PARTE I - Cumprimento provisório
(1.) Considerações gerais.
O tema cumprimento provisório da sentença se relaciona com a eficácia dela: a sua aptidão para produzir efeitos no mundo do direito. E justamente por isso remete o intérprete às disposições dos recursos: arts. 995 e 1.012, do CPC. A regra geral a respeito da produção dos efeitos da sentença está neste último: não produzirá efeitos, qualquer um que seja: condenatório, constitutivo ou meramente declaratório! Quer dizer, em regra a sentença de primeira instância é título sem vocação para inaugurar a fase de cumprimento da sentença. Há, contudo, exceções. Primeiramente o próprio art. 1.012 pela combinação dos seus § § 1º e 2º permite o cumprimento provisório da sentença. Em segundo lugar, há possibilidade de cumprimento da sentença na hipótese de impugnação de acórdãos dos tribunais de segunda instância por meio de recurso especial (REsp) e/ou extraordinário (RE) que, em regra são destituídos de efeito suspensivo (§ 5º do art. 1.029, a contrario sensu e art. 995, caput).
Nessas duas situações a sentença poderá ser cumprida provisoriamente. Como se trata de decisão mutável, incerta, instável, o legislador toma uma série de precauções para não prejudicar irremediavelmente o executado, conforme será visto a seguir.
(1.1.) Inciso I do art. 520.
O exequente é quem decidirá se vai requerer ou não o cumprimento provisório da sentença; deverá então avaliar as variáveis em jogo. Em se tratando de sentença de primeira instância a parte beneficiada sopesará, de um lado, o risco de reversão da sua situação devido a chance de reforma da sentença. E, de outro lado, o tempo de julgamento da apelação interposta pelo adversário. Na dúvida, melhor esperar pelo acórdão do tribunal, que, se confirmar a sentença e mesmo que tal decisão esteja sujeita a REsp, lhe trará mais segurança em comparação com a decisão de primeiro grau. Sabe-se que a responsabilidade pelos danos causados ao executado por obra da execução provisória é objetiva. O exequente poderia ter promovido o incidente após o trânsito em julgado da sentença. Mas não quis esperar (Não se valeu do conselho do Padre Vieira: a paciência é mais importante das virtudes). Logo, em caso de reforma dela, será o único responsável na hipótese de existir danos a outra parte.
(1.2.) Inciso II.
Para a eficaz aferição dos dizeres deste inciso, será aconselhável diferenciar as duas decisões ali mencionadas: a que modifica e a que anula a sentença objeto da execução provisória.
(1.2.1.) Caso de reforma da sentença exequenda.
Nessa hipótese, pode-se conjecturar que a sentença exequenda foi reformada em segunda instância e que tal acórdão transitou em julgado. A execução provisória fica sem efeito e as partes serão restituídas ao estado anterior [à instauração da execução]. Eventuais prejuízos daí decorrentes serão liquidados nos autos do processo de conhecimento.
Mas pode suceder que, contra o acórdão que reformou a sentença a quo, o exequente tenha interposto recurso especial (REsp) e/ou mais remotamente recurso extraordinário (RE); é prematura, portanto, a afirmação de que a sentença foi reformada. E embora o REsp (idem quanto ao RE) não tenha efeito suspensivo, seria desaconselhável o juiz da execução permitir que os eventuais prejuízos sofridos pelo executado fossem ali liquidados. Mais prudente esperar pela decisão dos tribunais superiores.
(1.2.2.) Caso de anulação da sentença exequenda.
Quando se trata de acórdão do tribunal de segundo grau anulando a sentença em execução provisória e não passando ele mesmo a julgar o mérito por considerar que a causa está imatura para tal, também deve-se cogitar de duas hipóteses: 1ª) o acórdão transitou em julgado; 2ª) ele foi impugnado por REsp. Na primeira alternativa, a sentença foi anulada. Mas o motivo que originou a anulação do processo onde ela foi proferida pode ser corrigido. Conjecturando: o juiz indeferiu a produção de prova pericial requerida pelo réu e julgou procedente o pedido para condená-lo a pagar ao autor R$ 100 mil. O réu apelou e se valendo do § 1º do art. 1.009 do CPC pediu a reapreciação da interlocutória. O tribunal anulou o processo, determinou a realização da prova denegada pelo juiz e tornou sem efeito a execução provisória. Pensamos que pela aplicação do princípio da economia processual que deveria ser erigido como um dos mais importantes do atual estatuto processual civil o tribunal ao invés de anular a execução provisória deveria determinar o seu sobrestamento até que viesse outra sentença naquele processo de conhecimento anulado por erro de procedimento. Imagine-se que a despeito da correção do vício, a segunda sentença também condenou o réu a pagar a mesma importância fixada na primeira. Enfim, nos casos de anulação do processo ou da própria sentença (digamos que por fundamentação deficiente), a execução provisória ficaria sem efeito somente na hipótese de divergência de conteúdo nas decisões: a anulada e a que lhe substituiu após a correção do erro detectado em segunda instância.
Aqui, à semelhança do exposto supra para o caso de reforma da sentença, a decisão anulatória da sentença exequenda (ou do processo em que foi proferida) para produzir o efeito constante do inciso II terá de ter transitado em julgado, suspendendo-se a execução enquanto isso não ocorrer.
(1.3.) Inciso IV.
O ápice das medidas de precaução tomadas pelo juiz no cumprimento provisório da sentença está neste inciso IV. Diante da instabilidade da sentença sujeita a anulação ou reforma, seria arriscado tratar o patrimônio do executado como se cuidasse de execução definitiva. De sorte que o juiz impede que sejam praticados atos agressivos aos haveres do executado tais como os mencionados neste dispositivo, ou, então, permite sob a condição de que o exequente preste caução suficiente e idônea para indenizar o seu adversário na hipótese de a sentença ser reformada. O Código louvável e corretamente se refere a idoneidade da caução, além de sua suficiência. Sim, porque em caso contrário, o executado estaria desamparado. Conhecem-se duas espécies de caução: a fidejussória também dita pessoal e a real. A primeira consiste em que uma pessoa estranha à relação principal se responsabiliza pela solução da dívida, caso o devedor [na execução provisória, o exequente] deixe de cumprir a obrigação. Desta espécie é a fiança (Caio Mário da Silva Pereira). Na caução real, bens do próprio exequente (ou de terceiros) ficam vinculados à sua obrigação de ressarcimento se da reforma ou da anulação da sentença advierem prejuízos ao executado.
Ainda que a execução seja provisória, o juiz em algumas circunstâncias poderá dispensar a caução: 1ª) se o crédito decorrente da sentença é alimentar, independentemente se proveniente de relação de parentesco ou de ato ilícito; 2ª) se o credor demonstrar situação de necessidade; 3ª) pender o agravo do art. 1.042; 4ª) a tese jurídica abraçada na sentença estiver em conformidade com súmula da jurisprudência do STF ou STJ ou em consonância com acórdão proferido no julgamento de caso repetitivos. Essas quatro hipóteses de dispensa da caução (art. 521) não obrigam o juiz. Ele poderá acatá-las e dispensar a caução ou não. Dependerá da particularidade do caso, tanto que, no parágrafo único de art. 521, o legislador parece ter se arrependido de sua liberalidade, e voltado à estaca zero: enfatizou a necessidade de o juiz manter a caução se da dispensa possa resultar manifesto risco de grave dano de difícil ou incerta reparação.
Da exigência de caução feita pelo juiz nasce um novo incidente no processo. Será um incidente dentro do incidente do cumprimento da sentença. O juiz determina ao exequente que preste a caução. Feito isso, ouve o executado, que poderá se opor à espécie da caução, assim como do seu valor. Em seguida o juiz decidirá o incidente por meio de interlocutória, passível de ser atacada por meio de agravo de instrumento (art. 1.015, parágrafo único).
(1.4.) § 4º do art. 520.
A norma aqui contida evidencia a necessidade da cautela a ser tomada pelo juiz na execução provisória, máxime na fixação do valor e idoneidade da caução. É que conforme se vê no mencionado dispositivo, ainda que se tenha transferido a posse e mesmo a propriedade de bens do executado para o exequente, ainda assim esses atos permanecerão ilesos, não serão desfeitos, servindo a garantia prestada pelo exequente como tábua de salvação do executado; ampla reparação por eventuais prejuízos decorrentes desses atos expropriatórios praticados contra seu patrimônio.
PARTE II - Cumprimento definitivo
(2.) Conteúdo do requerimento do exequente.
Os arts. 523 e 524 instruem o exequente sobre o conteúdo da petição que dará início ao cumprimento definitivo da sentença. E de acordo com o art. 527 tudo o que está dito ali se aplica ao cumprimento provisório da sentença.
Como se cuida de pretensão para que outrem pague quantia em espécie, o exequente deverá apontar exatamente o quantum. Caso isso não seja possível por se tratar por exemplo de sentença ilíquida, deverá propor primeiramente o procedimento de liquidação dos arts. 509 e ss., do CPC. Se o valor da execução não puder ser fixado porque depende de dados em poder de terceiros ou do próprio devedor, o exequente terá de requerer ao juiz que os intime para fornecê-los, sob cominação de crime de desobediência, caso o terceiro, regularmente intimado, se recusar a fazê-lo sem justificativa relevante. Se a comunicação foi dirigida ao próprio executado, a consequência da recusa sem justo motivo é outra; está prevista no § 5º deste art. 524. O crime de desobediência se aplica apenas à hipótese de a negativa partir de terceiro. Quando se trata de intimação endereçada ao executado, a sanção para a falta é outra, de índole não penal: reputar verdadeiros os cálculos apresentados pelo exequente apenas com base nos dados de que dispõe, à semelhança do que sucede quando, na ação de exibição de documento, o requerido não exibe sem justificativa o documento pleiteado (art. 400, caput).
Como se vê, a fase de cumprimento da sentença, caso o quantum debeatur não esteja ainda apontado, depende de um incidente prévio para isso. Porém, se a quantia a ser executada está corretamente determinada, incumbe ao credor/exequente solicitar ao juiz a intimação do devedor/executado para pagá-la, devendo mencionar no requerimento o que consta dos sete incisos do art. 524. As informações ali mencionadas, algumas nem sempre necessárias, estarão representadas em uma planilha elaborada para a ocasião.
O juiz ao apreciá-la poderá entender que excede os limites da condenação e determinar a sua correção; ou, suspeitando do excesso, se valer de contabilista para informá-lo sobre a matéria. Ato contínuo, o juiz ouve as partes e em caso de divergência sobre o correto valor decide o incidente. Em regra, quando o juiz defere o pedido de intimação no mesmo ato fixa a multa de 10% em caso de incumprimento, assim como os honorários advocatícios, também em 10% do quantum exequendo.
(3.) Alternativas disponíveis para o executado após a intimação para pagamento.
Intimado para pagar, o executado pode fazê-lo no prazo de 15 dias do art. 523. Se o fizer, tollitur quaestio. Caso contrário, inicia-se, após o transcurso desse prazo, um outro também de 15 dias para que impugne o cumprimento da sentença. Agora, duas alternativas se apresentam: impugna ou não. Na segunda, a decisão que determinou o pagamento tendo por base a planilha do credor e eventualmente examinada pelo contabilista (§ 2º do art. 524), transita em julgado. E ao devedor só resta levantar questões relativas à validade dos atos subsequentes ao trânsito em julgado de tal decisão (cf. § 11 do art. 525). Por exemplo, a falta da impugnação não abre a porta para penhorar bens impenhoráveis (art. 833), muito embora a alegação devesse ser apresentada naquela ocasião (art. 525, § 1º, nº IV). Se o executado optar pela impugnação, abre-se mais um incidente dentro da quinta e última fase do processo de conhecimento: a fase executiva, o cumprimento da sentença. Basicamente o que está em jogo é a extinção da execução pela desconstituição do título, ou o seu prosseguimento, com, pelo menos, a redução do seu valor, ou ainda a correção de rumo da execução. Tudo dependerá do conteúdo das alegações (ou da alegação) do executado/impugnante. O incidente da impugnação é, tal qual os embargos à execução, um processo de conhecimento inserido na fase executiva do processo principal. Difere porque os embargos à execução necessitam de autos próprios para serem opostos (art. 914, § 1º), cenário inexistente na impugnação que é apresentada nos autos principais e únicos do processo de conhecimento (art. 525, caput, in fine).
(4.) Matérias alegáveis na impugnação.
A fim de tornar mais prático e didático esse tema, vamos agrupar as alegações em conformidade com os efeitos que produzem na execução, caso sejam acolhidas. Primeiro grupo: extinção não só da execução, como também da anulação do próprio processo de conhecimento onde a sentença foi proferida; segundo grupo: extinção do cumprimento da sentença (da execução); terceiro grupo: desconstituição do título executivo; quarto grupo: correção de atos executivos já praticados; quinto grupo: redução do quantum em execução; sexto grupo: incompetência do juízo da execução; sétimo grupo: causas modificativas ou extintivas da obrigação superveniente à sentença (mesma finalidade do terceiro grupo).
Note-se que nem sempre foi possível formar grupos. Há casos em que o grupo é constituído de uma alegação isolada. Veja-se também que o impugnante pode se defender com mais de uma alegação, dando vazão ao princípio da eventualidade. Por exemplo, a parte é ilegítima. Mas se essa alegação não for aceita, o juízo é relativamente incompetente.
No primeiro caso acima mencionado (primeiro grupo), o acolhimento da questão de não ter havido citação na fase de conhecimento, ou de o ato ser anulável (inciso I) faz com que caia não só a fase de cumprimento da sentença, mas de todo o processo de conhecimento, a partir da citação que não houve ou que o executado pede a anulação e ela é aceita.
Segundo grupo: difícil de ocorrer. Mas apresentada e acatada, a consequência é a extinção da fase executiva, devendo o exequente corrigir o erro e voltar a juízo, se quiser.
Terceiro e sétimo grupos: desconstituição do título executivo (incisos III e VII). No que concerne diretamente ao grupo III, o impugnante alegará a inexequibilidade do título ou inexigibilidade da obrigação dele constante. Como as leis não contêm palavras inúteis (=devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia) (Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do direito), o intérprete terá de esforçar-se para encontrar alguma utilidade no vocábulo inexequibilidade [do título]. A doutrina consultada (Alexandre Câmara, Araken de Assis, Cassio Scarpinella Bueno, Nelson Nery/Rosa Maria de Andrade Nery) não se põe de acordo. Menciona exemplos e dispositivos do Código que tanto servem para caracterizar o título como inexequível ou inexigível a obrigação que nele se contém. O certo é que a distinção entre uma e a outra palavra é tênue. E se o legislador omitisse o termo inexequibilidade ninguém se lembraria dele, O que mais próximo existe à inexequibilidade é, no CPC/1973, a menção no art. 745, nº I à nulidade da execução, por não ser executivo o título [extrajudicial] apresentado, fórmula alterada pelo seu correspondente no NCPC (art. 917, nº I).
Bem se compreende que quando se cuida de título extrajudicial há chance de ele ser inexequível por estar fora do catálogo do art. 784. Basta pensar no documento particular assinado pelo devedor que, no entanto, se ressente da assinatura das duas testemunhas (art. 784, nº III). Porém, em se tratando de título executivo judicial, melhor mesmo era ter descartado a possibilidade de permitir o impugnante alegar a inexequibilidade como meio de defesa, tal como agiu o legislador do CPC/1973 em sua versão original e o da Lei nº 11.232/2005. Enfim, a inovação trazido pelo Código de 2015 no art. 525, § 1º, nº III (1ª parte) é inócua: se título judicial é inexigível como o é a sentença sujeita a uma condição ainda pendente de realização ele é ao mesmo tempo inexequível; no exemplo, pela mesma razão.
Além desse exemplo vários outros poderiam ser dados. Fiquemos, no entanto, apenas com dois: 1º) inexigível porque a sentença (ou a decisão) é ilíquida; 2º) porque ao REsp interposto contra acórdão que confirmou a sentença de primeiro grau e condenou o réu a pagar ao autor uma soma em dinheiro, foi atribuído efeito suspensivo (§ 5º do art. 1.029).
Mas o Código também se refere a títulos executivos judiciais excepcionalmente inexigíveis, criando, pois, duas categorias: uma, por motivos previstos na legislação ordinária; outra, oriunda da matéria complexa especificada nos §§ 12 a 15 do seu art. 525, de apelo constitucional.
Se a obrigação reconhecida no título tiver como base lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF ela (a obrigação) é inexigível. (Por ato normativo entenda-se um documento editado pelo Poder Público para regulamentar ou explicitar uma lei, decreto, portaria etc., como, por exemplo, o constante do art. 100, nº I da CTN: São normas complementares das leis (...) e dos decretos, os atos normativos expedidos pelas autoridades administrativas. De acordo com o art. 948 do NCPC o incidente de arguição de inconstitucionalidade pode ter por objeto a lei ou o ato normativo.)
Também se considera inexigível a obrigação reconhecida em título que tem como fundamento a aplicação ou interpretação da lei ou do ato normativo tido pelo STF como incompatível com a Constituição Federal.
Pode suceder, todavia, que embora tal obrigação seja a princípio inexigível, o próprio STF, apoiado no art. 27 da Lei nº 9.868/1999, pode restringir, na decisão de incompatibilidade ou inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, os efeitos dela, por razões de segurança ou de excepcional interesse jurídico, quando então poderá fixar data para que sua declaração produza efeitos. Essa restrição só poderá vingar se aprovada por dois terços dos membros do tribunal (art. 27 da lei supramencionada). Nessa circunstância, há uma modulação dos efeitos produzidos pela declaração de inconstitucionalidade emitida.
Ilustre-se o exposto com exemplo extraído do livro O novo processo civil brasileiro, 2ª ed., pág. 410, de Alexandre Câmara. Se o STF declara inconstitucional a lei que criou certo tributo, poderá, por questão de segurança jurídica, a despeito da inconstitucionalidade, modular os efeitos de tal decisão, permitindo, por exemplo, que decisões judiciais anteriores ao trânsito em julgado da declaração de inconstitucionalidade não sejam por ela afetadas (§ 13 do art. 525).
O § 14 desse mesmo artigo se refere a algo que a rigor seria desnecessário: a decisão do STF que considerou inexigível obrigação contida na sentença (ou decisão) exequenda por estar tal obrigação apoiada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional deve ser anterior ao trânsito em julgado da sentença exequenda. De modo que se o impugnante se utilizar da matéria constante do § 12 para alegar a inexigibilidade da obrigação, só poderá fazê-lo exitosamente se a decisão exequenda ainda não tiver transitado em julgado. Se por hipótese a declaração do STF for posterior, o impugnante para ter resultado favorável terá de rescindir a sentença exequenda (cf. § 15).
Os sistemas de controle judicial de constitucionalidade de lei (e o que se disser aqui vale para ato normativo) que se praticam no Brasil podem ser classificados pelo critério subjetivo (seriam então o difuso e o concentrado) e pelo aspecto formal: o incidental e o autônomo (direto). O § 12 do art. 525 reputa inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tido pelo STF como incompatível com a Constituição Federal. E essas decisões de inconstitucionalidade ou incompatibilidade tanto podem ter vindo do STF em controle difuso ou concentrado. O dispositivo sob comentário (§ 12) não faz distinção. Se a declaração de inconstitucionalidade proveio de julgamento de ADIn, ADC ou ADPF, ela tem força erga omnes (em todo o território nacional). Quando, no entanto, emanou de controle difuso (v. art. 948 do CPC), a produção dos efeitos ocorre intra muros (i. é, restrita às partes do processo e ao próprio STF). Em tal contingência para que a decisão produza efeitos erga omnes há necessidade de um plus. Cópia da decisão ao Senado Federal para que aja de acordo com o art. 52, nº X, da Constituição.
Quarto grupo: é constituído das matérias constantes do inciso IV. A eventualidade de ser acolhido o argumento de a penhora ser incorreta ou da avaliação do bem penhorado ou sobre o qual recaiu o gravame ser errônea não tem o dom de extinguir a execução; apenas corrigir o erro e ato contínuo dar a ela prosseguimento. Isso ocorre também na cumulação indevida de execuções (inciso V, 2ª parte).
Quinto grupo: a redução do valor em execução ocorrerá no caso de ser aceita a alegação de excesso de execução (inciso V, 1ª parte).
Sexto grupo: a incompetência do juízo dirigente da fase de cumprimento da sentença não extingue a execução (§ 3º do art. 64, do CPC), faz apenas que ela mude de mãos. Será presidida por outro juízo, talvez até em outro foro.
Por fim, a alegação de impedimento e/ou suspeição provoca a suspensão do processo desde que arguida, independentemente de ser acolhida. Volta a fluir após a decisão do incidente.
(5.) Particularidades da impugnação.
Quando se trata da afirmação de excesso de execução o legislador quer que o executado declare de imediato o valor que entende correto, utilizando-se para tanto de uma planilha do mesmo molde da exigida para o exequente (§ 4º). A impugnação será liminarmente rejeitada se o correto valor (na ótica do impugnante) ou o seu demonstrativo forem omitidos.
(6.) Prosseguimento da execução na pendência da impugnação (§ 6º do art. 525).
A impugnação não suspende a prática de atos executivos contra o patrimônio do devedor, inclusive o de expropriação (ou seja, privar o devedor de seu direito de propriedade transferindo-o para o credor). Contudo, a pedido do executado, o juiz pode atribuir efeito suspensivo a ela, mas com a condição de haver garantia do juízo pela penhora de bens, caução (fidejussória ou real, vide supra) ou depósito de dinheiro à ordem do juízo, além disso se entender que os fundamentos da impugnação são relevantes e que o prosseguimento da execução causará ao impugnante danos de difícil ou incerta reparação. Ainda que se atribua efeito suspensivo à impugnação, o impugnado pode requerer a continuidade da execução oferecendo e prestando nos próprios autos caução suficiente e idônea a ser arbitrada pelo juiz.
(7.) Questões supervenientes ao término do prazo para a impugnação.
A exemplo do que foi dito supra, a omissão no oferecimento da impugnação não franqueia ao exequente a possibilidade de transgredir norma de ordem pública para satisfazê-lo. Assim, em se tratando de penhora de bens impenhoráveis é lícito ao executado se opor por meio de mera petição dirigida ao juiz da execução. Não há preclusão relativa a essa arguição; poderá ser feita a qualquer momento, até mesmo por ocasião do leilão de seus bens (vide art. 903, § 1º, nº I, in fine). A fortiori, tão logo se encerre o prazo para oferecer impugnação ao cumprimento da sentença. Outras arguições infringentes de normas processuais executórias também poderão ser apresentadas pelo executado relapso. Após o prazo designado para isso (15 dias, cf. art. 525), poderá levantar questões relativas a fato superveniente, assim como poderá suscitar outras questões relacionadas à validade e à adequação da penhora, da avaliação etc. O Código se refere a 15 dias, contado da comprovação do fato ou da intimação do ato, o prazo para o executado por meio de simples petição arguir as questões mencionadas no § 11 do art. 525. Contudo, e como foi dito supra, dependendo da natureza do erro cometido no procedimento da execução, esse prazo pode ser ultrapassado. Inadmissível, repita-se, que normas de ordem pública possam ser pisoteadas, afastadas, descartadas porque o executado que supostamente teria prazo para se opor a isso não o fez. Ilustre-se a assertiva com um convincente exemplo: há prazo para o executado arguir a nulidade da penhora sobre o único imóvel de sua propriedade, que serve a ele e sua família como residência? Pode-se até cogitar de má-fé por ter arguido o vício tardiamente (e lhe aplicar as sanções correspondentes a essa conduta), mas isso será insuficiente para que se faça vista grossa para as normas relativas ao bem de família e que se persevere em erro dessa dimensão.
(8.) Pronunciamento do juiz que resolve a impugnação.
O Código cala-se proposital ou inadvertidamente a respeito do tipo de pronunciamento a ser emitido no incidente da impugnação no que concerne as várias hipóteses de defesa utilizadas pelo impugnante (§ 1º do art. 525). E isso causa perplexidade ao intérprete, obrigando-o a buscar alhures a solução do problema exegético. Dispõe, para tal, de dois textos. O do CPC de 1973 que, sem rodeios ou silêncio, vai diretamente ao ponto que interessa (cf. o art. 475-M, § 3º: A decisão que resolver a impugnação é recorrível mediante agravo de instrumento, salvo quando importar extinção da execução, caso em que caberá apelação); e o do art. 920 do atual CPC que se expressa a respeito do modo de extinção dos embargos à execução (remédio análogo à impugnação). Diz tal dispositivo que recebidos os embargos (isto é, não é caso de sua rejeição), o juiz o encerrará por meio de sentença (inciso III, do art. 920).
Transportando esses dois textos para a impugnação do art. 525, chega-se à conclusão que a impugnação possui dois modos diversos de ser decidida: por decisão interlocutória, que desafia agravo de instrumento (parágrafo único do art. 1.015) ou por sentença, sujeita a apelação (art. 1.009). Em suma: se o pronunciamento judicial extinguir a execução, cabe apelação. Caso determinar o seu prosseguimento o fará por meio de decisão interlocutória.
Inobstante a omissão do atual diploma processual, a jurisprudência do STJ considera erro grosseiro a interposição de agravo de instrumento contra decisão que encerra a execução, muito embora o próprio juiz denomine o seu pronunciamento de decisão interlocutória ou despacho. Os advogados devem ter atenção redobrada na designação dada pelos juízes aos seus pronunciamentos (art. 203 do CPC). O que vale é o conteúdo do pronunciamento, e não o seu título. Como ensinava Barbosa Moreira, de nada vale apor o rótulo de um vinho de alta qualidade em uma garrafa de Coca-Cola.