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Inclusão social e produtiva de Pessoas Trans: uma Questão para os Direitos Humanos

Agenda 29/01/2022 às 15:54

1. Introdução

O presente artigo foi escrito em sede do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades da Universidade do Estado da Bahia (CRDH/UNEB), centro de pesquisa multiusuário e transdisciplinar, fundado em agosto de 2006 e considerado como centro estratégico de pesquisa pela Resolução do Conselho Universitário (CONSU) de nº 1.247/2016. O centro de pesquisa tem como área de atuação todo o Estado da Bahia e sua sede fica na Ladeira do Carmo, 37, Pelourinho, Salvador, Bahia. As suas linhas e projetos de pesquisa enquadram-se na grande área interdisciplinar, especificamente, na área das ciências sociais e humanidades, com foco no desenvolvimento de projetos de inovação pública, social e empresarial e desenvolvimento de tecnologias sociais. O CRDH/UNEB define tecnologias sociais como todo produto, serviço, processo, tecnologia, metodologia, entre outros, de baixo custo, fácil aplicação, replicabilidade em outras realidades sociais, desenvolvido em colaboração com o público interativo beneficiado, que, comprovadamente, tenham impacto, social, econômico, cultural ou ambiental. Vale dizer que, através das portarias conjuntas da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação (SECTI) e Universidade do Estado da Bahia (UNEB) de nº 001 de 03 de janeiro de 2022 e 047 de outubro de 2022, o CRDH/UNEB integra grupo de trabalho que tem por missão implantar o primeiro Instituto de Tecnologia Social da Bahia (ITS-BA), que terá a missão fundamental de promover a inclusão social e produtiva do povo baiano, especialmente, de populações e grupos vulneráveis que são vítimas de processos históricos de preconceito e opressão social.

Na semana em que se discute a visibilidade de pessoas trans (o dia 29 de janeiro é dedicado a reflexão sobre a condição humana de pessoas trans e políticas públicas para este setor) o objeto deste texto é, justamente, tratar do projeto de pesquisa e extensão que visa a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho do estado da Bahia. Parceria entre o CRDH/UNEB e o Grupo Gay da Bahia (GGB), a ideia central da proposta é estudar políticas públicas de inclusão social e produtiva de pessoas trans no Brasil e no mundo, que visam a inclusão social e produtiva desse grupo social e combate ao preconceito e transfobia, que impede a inclusão dessas pessoas no grupo de trabalho. Metodologia de pesquisa-ação, Abordagem Baseada em Direitos Humanos (Human Rights Based Approaches - HRBA), investigação colaborativa e aplicada, o passo inicial é o diagnóstico da situação, ouvindo, principalmente, pessoas trans, levantamento do "estado da arte" desse tipo de política no Brasil e no mundo, além de propor uma agenda de política pública voltada para a inclusão social e produtiva dessas pessoas na Bahia, no Brasil e no mundo. Vale dizer que a extensão universitária e tecnológica é vital para a execução desse processo, ao permitir o protagonismo dos sujeitos pesquisados, que são coautores de todo o conhecimento produzido.

A justificativa para execução deste projeto não comporta divergências, a Constituição Federal de 1988 não só protege os direitos dessas pessoas, com base nos princípios da universalidade e indissociabilidade dos Direitos Humanos, assim como, determina que o Estado e a sociedade promovam políticas públicas e ações afirmativas para inclusão de pessoas em situação de vulnerabilidade social e vítimas de preconceito com base no princípio de especificação dos sujeitos. Ainda temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e ainda os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (17 ODS), que são uma continuidade da DUDH, a respaldar o propósito dessa ação. Mas tudo isso, não se compara ao sentimento de solidariedade social e comprometimento com a construção de uma sociedade mais igualitária e justa, onde prevaleçam os ideais democráticos e de justiça social. Os Direitos Humanos pertencem a todos os seres humanos independente de classe, raça, cor, etnia, opção sexual, credo, religião, opinião, entre outros. Não é possível falar e desenvolvimento sustentável sem os Direitos Humanos, da mesma forma que a afirmação desses direitos depende de um modelo econômico sustentável mais humano e atento as questões do direito da natureza, tema para um outro artigo.

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O objetivo geral desta proposta é pensar uma política de inclusão social e produtiva de pessoas trans no mercado de trabalho e isso não se resume ao acesso de poucos a universidade. É importante que universidades públicas como a UNEB tenha políticas de cotas, mas, não podemos esquecer de que uma universidade ainda é um espaço elitista, frequentado por pessoas que - de certa forma - tiveram melhores oportunidades de (in)formação. A pesquisa e a extensão universitária surgem neste cenário, como funções da universidade essenciais a democratização do acesso do direito à educação entre outros direito. A educação é um Direito Humano do qual dependem outros direitos como acesso ao trabalho digno, moradia, habitação, entre outros direitos essenciais a vida humana. Acreditamos que os laboratórios de educação do centro de pesquisa terão um papel fundamental no processo de formação de pessoas trans para a inclusão no mercado de trabalho.

2. Inclusão social e produtiva de pessoas trans: uma questão para os direitos humanos

A inclusão social e produtiva de pessoas trans são uma questão essencial para os Direitos Humanos em escala planetária na contemporaneidade. Na medida em que Direitos Humanos de pessoas trans são reconhecidos pela legislação internacional e pelos ordenamentos jurídicos do Estado, dando origem a políticas públicas e ações afirmativas para este setor, cresce o número de pessoas que se reconhecem como trans. Não queremos com isso atrelar os Direitos Humanos ao reconhecimento do Estado, mas, é inegável a importância da formulação de políticas públicas que materializam esses direitos. Se, de um lado, os Direitos Humanos de primeira geração (civis e políticos) são considerados de prestação negativa do Estado, os Direitos Humanos de segunda (direitos sociais) e terceira geração (direitos difusos) necessitam de investimento e financiamento público para a sua realização. Nesse sentido, é preciso diagnosticar a realidade, levantar dados e informações e propor uma agenda de política pública com os diversos atores políticos e sociais. A sociedade civil cabe pressionar pela formulação e execução dessas políticas.

Podemos afirmar que a definição do dia 29 de janeiro como dia da visibilidade trans no Brasil é uma formar de política pública ou ação afirmativa, pois, cria um momento para a reflexão sobre a condição humana dessa população. Esta data é um marco da luta de transexuais e travestis na defesa e promoção de direitos, além da conscientização da sociedade civil brasileira da necessidade de luta contra a transfobia. Esta data foi escolhida, por ter sido nesse dia que foi lançada a campanha "Travesti e Respeito" do Programa Nacional de Combate as DSTS e AIDS. Por transfobia se entende o preconceito contra pessoas trans. É importante dizer que este preconceito - na maioria das vezes - não é revelado pelas pessoas, mas, opera nos momentos decisivos como, na escolha de uma profissional para ingressar na sua empresa ou instituição ou na seleção de um mestrando(a) ou doutorando(a) para um programa de pós-graduação. A violência física e simbólica é comum contra esse grupo, informações veiculadas pela Revista Digital Galileu, dão conta de que em 2021 foram assassinadas 140 pessoas trans, sendo 135 travestis ou transexuais femininos e os outros 05 (cinco) contra transexuais masculinos. Segundo dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), de cada 10 (dez) homicídios contra pessoas trans no mundo, 04 (quatro) são no Brasil (GALILEU, 2022).

Mudar essa realidade depende de políticas públicas, como é o caso do Programa Transcidadania da Prefeitura de são Paulo, uma iniciativa que tem por objetivo fortalecer as atividades de inclusão profissional, reintegração social e resgate da cidadania para a população de travestis, atendidas pelo Centro de Cidadania LGBTI, equipamento gerenciado pela Coordenação LGBTI da Prefeitura de São Paulo (SÃO PAULO, 2022). A experiência do GGB com a temática é indiscutível, pois esta organização não governamental é uma das pioneiras dessa discussão no Brasil, com participação na construção das principais políticas públicas para o setor. Quanto o CRDH/UNEB, o centro de pesquisa acumula experiência com a temática dos direitos humanos, com a inovação publica e social, além da experiência com o empreendedorismo econômico e social, fundado na economia solidária e criativa. Não resta dúvida, que a formação de uma rede de apoio será indispensável para o sucesso dessa ação. Sintetizando, a proposta - que será um dos primeiros projetos para 2022 - tem como base a capacitação de pessoas trans pelas universidades e outras instituições de ensino, além da negociação com os diversos setores do mundo do trabalho, para a recepção de pessoas trans em postos de trabalhos. Vale dizer que uma das primeiras atividades propostas para este projeto é a realização de uma roda de conversa, para escuta sensível do público alvo, sobre quais os cursos e atividades de formação que poderão ser implementadas. Abre-se aí um leque de oportunidades para as chamadas "novas economias", a exemplo da economia criativa, colaborativa, verde, laranja, azul, entre outras.

3. (in)formação: primeira medida na defesa e promoção dos direitos de pessoas trans

A (in)formação dos cidadãos é a primeira medida na defesa dos Direitos Humanos, (in)formar as pessoas sobre quais são os seus direitos, onde estão esses direitos, em que medida eles podem ser exercidos e a quem recorrer em caso de violação é a primeira forma de defender e promover os Direitos Humanos, a cidadania e a democracia. A Educação em Direitos Humanos vem na perspectiva da formação de uma cultura de respeito a esses direitos. Nelson Mandela afirma que: " A educação é a arma mais poderosa que você tem para transformar o mundo", por sua vez, Freire nos diz que: "A educação muda as pessoas e as pessoas transformam o mundo", sem a menor dúvida, são ideias mestras que orientam o processo de formação do CRDH/UNEB, que reconhece a necessidade de educar para melhorar a condição humana. A (in)formação é um pressuposto que temos para a inclusão produtiva e social de pessoas trans, cabendo as instituições de ensino formal, não formal e informal, promover esses espaços, para além dos métodos já utilizados.

Acreditamos também na importância do ambiente educativo e de inovação para (in)formação de qualquer cidadão, assim como de pessoas trans, na perspectiva da cidadania e dignidade da pessoa humana. O centro de pesquisa é isso, um espaço, cercado de laboratórios, onde as pessoas podem desenvolver suas habilidades e competências. Sabemos que cada ser humano carrega em si o potencial para ser feliz, contudo, é preciso criar um ambiente favorável a que essas pessoas desenvolvam seu potencial, sem rótulos, preconceitos ou qualquer pré-noção. Esperamos que esta infraestrutura tecnológica e científica disponível, possa ajudar neste processo de inclusão das pessoas. O reconhecimento do CRDH/UNEB como um espaço com potencial para se tornar um Instituto de Tecnologias Sociais é um convite ao trabalho, uma ajuda luxuosa, na afirmação de valores que pretendemos ver reconhecidos pela sociedade. Agora é: "vamos lá fazer o que será".

As Abordagens Baseadas em Direitos Humanos ou, em inglês, Human Rights Based Approcahes - HRBA é a abordagem de pesquisa que orienta todo o processo, metodologia sugerida pelas Nações Unidas para projetos de desenvolvimento social nas áreas de educação, saúde, DSTS/AIDS, assistência social, que coloca o cidadão no centro do processo. Essa metodologia, tem dois caminhos muito claros, o primeiro em relação ao empoderamento da sociedade civil (empowerment) e o segundo, em relação aos agentes do Estado, quanto a prestação de contas a sociedade e transparência (accountability). Dentro dessa perspectiva, temos a possibilidade de trabalhar tanto com o público alvo, como como gestores públicos responsáveis por esta política. São ainda ideias iniciais retiradas de nossos pressupostos epistemológicos e metodológicos, a medida que o projeto for se concretizando a metodologia será melhor compreendida por todos os atores.

4. Conclusão

Em síntese, podemos afirmar que desenvolvimento e Direitos Humanos são faces de uma mesma moeda, ou seja, não há desenvolvimento sem Direitos Humanos, assim como, não será possível garantir os Direitos Humanos de todos e todas, sem um modelo econômico que permita a inclusão social e produtiva das pessoas. As pessoas, para o exercício de sua cidadania, precisam de renda, trabalho, emprego e oportunidades de se realizar enquanto ser humano. O Estado e a universidade pública cumprem um papel essencial no que diz respeito a formação dos sujeitos individuais e coletivos de direito.

A educação é uma peça fundamental nesse processo, seja ela forma, não formal ou informal, da educação dependem outros direitos como trabalho digno, moradia, habitação, saúde, assistência social, entre outros direitos. Não temos dúvida que a inclusão social de pessoas trans no mercado de trabalho passa pelo processo de capacitação humana, técnica e tecnológicas das pessoas. Não podemos desconsiderar o poder fundamental da educação na transformação das pessoas e do mundo.

Criatividade, inovação e tecnologias sociais. Os métodos tradicionais não vão nos favorecer neste momento, apostamos na criatividade, inovação social, pública e empresarial e desenvolvimento de tecnologias sociais para criar soluções para esta demanda. O problema está delineado, agora é unir a inteligência universitária a inteligência dos movimentos populares para criação das inovações que precisamos. E, neste processo, não estamos sozinhos, seguindo o livro Roube como um artista, 10 dicas sobre criatividade de Austin Kleon, publicado pela Editora Rocco, temos que nos inspirar nas ideias de outros artistas para desenvolver nossos próprios projetos.

Com relação aos Direitos Humanos das pessoas trans não há dúvida, enquanto militantes e pesquisadores, estamos ansiosos para colocar "às mãos nas massa" e iniciar o processo de escuta e negociação das primeiras ações do projeto. A UNEB é uma universidade popular onde cabem todas as ações, realizamos políticas públicas universitárias estruturantes como as cotas para pessoas trans, mas, nosso compromisso social e propósito universitário, vai muito além disso e pretende alcançar a inclusão dessas pessoas.

ReferÊncias

BRASIL, Constituição Federal de 1988. Brasília: Senado Federal, 2021

GALILEU. Revista Galileu. Rio de janeiro: Editora Globo. Disponível em https://cebds.org/29-de-janeiro-lembra-a-importancia-da-visibilidade-trans/?gclid=Cj0KCQiA6NOPBhCPARIsAHAy2zAyzRZr14kWamdGm2_2NVn2P7SVuicjztG1Pem088gUwxsHxp06YVwaAueZEALw_wcB#.YfV8terMLrc. Acesso em 29/01/2022.

ROCHA, J.C. Uma introdução à Abordagem Baseada em Direitos. Curitiba: Aprris, 2013.

SÃO PAULO. Projeto Transcidadania. São Paulo: Prefeitura de São Paulo. Disponível em http://www.capital.sp.gov.br/noticia/transcidadania-entenda-como-funciona#:~:text=O%20Programa%20Transcidadania%20%C3%A9%20uma,atendidas%20pelo%20Centro%20de%20Cidadania. Acesso em 29/01/2022.

Sobre o autor
José Cláudio Rocha

Advogado, economista, analista e desenvolvedor de sistemas e professor pleno da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Docente na graduação presencial e EAD e pós-graduação (mestrado e doutorado) é pesquisador público com base na Lei Federal 13.243/2016 e Lei Estadual 14.315/2021. É coordenado do Centro de Referência em Desenvolvimento e Humanidades (CRDH/UNEB) Portaria 231/2023. É expert em Direitos Da Natureza para a Organização das Nações Unidas (ONU), Programa Harmony With Nature.

Informações sobre o texto

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