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Corpo humano e suas circunstâncias jurídicas como direito (in)disponível

Dispor do próprio corpo está ligado a respaldos jurídicos de grande relevância, nesse viés, é salutar diexar claro circunstâncias viavéis para a (in)disponibilidade do mesmo o qual é desprovido de valor econômico mas considerado patrimônio existencial

1 Introdução

Desprovido de valor econômico, o corpo deve ser considerado como puramente existencial. O mesmo pertence a cada ser em sua forma desde sua existência, sendo assim, se inicia desde a concepção da vida humana e vai se formando ao decorrer do tempo e sofrendo formas até a vida adulta.

O ser é dotado de liberdade, autodeterminação, personalidade, porém de forma relativa, ou seja, não pode exercer total controle de si mesmo, fazendo o que bem entende. Mediante análise jurídica, sabe-se que os princípios e direitos fundamentais não são garantidos de forma absoluta. Isso mesmo, nem os direitos fundamentais, expostos pela Constituição Federal são absolutos. Sobre isso, o homem não deve se enganar ao pensar que tem total disposição de seu próprio corpo.

Asseverado alhures, o entendimento lógico retirado dessa relatividade exposta - tendo em vista que assim como o direito de liberdade, autodeterminação, personalidade - o direito de disposição do próprio corpo também não é absoluto. Para tanto, através desse trabalho será possível avaliar alguns pontos referentes ao direito ao corpo humano no decorrer de uma análise jurídica.

Posto isto, o corpo humano deve seguir regras legislativas como forma de preservar a dignidade humana e evitar, por exemplo, a automutilação. Por tanto, essa exceção existente tem seus motivos nobres. Assim, até a medicina sofre respaldos, não podendo o profissional médico dispor como desejar, devendo obedecer a alguns critérios, o qual, por exemplo, os transplantes, doações, devem ser vistos como última alternativa de tratamento. Tal alternativa ainda deve ser observada quanto à segurança dos pacientes, se prejudica ou não os participantes do procedimento.

A coibição estatal quanto a algumas condutas ao corpo humano através da legislação alcança diversos pontos positivos que predominam sobre argumentos em contrário, podendo ser abarcado por uma visão bastante ampla fazendo o homem entender os motivos relevantes que levam o legislador a editar Leis de intervenção mínima, principalmente ao explicitar a Carta Magna que rege as demais Leis não podendo nenhuma outra violar as suas disposições. 

Se deve entender então que o corpo não é apenas a parte física, o mesmo engloba uma série de órgãos que nem sempre se encontram em perfeitas condições. A condição perfeita do conteúdo físico de um corpo é primordial, pois é o que propícia uma vida saudável que é sinônimo de qualidade de vida, ou ao menos até certa adaptação quanto às restrições que a deficiência de certos órgãos e tecidos implicam.

Pensando na qualidade de vida humana a medicina se desenvolveu e vem se desenvolvendo em vários aspectos. Diante essa necessidade de buscar sempre mais, foram dadas as boas vindas à doação e ao transplante de órgãos e tecidos.

Conforme os avanços vão tomando forma, surge junto, a dependência de regime jurídico que torna os atos válidos. O ordenamento busca nada mais do que regularizar os procedimentos, nesse caso, da biotecnologia e tudo que envolve os estudos e descobertas avaliando prós e contras e os requisitos que o valida. 

Para regulamentar os procedimentos relativos à remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes, bem como, tratamentos, foi criada a Lei 9. 434 de 04 de fevereiro de 1997. O procedimento em dialogo não se originou apenas no ano de 1997, apenas sofreu mudanças, e esta é que atualmente vigora no conjunto de normas.

Ainda sobre o corpo, o mesmo deve ser entendido como meramente existencial e não um patrimônio visto como propriedade podendo remeter a ideia de venda, como se fosse possível a sua alienação, prescrição, renunciabilidade, dentre outros fatores intimidados pelo Estado.

O corpo não é uma propriedade passível de transmissibilidade com fim de gerir lucro ao alienante e favorecer o credor dessa relação como se fosse normal o seu desmembramento ou sua integralidade para outrem. Ele nasce com o homem e morre com o homem e ainda é passível de direito post mortem.

Assim, o corpo humano é gerido de características e individualidades o tornando único e diferenciando um dos outros, seja na forma física, moral ou intelectual abrangendo um todo, o corpo externo e interno. Dentre as características do corpo o legislador astutamente, por meio de Lei, o dispõe como inalienável, imprescritível, irrenunciável, intransmissível e vitalício, devendo ser seguido, soando como uma obrigação do que não se pode fazer.

Não obstante, a finalidade precípua do presente trabalho é externar que o corpo humano deve ser tratado como patrimônio existencial e nunca em sentido valorativo, acompanhando o que lhe é determinado não podendo auferir a cabal disposição, o autogoverno do próprio corpo como desejar, remetendo a importância da limitação imposta pelo ordenamento jurídico, coibindo certos atos para salvaguardar o mais importante dos direitos, o direito a vida.

2 Direito de personalidade e o corpo

O direito de personalidade é um direito subjetivo bastante abrangente, sendo respaldado explicita e implicitamente pelo Código Civil de 2002 e pela Carta Magna.

Leonardo Estevam de Assis Zanini, diz que os direitos de personalidade são o mínimo essencial ao pleno desenvolvimento da personalidade de todos os seres humanos. (ZANINI, 2011. p. 94).

O primeiro direito de personalidade é o de adquirir direitos, pretensões, ações e exceções e de assumir deveres, obrigações, ou situações passivas em ação ou exceção. (...) Se a capacidade de direito é pressuposto do nascimento de direitos, deveres, pretensões, obrigações, ações e exceções, o problema de existir, ou não, direito de personalidade como tal, direito-cerne, vem antes de se pensar em pressuposto. (...) 

O direito à personalidade como tal é direito inato, no sentido de direito que nasce com o indivíduo. (...) O objeto do direito de personalidade como tal não é a personalidade: tal direito é o direito subjetivo a exercer os poderes que se contêm no conceito de personalidade; pessoa já é quem o tem, e ele consiste exatamente no ius, direito absoluto. (...) O direito de personalidade como tal não é direito sobre a própria pessoa; é o direito que se irradia do fato jurídico da personalidade. (...) Direitos da personalidade são todos os direitos necessários à realização da personalidade, à sua inserção nas relações jurídicas. (MIRANDA, 2000, p. 37-39).

Nas palavras de Gustavo Tepedino: 

a personalidade humana deve ser considerada, antes de tudo como um valor jurídico, insuscetível, pois, de redução a uma situação jurídica-tipo ou a um elenco de direitos subjetivos típicos, de modo a se proteger eficaz e efetivamente as múltiplas e renovadas situações em que a pessoa venha a se encontrar, envolta em suas próprias e variadas circunstâncias. (TEPEDINO, 2003, p. 18).

O Código Civil de 2002 expressamente trata dos direitos de personalidades em capítulo próprio, se encontrando nos artigos 11 a 21. Essa incorporação ocorrida pelo Código em comento não foi necessariamente uma surpresa para o ordenamento jurídico, uma vez que, a Constituição Federal de 1988 já vinha tratando do assunto. A título de ensinamento, o artigo 5°, inciso X da Carta Maior trata de alguns desses direitos fundamentais e personalíssimos que faz parte da personalidade da pessoa natural. Vejam: 

Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (BRASIL, 1988).

Desta forma, os direitos de personalidade podem ser classificados por intermédio do direito fundamental subjetivo a cada ser humano, sendo considerados como integridade física, intelectual e moral. Pedro Lenza inteligentemente leciona que:

Os direitos da personalidade são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual(liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, imagem, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). (LENZA, 2011, p.888).

Essa classificação se origina do direito de proteção, que é fundamental, para todos que possuem personalidade, inerente a cada um desde sua concepção, sucedendo como base existencial. Assim sendo, indispensável se torna os direitos fundamentais que buscam proteger a personalidade do homem.Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. (BRASIL, 2002).

Vale ressaltar, que além de intransmissíveis e irrenunciáveis, os direitos de personalidade também possuem como característica a sua inalienabilidade, imprescritibilidade e vitaliciedade. Alguns direitos intercorrem até mesmo a morte, como, por exemplo, o quis diz respeito à honra.

Os direitos em questão são intransmissíveis, pois não podem passar da pessoa para outrem, pois nasce consigo e pertence individualmente a cada pessoa podendo ser exercido apenas pelo seu titular, logo, consequentemente se torna irrenunciável não sendo capaz de abandono. São inalienáveis, mas passíveis de cessão (autorização do direito de imagem, por exemplo). Imprescritíveis por não se extinguir pelo não uso, conseguindo ser defendido em qualquer momento, através do exercício da pretensão ao direito. Por fim, vitalício, uma vez que adquirido através da existência (concepção), acompanha o homem até a morte, ou como já citado, além dela, quer seja, corpo vivo ou morto, a depender do direito a ser defendido.

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Destaca-se ainda que não somente a pessoa natural possui direitos fundamentais apoiado de personalidade e proteção. Em observância ao artigo 52 do Código Civil, aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.

Conforme muito bem dispõe Miguel Reale, o importante é saber que cada direito da personalidade corresponde a um valor fundamental, a começar pelo do próprio corpo, que é a condição essencial do que somos, do que sentimos, percebemos, pensamos e agimos.(REALE, 2004)[1] 

A pessoa, como costumo dizer, é o valor-fonte de todos os valores, sendo o principal fundamento do ordenamento jurídico; os direitos da personalidade correspondem às pessoas humanas em cada sistema básico de sua situação e atividades sociais, como bem soube ver Ives Gandra da Silva Martins. (REALE, 2004). 

Nesse sentido, o corpo estabelece o ser humano como homem singular, a ser formado pela vivência, o tornando único através de suas experiências e formação. Nesta senda, o ser passa a construir sua própria personalidade, seja física, cultural ou religiosa. Embora sejam iguais em direitos, são seres distintos, se estabelecendo pelo modo que vivem, pensam, inclusive pelo modo que dispõem do próprio corpo, trazendo o ser em si mesmo. 

Compreende-se, portanto, que a pessoa deve ser designada tal como ela é, com todos os predicados que integram a sua individualidade. (GONÇALVES, 2011, p. 100), seja de forma genérica (pessoa humana, gênero) ou em sua singularidade (individual).

Por conseguinte a individualidade ofertada pela personalidade remete autodeterminação humana e essa traz a ideia da propriedade do corpo. No entanto, importante frisar que:

Não há, pois, como confundir direitos da personalidade, que todo ser humano possui como razão de ser de sua própria existência, com os atribuídos genérica ou especificamente aos indivíduos, sendo possível a sua aquisição. Assim, o direito de propriedade é constitucionalmente garantido, mas não é dito que todos tenham direito a ela, a não ser mediante as condições e processos previstos em lei.(REALE, 2004)[2]

[...] poder-se-á afirmar ser inaceitável tratar o corpo humano e a integridade física como direito de propriedade, já que, em sendo proprietário, o homem teria o amplo poder de disposição. Daí que a mutilação e a destruição do corpo humano resultariam autorizadas. [...]. Portanto, não há se confundir o direito à integridade física com o poder do proprietário, de dispor da coisa que lhe pertence. (SÁ, 2000, p. 77).

Ante o exposto, o corpo é um patrimônio de caráter existencial, não sendo aderido a ele nenhum valor econômico, ou meio de lucratividade, sendo esse um negócio jurídico, que integra os direitos de personalidade por ser decorrido do direito fundamental classificado como integridade física, cabendo ser defendido pelo ser humano por figurar a ele próprio e o que lhe é próprio, a serem garantidos pelo Estado os meios de defesa.

Entrementes, o direito ao próprio corpo é inerente à personalidade individual, participando de uma gama de direitos, possibilitando a própria existência do ser humano, sem o qual o mesmo não se representaria. 

Nessa ótica, é o corpo que faz o ser humano e dele que decorre a necessidade do direito de proteção, dos direitos fundamentais e, consequentemente, os direitos de personalidade, reforçando, como dito acima, que o corpo é um patrimônio meramente existencial, não confundido com lucratividade patrimonial, no entanto, não pode se mensurar economicamente a quantia de cada direito de personalidade.

Posto isto, o corpo é despido de valor econômico e um meio de expressão humana e identidade pessoal a ser protegido pelo Estado, não podendo o mesmo ser visto como mercadoria, encontrando dessa forma, alguns limites sobre o uso do corpo, mesmo, a primeira vista, sendo justo o autogoverno do próprio.

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.(BRASIL,2002)

Por meio dessa análise, a liberdade e o autogoverno do próprio corpo é restritivo devido limitações legislativa em busca da concretização da dignidade da pessoa humana e bons costumes. Saliente-se então, que essa limitação não é absoluta, mas remete que não pode ser feito ao corpo o que bem entende cada indivíduo que dele seja dono, pois a integridade física é tutelada pelo Estado.

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. 

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. (BRASIL, 2002).

Explana Ives Gandra da Silva Martins que:

o que contrariar, todavia, os bons costumes, nem por determinação médica poderá ocorrer, como seria o do transplante de órgãos genitais, se tal tipo de transplante possível fosse, e arremata dizendo que a lei civil vem apenas valorizar a dignidade da pessoa humana, vedando explorações indevidas por interesses vis ou desumanos. (MARTINS, 2003, p. 60).

Ainda, de acordo com Maria Helena Diniz, fácil é perceber que se protege não só a integridade física, ou melhor, os direitos sobre o próprio corpo vivo ou morto[...] mas também a inviolabilidade do corpo humano. (DINIZ, 2010, p. 130).

Assim, o direito fundamental garantido pela Constituição Federal de 1988 apenas poderá ser exercido pela pessoa e, no entanto garantido, desde que, esteja conforme os termos previstos em lei, devendo respeitar alguns princípios e até mesmo a mantença dos bons costumes considerados pelo Estado. Todavia, assim como as restrições não são absolutas, os direitos e garantias individuais não possuem caráter absoluto, até mesmo os direitos básicos (fundamentais).

Contudo, é justo um direito que ao mesmo tempo é garantido seja também relativo/restrito? Pois bem, justo desde que atenda aos bons costumes, a dignidade da pessoa humana e não cause danos a outrem. Além disso, deve atender a autonomia privada no ponto de fazer o que a lei não proíbe. O respeito à dignidade da pessoa humana que aqui se trata reflete um Estado Social, beneficiando em alguns casos toda uma coletividade, como, por exemplo, em casos de doação de material genético e/ou órgãos.

3 Doação como vetor de disposição do próprio corpo

Inicialmente, a saber, o ser humano vive em busca de melhores condições de vida e principalmente qualidade da mesma, não no que corresponde ao conforto voluptuário, mas sim a saúde física e mental, sem a qual a citada qualidade não seria possível. Não pelo tempo que se vive, mas como se vive. Nada obstante, os ramos que trata da saúde vêm se fortalecendo cada vez mais em busca da cura e tratamentos que realmente mostrem resultados eficazes aos pacientes. Neste ínterim, a doação não poderia ficar de fora, pois, por meio desta, muitas vidas dão continuidade.

Justamente por não poder ficar de fora e pelos avanços trago pela doação que essa precisou ser regularizada pelo ordenamento jurídico sendo tratada por Lei específica, que de natureza, logicamente, deve ser respeitada.

Doação é uma palavra de sentido amplo podendo atingir tanto coisa quanto corpo humano, por intermédio do processo de doar, transferir, conceder. O trabalho em indagação trata especificamente no que concerne ao corpo humano e tudo que a ele compõe e que sejam passíveis do ato, como, doação de órgãos e tecidos para a realização de transplantes, materiais genéticos, entre outros.

Desta maneira, de modo geral, a doação consiste em um [...] contrato em que uma pessoa, por liberalidade,transfere bens de seu patrimônio para o de outra, que os aceita (FIÚZA, 2014, p. 648). O Código Civil dizconsidera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. (BRASIL, 2002).

Patrimônio do corpo diz respeito ao patrimônio existencial representativo de cada indivíduo, como fora dito no tópico anterior, sem nenhum valor econômico apesar de nem toda doação ser gratuita.

A nomenclatura transplante é um termo empregado no sentido de retirada ou remoção de órgãos, tecidos ou partes do corpo de um ser, vivo ou morto, para utilização com finalidade terapêutica. 

O transplante foi se originando devido vários fatores e um dos fatores, senão o mais importante, é o desfalque chamado de falência dos órgãos do corpo, bem como, a deterioração de múltiplos órgãos. Desta maneira, o ramo da biomedicina foi se desenvolvendo buscando melhores condições de sanar o problema, que aumenta a possibilidade de continuar a vida quando esses mesmos órgãos são substituídos por uma técnica denominada transplante.

As doações de órgãos podem ser provenientes de doador vivo (indivíduo saudável que concorde com o ato da doação), e se por acaso não tenham grau de parentesco com o receptor, só poderão doar mediante autorização judicial. Os órgãos que são possíveis de doação por indivíduos vivos são: medula óssea, um dos rins, parte do fígado e parte do pulmão. Outra fonte de captação de órgãos são os doadores cadáveres (pacientes que tiveram morte encefálica diagnosticada), que possibilitam a doação de coração, pulmões, rins, córneas, fígado, pâncreas, ossos, tendões, veias e intestino.( ABTO, 2003).

A doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento é regulamentada pela Lei 9.434 de 04 de fevereiro de 1997, não compreendendo o sangue, o esperma e o óvulo. 

Art. 1º A disposição gratuita de tecidos, órgãos e partes do corpo humano, em vida ou post mortem, para fins de transplante e tratamento, é permitida na forma desta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, não estão compreendidos entre os tecidos a que se refere este artigo o sangue, o esperma e o óvulo. (BRASIL, 1997).

Saliente-se, que a permissão da técnica desenvolvida só é possível caso não ofereça nenhum tipo de risco ao doador, o possibilitando uma vida normal, voltando ao seu estado anterior sem prejuízo algum a sua saúde e sequência de uma vida com qualidade. Para tanto, o artigo 3° da Lei 9.434, explana os tipos de órgãos que outorgam a referida doação.

§ 3º Só é permitida a doação referida neste artigo quando se tratar de órgãos duplos, de partes de órgãos, tecidos ou partes do corpo cuja retirada não impeça o organismo do doador de continuar vivendo sem risco para a sua integridade e não represente grave comprometimento de suas aptidões vitais e saúde mental e não cause mutilação ou deformação inaceitável, e corresponda a uma necessidade terapêutica comprovadamente indispensável à pessoa receptora. (BRASIL, 1997).

 Logo, são evidentes os sujeitos participes do procedimento da doação de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para finalidades de transplantes e tratamento. O doador é a pessoa que liberalmente, com consentimento prévio, faz sua doação com o único objetivo de proporcionar uma melhoria de vida ao receptor desse órgão, tecidos e partes do corpo, e o médico e seus auxiliares (equipe médica). Os três indivíduos são necessários dependendo um do outro para a realização do feito medicinal, não podendo ser realizado na falta de um desses, ou anuência dos primeiros.

Importante lembrar que o doador, no caso doadora, via de regra não poderá ser gestante, exceto no caso de transplante de medula, como ocorre nos casos dos bebês medicamento que se encontra em discussão no ordenamento jurídico, quer seja, biodireito e bioética. Deve ser ressaltado que essa técnica se torna uma exceção ao referido caso citado, apenas se não causar malefícios, como problemas de saúde, ao feto e a gestante.

O médico responsável deve observar a legislação não podendo agir contra essa, com finalidade de zelo ao doador, dignidade humana, integridade física, moral e intelectual. O transplante, assim como qualquer cirurgia, apresenta uma margem de risco ao paciente, visando isso, os familiares devem ser avisados de prontidão, portanto a técnica em questão é vista e realizada como última tentativa de tratamento e deve obedecer toda uma política.

Frisa-se que o citado consentimento, tanto por parte do doador, quanto do receptor é um critério para a remoção do órgão e/ou tecido. Inclusive, para todos os métodos medicinais em geral, não somente para transplantes. Preceitua o Código de Ética Médica (CEM), a vedação de qualquer intervenção médica sem prévia autorização de ambos os pacientes e seus representantes legais quando for o caso.

No caso específico do transplante, como já mencionado, o consentimento prévio é tratado de forma especial por Lei própria em seu artigo 10, devendo ser autorizado de forma expressa.

Art. 10. O transplante ou enxerto só se fará com o consentimento expresso do receptor, assim inscrito em lista única de espera, após aconselhamento sobre a excepcionalidade e os riscos do procedimento. 

 1o Nos casos em que o receptor seja juridicamente incapaz ou cujas condições de saúde impeçam ou comprometam a manifestação válida da sua vontade, o consentimento de que trata este artigo será dado por um de seus pais ou responsáveis legais. (BRASIL, 1997).

Notabiliza-se, que os exercícios dessas funções não são desempenhados por qualquer profissional médico. Para isto, vejam abaixo o que dispõe o artigo 2° da Lei de Transplantes.

Art. 2º A realização de transplante ou enxertos de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano só poderá ser realizada por estabelecimento de saúde, público ou privado, e por equipes médico-cirúrgicas de remoção e transplante previamente autorizados pelo órgão de gestão nacional do Sistema Único de Saúde. (BRASIL, 1997).

Completa ainda em seu parágrafo único que:

A realização de transplantes ou enxertos de tecidos, órgãos e partes do corpo humano só poderá ser autorizada após a realização, no doador, de todos os testes de triagem para diagnóstico de infecção e infestação exigidos em normas regulamentares expedidas pelo Ministério da Saúde. (BRASIL, 1997).

A remoção mais comum de tecidos, órgãos ou partes do corpo é realizada post mortem, onde o doador é um cadáver, o qual em vida consentiu a doação dos mesmos. Importante salientar que o cadáver deve ser identificado, caso contrário, não há possibilidade de aproveitamento, essa base é tida justamente pelo pressuposto denominado de anuência do doador para a realização da técnica medicinal. 

As remoções devem seguir os dispostos em Lei, de outro modo, acarretará em sanções tanto administrativas como penais dispostas inclusive dentro da própria Lei de transplantes.

O cadáver, no que tange a retirada dos tecidos e órgãos, é denominado pela legislação como post mortem, retirada post mortem, originada do latim que significa posterior à morte ou então após a morte, melhor dizendo, retirada após a morte.  Quanto a isso a Lei não foi omissa e determina que o procedimento de apartar, realizado em um corpo morto, só ocorre com a confirmação da morte encefálica (morte do cérebro) e não basta ser constatada por um único médico e sim dois para se fazer valer a certeza do diagnóstico.

Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina. (BRASIL, 1997).

Dependerá ainda da autorização do cônjuge ou parente, maior de idade, obedecida a linha sucessória, reta ou colateral, até o segundo grau inclusive, firmada em documento subscrito por duas testemunhas presentes à verificação da morte. (BRASIL, 1997).

 Ainda, sobre a remoção post mortem, a saber:

Art. 5º A remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoa juridicamente incapaz poderá ser feita desde que permitida expressamente por ambos os pais, ou por seus responsáveis legais.

Art. 6º É vedada a remoção post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo de pessoas não identificadas.

Art. 7º (VETADO)

Parágrafo único. No caso de morte sem assistência médica, de óbito em decorrência de causa mal definida ou de outras situações nas quais houver indicação de verificação da causa médica da morte, a remoção de tecidos, órgãos ou partes de cadáver para fins de transplante ou terapêutica somente poderá ser realizada após a autorização do patologista do serviço de verificação de óbito responsável pela investigação e citada em relatório de necrópsia.

Art. 8° Após a retirada de tecidos, órgãos e partes, o cadáver será imediatamente necropsiado, se verificada a hipótese do parágrafo único do art. 7o, e, em qualquer caso, condignamente recomposto para ser entregue, em seguida, aos parentes do morto ou seus responsáveis legais para sepultamento. (BRASIL, 1997).

Outrossim, a doação é uma forma de dispor do próprio corpo apesar de algumas restrições e formalidades a se seguir. A ideia é lembrar que em hipótese alguma a pessoa deve ver o corpo como forma valorativa em se tratando do assunto nobremente tratado pela temática do trabalho exposto, assim como outros que disponibilizam uma melhor qualidade de vida e relevante interesse social sem prejudicar terceiros, como, por exemplo, a doação de material biológico, respeitando os limites do corpo e tudo que dele faça parte. 

Todavia, não há como pensar que o corpo deva ser levado como uma propriedade econômica perdendo seu sentido existencial, onde tudo começa. Afinal, havendo prévia autorização dos pacientes para a realização dos procedimentos qual é o sentido de se cobrar por um ato solidário? Pensando nisso, se tem mais um motivo de todo e qualquer tipo de doação correspondente ao ser humano e seu próprio corpo, ser totalmente gratuita, até mesmo em biobancos e todas as demais demandas que contenham qualquer tipo de material humano, qualquer tipo de material biológico, órgãos, tecidos e parte do corpo humano, devendo ser garantido pelo Estado Democrático de Direito excluindo qualquer possibilidade de mercado financeiro e fins lucrativos.

4 Conclusão     

Sabendo que o homem desde sua existência vem sentindo necessidade de avanços medicinais para melhores condições de saúde, proporcionando uma melhor qualidade de vida, a área da medicina, a biotecnologia, vai se destacando ao decorrer dos anos, nesta senda, tais avanços são de muito interesse social, refletindo em um estado de direito.

Sabe-se ainda, diante de uma breve análise jurídica, que assim como os princípios e nem os direitos fundamentais são absolutos, o direito de dispor do próprio corpo como bem quiser também é relativo.

O trabalho traz uma visão positiva quanto à relatividade disposta pelo Estado por intermédio de Leis, uma vez que, contém muito mais pontos positivos do que negativos, assim, mostra a capacidade do homem para entender a preocupação do legislador ao criar os dispositivos que garantem a dignidade humana.

Assim, para que tudo possa fazer sentido é necessária à existência humana, portanto, a pessoa, que é identificada pelo corpo, não deve ser considerada como um instrumento, objeto, propriedade, sendo apenas existencial desde a concepção.

Logo, a observação do direito de personalidade é extremamente essencial para o desenvolvimento do artigo, fazendo entender que é a partir desta que o homem evolui e forma suas condições, qualificações, características. Tudo isso ocorre pela base existencial do ser que é instituído pelo corpo.

O corpo, como já fora dito, não é somente o físico, corpo não é apenas o externo, mas todo o seu conteúdo. O corpo nos confere forma e é totalmente singular caracterizando a identificação de cada pessoa em todos os sentidos, físico, intelectual e moral. Deste modo, o corpo unifica, faz com que cada ser seja único, seja um meio em si mesmo nascendo inclusive repleto de direitos antes mesmo do total discernimento.

Da mesma maneira que a disposição do corpo humano não é absoluto devido à necessidade de limitações que buscam preservar a integridade física e a dignidade humana, mediante um conjunto de normas, também há normas que frui a melhor forma de deliberar.

O vetor de disposição do próprio corpo explanado no presente artigo é o instituto da doação, que é sim uma forma de dispor do corpo. Para tanto, há lei que trata e mostra os requisitos e os princípios a serem seguidos. Atualmente, a Lei 9.434/97 cuida sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes e tratamento.

Fora conhecido os principais relevantes para o procedimento adequado da técnica de transplantes e doação para que o método seja eficaz e válido na expectativa de corresponder um pouco da busca por qualidade de vida dos indivíduos.

A indagação de todo e qualquer tipo de disposição do corpo humano, legalmente autorizado, procura deixar fixo a ideia de que deve haver facilidade aos procedimentos praticados, devendo ser considerado apenas um ato nobre simplesmente pela existência humana, afastando qualquer fim lucrativo.

Ante o exposto, a dignidade da pessoa humana deve ser respeitada em qualquer procedimento que interfere no corpo humano, até mesmo após a morte, havendo necessidade de identificação do cadáver em casos de doação. 

Mesmo o corpo dito como morto mediante a morte encefálica, ou seja, morte cerebral, ainda possui direitos e merece total respeito. Com isso, fora relatado no trabalho normas sobre a retirada post mortem, encontrado também dentro da Lei de Transplantes e que deixa claro a indispensabilidade de prévia autorização do morto, quando ainda em vida, fortalecendo o prévio consentimento como o mais importante dos requisitos.

Foi visto que exatamente por ser o consentimento um requisito para a ocorrência da retirada de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplantes e tratamento que nem mesmo pós morte isso pode ser desrespeitado. Frisando assim, a importância da disposição do corpo humano de forma correta e segura.

Portanto, à face do apresentado, a vida humana gira em torno do que se pode ou não fazer, respeitando as normas que buscam em seu máximo tirar os direitos do abstrato e torná-los concretos buscando satisfazer ao menos no mínimo as necessidades humana pensando no bem comum e no convívio social.

Dessa forma alcança seu objetivo fundamental ao relatar que o corpo é um patrimônio, porém, não no sentido de propriedade com direito de transferência, alienação. Pelo contrário, o corpo é um patrimônio existencial sem nenhum valor econômico excluindo como sendo uma forma de objeto que gera lucros. Ao cabo, robustece por diversas vezes que a doação de tudo que conglomera o corpo humano deve ser sempre gratuita com pregressa anuência dos envolventes.

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[1] Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm

[2] Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/dirpers.htm

Sobre os autores
Aluer Baptista Freire Júnior

Pós-Doutor em Direito Privado-PUC-MG.Doutor em Direito Privado e Mestre em Direito Privado pela PUC-Minas. MBA em Direito Empresarial, Pós Graduado em Direito Público, Penal/Processo Penal, Direito Privado e Processo Civil. Professor de Graduação e Pós Graduação. Coordenador do Curso de Direito da Fadileste. Editor-Chefe da Revista REMAS - Faculdade do Futuro. Advogado. Autor de Livros e artigos.

Lorrainne Andrade Batista

Especialista em Direito de Família e Sucessões; Direito do Trabalho e Processo do Trabalho; Autora de Artigos.

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