3. JURISPRUDÊNCIA E FONTE NEGOCIAL
Já tecemos comentários sobre duas fontes de direito (costumes jurídicos e processo legislativo), agora daremos continuidade sobre as últimas duas fontes de direito, em primeiro lugar, a jurisprudência e, logo em seguida, a fonte negocial.
O que é a Jurisprudência? É típico do novato, no mundo em que vivemos hoje, na faculdade de Direito falar o seguinte: me diga um conceito fácil disso ou daquilo; para eles, dedico esta resposta: a jurisprudência é o direito descoberto, revelado pelos juízes e magistrados. Os juízes são chamados para a aplicação do Direito ao caso concreto, e dessa aplicação algumas vezes é descoberto um Direito que não estava previsto na lei, sendo causa do, principalmente por outras decisões no mesmo sentido, surgimento de jurisprudência.
Ora, assim sendo, a atividade dos juízes é eminentemente intelectual, necessitando interpretação das normas jurídicas. A jurisprudência, ou melhor, o Direito jurisprudencial não se forma com uma, duas, três decisões, mas sim de vários julgados que, nos dizeres do autor, guardam entre si uma continuidade e uma coerência.
Mas as tantas divergências jurisprudenciais não evidenciam a fragilidade da jurisprudência? (é bom lembrar que o povo, em geral, não admite, nem entendem tais mudanças; um dia uma coisa, noutro outra!). Não, não evidenciam fragilidade alguma, pelo contrário, demonstram que a atividade dos juízes não é passiva diante dos textos legais, havendo uma grande margem de poder criador que é conferido aos julgadores. Não vamos entrar aqui na questão delicadíssima e real, do ativismo judicial.
Alguém ainda irresignado, e com razão, pode-nos perguntar, mas a jurisprudência não altera bastante a lei? Pra essa pergunta, a resposta:
Depende do ponto de vista. Em tese, os tribunais são chamados a aplicar a lei e a revelar o Direito sempre através da lei. Há oportunidades, entretanto, em que o trabalho jurisprudencial vai tão longe que, de certa forma, a lei adquire sentido bem diverso do originariamente querido. (REALE, 2002. P.169).
Segundo os ensinamentos do autor, a norma jurídica é, na verdade, a sua interpretação. Isso implica que ela é aquilo que diz ser o seu significado. Alguns autores põe a jurisprudência e os costumes como fontes secundárias, mas o nosso, não; diz-nos ser inegável que a Jurisprudência é fonte do Direito pois foi dado ao juiz a possibilidade de pôr obrigatoriedade naquilo que declara ser de direito no caso concreto.
Assim, não devemos nos espantar com os contrastes e mudanças que observamos na Jurisprudência. O susto fica para o homem comum, nós, operadores de direito devemos saber que isto é próprio da experiência jurídica. Além disso, para esses contrastes há as técnicas de unificação da jurisprudência[5].
Para finalizar, irei agora falar sobre uma das mais interessantes fontes de direito para mim que, aliás, não têm a devida atenção daqueles que ministram aulas de noções preliminares de Direito.
A Fonte Negocial se desenvolve em uma estrutura de poder (poder negocial), este poder é uma força capaz, também, de gerar normas jurídicas.
Dentro da experiência jurídica, já é aceito e professado por muitos jurisconsultos que não há somente normas genéricas, mas também normas particulares e individualizadas. Primeiramente, em relação as normas particulares , como o próprio nome indicia, são normas feitas para determinadas pessoas, é o que acontece, por exemplo, num contrato; e em segundo, normas individualizadas são aquelas que declaram certo as normas particulares, como é caso de uma sentença judicial, a título de exemplo.
Dentro das normas particulares, se insere as normas negociais, e dentro destas, as normas contratuais, chamada e conhecida por todos de cláusula contratual. Se observarmos, as cláusulas contratuais literalmente criam uma norma, é certo que é uma norma criada nos limites da própria lei e para os participantes daquela relação jurídica. Alguém pode dizer: não cria não, pois um contrato de compra e venda, por exemplo, só segue o modelo que está previsto no próprio Código Civil, nós respondemos: sim, mas nada impede que seja feito um negócio com estrutura atípica, ou seja, não prevista em lei. Nos seus estudos de Direito dos Contratos verá. E não seria só porque se submete ao previsto em lei que faria com que não fosse uma fonte de direito, pois com esse raciocínio extremado seríamos levados à ideia de que só a lei constitucional seria fonte de direito (pois sabemos que todas as outras, deve submeter-se à ela).
Por qual motivo nós dissemos ser esta fonte de direito, ao nosso ver, a mais interessante (não que seja a mais importante)? Justamente, porque pela própria natureza da vida humana, os homens são capazes de estipularem entre si negócios para alcançarem um determinado fim, lícito, obviamente. É o que tecnicamente conhecemos por nome de autonomia da vontade, e a qual o nosso autor diz ser uma conquista impostergável da civilização. A autonomia da vontade se materializa no poder negocial.
Esse poder negocial resguarda e possibilita a atuação privada do homem de agir livremente dentro dos limites das leis vigentes. O fato é que o avençado entre os homens num determinado negócio jurídico irão vincula-los e, assim, estarão obrigados a cumpri-lo.
Por livre escolha todos nós fazemos nascer modelos jurídicos de ação (normas contratuais). Como vimos na introdução, é essencial para que se conceitue fonte de direito, que esta se desenvolva numa estrutura de poder; é o que acontece com a Fonte Negocial que se desenvolve numa estrutura de Poder Negocial.
4. A DOUTRINA NÃO É FONTE DE DIREITO?
A doutrina não é fonte de direito. São inúmeros autores renomados que excluem a doutrina como fonte de direito, Miguel Reale é um deles. As explicações para essa exclusão são as mais variadas, mas o nosso autor, em resumo, argumenta que a doutrina não se desenvolve em uma estrutura de poder, portanto, não é fonte de direito. Como creio que tenha apreendido, para se conceituar uma fonte de direito é necessário que esta tenha como pressuposto uma forma de poder.
A rigor, portanto, a doutrina não é uma fonte de direito. É claro, que a doutrina tem um papel fundamental na experiência jurídica. A sua função é importante, mas de outra natureza:
A doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório. (REALE, 2002. P. 176).
Em resumidas palavras, fique com o entendimento que: a doutrina serve como ajuda para os legisladores produzirem as normas, bem como, auxílio na interpretação e aplicação das normas pelos operadores do direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do que foi apresentado, ao analisarmos introdutoriamente as fontes de direito à luz dos ensinamentos de Miguel Reale creio ter esclarecido pontos importantes, quais sejam, que a distinção em fonte material e fonte formal causa grandes equívocos na Ciência Jurídica por isso o melhor é que se tenha uma única acepção para fonte de direito; que os costumes desempenham um papel fundamental em muitos países, como por exemplo os Estados Unidos da América e em especial a Inglaterra, e podemos dizer que no nosso também, pois é reconhecido a sua importância pelo legislador pátrio na Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, ao proferir que na omissão da lei pode-se usar os costumes afim de que se der a melhor solução; além de comentários, apreendidos pelos escritos do nosso autor, sobre o processo legislativo, a jurisprudência e a fonte negocial, bem como, o motivo de não considerarmos a doutrina como fonte de direito, apesar da sua grande importância para o mundo jurídico.
O intuito principal foi preservar os escritos desse, quase esquecido, grande autor brasileiro. Tentei ser preciso e breve, mas não deixando de ser profundo, instigando, em especial os novatos. Além disso, deve servir como o ponta pé inicial, um despertar do interesse, para um estudo mais detido da matéria.
Portanto, creio que este artigo possa contribuir para que os ensinamentos jurídicos deste autor não caiam em esquecimento dos estudantes brasileiros de direito, de agora e do porvir. É preciso conservar o que é bom, até porque não é o futuro que nos puxa, mas o passado que empurra. Portanto, precisamos ser empurrados para frente por grandes pessoas, como é o caso de Miguel Reale.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª edição, 22ª tiragem São Paulo: Saraiva, 2002. 391.p.
REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000. 415.p.
REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19ª edição, 3ª tiragem São Paulo: Saraiva, 1999. 750.p.
Notas
- A palavra coação é termo técnico usado pelos juristas que tem duas acepções: a primeira é sinônimo de violência praticada contra alguém (física ou psíquica); a segunda significa a força organizada em prol do Direito, é quando o Direito se vale da força para que seja cumprido seus preceitos.
- Essa Teoria nos diz que a coação (força) poderá estar presente ou não no Direito, pois a força não é mais efetiva, mas em potencial.
- Mais adiante iremos mostrar qual o sentido empregado no termo lei.
- Vide página 156.
- O nosso autor, no capítulo XIV do livro Lições Preliminares de Direito escreve em uma seção sobre tais técnicas.