o seu aspecto de controle social. [....] Quanto maior a necessidade, tanto mais severamente são interpretadas estas exigências. Os desempregados, por exemplo, só depois de mostrarem boa vontade de se colocarem à disposição de possibilidades alternativas, [...] são autorizados a receber o auxilio desemprego[3].

Exerce ainda, este Estado Penal, uma função de controle político-ideológico, fazendo com que os trabalhadores sejam tomados por insegurança, desespero e medo. Uma vez assim perturbados, sempre com a ingerência da grande mídia, tornam-se reféns dos aparatos repressivos e punitivos do Estado, notadamente quando demandam direitos sociais. Face ao aumento das desigualdades e via transversa ao aumento da concentração de renda, o Estado surge como a autoridade penal para suprimir essas contradições, com o uso da força policial.

Portanto, não é falacioso afirmar que é o sistema capitalista o responsável pela legitimação desse Estado Penal, que em última instância, contribui para a exclusão social, uma vez que delimita as condutas que quer sejam punidas e exclui as condutas que não contrariam o sistema. Aqui abro parênteses para lembrar da condenação do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo juiz Sérgio Moro, através de uma sentença penal criminal desprovida de provas cabais e contundentes.

Além disso, torna os Poderes Legislativo e Judiciário como coadjuvantes neste processo, transformando parlamentares e magistrados em meros atores subordinados ao poderio central (e assim tem ocorrido com as votações das proposições de Temer no Congresso Nacional, com deputados e senadores cedendo às pressões dos empresários, bem como no Supremo Tribunal, que em diversos momentos tem se mostrado à serviço das elites dominantes).

O Estado Penal, sob o manto falacioso de combater a criminalidade, reforçando padrões de segurança e acentuando um estado de exceção, acaba por aniquilar o Estado Constitucional Social. Não é sem razão que o mundo hodierno se vê às voltas com guerras civis (v.g. Síria). Neste diapasão temos que países periféricos estão sofrendo com essas políticas, num cenário desestabilizador (v.g. crise na Venezuela).

Conquanto as investidas de implantação de um novo ciclo de colonização dos países periféricos tem se acentuado virtuosamente, reproduzindo o crescimento da violência política de governos ilegítimos (golpes e eleições conquistadas através do engodo do povo, como por exemplo os casos de Brasil e Argentina), certo é que a esperança de reverter esse quadro repousa principalmente, no surgimento de novos padrões teóricos e aparecimento de novos lutadores sociais, que possam eficazmente combater os assaltos patrocinados pelas elites econômicas, que em sua ratio quaestio, têm implantado verdadeiras ditaduras civis financistas.

A revolução como forma de legitimação da libertação e emancipação

[...] a emancipação política representa um grande progresso (...) ela se caracteriza como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do contexto do mundo atual [...] a revolução meramente política, a revolução que deixa de pé os pilares do edifício. Sobre o que repousa uma revolução parcial, uma revolução meramente política? No fato de emancipar uma parte da sociedade burguesa e de instaurar sua dominação geral, no fato de uma determinada classe empreender a emancipação geral da sociedade a partir de sua situação especial."[4]

A partir dos argumentos de Karl Engisch, acerca dos questionamentos atinentes à legitimação das ações que podem ser adotadas em favor da classe oprimida (maioria), em contraposição às ações ilegítimas que vêm sendo adotadas pela classe dominante (minoria), mostram-se de suma relevância no contexto atual, em que o mundo é tomado por um movimento de ascensão final do sistema capitalista. Como visto, Engisch se posiciona no sentido de que não se pode intimidar (no sentido de reprimir e criminalizar) as ações revolucionárias legitimas, que buscam, em última instância, o desenho de uma sociedade justa e igualitária, e que, conforme inserido na parte inicial do preâmbulo da Constituição da Organização Internacional do Trabalho OIT (Declaração de Filadélfia, Montreal, 1946): a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social.

Um dos movimentos que entendemos de fulcral importância para iniciar o processo de libertação e por fim a emancipação da humanidade, diz respeito à Desobediência Civil. Nascida com a Revolução Francesa em 1789, quando foi positivada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a Desobediência Civil tem sido utilizada quando não restam instrumentos aptos que restabeleçam a ordem normativa-jurídica. .

Não é por demais relembrar a luta de Henry David THOREAU, (guerra travada pelos EUA contra o México), Mohandas Karamchand GHANDI (Índia contra Inglaterra) e Martin LUTHER KING Jr. (emancipação dos negros nos EUA). Os três expoentes da Desobediência Civil se valeram do instituto como direito de resistência às normas e tratativas impostas contra o povo, através de ações ilegítimas com apoio do arcabouço normativo (legitimação do que é ilegítimo através da interpretação das normas legais).

Com fincas na premissa de que a Desobediência Civil é antes uma exigência do Estado Constitucional Social, não sendo essencialmente um ato de agressão ao poder ou violência contra as leis, o Prof. Pedro Paulo Christovam dos Santos, da Universidade Federal de Minas Gerais, ao prefaciar o livro de Fernando Armando Ribeiro[5] assim nos esclarece:

O direito à desobediência civil consolida e aperfeiçoa a democracia, garante a justiça do bem comum, manifesta o reconhecimento mútuo das liberdades e o consenso nacional. Constitui-se como denúncia ético-social e resistência técnico-jurídica à legitimidade do Poder e à injustiça da Lei, na ausência de instrumento hábil à solução de violação da obrigação política legitimadora da normatividade do Estado Constitucional Democrático. Como ideia a priori da razão prática, a desobediência civil é uma forma atípica e necessária de participação democrática, uma garantia extrainstitucional e intrassistêmica do Estado Constitucional Democrático.

Portanto, não é a simples resistência ao direito positivado, mas contra a ilegitimidade na conduta do mesmo. Não se trata de descumprimento das normas, mas sim da oposição à injustiça elaborada. Trata-se da estabilização da ordem política e normativa que sofre violação diante do poder exercido ilegitimamente e sem respaldo constitucional. No posicionamento adotado por Ribeiro, temos que:

Na análise de alguns autores, no curso da História Moderna, um dos sinais de solidez democrática é a institucionalização da resistência, vale dizer, a incorporação ao ordenamento jurídico de mecanismos de protesto diante de normas consideradas injustas, sem precedente em sistemas anteriores. Alguns direitos, como a liberdade de expressão, de imprensa, de reunião e de associação, e alguns mecanismos jurídicos de garantia dos direitos, como o recurso de amparo, ou de próprios recursos atinentes ao controle de constitucionalidade, seriam exemplos desse processo[6].

Revelando-se a Magna Carta como corpo normativo vivo e garantizador de direitos e instrumento de justiça, temos que a desobediencia civil antes de tudo, é a invocação da democracia, a resposta dada pelo povo contra o desiderato de estabelecimento de políticas escravocratas a serviço do capital. É a cobrança do pacto social celebrado pelos representantes do povo com a sociedade, quando da edição dos textos supremos, que exprimem a vontade popular, as diretrizes a serem traçadas nos processos políticos. É portanto, a Desobediência Civil um meio legal para destituição de governos despóticos e autoritários.

Partindo-se da premissa de que a Desobediência Civil é um instrumento válido na democracia, que tende a valorar os ideais de justiça social, é incontestável sua atuação frente à série de proposituras legislativas que se impõem, sem qualquer compromisso com as diretrizes constitucionais traçadas. Afigura-se assim como um ato consciente e intencional, que fundamentadamente busca a defesa da ordem constitucional que se mostra estar sendo maculada.

Nesta liça, temos que um dos maiores instrumentos de concreção da Desobediência Civil é a Greve Geral, que tem como principal objetivo, através da ação desobediente, provocar com a pressão e confrontação direta, mudanças na condução dos processos ilegítimos que estão a patrocinar injustiças.

Em nossa concepção, é a Desobediência Civil o instrumento que eficazmente pode dar inicio ao processo de revolução, ou seja, desencadear a luta contra a opressão. No entanto, e conquanto a Desobediência Civil possa servir como parâmetro para a revolução final (sangrenta ou não), o líder revolucionário Fidel Castro, que comandou a Revolução Cubana em 1959, chama a atenção para a necessidade de se formar líderes que possam disseminar essa luta, nos dizendo abertamente que:

Claro que, se os povos latino-americanos não são capazes de resistir politicamente, moralmente, com dignidade, se não são capazes de ter consciência dos seus direitos, então não teremos liberdade; não existe nem pode existir liberdade, onde não existe alguém que a defenda contra o expansionismo[7].

Além do líder revolucionário invocado por Fidel, Jakobskind, que fez um brilhante trabalho analítico sobre a situação da América Latina na sua história de lutas frente ao imperialismo, chama a atenção para a necessidade de união e representação, como forma de dar sustentabilidade à luta:

Agora é diferente. Há outras possibilidades e consciência do povo. Uma experiência de luta muito grande. Quer dizer, antes a ação social se canalizava, através dos partidos políticos e sindicatos. No golpe militar [da Argentina], nenhum dos dois setores teve capacidade de reação ou de resposta. Também organizações de base e alguns setores sindicais enfrentaram a ditadura, mas noa os partidos políticos e os sindicatos em seu conjunto. Então, o que há de se fortalecer são as organizações não partidárias. Esses organismos é que tiveram capacidade de resposta e de luta contra as ditaduras[8].

Contudo, qualquer que seja a condução do processo revolucionário, não se pode olvidar da necessidade de se combater a ditadura da mídia, que é uma importante ferramenta, nos dias atuais, de dominação. Em seu trabalho sobre o tema, o brasileiro Altamiro Borges, assim pontua:

A grande mídia privada, impressa e/ou eletrônica, sobretudo o rádio e a televisão, se constitui na forma dominante através da qual a maioria de nossa população ainda hoje recebe, sem possibilidade de interação, as informações que moldam a sua percepção de que é e de como funciona o mundo, próximo e distante. E aí se incluem as construções de longo prazo dos direitos, dos valores e das representações sociais, inclusive de gênero, de etnia e, claro, da política e dos políticos[9].

Portanto, é a grande mídia, um enorme poder de manipulação das massas. Como exemplo, invocamos o caso do Brasil, que com o apoio da grande mídia (principalmente da Rede Globo), promoveu o golpe de estado em 2016, após iniciar um processo de manipulação da população, que tomou as ruas pedindo a saída da Presidenta Dilma Rousseff e que hoje sabe ter sido brutalmente enganada.

Contra o poderio da mídia, a saída está na educação de base, que é ferozmente combatida, inclusive com a retirada de recursos públicos destinados à educação (como vem sistematicamente ocorrendo no Brasil, notadamente após a edição da EC n. 95/2016, que legitimou o congelamento dos gastos públicos em saúde, previdência, assistência e educação, como já observado).

Considerações finais

Neste contexto fático analisado, quando o novo ciclo do capital busca de forma selvagem se instaurar de forma hegemônica (nitidamente percebível nos países latino-americanos e caribenhos, balcanizados pelo sistema capitalista), que se deve pensar na construção de novas e eficazes alternativas para conter seus tentáculos, o que, a novo ver, somente pode ser obtido através de política revolucionária, que não quer dizer necessariamente luta armada, mas antes sim, luta no campo das ideias. São as ideias que exteriorizadas, poderão conter esse avanço e resgatar o Estado Constitucional Social, como afirmação da vontade coletiva e sustentação da democracia. A assertiva se baseia, tomando emprestado a história recente do Brasil nos governos progressistas de Lula e Dilma, no fato de que estes governos, a despeito de promover desenvolvimento econômico e social, tiveram o efeito negativo de quedar a luta social.

Por força disso, não podemos mais nos ater apenas aos discursos. É necessário (urgentemente) que o campo das ideias indique o caminho a ser trilhado para que a classe trabalhadora e seus representantes possam ser educados e orientados para a elaboração de um novo conjunto de ações que possam frear as investidas do sistema capitalista. É premente que se conquiste a emancipação e libertação, abrindo-se a possibilidade para novo horizonte, sem desigualdades e exclusões sociais, que significa uma realidade objetiva de um estado plenamente democrático e socialmente justo, enquanto espaço de ação participativa de toda a sociedade.

A liderança da classe burguesa tem contribuído para o desenvolvimento de conflitos que assolam o planeta, que se tornou pequeno para suportar imperativos sócio-econômicos resultantes da marcha inexorável de auto-expansão da multiplicidade de capitais. A busca pelo controle territorial se transforma em conflitos devastadores entre os capitais, com ameaças reais de guerras mundiais e a potencial aniquilação da humanidade.

Urge, portanto, em contraposição, que se instaure novo marco civilizatório, capaz de efetivar a justiça social, o que somente poderá ser conquistado através da emancipação social, que em linhas gerais, valoriza o trabalho decente e supera a acumulação capitalista nas mãos de uma significativa minoria, que a despeito de deter o capital, estão avassaladoramente, aumentando a miséria no mundo e reafirmando a escravidão do século XXI. Romper com os grilhões impostos pelo capital e conquistar a emancipação, o que somente pode ser conseguido através da revolução, é a única alternativa que nos resta para impedir a tragédia total.

Não podemos nos olvidar que o sucesso da revolução somente pode ser angariado (lembrando Nelson Mandela e Malala Yousafzai), com a disseminação das ideias através da educação que possa transparecer o pensamento crítico, condutor da argumentação. É essa educação real que tem sido combatida pelo sistema capitalista, cônscio do seu poder de transformação.

Por todo o exposto, concluímos que somente a educação real, que transforma o pensamento manipulado em pensamento crítico, e que serve para fundamentar a condução do processo revolucionário (ações concretas e pontuais), é a maior ferramenta de que dispomos para resgatar o Estado Constitucional Social, que será o responsável pela libertação e emancipação da raça humana.

Precisamos formar um exército de lutadores sociais (que diferem dos sindicalistas de plantão politizados e muitos a serviço do patronato, chamados no Brasil de pelegos). E convenhamos: não há mais tempo a ser desperdiçado!

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BORGES, Altamiro. A ditadura da mídia. São Paulo: Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009.

CASTRO, Fidel. A salvação da América Latina. Entrevista concedida ao jornal Excelsior do México. Rio de Janeiro: Revan, 1985.

ENGISCH, Karl. El Ambito De Lo No Jurídico. Córdoba: Universidad Nacional de Cordoba. Dirección General de Publicidad: 1960.

JAKOBSKIND, Mário Augusto. América Latina: histórias de dominação e libertação. Campinas/SP: Papirus, 1943.

MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

OFFE, Claus. Trabalho & Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991.

RIBEIRO, Fernando Armando. Conflitos no Estado Constitucional Democrático: Por uma compreensão jurídica da Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do Ajuste Neoliberal na América Latina. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

NOTAS DE RODAPÉ

[1] ENGISCH, Karl. El Ambito De Lo No Jurídico. Córdoba: Universidad Nacional de Cordoba. Dirección General de Publicidad: 1960.

[2] SOARES, Laura Tavares. Os custos sociais do Ajuste Neoliberal na América Latina. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

[3][3] OFFE, Claus. Trabalho & Sociedade: problemas estruturais e perspectivas para o futuro da sociedade do trabalho. Volume II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1991.

[4] MARX, Karl. Manuscritos Econômicos Filosóficos. São Paulo: Nova Cultural, 1991.

[5] RIBEIRO, Fernando Armando. Conflitos no Estado Constitucional Democrático: Por uma compreensão jurídica da Desobediência Civil. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004.

[6] RIBEIRO, ob. citada, 2004.

[7] CASTRO, Fidel. A salvação da América Latina. Entrevista concedida ao jornal Excelsior do México. Rio de Janeiro: Revan, 1985.

[8] JAKOBSKIND, Mário Augusto. América Latina: histórias de dominação e libertação. Campinas/SP: Papirus, 1943.

[9] BORGES, Altamiro. A ditadura da mídia. São Paulo: Anita Garibaldi/Associação Vermelho, 2009.

Sobre a autora
Rosana Colen Moreno

Rosana Cólen Moreno. Procuradora do Estado de Alagoas. Membro da Confederação Latino-americana de trabalhadores estatais (CLATE). Especialista em previdência pública pela Damásio Educacional e em direitos humanos pela PUC/RS (em finalização). Autora do livro Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção, publicado pela LTr. Coordenadora da Comissão Internacional Avaliadora instituída pelo Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (CLACSO-UNESCO) e denominada “Desigualdades, Exclusão e Crises de Sustentabilidade dos Sistemas Previdenciários da América Latina e Caribe. Educadora, Professora, Instrutora, Palestrante, Consultora. Participante do programa de doutorado em Direito Constitucional pela Universidad de Buenos Aires – UBA. Especialista em Regimes Próprios de Previdência (Damásio Educacional). Autora do livro: Manual de Gestão dos Regimes Próprios de Previdência Social: foco na prevenção e combate à corrupção.

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