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Inconstitucionalidade e inconvencionalidade da nova Lei de Improbidade Administrativa

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2. DOS DISPOSITIVOS INCONVENCIONAIS E INCONSTITUCIONAIS DA LEI Nº 14.230/21

Art. 1º

Em virtude do princípio de vedação ao retrocesso, este artigo, ao suprimir a modalidade culposa dos atos de improbidade que importem em prejuízo ao erário, tornou-se inconvencional por violação frontal aos arts. 1º, item 1; 3º, item 1; 5º; 8, item 6; 62, item 1; e 65, item 2, todos da Convenção da Nações Unidas Contra a Corrupção, ratificada pelo Brasil no ano de 2006.

Quanto ao parágrafo segundo do mesmo artigo, podemos observar uma enorme contradição. Nesse sentido, apesar de explicar de forma correta, do ponto de vista do Direito Penal, o conceito de dolo, faz, em sua parte final, alusão de que para a caracterização do dolo não basta a voluntariedade do agente, sem fornecer o outro necessário elemento. Tal posicionamento da parte final da norma trouxe, além de imprecisão técnica da natureza jurídica da ação de improbidade administrativa, ausência de complementação dos elementos do dolo. Ora, se dolo é vontade livre e consciente não bastando a voluntariedade do agente, o que mais seria necessário? A lei não explica nesse dispositivo.

Outro ponto que merece atenção é o §4º do art. 1º, que determina a aplicação dos princípios constitucionais do direito administrativo sancionador. Em que pese na leitura desse dispositivo, lido separadamente, não haver grandes questões jurídicas que devamos nos preocupar, é possível perceber que a nova Lei de Improbidade Administrativa possui artigos que nos levam a caminho diverso do pretendido pelo art. 1º, §4º, neste sentido o art. 17 (analisaremos mais adiante) é taxativo ao prever a aplicação do Código de Processo Civil ao processo de responsabilização do agente por ato de responsabilidade. Enquanto este dispositivo nos remete ao Direito Civil, o parágrafo em análise (art. 1º, §4º) nos remete ao direito administrativo.

Para tornar a situação ainda mais complexa, a própria Lei 14.230/21, quando da justificativa de seu Projeto de Lei trouxe a seguinte afirmação:

Não é razoável manter-se questões de estado ao alvedrio das alterações políticas e nem tratar questões de ato de improbidade como se administrativas fossem.

Não bastasse isso, o art. 17-D é incisivo ao afirmar que a ação de improbidade administrativa não constitui ação civil. Mais adiante faremos melhor explanação acerca da natureza jurídica da ação de improbidade administrativa.

Art. 3º

Passando à análise do art. 3º, ficou notório que a inserção das pessoas jurídicas para serem responsabilizadas por atos de improbidade respeitou as Convenções das quais o Brasil faz parte. Ou seja, o artigo 3º expandiu o rol do art. 2º, estabelecendo que a pessoa jurídica que pratique ato de improbidade poderá ser responsabilizada com as sanções compatíveis com sua situação. Nesse ponto, louvável o movimento realizado pelo legislador infraconstitucional.

Por outro lado, grave equívoco cometeu o legislador ao querer restringir, conforme se verá adiante, a eficácia da sentença que proíbe a pessoa jurídica de contratar com o Poder Público apenas ao âmbito territorial do município no qual o ato foi praticado.

Arts. 9 e 10

No que diz respeito aos arts. 9º e 10 da Lei 8.429/92, após as alterações trazidas pela Lei 14.230/21, observa-se da leitura desses dispositivos que o legislador manteve a expressão e notadamente, ou seja, continuou o rol dos artigos sendo meramente exemplificativo, podendo, desse modo, haver hipóteses que não estejam previstas nos seus incisos, mas que possam ser perseguidas por seus legitimados. Bastando, portanto, para sua configuração a mera disposição inserida no caput.

Nesse ponto, importante fazer significativa ressalva quanto aos atos de improbidade que importem enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário.

Atos de improbidade administrativa, regra geral, podem ser praticados das mais diversas formas pelos gestores da máquina pública. Por essa razão que, desde seu nascedouro, a Lei 8.429/92 nunca ousou prever taxativamente todas as hipóteses de improbidade que pudessem ser praticadas. Nem poderia.

A experiência cotidiana vem demonstrando que, a cada ano que se passa, novas formas de se enriquecer às custas do patrimônio público vem sendo desenvolvidas por gestores ímprobos, razão pela qual o que efetivamente constitui o ato de improbidade são: enriquecimento ilícito, dano ao erário e violação de princípios da Administração Pública, pouco importando a forma de seu cometimento.

Ademais, a mudança operada no art. 10 da LIA, qual seja, a retirada da modalidade culposa, operou, a nosso ver, manifesto retrocesso no combate à corrupção.

De uma leitura da justificativa do projeto de Lei é possível atestar o equívoco do legislador ao suprimir esse dispositivo. Em sua justificativa, alega-se vagamente que atos decorrentes de negligência, imprudência ou imperícia seriam por demais banais para serem sancionados pela Lei de Improbidade Administrativa. Nesse sentido vejamos um trecho da justificativa do Projeto que culminou com a Lei nº 14.230/21:

Bastante significativa é a supressão do ato de improbidade praticado mediante culpa.

De um atento exame do texto, pari passu da observação da realidade, conclui-se que não é dogmaticamente razoável compreender como ato de improbidade o equívoco, o erro ou a omissão decorrente de uma negligência, uma imprudência ou uma imperícia. Evidentemente tais situações não deixam de poder se caracterizar como ilícitos administrativos que se submetem a sanções daquela natureza e, acaso haja danos ao erário, às consequências da lei civil quanto ao ressarcimento.

O que se compreende neste anteprojeto é que tais atos desbordam do conceito de improbidade administrativa e não devem ser fundamento de fato para sanções com base neste diploma e nem devem se submeter à simbologia da improbidade, atribuída exclusivamente a atos dolosamente praticados.

Entendemos que essa justificativa fornecida pelo legislador ordinário não se sustenta a ponto de extirpar do sistema de repressão de atos ímprobos a conduta culposa do gestor. Dessa forma, a remoção da modalidade culposa operou, inequivocamente, odioso retrocesso ao sistema de combate aos atos de improbidade.

A conduta culposa não pode, prima facie, ser afastada pelo legislador sob o fundamento que todo ato culposo que gere prejuízo ao erário não deve ser considerado ímprobo. Nesse tom, o Administrador tem o dever de conhecer as normas e agir de acordo com elas. Ao desviar sua conduta deve ser responsabilizado, independente de ter cometido o ato dolosa ou culposamente.

Determinadas condutas culposas cometidas por gestores e agentes públicos podem ter elevada gravidade, merecendo repressão rigorosa pelo ordenamento jurídico, inclusive pela sistemática dos atos de improbidade. Nesse sentido, podemos citar como exemplo ato culposo grave, merecedor de reprovação com ato de improbidade, fato ocorrido no dia 05 de abril de 2021, na cidade de São bento do Una, onde 2.805 doses de vacina contra o agente patogênico COVID-19 foram desperdiçadas por armazenamento inadequado das vacinas ocasionado por conduta culposa dos agentes de saúde.

Entendemos como retrocesso a retirada dos atos de improbidade culposos que gerem prejuízos ao erário. O Administrador sabe de seus deveres e obrigações no exercício do cargo. Desvios de conduta que causem prejuízos ao patrimônio público devem ser sancionados, mesmo quado tenham sido praticados culposamente.

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Por essa razão, o dispositivo do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa se mostra violador dos preceitos constantes dos arts. 1º, alínea a, 3º, item 1, 5º, itens 1 e 2, 8º, item 6, 62, item 1, e 65, itens 1 e 2, todos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção.

Art. 11

Uma simples leitura do dispositivo e dos artigos científicos já publicados sobre o tema já nos informa ser o art. 11 da LIA um dos mais discutidos quando da reforma operada pela Lei nº 14.230/21. Importante mencionar que ainda não há posição assumida pelos Tribunais Superiores sobre a validade desse dispositivo. Entretanto, iremos expor a que entendemos ser mais benéfico à sociedade e compatível com a Constituição Federal e as Convenções das quais o Brasil é signatário.

Tal discussão se mostra necessária, pois a Nova Lei trocou a expressão e notadamente, existente nesse dispositivo quando de sua redação original, por caracterizada por uma das seguintes condutas. Desse modo, observa-se que o legislador pretendeu disciplinar as condutas do art. 11 em um rol taxativo.

A repercussão dessa modificação no mundo jurídico ocorre porque, na prática, o art. 11 era uma vala comum de atos ímprobos, ou seja, quando a conduta não se enquadrava nos artigos 9 ou 10, mas violasse frontalmente preceitos normativos de nosso ordenamento jurídico, caberia o enquadramento da conduta ímproba por violação de algum princípio, principalmente pelo agora revogado inciso I (praticar ato visando fim proibido em lei). No entanto, com a taxatividade e consequente revogação desse dispositivo não haveria mais tal cabimento. Resta-nos identificar se tal taxatividade segue os parâmetros assumidos pelo Brasil.

O professor Emerson Garcia, em aula ministrada no 18º Reunião do Fórum Permanente de Transparência e Probidade Administrativa[5], afirmou que se deve respeitar a vontade dos legisladores, pois eles são os representantes do povo, bem como que, ao especificar a conduta ímproba que viole os princípios, não teria ele operado esvaziamento da improbidade por violação de princípios, mas sim uma nova perspectiva. Em que pese essa fundamentação, entendemos que esse dispositivo não se sustenta por diversos motivos.

Após a análise do art. 11, entendemos que se trata de um dispositivo eivado de dupla pecha de invalidade, por ser simultaneamente inconvencional e inconstitucional. Vejamos os motivos dessa nossa compreensão.

No que diz respeito à inconstitucionalidade do dispositivo, entendemos ser a norma inconstitucional por violação do princípio da isonomia. Nesse sentido, ao prever, em rol taxativo, as hipóteses caracterizadoras de improbidade administrativa por violação de princípios, o legislador deixou de fora uma plêiade de casos igualmente relevantes, quiçá mais graves, sem qualquer punição pela Lei 8.429/92. Em verdade, tais hipóteses não especificadas sequer podem ser consideradas como improbidade administrativa.

Por se tratar de artigo que versa sobre atos de improbidade por violação de princípios, normas genéricas e abstratas por sua própria natureza, é impossível a previsão de todas as formas de sua violação em um rol taxativo. Ademais, por mais que se faça um esforço hermenêutico para se prever todas as hipóteses e, destas, elencar as mais graves para figurarem no rol do art. 11 da LIA, sempre existirão hipóteses outras, não pensadas pelo legislador, e que se mostrem tão graves quanto, ou mesmo mais graves, que aquelas por ele previstas.

Além disso, a mera valoração das condutas, por quem quer que seja, sempre estará sujeita à relativização de sua gravidade, a depender do parâmetro utilizado pelo intérprete para afirmar que uma ação é mais ou menos grave que outra.

Esse dispositivo gerou séria discriminação em relação aos gestores, posto que agora será possível a punição de um administrador de um município que viole expressamente um dos poucos incisos trazidos pelo art. 11 da lei, enquanto o gestor do ente federativo limítrofe àquele, que praticou diversos atos não expressamente previstos na norma em estudo, sairá ileso, não respondendo a qualquer processo de improbidade pelos atos praticados.

A redação do dispositivo gerou evidente tratamento díspar entre pessoas que praticaram ações violadoras de preceitos principiológicos da Administração Pública. Por essa razão, não vemos como tal dispositivo se manteria válido e vigente, uma vez que ataca frontalmente o dispositivo constante do art. 5º, inciso II da Constituição Federal.

Já no que tange à convencionalidade da lei, importante repisar que o Brasil assumiu compromissos nas Convenções Internacionais contra a Corrupção (OCDE, OEA, ONU) internalizadas como normas supralegais. Ou seja, o Brasil ratificou Convenções que tem como finalidade o impedimento ao retrocesso no combate à corrupção e, consequentemente, à improbidade. São exemplos dessa vontade do estado brasileiro os decretos nº 4.410 e 5.687, de 7 de outubro de 2002 e 31 de janeiro de 2006, respectivamente.

Neste sentido, ao analisarmos a literalidade do disposto no art. 11, observa-se que essa alteração visou enfraquecer o combate aos atos de corrupção quando praticados violando-se princípios constitucionais da Administração Pública. Não houve o mínimo de zelo pela teoria da norma. Além disso, o dispositivo trouxe incoerência lógica à sua própria disposição, posto que, no que tange à hermenêutica envolvendo princípios, enquanto normas gerais e abstratas, é humana e cognitivamente impossível especificar todas as condutas relacionadas a determinada norma principiológica. Qualquer tentativa nesse sentido está fadada ao fracasso, tendo em vista haver a possibilidade de esquecimento de alguma conduta que, igualmente, viola a norma.

No entanto, o caso fica ainda mais grave quando trazemos essa hermenêutica para o mundo jurídico-administrativo, pois, como já dito, não haverá a possibilidade de esgotar todas as condutas em um texto legal, haja vista a ampla gama de possíveis condutas atuais e futuras a serem praticadas por gestores ímprobos e que venham a corroer a norma-princípio que o ordenamento jurídico visa proteger.

Além disso, no art. 65, item 2 da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção, há expresso mandamento no sentido de se impedir o retrocesso[6]. No entanto, observa-se que a nova Lei afronta diretamente tais institutos ao afastar a maior gama de ações dos gestores que praticarem atos de improbidade na modalidade do art. 11 da LIA. Assim, no que tange a esse dispositivo, sua taxatividade não promove ou fortalece as medidas de combate a Corrupção, mas, pelo contrário, a fragiliza.

Dessa forma, fica evidente a afronta que faz a Lei 14.230/2021, tanto à Carta Magna quanto às Convenções das quais o Brasil figura como Estado signatário. Desse modo, como forma de manutenção dos bens jurídicos tutelados por Tratados Internacionais, entende-se que o caráter taxativo descrito nas condutas que afrontam princípios é, também, inconvencional. Tendo em vista, a impossibilidade de taxar princípios e, também, a impossibilidade de restringir as medidas para prevenir e combater eficazmente a corrupção.

Outro ponto que merece destaque é o §1º do artigo em análise, no qual se afirma que

Nos termos da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006, somente haverá improbidade administrativa, na aplicação deste artigo, quando for comprovado na conduta funcional do agente público o fim de obter proveito ou benefício indevido para si ou para outra pessoa ou entidade.

Percebe-se, aqui, que houve manifesto equívoco do legislador, isso poque, nessa Convenção, em seu texto, nada se fala especificamente quanto a ato de improbidade. Além disso, A ideia da reforma em nada se coaduna com o conteúdo e ideologia seguido pelo Tratado Internacional.

Quando essa Convenção especifica um determinado tema, ele o faz tratando de delito, ou seja, condutas com reflexo penal. Temerária e sem base a alegação de que a Lei 14.230/21 estaria em conformidade com a Convenção, pois não está!

Por fim, o artigo 11, em seu parágrafo 5º trouxe uma forma específica de conduta violadora do princípio da impessoalidade, qual seja, nepotismo, como ato de improbidade, mas com uma série de ressalvas. Mesmo antes de essa Lei considerar esse fato como violado de princípio, essa ilícito já era punido e o agente que o cometesse considerado ímprobo em nosso ordenamento jurídico, sobretudo em decorrência da Súmula Vinculante nº 13 do STF.

O ato de contratar e favorecer parentes com cargos na Administração Pública é considerado por aquela Excelsa Corte como violador dos preceitos constitucionais, a ponto de maioria qualificada dos ministros votarem pela edição de uma súmula vinculante. No entanto, tal ponto da Lei ressuscitou essa prática envolvendo-a em várias blindagens, de modo a tornar a proibição da súmula vinculante quase inaplicável, pois, apesar de no inciso XI ter ocorrido a transcrição literal daquele enunciado do STF, em seu §5º instituiu que Não se configurará improbidade a mera nomeação ou indicação política por parte dos detentores de mandatos eletivos, cabendo ao MP provar que além do vínculo parental a indicação visava um fim ilícito. Tal ônus não é previsto na Súmula Vinculante.

Ao agir dessa forma, o legislador buscou tornar letra morta dispositivo claro e evidenciado por inúmeros julgados do Supremo Tribunal Federal. Foi uma forma de blindar o administrador ímprobo das ações da mais alta Corte Jurisdicional desse país no que diz respeito ao favorecimento de familiares com cargos públicos.

Art. 12

Quanto às alterações sofridas no artigo 12, cumpre mencionar que, em relação aos atos que atentam contra os princípios administrativos, atualmente INEXISTE a sanção de perda da função e suspensão dos direitos políticos. No entanto, as alterações não se limitam a isso.

Em seu §1º, observa-se que se trata de mais um dispositivo inconvencional e inconstitucional. Remetemo-nos, novamente, à leitura do disposto no tópico anterior, que fala da vedação ao retrocesso e da inconstitucionalidade do art. 11. Isso porque, ao dispor que a perda da função pública somente atingirá o cargo ao qual detinha poder na época dos fatos, verifica-se a criação de uma espécie de prerrogativa funcional incompatível com o disposto pelas Convenções ratificadas pelo Brasil.

As atribuições e o status do cargo ocupado pelo gestor não pode servir de obstáculo à sua punição por desvios cometidos em seu exercício. O ato ímprobo recai sobre a pessoa e não sobre o cargo ao qual o agente estava vinculada. Nesse tom, a própria LIA informa, em seu art. 17-D, que as sanções da Lei possuem caráter pessoal.

Desse modo, portanto, inconvencional e inconstitucional restringir a eficácia da punição apenas nas situações em que o agente permanece no mesmo cargo nos quais foram praticados atos ilícitos. Isso gera retrocesso e viola o princípio da isonomia, já que atos idênticos de improbidade, quando praticado por gestores que não estão mais no mesmo cargo que gerou o ato poderão permanecer ilesos no domínio da máquina pública.

No que tange à inconvencionalidade, é evidente o intuito de manter o agente ímprobo blindado de eventuais punições pelo Poder Judiciário.

Explico. Segundo o painel eletrônico Justiça em Números[7], do Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio de baixa definitiva de processos é de 6 anos e 7 meses de tramitação, o que já excede bastante o mandato de 4 anos da maioria dos cargos eletivos. Sendo assim, exigir que a sanção seja aplicada apenas àqueles gestores que ainda permaneçam no mesmo cargo em que cometido o ato ímprobo equivale a evidente retrocesso no combate à corrupção, sobretudo quando, repise-se, a improbidade é um ilícito de cunho pessoal, e não do cargo no qual o ilícito foi consumado.

Por fim, referido dispositivo se mostra, também, inconstitucional, pois cria uma nova espécie de prerrogativa funcional não expressamente prevista na Carta Magna de 1988. Como dito linhas acima, não pode a lei limitar uma sanção com base em requisitos outros que não diretamente ligados ao agente ímprobo. Exigir que ele ainda esteja no cargo em que fora praticado o ato ímprobo operaria uma prerrogativa funcional e uma limitação desarrazoada à punição do agente.

Por essa razão, entendemos que esse dispositivo está, simultaneamente, em desconformidade com o ordenamento jurídico constitucional, bem como afronta normas supralegais consistentes em Tratados internacionais de Direitos Humanos.

Outra espécie de retrocesso, previsto nas alterações pela Lei 14.230/2021, está disposto no §4º do mencionado artigo, pois, segundo ele, em regra, deverá ocorrer a suspensão da proibição de contratação somente no ente público lesado e, apenas em caráter excepcional, tal proibição se estenderá aos outros entes. In verbis:

§ 4º Em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados, a sanção de proibição de contratação com o poder público pode extrapolar o ente público lesado pelo ato de improbidade, observados os impactos econômicos e sociais das sanções, de forma a preservar a função social da pessoa jurídica, conforme disposto no § 3º deste artigo.

Registre-se a impropriedade desse dispositivo, uma vez que a exceção trazida por esse dispositivo carece de uma regra específica. Ou seja, nos incisos do art. 12, ao se falar em proibição de contratar com o poder público, inexiste limitação territorial para a decisão judicial. Ela vem demonstrada apenas no §4º, que traz uma exceção a essa regra implícita.

É evidente que um agente declarado ímprobo por uma autoridade judicial é ímprobo em todo território nacional. Estamos aqui diante de uma tentativa absurda de limitar os efeitos da sentença judicial prolatada por Magistrado legitimamente competente para imposição de sanções da lei.

Situação similar já foi analisada quando do julgamento do art. 16 da Lei de Ação Civil Pública (Lei nº 7.347/85). Na ocasião, discutia-se se a norma legal poderia limitar territorialmente os efeitos da sentença. Julgando o EREsp nº 1.134.957/SP, os ministros daquela Corte decidiram que a eficácia das decisões proferidas em ações civis públicas coletivas não ficam limitadas territorialmente. Não poderia ser diferente o entendimento daqueles magistrados superiores. A decisão judicial é válida em todo território nacional, uma vez que a jurisdição não pode ser constrita no espaço. Absurda a ideia defendida pelo legislador quanto ao dispositivo do art. 12, §4º da LIA.

Observa-se o retrocesso presente nesse ponto, pois, a título de exemplo, imaginemos uma empresa possui contratos com o Poder Público em diversas cidades. Caso haja sentença por ato de improbidade em uma delas, somente esta será atingida. Desse modo, têm-se que, apesar de considerado impedido de realizar contratos com a Administração Pública, diante do cenário traçado pelo legislador infraconstitucional, poderá esse agente contratar livremente com entes vizinhos e manter seus contratos anteriores, como se probo fosse.

Importa mencionar que, apenas em caráter excepcional, houve previsão de que a sanção poderá se estender a outros entes federativos. Todavia, tal caráter de excepcionalidade é, por si só, um retrocesso às convenções ratificadas por nosso país e um desrespeito às decisões judiciais legitimamente prolatadas.

Art. 17

O referido art. 17 da Lei de Improbidade Administrativa, a par de reger o procedimento da lei pelo Código de Processo Civil, reduziu o rol de legitimados para propor esta ação. A partir da reforma operada pela Lei nº 14.230/21, apenas o Ministério Público passou a figurar como legitimado exclusivo para promoção da ação civil de improbidade administrativa. Repise-se que, antes da alteração promovida pela mencionada norma, a legitimidade era repartida entre Ministério Público e Pessoa Jurídica de Direito Público lesada.

Referida alteração se mostra incompatível com a normativa internacional e, não bastasse isso, representa incoerência lógica do sistema, uma vez que retira a legitimidade daquele que figura com maior interessado na demanda o ente público lesado.

Como se sustentar que a Pessoa Jurídica de Direito Público lesada não possui legitimidade para perseguir o agente ímprobo, que manchou sua imagem e gerou prejuízo aos cofres públicos? Não bastasse essa incoerência inicial na legitimidade para demandar, a nova lei agrava esse quadro ao retirar a legitimidade do Ministério Público para promover a liquidação judicial de sentença condenatória, entregando-a, apenas nesse momento e por prazo certo de seis meses, ao ente público lesado.

Ao assim agir, o legislador ordinário afirma que o ente público não tem legitimidade para propor a ação, mas tem para promover a liquidação de sentença. Ora, legitimidade não se fragmenta ao bel prazer de quem faz as leis. Ou se tem ou não se tem legitimidade para o processo!

Por essas razões, observa-se que tal dispositivo é também inconvencional e inconstitucional. Importa mencionar que, já no caput do artigo analisado, há um retrocesso ao Combate à Corrupção, pois o artigo 17 da LIA restringiu a legitimidade para tutela do Patrimônio Público e sanção dos agentes ímprobos. Ademais, importa mencionar ainda que, cabendo somente ao MP atuar como legitimado ativo contra os atos de improbidade, é possível que atos ilícitos demorem mais a serem descobertos, sobretudo nas cidades em que o membro do Ministério Público exerce atribuições plenas para todas as matérias de atuação ministerial (saúde, educação, patrimônio público, consumidor, criança e adolescente, dentre várias outras), trazendo com isso um maior risco de impunidade aos agentes mal intencionados.

Já a inconstitucionalidade reside na violação do devido processo legal, uma vez que o legislador infraconstitucional retira e devolve a legitimidade do ente público lesado ao seu bel prazer e sem razões jurídicas que justifiquem tamanha discricionariedade.

Ademais, importa mencionar o §10-F, da forma como redigido, sem qualquer ponderação quanto à atuação leal das partes do processo, viola a independência funcional dos magistrados. Dessa forma, ao tornar nula a sentença que condenar o agente sem a produção das provas por ele requerida tempestivamente, a lei obriga o magistrado à produção probatória sem a possibilidade de indeferimento, por mais impertinentes e irrelevantes que sejam.

Explicando em maiores detalhes, mesmo que o magistrado entenda que uma prova requerida se apresenta como impertinente, ainda assim seria obrigado a produzi-la, pois, a consequência para sua não produção, de acordo com o dispositivo em comento, é a nulidade de sua decisão. Tal dispositivo reclama, ao menos, interpretação conforme a Constituição Federal, a fim de evitar afronta à independência dos Juízes.

Quanto ao §19, observa-se outro retrocesso, no que tange a seus incisos. No inciso primeiro, afirma-se que não se aplicará à ação de improbidade administrativa a presunção de veracidade dos fatos alegados pelo autor, em caso de revelia.

A revelia, conforme lição de Luiz Guilherme Marinoni, pode ocorrer de duas formas. Vejamos:

De acordo com o direito brasileiro, há duas situações que podem ocasionar a revelia, cada qual dependente do tipo de procedimento que se adota. Dessa forma, em se tratando de procedimento ordinário, a revelia opera-se diante da falta de contestação produzida pelo réu no prazo que se lhe concede para a defesa (art. 319 do CPC); já se o procedimento adotado for o sumário, então a revelia decorrerá da ausência injustificada do réu à audiência preliminar e de não apresentação de contestação.

Ocorre que, de acordo com o CPC/15, a revelia não operará efeitos quando houver interesses indisponíveis envolvidos no caso concreto. Tal exceção, entretanto, deve ser interpretada cum grano salis.

Sobre os autores
Jefson M S Romaniuc

Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco. Graduado pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-graduado em Direito Civil e Processual Civil pela Escola Superior de Advocacia da Paraíba – ESA/PB. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Faculdade CERS. Mestrando em Políticas Públicas pela Universidade Federal de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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