1. Conceito
O princípio da insignificância , também conhecido como bagatela própria , tem a sua origem no Direito Romano.
Em que pese não exista disposição legal expressa quanto à sua definição, certo é que este princípio vem sendo objeto de construção doutrinária e jurisprudencial. Nesse sentido, o jurista Maurício Antônio Ribeiro Lopes ressalta que:
A conceituação de tal princípio efetivamente não se encontra na dogmática jurídica, pois nenhum instrumento legislativo ordinário ou constitucional define ou acata formalmente, apenas podendo ser inferido na exata proporção em que aceitam limites para a interpretação e das leis e geral. É a criação exclusivamente doutrinária e pretoriana, o que se faz justificar estas como autênticas fontes do Direito (LOPES, Maurício Antonio Ribeiro apud SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2011, p. 99).
Segundo tal princípio, não obstante ocorra a prática de determinada conduta que se amolda a uma infração penal (crime ou contravenção penal), se não houver efetiva e relevante lesão ou exposição a perigo de um bem jurídico, não há que se afirmar que existe, materialmente, a infração penal, de tal maneira que a existência ocorre apenas no aspecto formal de delito.
Com efeito, o princípio da bagatela própria é um desdobramento lógico do princípio da fragmentariedade , segundo o qual o Direito Penal somente deve ser aplicado quando houver efetiva e relevante lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico juridicamente tutelado, sendo, pois, considerado um instrumento de interpretação restritiva.
2. Requisitos
Segundo o egrégio Supremo Tribunal Federal (HC 98.152-MG), para que seja possível a aplicação do princípio da insignificância, faz-se necessário que se verifique, no caso in concreto, a presença cumulativa dos seguintes vetores:
mínima ofensividade da conduta do agente;
nenhuma periculosidade social da ação;
reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento;
inexpressividade da lesão jurídica provocada.
3. Natureza jurídica
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, que o princípio da bagatela própria tem natureza jurídica de causa de exclusão de tipicidade material .
4. (In)admissibilidade do princípio da insignificância à luz da atual jurisprudência
A respeito da admissibilidade ou não do princípio da insignificância, merecem destaque os seguintes julgados dos tribunais superiores (STF e STJ):
O princípio da insignificância pode ser reconhecido mesmo após o trânsito em julgado da sentença condenatória . (HC 95570, Relator Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, julgado em 01/06/2010);
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O crime de posse de drogas para consumo pessoal (art. 28. da Lei nº 11.343/06) é de perigo presumido ou abstrato e a pequena quantidade de droga faz parte da própria essência do delito em questão, não lhe sendo aplicável o princípio da insignificância . (STJ. 6ª Turma. RHC 35920 -DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014);
É possível a aplicação do princípio da insignificância para os atos infracionais . (STF. 2ª Turma. HC 112400/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 22/5/2012);
Não se aplica o princípio da adequação social, bem como o princípio da insignificância, ao crime de violação de direito autoral. (STJ. AgRg no REsp 1380149/RS, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEXTA TURMA, julgado em 27/08/2013, DJe 13/09/2013);
Não se aplica o princípio da insignificância para crimes contra a fé pública, como é o caso do delito de falsificação de documento público. (STF, 2ª Turma. HC 117638, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/03/2014);
Para a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de descaminho, devem ser preenchidos dois requisitos: a) objetivo: o valor dos tributos não pagos deve ser inferior a 20 mil reais; b) subjetivo: o agente não pode se tratar de criminoso habitual. (STJ. 6ª Turma. RHC 31612-PB, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 20/5/2014);
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Incide o princípio da insignificância aos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário verificado não ultrapassar o limite de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a teor do disposto no art. 20. da Lei n. 10.522/2002, com as atualizações efetivadas pelas Portarias n. 75. e 130, ambas do Ministério da Fazenda. (STJ. 3ª Seção. REsp 1688878-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 28/02/2018);
Não pode ser aplicado para fins de incidência do princípio da insignificância nos crimes tributários estaduais o parâmetro de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), estabelecido no art. 20. da Lei 10.522/2002, devendo ser observada a lei estadual vigente em razão da autonomia do ente federativo. (STJ. 5ª Turma. AgRg-HC 549.428-PA. Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 19/05/2020);
A reiteração criminosa inviabiliza a aplicação do princípio da insignificância nos crimes de descaminho, ressalvada a possibilidade de, no caso concreto, as instâncias ordinárias verificarem que a medida é socialmente recomendável. (STJ. 3ª Seção. EREsp 1217514-RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 9/12/2015);
Em regra, é inaplicável o princípio da insignificância ao crime de contrabando, uma vez que o bem juridicamente tutelado vai além do mero valor pecuniário do imposto elidido, alcançando também o interesse estatal de impedir a entrada e a comercialização de produtos proibidos em território nacional. (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1744739/RS, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 02/10/2018).
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É inaplicável o princípio da insignificância nos crimes ou contravenções penais praticados contra a mulher no âmbito das relações domésticas. (Súmula 589 do STJ);
O princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública. (Súmula 599 do STJ);
Não se aplica o princípio da insignificância aos casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência que caracterizam o fato típico previsto no artigo 183 da lei 9.472/97. (Súmula 606 do STJ);
O Plenário do STF já assentou a inaplicabilidade do princípio da insignificância à posse de quantidade reduzida de substância entorpecente em lugar sujeito à administração militar (art. 290. do CPM). (STF. 2ª Turma. HC 118255, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 19/11/2013);
A jurisprudência do STJ reconhece que o princípio da insignificância não tem aplicabilidade em casos de reiteração da conduta delitiva, salvo excepcionalmente, quando as instâncias ordinárias entenderem ser tal medida recomendável diante das circunstâncias concretas. (STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1616967-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 26/03/2020);
Se o valor do bem é acima de 10% do salário-mínimo vigente na época, o STJ tem negado a aplicação do princípio da insignificância. (STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1558547/MG, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 19/11/2015);
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Como regra, a aplicação do princípio da insignificância tem sido rechaçada nas hipóteses de furto qualificado, tendo em vista que tal circunstância denota, em tese, maior ofensividade e reprovabilidade da conduta. Deve-se, todavia, considerar as circunstâncias peculiares de cada caso concreto, de maneira a verificar se, diante do quadro completo do delito, a conduta do agente representa maior reprovabilidade a desautorizar a aplicação do princípio da insignificância. (STJ. 5ª Turma. AgRg no AREsp 785755/MT, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 22/11/2016);
É possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes ambientais, devendo ser analisadas as circunstâncias específicas do caso concreto para se verificar a atipicidade da conduta em exame. (STJ. 5° Turma. AgRg no AREsp 654.321/SC, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 09/06/2015);
É atípica a conduta daquele que porta, na forma de pingente, munição desacompanhada de arma. (STF. 2ª Turma. HC 133984/MG, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgado em 17/5/2016);
Não se aplica o princípio da insignificância ao furto de bem de inexpressivo valor pecuniário de associação sem fins lucrativos com o induzimento de filho menor a participar do ato. (STJ. 6ª Turma. RHC 93472-MS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 15/03/2018);
Em regra, a habitualidade delitiva específica (ou seja, o fato de o réu já responder a outra ação penal pelo mesmo delito) é um parâmetro (critério) que afasta o princípio da insignificância mesmo em se tratando de bem de reduzido valor. Excepcionalmente, no entanto, as peculiaridades do caso concreto podem justificar o afastamento dessa regra e a aplicação do princípio, com base na ideia da proporcionalidade. (STF. 2ª Turma. HC 141440 AgR/MG, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 14/8/2018);
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(i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e (ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. (...) (STF. Plenário. HC 123533, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015);
Não é possível a aplicação do princípio da insignificância aos crimes de apropriação indébita previdenciária e de sonegação de contribuição previdenciária, independentemente do valor do ilícito. (STJ. 3ª Seção. AgRg na RvCr 4.881/RJ, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 22/05/2019).