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O inventário de bens de estrangeiros situados no Brasil

Agenda 05/02/2022 às 15:22

A herança de bens situados no Brasil de propriedade de estrangeiros observa regras especiais que devem ser analisadas cuidadosamente no caso concreto.

Há no Brasil diversos bens, sobretudo imóveis, que são propriedade de estrangeiros, sejam residentes que aqui constituíram família e patrimônio ou não residentes que investiram na aquisição de patrimônio em nosso país, normalmente para desenvolvimento de algum empreendimento empresarial, como hotéis ou pousadas.

O inventário de um estrangeiro proprietário de bens no Brasil que faleça observa algumas regras próprias relevantes em pontos como jurisdição, competência, legislação aplicável e partilha, que passamos a abordar pontualmente adiante.

O ordenamento jurídico brasileiro adota o princípio da pluralidade de juízos sucessórios, segundo o qual se houver bens em diversos países o inventário de cada um deles será realizado nos países em que situados, conforme os respectivos ordenamentos jurídicos.

Assim sendo, a jurisdição para processar o inventário de bens situados em território nacional de estrangeiros será sempre da autoridade judiciária brasileira, sendo absolutamente irrelevantes quaisquer decisões que venham a ser proferidas por Corte de outro país que regulem a partilha (art. 23, II do CPC).

Por outro lado, o Brasil não possui jurisdição para apreciar questões sobre bens situados no exterior, de forma que o inventário destes deverá ser realizado no país em que estiverem situados.

Portanto, se um estrangeiro possui bens no país e em seu país natal, por exemplo, deverão os herdeiros realizar um inventário no Brasil para os bens aqui situados e um segundo no exterior para os lá existentes.

O testamento é a manifestação de última vontade do falecido e será respeitado no Brasil, ainda que lavrado no exterior.

É necessário que o testamento seja feito conforme as leis do país de sua confecção, se por qualquer motivo o testamento não for considerado válido pelas leis do país de origem, também não será no Brasil.

Para que seja cumprido no Brasil é necessário que o testamento seja apostilado no país de origem e depois seja feita a tradução juramentada no Brasil.

Por fim, as disposições testamentárias deverão respeitar as regras de sucessão nacional, como por exemplo o respeito da legítima. Eventuais excessos do testamento poderão acarretar na sua redução ou rompimento pela autoridade judiciária brasileira, como qualquer outro testamento.

Os inventários devem ser realizados na comarca (de forma geral a cidade) de residência do estrangeiro no Brasil.

Se o estrangeiro for residente no exterior, então o inventário será feito na comarca na qual situados os bens da herança. Se os bens forem situados em mais de uma comarca, então naquela em que estiverem situados a maioria deles.

A regra geral para a definição da legislação aplicável para a partilha da herança é defina pelo art. 10 do Decreto-Lei 4.657/42, segundo o qual a sucessão por morte será regulada pela lei do domicílio do autor da herança.

Art.  10.  A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

Contudo, há uma importante exceção a esta regra, definida pelo art. 5º, XXXI da Constituição, corroborada pelo §1º do art. Decreto-Lei 4.657/42, segundo os quais a sucessão de bens de estrangeiros será realizada conforme à lei brasileira quando houver filhos ou cônjuges brasileiros, salvo quando a legislação estrangeira for mais favorável.

Art. 5º (...)

XXXI - a sucessão de bens de estrangeiros situados no País será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge ou dos filhos brasileiros, sempre que não lhes seja mais favorável a lei pessoal do "de cujus"

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Ou seja, se a sucessão envolver o interesse de cônjuge ou filhos brasileiros, então ela deverá ser realizada conforme as leis brasileiras, salvo se as do domicílio do Autor da herança forem mais favoráveis para eles, isto é, que lhes garantam um quinhão hereditário superior, o que deverá ser comprovado à Autoridade Judiciária.

Diante desse quadro legislativo podem suceder três hipóteses de sucessão de bens no país de propriedade de estrangeiros:

  1. Estrangeiro residente no Brasil O inventário será realizado no Brasil conforme a legislação brasileira,

  2. Estrangeiro não residente no Brasil sem filhos ou cônjuge brasileiro - O inventário será realizado no Brasil conforme a legislação do país de domicílio do falecido,

  3. Estrangeiro não residente no Brasil com filhos ou cônjuge brasileiro - O inventário será realizado no Brasil conforme a legislação brasileira, salvo se a legislação do país de residência do falecido for mais favorável para os interesses dos filhos ou cônjuge brasileiro;

Por derradeiro, é importante destacar que em precedentes recentes do STJ têm sido admitidas a homologação de sentenças estrangeiras que tratem da sucessão de bens de estrangeiros no Brasil contanto que haja manifesta concordância entre todos os interessados.

Nesse caso, o entendimento jurisprudencial trafega para a ideia de que a soberania brasileira deve ser exercida nos casos em que há litígio entre os interessados, respeitando-se a decisão consensual e amigável entre os interessados, ainda que homologada por decisão estrangeira. Nesse sentido, vejamos o seguinte precedente:

HDE 003694

Min. João Otávio de Noronha

Data publicação: 27/03/2020

HOMOLOGAÇÃO DE DECISÃO ESTRANGEIRA Nº 3.694

Relator: Min. João Otávio de Noronha

DECISÃO

Trata-se de pedido de homologação da decisão estrangeira proferida, em 30/9/2010, pelo Juiz de Primeira Instância da Província de Misiones, Argentina, que autorizou a representante do espólio de Júlio Arnaldo Fretes Barthelemy, argentino, residente e falecido naquele país, a realizar a venda de imóvel situado no Brasil. O pedido é formulado por Victor José Fretes Gallo, um dos filhos do de cujus.

Há declaração de anuência dos herdeiros do requerido (fls. 19-20), o que dispensa o procedimento de citação.

(...)

Para ser homologada no Brasil, a sentença estrangeira deve reunir os seguintes requisitos: a) ter sido proferida por autoridade competente; b) ter sido precedida de citação regular, ainda que verificada a revelia; c) ser eficaz no país em que foi proferida; d) não ofender a coisa julgada brasileira; e) não conter manifesta ofensa à soberania nacional, à ordem pública, à dignidade da pessoa humana nem aos bons costumes (arts. 963 do CPC, 17 da LINDB e 216-C a 216-F do RISTJ); e f) estar acompanhada de tradução oficial e de chancela consular ou apostila, salvo disposição que as dispense prevista em tratado.

(...)

O novo Código de Processo Civil estabelece a competência exclusiva da autoridade judiciária brasileira para, em matéria de sucessão hereditária, proceder à confirmação de testamento particular e ao inventário e à partilha de bens situados no Brasil, ainda que o autor da herança seja de nacionalidade estrangeira ou tenha domicílio fora do território nacional (art. 23, II).

Entretanto, a jurisprudência do STJ vem relativizando essa competência ao permitir a homologação da sentença estrangeira quando esta confirma acordo entre as partes, (SEC n. 11.795/EX, relator Ministro Raul Araújo, Corte Especial, DJe de 16/8/2019). Assim, a competência exclusiva ficaria restrita às questões litigiosas, em que a soberania do Juízo brasileiro não pode ser relativizada em favor da sentença estrangeira.

Sobre o autor
George Gustavo Sinclair Medeiros

Advogado, especialista em direito sucessório.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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