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Políticas de regulamentação do trabalho e seguridade social

Agenda 08/02/2022 às 12:53

A Constituição Federal de 1988 instituiu um novo cenário na ordem jurídica brasileira, inaugurando o Estado Democrático de Direito em que se cria um sistema de proteção e garantia dos direitos fundamentais. Inserido neste contexto, os direitos sociais ou direitos de segunda geração crescem em importância. O novo viés protecionista de garantias individuais consagrado pela Constituição Federal de 1988 traz a Seguridade Social no rol dos direitos fundamentais a serem protegidos para sustentar o ideal garantidor de condições mínimas de existência e da dignidade da pessoa humana. De fato, os direitos fundamentais receberam do constituinte de 1988 especial atenção, dentre os quais se encontram os direitos sociais. Trata-se da consagração, no âmbito interno, dos direitos humanos de segunda geração, a exemplo do direito ao trabalho e à Seguridade Social. Não obstante, para a efetivação dos direitos em comento, é imprescindível a atuação do Estado, por meio de implementação de políticas públicas. Quando o Estado queda-se inerte ou adota medidas que violam direitos dos trabalhadores, conquistas de anos, deixa de atuar de forma efetiva e, não raras vezes, afronta princípios como do não retrocesso social. E o Brasil, num passado bem recente, vivenciou situações em que os direitos do indivíduo foram mitigados na seara trabalhista e no âmbito previdenciário, o que, somado à omissão do Estado na implementação de políticas públicas (ou implementação ineficiente) para a efetivação dos direitos ao trabalho, à Assistência Social, à Previdência Social e à Saúde, justifica a análise das políticas de regulamentação do trabalho e seguridade social. Para tanto, delimita-se o estudo aos últimos dez anos (2010/2020) e às polícias públicas implementadas pelo Governo Federal, de modo a identificar como se encontra estruturado o ordenamento jurídico brasileiro no que tange às medidas de proteção. Portanto, pretende-se, através de um estudo qualitativo, descritivo e bibliográfico, analisar a atuação do Estado brasileiro, mormente do Governo Federal, nos últimos dez anos (2010/2020), na implementação de políticas públicas de regulamentação do trabalho e da seguridade social, à luz do princípio do não retrocesso. Nesse cenário, buscar-se-á ressaltar a imprescindibilidade de que o Estado implemente políticas públicas para a efetivação dos direitos sociais em comento, pois somente assim o bem-estar social será resguardado e a proteção aos direitos fundamentais assegurada. 

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, de forma bastante inovadora se comparada às Cartas Políticas que a antecederam, dedicou especial importância aos direitos e garantias fundamentais, consagrando um amplo rol de direitos individuais e coletivos. E, no art. 6º dedicou especial atenção aos direitos sociais, positivando, no ordenamento jurídico brasileiro, os direitos humanos de segunda geração.

Não bastasse isso, o constituinte previu, como objetivos fundamentais da República, nos termos do art. 3º, (I) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; (II) a garantia do desenvolvimento nacional; (III) a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais; (IV) a promoção do bem de todos.

Assim, o intuito da Constituição Federal de 1988 é assegurar o exercício dos direitos sociais, promovendo o bem-estar e a justiça social, fundada na dignidade da pessoa humana, de modo que o interesse social deve sobrepor ao particular. Dessa forma, o Estado de Direito Brasileiro é baseado na solidariedade, buscando o instrumento eficaz no amparo à população carente da sociedade.

Nesse cenário a Seguridade Social ganha relevo, pois a Constituição Federal de 1988 iniciou um novo modelo de Estado Democrático de Direito, onde o Estado passa a ser o principal prestador de políticas públicas visando a proteção às necessidades sociais.

Diante deste cenário de valorização do indivíduo, os direitos fundamentais ganham papel de destaque constitucional, sendo inclusive positivados, funcionando como verdadeira garantia essencial a viabilização dos direitos sociais. E a Seguridade Social, instituída como direito fundamental, demonstra o compromisso do Estado Democrático com a manutenção de uma vida digna, mediante um sistema de proteção social com suas bases cravadas no princípio da solidariedade.

Por conseguinte, a Assistência Social, a Previdência Social e a Saúde aparecem, no texto constitucional vigente, como verdadeiras garantias ao indivíduo que, diante da necessidade de obtenção de benefício que garanta sua dignidade pelos mais variados riscos sociais, pode socorrer-se do Estado, o que não afasta, em nenhum momento, o dever do Poder Público de estabelecer medidas que proporcionem o acesso ao trabalho digno. É, pois, do Estado, o dever de implementar políticas públicas e regulamentar o trabalho e a Seguridade Social.

A Assistência Social, nesse contexto, é a mais pura manifestação das normas protetivas, e remete à própria essência da tutela estatal, por não exigir contribuição, por exemplo, e ser destinada àqueles menos favorecidos.

No que tange a Previdência Social, a garantia de ver sua dignidade resguardada, diante de riscos sociais, é um dos preceitos basilares, onde a solidariedade, a redistribuição de renda, a proteção social, a justiça e o bem-estar sociais são protegidos.

Desta feita, em atenção aos valores mais caros à Seguridade Social, a Previdência Social com intuito de garantir acesso ao trabalhador dos benefícios sociais que garantam sua subsistência, adotou o sistema de repartição como modelo de sistema contributivo.

Não menos importante é o direito à Saúde, que é um direito de todos e dever do Estado, que deve implementar políticas públicas para a sua efetivação, sendo um direito universal, assegurado a todos os cidadãos, haja vista a sua relevância e amplitude, já que vai muito além da inexistência de doenças, pois engloba também a ausência destas, o bem-estar individual.

Isso se deve porque a Seguridade Social, como atualmente concebida, é manifestação do Estado do Bem-Estar Social, que se evidencia, no ordenamento jurídico brasileiro, da análise dos arts. 1º e 3º, que consagram os fundamentos do Estado Democrático de Direito e os objetivos da República Federativa do Brasil, respectivamente.

Portanto, a Constituição de 1988 veio a lume em meio a um cenário de redemocratização do país, corroborando para restaurar a democracia após anos de Ditadura Militar, em que o autoritarismo se fez presente. Logo, o texto constitucional em comento contou amplamente com a participação popular e manifesta, portanto, a vontade do povo, detentor de todo o poder.

Não obstante, há situações que evidenciam claramente que a atuação estatal, principalmente exteriorizada pelos administradores públicos, não reflete a vontade popular. Em meio a esse cenário há uma clara violação aos direitos e garantias fundamentais, dentre eles o direito ao trabalho e à Seguridade Social.

De fato, são inúmeras as situações cotidianas que evidenciam, no cenário nacional e internacional, que a dignidade humana vem sendo violada. Quando o indivíduo tem direitos básicos mitigados, por exemplo, como segurança, educação, saúde, quando vivencia situações de discriminação e desigualdade, dentre outras, a sua dignidade é afrontada e a atuação do Estado, portanto, é ineficaz e ineficiente.

Portanto, nota-se que na atualidade a administração pública não vem atuando de forma a atender a vontade da população, que se encontra em sintonia com o que preconiza o texto constitucional. E, por conseguinte, a res publica, que deve ser sempre tratada consoante a vontade do povo, já que todo o poder emana deste, é utilizada para atender a interesses de minorias, não raras vezes dos próprios gestores públicos. Portanto, há de se fomentar medidas para a maior participação popular, de modo a compelir o Estado a proporcionar meios para uma vida com dignidade, para que a desigualdade social e a miséria sejam combatidas, para que o trabalho seja valorizado e o direito à Assistência Social, à Previdência Social e à Saúde sejam efetivados.

Destarte, é nesse contexto que se situa o presente estudo, que se pauta no seguinte problema de pesquisa: Como o Estado brasileiro vem atuando, nos últimos dez anos, na implementação de políticas públicas de regulamentação do trabalho e da seguridade social, para assegurar o efetivo exercício dos direitos fundamentais sociais? Os fundamentos do Estado do Bem-Estar Social são atendidos pelo Estado brasileiro, no que tange o trabalho e a Seguridade Social, ou medidas que configuram o retrocesso são vislumbradas? 

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TEMA E JUSTIFICATIVA 

O tema escolhido para análise, políticas de regulamentação do trabalho e seguridade social: a efetivação dos direitos sociais à luz do princípio da não retrocesso, é de fundamental importância, seja porque o Estado tem o dever de implementar políticas públicas para a efetivação dos direitos sociais, seja porque o fomento ao trabalho e o direito à seguridade social (assistência social, previdência social e saúde) são imprescindíveis para uma vida com dignidade.

Como sabido, o Estado Democrático de Direito, inaugurado pela Constituição de 1988, tratou de consagrar valores caros à sociedade brasileira, dedicando-se a uma política de solidarismo para o bem comum e da dignidade da pessoa humana. Neste aspecto, Sette (2006, p.80), afirma que passa-se a falar de solidarismo constitucional, em referência a esta nova forma de pensar o Direito, que claramente se opõe ao individualismo.

A partir deste panorama geral, o papel garantidor dos direitos fundamentais cresce em importância, passando a ser parte nuclear da própria de forma de Estado proposta na Constituição de 1988, pois conforme Sarlet (2012, p. 58) salienta, os direitos fundamentais integram, portanto, ao lado da definição de forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência de Estado constitucional.

Desta feita, o norte garantidor dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana previsto na Constituição de 1988 representa um grande avanço na consolidação dos direitos e garantias individuais, priorizando a coletividade em detrimento do individualismo e consolidando o Estado Democrático de Direito no Estado brasileiro trazido pelo legislador. Assim bem especifica a doutrina de Canotilho et al. (2015, p. 54) ao afirmar que a vigente Constituição Federal é um avanço extraordinário na consolidação dos direitos e garantias fundamentais, [...] situando-se como documento mais avançado, abrangente e pormenorizado sobre a matéria na história constitucional do País.

Conforme a denominação de Ulysses Guimarães, a Constituição Cidadã marca o despontar de uma nova era jurídica-normativa quando demonstra erigir seus pilares sobre os valores que foram renegados durante a ditadura. Instituindo o presidencialismo como forma de governo e o voto direto como sufrágio universal e exercício de cidadania, alça a bandeira da democracia participativa como novo símbolo da República.

Nesse contexto os direitos sociais ganham relevo, uma vez que a valoração superior dada aos direitos fundamentais na Constituição de 1988 veio para afirmar uma nova visão em relação a tais direitos na nova ordem social, desde a posição positivada privilegiada, ganhando destaque logo após o preâmbulo da Constituição, até na nova e atualizada nomenclatura para determinar de fato os direitos e garantias fundamentais.

Neste sentido, a positivação de uma vasta gama de direitos fundamentais não reflete tão somente a intenção da Constituinte em colocar tais direitos no topo hierárquico normativo brasileiro, mas também o eco do clamor de uma população que mobilizou-se para a efetiva conquista destes direitos. Além de sair às ruas e exigir seus direitos através de diversas manifestações durante a ditadura militar, a sociedade demonstrou-se consciente da própria cidadania, rompendo com a ordem jurídica conservadora ao participar ativamente do processo de elaboração da Constituição brasileira (BONAVIDES, 2006).

Dentro da concepção de direitos fundamentais, os direitos sociais ou de segunda geração, destacam-se em importância. A Constituição, inclusive, traz positivado o rol de direitos sociais no texto constitucional, afirmando o quão fundamentais são tais direitos. Sette (2006) afirma que o constituinte, de forma inequívoca, atribuiu aos direitos sociais, a nota de fundamentalidade, mostrando a opção também por instituir um Estado de Direito democrático, pautado na promoção da pessoa humana e do bem comum. Tal questão é sentida quando os direitos sociais ganham capítulo próprio no texto constitucional e são consagrados como direitos fundamentais.

Portanto, a escolha do legislador por inserir os direitos sociais na Constituição de 1988 indica que não se quer deixar dúvidas sobre o que deve perseguir o Estado na proteção de tais direitos, e o papel de destaque que ocupam os direitos de segunda geração na ordem social.

A incorporação da Seguridade Social enquanto direito social positivado na Constituição Federal de 1988 vem de um movimento de reorganização de políticas públicas já existentes, mas com novas diretrizes e com a admissão de novos direitos, que ganhou ênfase no debate da Assembleia Constituinte, tendo sido inspirado no Welfare State dos países social-democratas (BOSCHETTI, 2003).

Rosso (2008, p. 77), ao analisar a importância do Estado Social, destaca não ser característica deste apenas assegurar a liberdade, mas também estimular a igualdade. Por isso não pode ser neutro, devendo posicionar-se ao lado do mais fraco. Logo, a solidariedade surge na Constituição como um objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, a partir de seu art. 3º, que dispõe: Constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I- construir uma sociedade livre, justa e solidária (BRASIL, 1988).

O comprometimento da nova lei básica com valores de justiça, liberdade e solidariedade certamente surge como reflexo aos abusos de poder cometidos durante a ditadura militar. Após um longo período durante o qual o decreto de Atos Institucionais de natureza claramente repressiva se encontraram, a Constituição surge como inegável antônimo de toda opressão sofrida, trazendo positivado em seu corpo todos direitos violados durante o regime autoritário como maneira de garantir, então, a segurança e perpetuação dos mesmos.

Para Barbosa (2008), a Constituição Federal de 1988 é merecedora de destaque por resgatar e efetivar os direitos humanos através dos princípios fundamentais constitucionais, edificando regras que vincularam a sociedade e o governo com a procura de um novo método de organização social, na qual a pessoa humana é conceituada como o primeiro dos valores.

Assim, tem-se que a Constituição é a morada da justiça, da liberdade, dos poderes legítimos, o paço dos direitos fundamentais, portanto, a casa dos princípios, a sede da soberania (BONAVIDES, 2006, p. 520). Somente a partir dela, que a democracia no Estado de Direito avança e toma contornos garantidores de direitos fundamentais, tendo a dignidade como valor fundamente e maior.

De fato, a Constituição Federal de 1988 reaproximou o direito dos valores sociais, das aspirações dos cidadãos e seus ideais, e transformou-se em lei básica irremediável, na proteção máxima contra abusos que foram tão comuns na história da civilização.

Pode-se considerar, portanto, que a participação da sociedade na elaboração da Constituição Federal de 1988 foi determinante para que a mesma emergisse nos termos que apresenta. Desta feita, há de se reconhecer uma clara sintonia entre o que preconizou o constituinte e a vontade popular.

Denota-se que o efetivo rol normativo surge como claro rompimento com o derradeiro período autoritarista militar, onde a finalidade era impor a soberania do governo e da nação através da supressão de direitos individuais. A contemporânea Constituição foi precedida por diversas medidas violentas e proibitivas, que culminaram no anseio popular por valores e alicerces democráticos, representados pelos Direitos Fundamentais, erigindo, por fim, na criação de uma nova sociedade.

Nesse contexto ganha relevo a dignidade da pessoa humana. Deve-se levar em consideração que, por ser indissociável da própria espécie humana, não é um valor que nos é atribuído em um determinado momento da vida, mas sim um princípio que surge com a mera existência do ser. Não possui um início, vez que é um valor pré-existente à sua positivação e intrínseco à espécie humana, e nem um fim, conquanto é passível de violação.

Por tratar-se de um valor de ampla classe axiológica, é um princípio de difícil conceituação, devido ao fato de estar em constante processo de composição e desenvolvimento. Trata-se de um direito do homem, constituindo valor ético cuja existência independe de reconhecimento jurídico, mas que por ser elemento substancial e imprescindível para a humanidade merece ser legalmente tutelado, mas que norteia todo o ordenamento jurídico, aplicando-se, por conseguinte, à Seguridade Social.

Ocorre que a implementação do trabalho e da Seguridade Social, como direitos fundamentais do indivíduo e, portanto, imprescindíveis à vida com dignidade, clama a atuação efetiva do Estado, por meio de implementação de políticas públicas. E o que se percebe é que nem sempre o Estado efetiva os direitos fundamentais, seja por quedar-se inerte na instituição de políticas públicas, seja pela instituição de diplomas legais em dissonância com os princípios que norteiam o direito ao trabalho e à Seguridade Social.

A ineficácia das políticas públicas, no contexto em comento, ganha relevo. Questões como a precariedade da educação, saúde, segurança, a desigualdade social e a miséria que assolam grande parte da população trazem à tona a inconsistência entre o que preconiza o texto constitucional, que contou com a participação popular para a sua elaboração, e o que efetivamente assegura o Estado.

Ademais, levando-se em consideração que todo o poder emana do povo, os gestores públicos devem buscar, em todos os seus atos, a concretização dos valores consagrados no texto constitucional e fazer prevalecer o interesse público. Ocorre que na prática nem sempre é isso o que acontece. São inúmeras as situações em que os interesses pessoais dos administradores públicos ganham relevo em detrimento da vontade popular e aqueles que foram eleitos pelo povo, acabam fazendo prevalecer os interesses pessoais.

E não apenas o Poder Executivo ignora os ditames constitucionais. Também o Legislativo atua, não raras vezes, em inobservância aos anseios da população. Recentemente, por exemplo, foram aprovadas as reformas na legislação trabalhista e na legislação previdenciária. Muitos foram os direitos suprimidos e críticas tecidas às alterações legislativas, inclusive quanto à sua constitucionalidade, pois vão de encontro, por exemplo, à própria dignidade da pessoa humana.

Destarte, cabe ao Estado implementar medidas, por meio de políticas públicas, para que os direitos fundamentais, mormente o direito ao trabalho e à Seguridade Social, sejam efetivamente assegurados. Para tanto, toda e qualquer ato do administrador público deve considerar o que preconiza a Constituição Federal nos arts. 1º a 3º, ou seja, deve observar os fundamentos do Estado Democrático de Direito, os objetivos da República, o poder que emana do povo, a harmonia e independência dos poderes, etc. Logo, quando o Estado deixa de implementar medidas para efetivar a vontade popular, manifesta no texto constitucional, viola claramente a dignidade da pessoa humana e mitiga os interesses coletivos.

Ilustrativamente, uma clara manifestação de violação dos direitos fundamentais sociais é a implementação de medidas voltadas à mitigação de direitos, como a efetivada pela Reforma Trabalhista, instaurada pela Lei nº 13.467/2017, e pela Reforma da Previdência, consagrada pela Emenda Constitucional nº 103/2019. Nas duas situações o legislador ignorou os direitos dos trabalhadores, o princípio da dignidade da pessoa humana e restringiu sobremaneira conquistas importantes, em detrimento do princípio do não retrocesso social.

Anote-se que o princípio do não retrocesso social ou da vedação ao retrocesso social encontra-se previsto no Título II, da Constituição Federal de 1988, no rol dos direitos e garantias fundamentais, mormente no § 2º, do art. 5º, e caput, do art.7º. tal princípio visa efetivar a dignidade da pessoa humana e a segurança jurídica, vedando qualquer retrocesso à proteção do indivíduo, ou seja, diminuindo, mitigando direitos fundamentais (MARTINEZ, 2018).

Portanto, é que se delimita o estudo proposto à análise das políticas públicas implementadas pelo Governo Federal, nos últimos dez anos (2010/2020), para a efetivação do direito ao trabalho e da Seguridade Social (Assistência Social, Previdência Social e Saúde), à luz do não retrocesso.

Para tanto, como já dito, busca-se responder às seguintes indagações: Como o Estado brasileiro vem atuando, nos últimos dez anos, na implementação de políticas públicas de regulamentação do trabalho e da seguridade social, para assegurar o efetivo exercício dos direitos fundamentais sociais? Os fundamentos do Estado do Bem-Estar Social são atendidos pelo Estado brasileiro, no que tange o trabalho e a Seguridade Social, ou medidas que configuram o retrocesso são vislumbradas?

Assim, justifica-se o enfrentamento do problema de pesquisa a relevância social da temática apresentada, haja vista a imprescindibilidade do direito ao trabalho e da Seguridade Social para a vida com dignidade.

Outrossim, a relevância do tema é também sentida quando se analisam os recentes acontecimentos, principalmente no âmbito do Poder Legislativo, quando da edição de normas que alteraram sobremaneira os direitos dos trabalhadores, a exemplo da Reforma Trabalhista e da Reforma da Previdência, sem que se discutisse com a sociedade, efetivamente, os impactos das mudanças que, claramente, violam o princípio do não retrocesso, pois mitigam direitos conquistados ao longo de muitos anos.

Como salienta Mota (2018),

[...] as políticas de proteção social, nas quais se incluem a saúde, a previdência e a assistência social, são considerados produto histórico das lutas do trabalho, na medida que respondem pelo atendimento de necessidades inspiradas em princípios e valores socializados pelos trabalhadores e reconhecidos pelo Estado. Quaisquer que sejam seus objetos específicos de intervenção, saúde, previdência ou assistência social, o escopo da seguridade depende tanto do nível de socialização da política conquistado pelas classes trabalhadoras, como das estratégias do capital na incorporação das necessidades do trabalho.

Por conseguinte, e considerando que o Estado passa então a ter papel de garantidor de Direitos e as concepções de Estado do Bem-Estar Social com diretrizes de políticas públicas a serem traçadas para de fato abarcar na nova ordem tais direitos, firmam o contrato social entre o Estado e a ideia de uma construção efetiva de uma plena cidadania, ao menos no texto constitucional, é mister averiguar como se encontra estruturado o ordenamento jurídico brasileiro, com ênfase na atuação do Poder Público Federal, na última década, no que diz respeito especificamente à regulamentação do trabalho e da Seguridade Social.

Assim, a inserção da Seguridade Social na constituição Federal de 1988, traz um novo olhar e marca uma era de novas políticas públicas de Bem-Estar Social ao se falar da tripartição, Saúde, Previdência Social e Assistência Social.

Destarte, tem-se como hipótese primária que o Estado brasileiro, ao mitigar sobremaneira os direitos do cidadão, com a alteração das normas trabalhistas e previdenciárias, e a não implementação de políticas públicas, ou sua instituição inadequada, viola os direitos fundamentais sociais e, por conseguinte, a dignidade da pessoa humana. A Seguridade Social foi positivada no art. 194 da Constituição Federal de 1988, em que as noções de tripartição foram inseridas com intuito de integrar uma ligação entre os institutos ali protegidos, estabelecendo uma rede única de proteção, ou seja, um conjunto integrado de ações. Contudo, prescinde da atuação efetiva do Estado, por meio de políticas públicas, haja vista a natureza prestacional dos direitos sociais, para se assegurar minimamente a justiça e o bem-estar social ao indivíduo, o que não vem sendo efetivado, principalmente pela violação ao princípio do não retrocesso.

OBJETIVOS

Analisar a atuação do Estado brasileiro, mormente do Governo Federal, nos últimos dez anos (2010/2020), na implementação de políticas públicas de regulamentação do trabalho e da seguridade social, à luz do princípio do não retrocesso.

Objetivos específicos

· Identificar o surgimento e evolução da noção de proteção social no mundo e no Brasil;

· Destacar a importância dos direitos fundamentais sociais;

· Averiguar como se deu o processo de consagração do direito ao trabalho e à Seguridade Social no ordenamento jurídico brasileiro;

· Apresentar os princípios que norteiam a Seguridade Social na atual ordem constitucional;

· Identificar as políticas públicas implementadas pelo Governo Federal no período compreendido entre os anos de 2010 e 2020 para a efetivação do direito ao trabalho e à Seguridade Social;

· Abordar as principais políticas de regulamentação do trabalho e Seguridade Social à luz do princípio do não retrocesso.

METODOLOGIA

            A pesquisa, quanto ao método de abordagem, se classifica como qualitativa, pois há a necessidade de se compreender como se encontra estruturado o ordenamento jurídico brasileiro no que tange as políticas públicas voltadas à efetivação do direito ao trabalho e à Seguridade Social.

Para Vergara (2015), a pesquisa qualitativa está relacionada em compreender e interpretar determinados comportamentos, a opiniões e as expectativas dos indivíduos de uma população, ao passo que a pesquisa quantitativa busca traduzir em números as opiniões e informações analisadas.

Na mesma senda lecionam Nique e Ladeira (2017), que ressaltam ser a pesquisa quantitativa voltada à precisão dos resultados, proporcionando margem de segurança quanto às interferências, ao passo que a pesquisa qualitativa busca exatamente a compreensão e interpretação de fenômenos, sendo, pois, a mais adequada para se analisar as questões afetas à efetivação dos direitos sociais.

De acordo com Malhotra (2012, p. 111), a pesquisa qualitativa é não estruturada e exploratória, baseada em pequenas amostras que proporciona percepções e compreensão do contexto do problema (MALHOTRA, 2012, p. 111).

Já Nique e Ladeira (2017) enfatizam, ainda, que a pesquisa qualitativa busca [...] compreender a ação humana, através da experiência vivida pelos sujeitos estuados, com base nos discursos destes.

Quanto ao procedimento, esta pesquisa classifica-se como descritiva. Tal método propõe descrever as características e etapas e, como enfatiza Severino (2017), analisa determinado fenômeno e o conecta com outros.

Malhotra (2012, p. 61) define a pesquisa descritiva como aquela que se propõe a [...] descrever alguma coisa normalmente, características ou funções de mercado.

Nesse tipo de pesquisa as informações necessárias estão claramente definidas. Em consequência disso, a pesquisa descritiva é pré-planejada e estrutura e, normalmente, baseia-se em amostras grandes e representativas (MALHOTRA, 2012, p. 61).

Quanto aos procedimentos, a pesquisa é bibliográfica, ou seja, [...] aquela que se realiza a partir do registro disponível, decorrente de pesquisas anteriores, em documentos impressos, como livros, artigos, teses etc. (SEVERINO, 2017, p. 213).  Logo, os textos se apresentam como principal fonte do tema a ser pesquisado. Ou, como enfatiza Vergara (2015), o estudo sistematizado se desenvolve com base em materiais publicados, em fontes físicas ou não, e acessíveis ao público em geral. 

Desta feita, os dados teóricos foram coletados com base no material bibliográfico e a partir da análise de estudos preexistentes sobre o tema, averiguando o papel do Estado na efetivação do direito à seguridade social, à luz do princípio do não retrocesso.

Por fim, os dados foram analisados com base na literatura sobre o tema, a partir da análise de conteúdo que, de acordo com Severino (2017, p. 200), é a metodologia adotada para o tratamento de informações constantes em documentos, sob forma de discursos pronunciados em diferentes linguagens, ou seja, trata-se de se compreender criticamente o sentido manifesto ou oculto das comunicações.

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Sobre o autor
Valter dos Santos

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