3. A Prescrição e o Chamamento ao Processo.
O tempo possui efeito sobre tudo o que acontece na existência humana, e com o direito não poderia ser diferente. O transcurso do tempo integra o suporte fático de várias regras jurídicas, sendo a prescrição um de seus mais conhecidos institutos.
Felipe Braga Netto (2015, p. 518) exemplifica que o fenômeno da usucapião exige determinados requisitos, sendo um deles o fluir dos anos. Também a ausência de alguém de seu domicílio, terá efeitos distintos, a depender de quantos anos a pessoa se encontra desaparecida.
Ainda em atos mais simplórios, como pagamento de uma conta de luz depende de certos prazos para que o adimplemento possa ocorrer de forma regular.
Tendo-se que o maior fundamento da existência do próprio direito é a garantia da pacificação social, é dever do ordenamento jurídico buscar prever, na medida do possível, a disciplina das relações sociais.
Para tanto, não é razoável para a preservação do sentido de estabilidade social e segurança jurídica, que sejam estabelecidas relações jurídicas perpétuas, que podem obrigar, sem limitação temporal, outros sujeitos, à mercê do titular (STOLZE E PAMPLONA, 2015, p. 504).
O exercício de direitos, no âmbito das relações materiais ou por ações judiciais, deve ser consequência e garantia de uma consciência de cidadania, jamais uma ameaça eterna contra os sujeitos obrigados.
A existência de prazos para que sejam exercidos os direitos e pretensões é também uma forma de disciplinar a conduta social, de maneira que são impostas sanções aos titulares que se mantém inertes.
Neste sentido ensina Felipe Braga Neto (2015, p.519):
Costuma-se apontar como fundamento primordial da prescrição e da decadência o intuito de sancionar aquele que, de modo negligente, deixa passar determinado prazo sem nada fazer. Há nesse sentido, uma inação, uma omissão, e essa omissão tem consequências jurídicas. É um reflexo do conhecido adágio dormientibus non sucurrit jus (o direito não socorre os que dormem). Mais do que punir os negligentes, os institutos buscam, ao contrário, tranquilizar quem agiu corretamente, ou quem costuma agir assim. Seria, sem dúvida, fator de instabilidade para quem se porta de modo prudente e correto que todas as relações jurídicas de conteúdo patrimonial pudessem ser revisitadas a qualquer tempo, sem razoabilidade ou segurança alguma.
Por tais circunstâncias é que a ordem jurídica estabelece os prazos de prescrição, a fim de garantir a relativa estabilidade das relações jurídicas na sociedade, e com o chamamento ao processo não seria diferente.
Apesar dos evidentes benefícios a efetividade processual, ressalta-se que importante questão envolvendo a prescrição e o instituto do chamamento ao processo é olvidada: que entre a data do fato e o chamamento ao processo pode ocorrer a prescrição para o réu chamado ou os réus chamados.
Pode-se tomar como exemplo a seguinte situação: Maurício efetuou a compra de um aparelho de notebook no dia 02/02/2020, o mesmo veio a apresentar vício que não fora sanado pela autorizada e o vendedor manifestou recusa na troca do aparelho, mesmo não tendo passado o prazo da garantia.
Maurício tem então até a data 02/02/2025 para entrar com ação, tendo em vista que prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou serviço, tendo início a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria (art.27, CC).
Ocorre que Maurício entra com a ação no dia 02/02/2024 apenas contra um dos réus, o vendedor; e no dia 02/02/2026 ocorre o chamamento do segundo réu, o fornecedor. Nota-se que nesta última data, onde ocorreu o chamamento ao processo, a pretensão de reparação dos danos já prescreveu para o réu chamado.
Neste caso, o processo deveria correr normalmente contra o réu chamante, e dentro do prazo de três anos, a contar da data do pagamento da indenização, o mesmo entraria com ação de regresso contra o réu chamado.
Tal hipótese traria ainda mais benefícios para a parte autora, tendo em vista que não seria mais necessário que se aguardasse o chamamento do segundo réu e o autor obteria a satisfação de seu interesse mais rapidamente. Além de eliminar certa assimetria que é causada pelo chamamento do segundo réu ao processo nos casos em que para este já ocorreu a prescrição.
No caso de ser alegado cerceamento de defesa do chamado, visto que futuramente este pode vir a sofrer consequências do processo por conta da ação de regresso do réu que participou da lide, o réu afetado pela prescrição poderia vir a participar do processo ainda como terceiro interessado.
Pode-se exemplificar ainda de outra forma:
Temos A, B e C como devedores solidários de uma dívida de R$90.000,000 (noventa mil reais). O credor pode então optar por demandar somente contra A, exigindo-lhe o pagamento da dívida inteira. A, por sua vez, pode chamar ao processo os devedores B e C.
Passado o prazo para o credor propor ação contra B e C, que não integravam a lide, é impedido o chamamento de ambos pela ocorrência da prescrição, deve então o devedor A responder judicialmente pela dívida. Posteriormente, vindo a buscar o regresso de B e C.
A doutrina e jurisprudência, porém, buscando maior efetividade da justiça, entendem pela possibilidade de o réu chamado entrar no processo mesmo após passado o prazo da pretensão para ele, se o réu que integrou primeiro a lide houver sido chamado dentro do prazo para entrar com a ação.
Tem-se, portanto, que o Código processual de 2015, no que toca ao instituto do chamamento ao processo, optou por conferir maior efetividade e segurança processual do que celeridade na satisfação do pedido da parte autora.
Oportuniza desde logo a possibilidade de defesa do réu chamado, quase como que equilibrando benefícios para o réu, chamados e autor, em busca de um melhor aproveitamento processual.
Conclusão
O desenvolvimento do tema apresentado possibilitou mais ampla compreensão sobre o instituto do chamamento do réu ao processo, bem como dos reflexos da prescrição para o réu chamado e também para o autor.
Também viabilizou a ampliação dos conhecimentos na medida que permitiu a comparação do chamamento ao processo no Brasil com os institutos processuais correspondentes em algumas legislações estrangeiras e ainda com o próprio Código Processual Civil de 1973.
O chamamento ao processo é medida processual admitida apenas em processo de conhecimento. A modalidade de intervenção de terceiros provocada pelo réu baseia-se no vínculo de solidariedade entre chamante e chamado e tem como principal escopo alargar o campo de defesa dos fiadores e devedores solidários.
Possibilita que o demandado ou os demandados chamem os corresponsáveis para que estes assumam a posição de litisconsorte, restando todos submetidos à coisa julgada.
O procedimento obriga o autor a demandar contra quem não escolheu ter no polo passivo da lide, o que revela uma contradição entre o direito material e processual, tendo em vista que o diploma civil permite que se exija a dívida inteira de qualquer dos devedores solidários.
Entrementes, o procedimento que aparentava ser apenas benéfico para o réu chamante, revela-se extremamente eficiente e eficaz para ambas as partes e ainda mais para a Justiça como um todo. Tendo em conta que o chamamento ao processo tem o poder de evitar uma segunda lide, qual seja, a ação de regresso do réu executado e face daquele que não fora demandado.
O instituto demonstra, portanto, maior eficácia para todo o sistema judiciário e as partes que compõem a lide tendo em vista que une todos em um mesmo processo, resolvendo desde já a demanda em uma só controvérsia judicial, sem que se cause graves danos à parte autora nem privilégios demasiados a parte ré.
Tendo-se que com a eliminação da suspensão dos prazos para a citação do chamado pelo Código de Processo Civil de 2015, os prejuízos antes causados pelo chamamento ao processo a parte autora foram bastante diminuídos.
Assim sendo, ainda que fosse possível que a prescrição agisse de forma favorável ao autor excluindo da celeuma o réu a ser chamado e provocando a satisfação do autor de forma mais célere, a integração de todos à mesma lide mostra-se mais benéfica a todo o conjunto que integra o processo e à máquina judiciária como um todo.
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