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O suporte fático do art. 3º, I, da Constituição Federal e a sua realização no âmbito dos direitos sociais

Agenda 19/01/2022 às 15:38

Como os direitos sociais podem ajudar a alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, em conformidade com o princípio da solidariedade?

Resumo: O presente artigo analisa o potencial dos direitos sociais para o alcance de uma sociedade livre, justa e solidária. Tendo como guia o princípio constitucional da solidariedade, os direitos sociais são instrumentos de uma mudança cultura e da implementação da justiça social, cumprindo com o objetivo previsto na cláusula de transformação inserta no art. 3º, I, da Constituição da República Federativa Brasileira.

Palavras-chave: princípio da solidariedade, suporte fático, direitos sociais.


1. INTRODUÇÃO

A construção de uma sociedade livre, justa e solidária visa ao estabelecimento da justiça social e a realização dos direitos fundamentais, por meio da redução das desigualdades, em obediência ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

É da essência dos direitos sociais a busca pela boa qualidade de vida dos indivíduos. O suporte estatal presente no conteúdo dos direitos sociais é direcionado para a disponibilização de mecanismos para que as pessoas consigam ter acesso à educação, saúde, trabalho, previdência, segurança, entre outros direitos.

Assim, a concretização da cláusula transformadora prevista no art. 3º, I, da Constituição Federal, depende dos direitos sociais e da colaboração dos indivíduos.


2. O SUPORTE FÁTICO DO ART. 3º, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Pontes de Miranda (1983, p. 19) ensina que: "O suporte fáctico (Tatbestand) da regra jurídica, isto é, aquele fato, ou grupo de fatos que o compõe, e sobre o qual a regra jurídica incide [...]."

A previsão do art. 3º, I, da Constituição Federal não é inócua. Dela decorrem consequências jurídicas para a violação das liberdades e para a prática de injustiças no âmbito criminal, obrigacional, de reparação civil etc. Conforme leciona Bernardo Gonçalves Fernandes (2017, p. 315):

Certo é que esses objetivos não devem ser enxergados com desconfiança ou mesmo como uma espécie de panaceia formal, mas ao invés disso, como alocados dentro dos princípios fundamentais da República Federativa do Brasil. São, portanto, normas (tese dos princípios como normas) constitucionais que devem ser seguidas (diuturnamente). Nesses termos, a noção dos objetivos deve ser eminentemente processual (sempre um caminhar para) e normativa (com medidas jurídicas e políticas concretas) para o cumprimento dos ditames constitucionais neles inseridos.

A ordem econômica também é vinculada aos ditames do art. 3º, I, da CF. O caput do art. 170 da nossa Constituição Federal já enuncia que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social. No que concerne ao Direito Contratual, há previsão legal de que a liberdade contratual deve estar calcada na função social (art. 421, do Código Civil). E o parágrafo único do art. 2.035 do mesmo diploma legal prevê que: Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. Desta forma, a atividade econômica não pode subverter o sistema pretendido pelos objetivos da República Federativa do Brasil.

Além das interferências econômicas que afetem o alcance do objetivo de estabelecimento de uma sociedade livre, justa e solidária, essa aspiração precisa ser protegida de atos do próprio Estado que caminhem em sentido oposto.

Os objetivos previstos no art. 3º, I, da Constituição Federal permeiam toda o nosso ordenamento jurídico e devem ser o guia da atuação de todos os representantes do Estado e dos agentes públicos. O ideal a ser alcançado incentiva a implementação de políticas públicas, na organização orçamentária pública e no processo legislativo. Pois, a atuação estatal deve ser direcionada ao alcance de uma sociedade livre, justa e solidária.

Em caso de descumprimento do ideário supramencionado, é cabível a provocação do judiciário. A atuação judicial será fundamentada nas normas que emanam do art. 3º, I, da CF, por exemplo, as regras de assistência mútua entre cônjuges, a obediência da função social da propriedade e da atividade econômica etc.

As regras de hermenêutica dão suporte aos fins almejados pela Constituição. A Interpretação Conforme a Constituição visa a preservação dos escopos propostos pela Carta Magna. Em caso normas polissêmicas, a interpretação deve dar primazia às que preservem o conteúdo da Constituição. E, pela aplicação do Princípio do Efeito Integrador, o intérprete deve encontrar uma solução que respeite o sistema organizatório e funcional organizado constitucionalmente.

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Em se tratando de garantir prestações, diante da omissão ou da ação insuficiente. E, no caso da ameaça ou restrição da liberdade (sociedade livre), o provimento irá assegurar a não intervenção ou vedar restrições.


3. OS DIREITOS SOCIAIS

A interpretação do artigo 3º, inciso I, da Constituição resulta na adoção de mecanismos para a construção de uma sociedade solidária, no empenho para a garantia e preservação das liberdades e a execução da justiça social. Nessa senda, a concretização do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana necessita do implemento e respeito aos Direitos Sociais para assegurara todos uma existência digna. Esse aspecto do Princípio da Solidariedade é destacado por Comparato (2019, p. 78):

Com base no princípio da solidariedade, passaram a ser reconhecidos como direitos humanos os chamados direitos sociais, que se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente.

Uma das características solidárias dos direitos sociais decorre da ideia do financiamento por parte de todos os indivíduos de políticas públicas e serviços públicos que assegurem esses direitos. Sobre as condições para a disponibilização dos direitos sociais, Jorge Miranda (2010, p. 32) pontua que:

A realização dos direitos económicos, sociais e culturais não depende apenas da aplicação das normas constitucionais. Depende também, e sobretudo, de condições económico-financeiras, administrativas, institucionais e socioculturais (entrando nestas a sedimentação, na consciência jurídica geral a que, por vezes, se apela).

A partir da arrecadação dos impostos, o Estado consegue garantir os direitos sociais. Essa cobrança de impostos já reflete o Princípio da Solidariedade, pois, sempre que possível, deve ser pautada na capacidade contributiva O art. 145, § 1º, da CRFB, prevê o Princípio da Capacidade Contributiva Tributária, que determina a gradação da cobrança segundo as condições de econômicas do contribuinte, realizando a isonomia. Desta forma, a arrecadação dos impostos promoverá o financiamento de políticas públicas e o investimento em serviços públicos. Esse exemplo ilustra a efetivação da solidariedade no que concerne aos parâmetros para a arrecadação de alguns tributos e no investimento dos valores obtidos.

A ordem econômica deve ser um instrumento da realização da justiça social e da redução das desigualdades regionais e sociais, conforme dispõe a nossa Carta Magna no seu art. 170, caput, e no inciso VII, do mesmo artigo.

O custeio da seguridade social também é isonômico e obedece ao Princípio da Capacidade Contributiva, ocorrendo a cobrança de forma proporcional à demonstração de riqueza dos contribuintes. A forma de gestão da seguridade social (quadripartite), do mesmo modo, reflete o Princípio da Solidariedade. Pelo comando do art. 194 da Constituição, a seguridade social possui natureza essencialmente solidária, seja pelas contribuições previdenciárias, quanto pela manutenção dos serviços públicos de saúde e pela assistência social.

Os programas sociais de facilitação do acesso à moradia, ao transporte, os incentivos ao direito ao lazer, as políticas públicas de proteção à maternidade e à infância, a assistência social aos desamparados além de visarem à justiça social, pretendem o respeito ao princípio fundamental da República Federativa Brasileira da Dignidade da Pessoa Humana. Nesse sentido, (SARLET; MARINONI; MITIDIERO, 2017, p. 687):

[...].Além disso, a busca da justiça social, portanto, o compromisso com a realização dos direitos sociais, guarda sintonia com os objetivos fundamentais da República elencados no art. 3.º da CF, que estabelece como norte, dentre outros, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, assim como a erradicação da pobreza e da marginalização, além da redução das desigualdades sociais. O mesmo ideário consta do art. 170, que explicita a valorização do trabalho humano e a livre iniciativa como fundamentos da ordem econômica, vinculando esta última à garantia de uma existência digna para todos, conformada aos ditames da justiça social, de tal sorte que se pode afirmar que a dignidade da pessoa humana é também o fundamento e o fim da ordem econômica na Constituição.

O desenvolvimento dos indivíduos para o mercado do trabalho passa pela capacitação do trabalhador e pela garantia de direitos trabalhistas de proteção do empregado em face do poderio econômico do empregador e da automação. O Direito do Trabalho possui características que demandam a atuação estatal tanto de proteção, quanto de prestações positivas. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet (2012, p. 48):

A utilização da expressão social encontra justificativa, entre outros aspectos que não nos cabe aprofundar neste momento, na circunstância de que os direitos da segunda dimensão podem ser considerados uma densificação do princípio da justiça social, além de corresponderem à reivindicações das classes menos favorecidas, de modo especial da classe operária, a título de compensação, em virtude da extrema desigualdade que caracterizava (e, de certa forma, ainda caracteriza) as relações com a classe empregadora, notadamente detentora de um maior ou menor grau de poder econômico.

O direito social à segurança foi previsto enquanto dever do Estado e responsabilidade de todos, bem como existe a estipulação da contribuição de todos os entes federativos para a sua manutenção (art. 144, da Constituição da República Federativa Brasileira).

Enquanto direitos que buscam a realização da igualdade material, os direitos sociais são instrumentos de emancipação dos indivíduos e de redução de desigualdades.

Assim, o princípio da solidariedade se reflete e é refletido no empenho pela obtenção da evolução que o objetivo fundamental da república, de construir uma sociedade livre, justa e solidária pretende.


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Assim, a solidariedade no que se refere aos Direitos Sociais, realiza os objetivos constitucionais e respeita aos princípios fundamentais. Desta forma, a colaboração mútua dos indivíduos possibilita que o Estado implemente políticas públicas e disponibilize serviços públicos referentes aos Direitos Sociais. A garantia dos direitos de índole social oportuniza a diminuição da pobreza, a redução das desigualdades, a valorização do trabalho e o desenvolvimento nacional.

O exercício da cidadania perfaz uma teia solidária, na qual os cidadãos tanto são destinatários da solidariedade, quanto responsáveis para a sua implementação e exercício. Uma sociedade justa e solidária é coautora do suprimento das necessidades do grupo social e da promoção da justiça distributiva.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 21 de dezembro de 2021.

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 12. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 6ª ed. Salvador: JusPodivm. 2014.

MIRANDA, Jorge. O regime dos direitos sociais. Revista de Informação Legislativa, Brasília, p. 23-36, 2010. Trimestral. A. 47, n. 188. Disponível em: <https://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/198710>. Acesso em: 18 maio de 2021.

PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. Tomo I. 4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983.

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIEIRO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: Uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012.

Sobre a autora
Luiza Nogueira Souza

Advogada, mestranda em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande (PPGDJS/FURG), pós-graduada em Direito Civil pela PUC/MG e em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.

Informações sobre o texto

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