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ARTICULAÇÃO ENTRE POLÍTICA EXTERNA E DE DEFESA: UMA ANÁLISE DA GESTÃO DE CELSO AMORIM NO MINISTÉRIO DA DEFESA

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Agenda 08/02/2022 às 17:19

Autora: Jéssica Coelho Gomes Ferreira

RESUMO

O objetivo deste estudo é discutir como se deu a articulação entre a política externa brasileira e a política nacional de defesa no período de 2003 a 2014 nas gestões de Celso Amorim. A metodologia e os materiais utilizados para desenvolvimento deste estudo são uma revisão bibliográfica sobre os principais autores e instituições, além de uma análise histórica resumida. Primeiramente é discorrido como tais políticas brasileiras foram conduzidas no período em que o Partido dos Trabalhadores se manteve no poder, e como se deu o impulso para desvencilhar o caminho permeado por entraves para que ambas iniciassem uma interação mais significativa. A Grande Estratégia é uma noção que aparece na Estratégia Nacional de Defesa, feita durante o Governo Lula pelo Ministro Nelson Jobim. Remete à necessidade de emprego de toda a gama de recursos à disposição do Estado, e não apenas dos recursos militares, para a manutenção de sua segurança, seja durante um conflito, seja para garantir a paz em termos que lhe sejam favoráveis, ou seja, é a articulação consolidada entre políticas. A experiência de Amorim foi imprescindível para o Brasil iniciar e vivenciar essa conjunção, porém os impedimentos ainda são grandes para que seja consolidada.

Palavras-chave: Política Externa; Política de Defesa; Articulação entre políticas; Governos Lula da Silva e Dilma Rousseff; Celso Amorim; Grande Estratégia.

ABSTRACT

The objective of this study is to discuss how the articulation between the Brazilian foreign policy and the national defense policy in the period from 2003 to 2014 in Celso Amorim 's actions took place. The methodology and materials used for the development of this study are a bibliographical review on the main authors and institutions, as well as a summary historical analysis. It is first discussed how such Brazilian policies were conducted in the period in which the Partido dos Trabalhadores remained in power, and how the impetus was given to unravel the road permeated by obstacles for both to initiate a more meaningful interaction. The Great Strat is a notion that appears in the National Strategy of Defense, made during the Lula Government by Minister Nelson Jobim. It refers to the need to use the full range of resources available to the State, not only military resources, to maintain its security, either during a conflict or to ensure peace on terms that are favorable to it, is the consolidated link between policies. The experience of Amorim was essential for Brazil to start and experience this conjunction, but the impediments are still great for it to be consolidated.

Key-words: Foreign policy; Defense Policy; Articulation between policies; Governments Lula da Silva and Dilma Rousseff; Celso Amorim; Great Strat.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade discutir a Política Externa Brasileira (PEB) juntamente com a Política Nacional de Defesa (PND) no âmbito da gestão de Celso Amorim como Ministro de Relações Exteriores desde o primeiro Governo Luís Inácio Lula da Silva, em 2003, e Ministro de Defesa até o final do mandato do Governo Dilma Vana Rousseff, em 2014 e entender como Amorim fez a conexão entre essas políticas. Portanto, a pergunta de pesquisa é: como se deu a articulação entre as políticas externa e de defesa no período de 2003 a 2014 nas gestões de Celso Amorim?

Para isso, será discorrido primeiramente como tais políticas brasileiras foram conduzidas no período em que o Partido dos Trabalhadores (PT) se manteve no poder, e como se deu o impulso para que ambas iniciassem uma interação mais significativa.

Posteriormente, será discutido como essa conexão foi possível. Dessa forma, será abordada a maneira que Celso Amorim desvencilhou este caminho permeado de entraves que impediam a articulação das duas políticas.

A articulação entre as políticas externa e de defesa se resume na interação de duas políticas de Estado que se complementam com o objetivo final de ganhos na política internacional, ou seja, ambas levadas para fora de seus limites geográficos. Como bem disse Barão de Rio Branco a respeito da relação entre soldado e diplomata: Eles são sócios que se prestam mútuo auxílio. Um expõe o direito e argumenta com ele em prol da comunidade, o outro bate-se para vingar o direito agredido, respondendo à violência com violência (DE ARAÚJO, 2012, P.156).

Exemplo prático dessa articulação entre políticas é o projeto de integração/cooperação da América do Sul, o qual propicia a estabilidade regional que fomenta a aproximação econômica e diminui a probabilidade de embates.

Celso Amorim (2016), enquanto Ministro de Relações Exteriores e posterior Ministro de Defesa caracterizou a Política Externa Brasileira no Governo Lula como ativa e altiva em mais um de seus discursos, foi uma política que adotou uma postura ousada permitindo a conexão com o setor da defesa do país. Temos uma atitude aberta de cooperação com todos os povos, sem abrir mão da independência e do sentido de grandeza de um país de proporções continentais (AMORIM, 2016, p. 175).

De acordo com Marchetti (2014), a política externa adotou um modelo de ser à maneira de política pública, a qual é levada para o ambiente parlamentar abrindo discussões com os partidos e o legislativo; e para o ambiente social ampliando espaço para que a sociedade civil se torne participativa nos debates acerca dessas políticas. Assim a PEB caminha cada vez mais ativa e altiva com Celso Amorim sendo um dos principais nomes a frente desse projeto.

O artigo justifica-se pela importância do tema para a Política Nacional como um todo, pois observa-se o início de uma caminhada, sem precedentes para o país, para a articulação entre duas políticas que não devem ser dissociadas e sim funcionar em conjunto. A metodologia utilizada para desenvolvimento deste estudo é uma revisão bibliográfica sobre os principais autores e instituições, além de uma análise histórica acerca das causalidades e fatos que culminaram na articulação (conexão de duas políticas trabalhando uma em função da outra, desde suas formulações até suas execuções) entre a política externa e a de defesa.

O texto está dividido em cinco seções. A introdução, que apresenta o assunto que será abordado no trabalho, qual a metodologia utilizada e a relevância do tema. A segunda parte inicia-se esclarecendo o que é a Política Externa Brasileira e como o Ministério das Relações Exteriores deve conduzi-la de acordo com a legislação Brasileira. Será discutida as inovações do governo Lula da Silva, suas metas e conquistas, a mudança de autonomia adotada pelo país e que afetou o modus operandi do Itamaraty colocando assim a presidência à frente das decisões do Ministério. E também a perca do protagonismo de Lula e Amorim e o período de retração ocorridos no governo Dilma Rousseff.

A terceira seção tratará da Política Nacional de Defesa, iniciando uma análise histórica do governo com os ministros que já passaram pela pasta de Defesa, em destaque Nelson Jobim e Celso Amorim. Adentrando os problemas enfrentados, principalmente, com as Forças Armadas, assim como a criação e publicação do primeiro Livro Branco de Defesa Nacional.

Na quarta seção será discutido o tema da grande estratégia presente no documento de Estratégia Nacional de Defesa à época de Nelson Jobim no Ministério da Defesa. E as iniciativas e decisões de Celso Amorim em que foi possível articular as políticas Externa e de Defesa, e o resultado dessas implicações. E por último, as considerações finais em que serão feitas observações do início do governo Lula até o final do governo Dilma concluindo o avanço da articulação entre as duas políticas e os entraves que impediam e ainda impedem que ambas consolidem esse funcionamento em conjunto.

POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA 2003 - 2014

De acordo com o site do Itamaraty, O Ministério das Relações Exteriores (MRE) é o órgão da administração pública federal responsável pelas relações do Brasil com os demais países e pela participação brasileira em organizações internacionais. Executa a política externa definida pela Presidência da República conforme os princípios estabelecidos no art. 4º da Constituição Federal, em que apresentam:

- independência nacional;

- prevalência dos direitos humanos; III - autodeterminação dos povos;

- não-intervenção;

- igualdade entre os Estados; VI - defesa da paz;

- solução pacífica dos conflitos;

- repúdio ao terrorismo e ao racismo;

- cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; X - concessão de asilo político (BRASIL, 1988).

Entrando na análise da PEB neste período, alguns autores afirmam que não ocorreu uma ruptura do modelo da política externa de Fernando Henrique Cardoso para Lula da Silva, uma vez que muitas condutas e iniciativas foram continuadas. Podemos identificar algumas mudanças de metas, em que apesar de os dois governos representarem tradições diplomáticas distintas, mantiveram objetivos em comum: a busca pelo desenvolvimento econômico e a autonomia (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007).

Ainda de acordo com Vigevani & Cepaluni (2007) a autonomia adotada pela política externa do governo Lula foi definida como autonomia pela diversificação:

A adesão do país aos princípios e às normas internacionais por meio de alianças Sul-Sul, inclusive regionais, e de acordos com parceiros não tradicionais (China, Ásia-Pacífico, África, Europa Oriental, Oriente Médio etc...), pois acredita-se que eles reduzem as assimetrias nas relações externas

com os países mais poderosos e aumentam a capacidade negociadora nacional (VIGEVANI & CEPALUNI, 2007, p. 283).

Ou seja, Lula da Silva buscou inserir o Brasil na configuração mundial destacando formas autônomas, modificando os parceiros e as opções estratégicas do país. Sua iniciativa foi enfatizar a cooperação Sul-Sul para conquistar certo equilíbrio com os países do Norte, aumentar o protagonismo internacional do Brasil e consolidar mudanças de programa na política externa.

Em Nunca antes na história desse país...? Um balanço das políticas do governo Lula, Souza Neto (2011), destaca que os dois mandatos de Lula deixaram um legado para a diplomacia brasileira estendendo para além do seu governo.

Anteriormente ao governo Cardoso, o Itamaraty detinha o monopólio das decisões da política externa, desde sua formulação até a implementação. Fernando Henrique Cardoso teve em seu governo o início de uma diplomacia presidencial. No processo da chegada do Partido dos Trabalhadores ao poder, essa tendência foi sendo transformada e iniciou-se de fato uma ascendência na presidencialização e pluralização da política exterior do Brasil. O resultado dessa tendência foi uma progressiva diminuição da autonomia institucional do Itamaraty e uma maior dependência da autorização e dos interesses dos presidentes.

Essa pluralização da PEB com ênfase nos países em desenvolvimento, principalmente nos sul-americanos e nos africanos, e o protagonismo dessa política pode ser observado no volume de novos postos diplomáticos instalados:

Foram criados 81 novos postos, incluindo 52 novas embaixadas, 6 missões em organizações internacionais, 22 consulados e um escritório diplomático na Palestina. Do total, 23 foram na África, 15 na América Latina e Caribe, 13 na Ásia e 6 no Oriente Médio. O chanceler Amorim também viajou 467 vezes, visitando 101 países (AMORIM, 2010, p.226-227 apud LIMA, 2015, p. 39).

Durante o primeiro mandato de Lula, a conjuntura internacional e o crescimento da economia nacional ajudaram o governo a manter uma postura de destaque. As metas alcançadas no que concerne à redução na desigualdade de renda interna e a redução da pobreza também contribuíram para que a política externa se mantivesse em evidência, de acordo com Amorim (2010).

Verificou-se, a partir do segundo mandato do governo Lula, um aprofundamento da importância da América do Sul para a política externa brasileira. A criação da União de Nações Sul-americanas (UNASUL) e do Conselho de Defesa Sul-americano (CDS), ambos em 2008, são exemplos claros dessa evolução voltada para a integração da América do Sul.

Analisando a política externa brasileira neste período do mandato Lula e posteriormente Dilma, observamos que muitas condutas foram mantidas de um governo para outro. Porém, Lula se pautou pela busca de um maior protagonismo internacional, enquanto que a gestão política de Dilma alternou entre o declínio e a inércia, não conseguindo se manter em evidência (CERVO & LESSA, 2014).

Enquanto Lula da Silva e Celso Amorim expandiram a PEB, Dilma Rousseff não conseguiu apresentar muitas inovações para lidar com novos desafios internacionais, tampouco expandiu a cooperação e a integração na América do Sul. Ademais não negociou acordos do novo modelo da economia internacional, e por isso não entrou no novo regime do comércio internacional.

Segundo Cornetet, 2014 (apud DE OLIVEIRA et al., 2015, p. 3):

Já no primeiro mandato de Rousseff, a essência da PEB do governo anterior foi mantida, ainda que com alguns ajustes. A nova administração enfatizou a continuidade das diretrizes de política externa, observadas em reuniões de cúpula e nos agrupamentos com fins específicos. Porém, o empreendedorismo da política externa altiva e ativa de Lula e de Amorim perdeu espaço. As iniciativas do Brasil foram mais reativas do que ativas exemplo disso seria a suspensão do Paraguai no MERCOSUL e a saída de Patriota1. Por outro lado, a política externa de Rousseff se focou mais no âmbito das ideias do que no da ação prática como nos discursos da presidenta no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas.

Ou seja, não foram muitos autores que analisaram a política externa do governo Dilma, entretanto existe uma conformidade entre eles de que a inserção internacional do Brasil passou por um período de retração.

1Patriota foi retirado do cargo de Chanceler, em 2013, depois que o encarregado de negócios brasileiro na Bolívia, Eduardo Saboia, sem o conhecimento do Itamaraty, organizou uma operação de fuga para o senador boliviano Roger Molina, que se encontrava asilado na embaixada brasileira em La Paz há mais de um ano, após ter sido acusado de diversos crimes pelo governo de Morales.

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Antônio Aguiar Patriota, em sua posse na Secretaria-Geral do Ministério das Relações Exteriores, em 27 de outubro de 2009 disse:

Tive o privilégio de frequentar durante vários anos um verdadeiro Curso de Pós-Graduação Celso Amorim em Relações Internacionais e Diplomacia. Um ambiente de trabalho e reflexão em que não há lugar para o ceticismo, mas onde sempre há espaço para o exame de uma questão a partir de um novo ângulo; um laboratório de ideias onde a força persuasiva dos argumentos e o direito internacional, se contrapõem aos argumentos da força e à arbitrariedade; uma escola onde se fala todos os idiomas e não se perde o foco sobre o Brasil.

Resumindo, a PEB conseguiu colocar em prática muitos objetivos na última década, os quais: o incentivo às negociações econômicas multilaterais, a promoção e desenvolvimento das relações Sul-Sul, o aprofundamento das conexões com os países desenvolvidos e a consolidação da paz e segurança internacionais. Ademais, em evidência temos a busca pela integração da América do Sul e a conquista de cadeira cativa do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas. Observa-se através dos discursos oficiais e as metas de governo que as intenções da política externa estão conectadas com a área de defesa (SOUZA, 2008 apud DE OLIVEIRA et al., 2015, p. 2).

Outros fatores também foram importantes para a posição de destaque internacional do país. A personalidade do presidente Lula que se fez presente durante todos os dois mandatos; o aprofundamento da democracia e a estabilidade macroeconômica internacional. A política social feita pela presidência no combate à fome e a diminuição das taxas de desemprego, que foram exemplos a serem seguidos por outros governos.

O MRE teve sua política baseada em certas mudanças de prioridades, contudo sem alterar os princípios básicos da diplomacia. Ao longo de toda gestão houve maior integração para a América do Sul e o aprofundamento do Mercosul através de ganhos econômicos e comerciais e também aumento tangível da segurança regional com o fortalecimento da relação Brasil e Argentina.

O governo estendeu a integração com a América do Sul a qual pode ser constatada pelos números em comércio exterior que somam 20% somente com a América do Sul. A relação da América Latina com o Caribe foi bastante ampliada através das ações do Brasil no Haiti auxiliando na recuperação da democracia e a estabilidade do país. A consolidação da

Unasul também foi um marco importante no auxílio da resolução de conflitos, como foi o caso do conflito interno da Bolívia2 que por fim teve suas eleições reconhecidas por todos.

Iniciativas como a realização da I Cúpula da América Latina e do Caribe sobre integração e desenvolvimento, hoje conhecida como Comunidade de Estados Latino- Americanos e Caribenhos (CELAC), com o objetivo de fortalecer as relações entre os países da região, foi proposta em 2008, na Costa do Sauípe, Bahia:

Representantes de 33 países da América Latina e Caribe reuniram-se, pela primeira vez em dois séculos de independência política, em torno de uma agenda própria, constituída a partir de prioridades e desafios comuns. Os debates centraram-se nos temas da integração e do desenvolvimento sustentável. Ao final do evento, adotaram a Declaração de Salvador (BRASIL, 2012).

Com a mudança de paradigma, América do Sul à frente no quesito prioridade da pasta de política externa, o governo brasileiro muda sua maneira de pensar. No primeiro ano de mandato, Lula da Silva recebeu todos os presidentes da América do Sul, e com dois anos de governo já tinha visitado todos os países latino-americanos. O presidente buscou aprofundar novas parcerias, usando também as afinidades naturais com a África, para isso visitou 21 países africanos. E junto com o presidente da Nigéria realizou a Primeira Reunião de Cúpula entre África e América do Sul.

Em Série 7 anos em 7 minutos 3 Celso Amorim (2010), discorre sobre a relação do Brasil com a África, do ponto de vista político e emocional, como boa para o brasileiro descobrir suas origens com resultados práticos e concretos. O ministro também enfatiza que o continente africano é o 4º maior parceiro comercial do Brasil, perdendo apenas para China, EUA e Argentina. E relembra que algumas parcerias com a China e com os países árabes também ocorreram.

2 Em 2005, o então líder do Movimento Esquerdista Boliviano Cocalero, Evo Morales, chegou ao poder ao obter maioria no segundo turno das eleições e manter a fidelidade à cultura de seus ancestrais. Quatro anos depois, foi reeleito com 64% dos votos, embora alvo de polêmicas e críticas. Analistas políticos afirmam que a vitória e a recondução do presidente Evo Morales, de 50 anos, representa a reação popular aos anos de opressão política e social. Até a década de 70 havia locais no país que proibiam a presença de indígenas e descendentes. A discriminação estimulou a população boliviana a impor restrições a tudo que representa o colonizador espanhol, segundo especialistas.

3 Programa criado pelo Planalto no ano de 2010, que mostrou as principais ações do Governo Federal nos últimos sete anos. Por meio de depoimento de 7 minutos de cada Ministro de Estado (youtube.com/planalto).

O governo brasileiro entrou no Fórum de Diálogo de três grandes democracias do mundo em desenvolvimento. O IBAS é uma aliança entre Índia, Brasil e África do Sul, fundada na identidade democrática, multicultural, multiétnica e multirracial desses três grandes países do mundo em desenvolvimento (AMORIM, 2013, p. 298). Adicionando Rússia e China à Aliança IBAS, tem-se o BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Transformou-se de uma sigla de mercado financeiro para um grupo político que tinha como objetivo a busca de um papel central na construção de um mundo menos sujeito à hegemonia. O Brasil aproveitou a oportunidade com os BRICS, identificada pelos bancos de investimentos, mas a utilizou como instrumento de política externa e instrumento de parcerias.

Todas essas iniciativas e conquistas foram primordiais para fortalecer o país não somente com esses novos parceiros, mas também com os parceiros tradicionais que passaram a enxergar o Brasil com mais respeito. Diante desse cenário foi possível desenvolver um diálogo estratégico com os EUA, e uma parceria formal com a UE (União Europeia).

Na área econômica e comercial, o Brasil já possuía certa posição de destaque, entretanto sem afrontar os países mais ricos que ditavam as regras. Dessa vez o país teve atuação fundamental na Reunião de Cancun da OMC (Organização Mundial do Comércio) quando foi criado o G-20, mudando os padrões da negociação internacional. Por meio de uma coalizão de países em desenvolvimento criada pelo Brasil o G-20 defende com vigor a liberalização do comércio agrícola no marco da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio e impede que um acordo ditado pelos interesses exclusivos dos Estados Unidos e da União Europeia seja imposto aos demais (AMORIM, 2013, p. 294-295).

POLÍTICA NACIONAL DE DEFESA 2003 - 2014

São vários os impedimentos para que a articulação das políticas externa e de defesa ocorra. Este tema será abordado com mais detalhes na próxima seção, porém podemos observar que a maioria dos entraves são, em partes, do setor da defesa. Por exemplo: a baixa percepção de ameaças da população brasileira; somos um país pacífico, o que não significa que somos indefesos e desarmados. Como disse Amorim em seu discurso de posse no cargo de Ministro de Estado da Defesa:

Cabe ao Estado brasileiro resguardar extensas fronteiras terrestres e marítimas. Além da indispensável defesa da população, devemos proteger nossos recursos naturais, a começar pelas riquezas contidas na Amazônia e nas águas jurisdicionais brasileiras (AMORIM, 2016, p. 18).

Voltando ao início da década, em 2002, quando ainda era candidato à Presidência, em palestra feita na Escola Superior de Guerra (ESG), Lula apresentou uma proposta para a política de defesa do Brasil que ia de acordo com os interesses militares, tais quais: o reaparelhamento e a expansão da atuação das Forças Armadas, para fora dos limites da política de defesa. Porém após a sua eleição a realidade foi diferente e as propostas foram adiadas.

A tomada de decisão do governo para o financiamento de investimentos e programas sociais ocorreu em detrimento de demandas salariais militares e do reaparelhamento das Forças Armadas, como as licitações para compra de caças que foram suspensas. (OBSERVATÓRIO CONE SUL DE DEFESA E FORÇAS ARMADAS, 2003).

O então Ministro de Defesa José Viegas Filho, diplomata de carreira, contribuiu para acirrar disputas entre as Forças Armadas e o Itamaraty. Viegas trouxe propostas ousadas como melhorar a transparência na área da Defesa e levar a sociedade civil para dentro dos debates. Entretanto, não conseguiu impor sua maior proposta de limitar o emprego doméstico das Forças Armadas.

Após muitos embates e dificuldades com os militares, Viegas deixa o Ministério e José de Alencar, até então vice-presidente da República, assume a pasta de Defesa. Essa decisão por parte da presidência deixou a desejar, uma vez que tais atitudes se tornaram uma constante, e posteriormente como forma de ter uma relação amistosa com os militares. E mais uma vez os interesses do Ministro deixados em segundo plano.

Em julho de 2005, o Decreto n º 5.484 atualizou a Política de Defesa Nacional (PDN). Uma de suas mudanças foi definir que a defesa era destinada a ameaças preponderantemente externas e não mais ameaças externas, o que na área jurídica pode ser interpretado como uma lacuna a qual pode abrir um precedente futuramente, obtendo respaldo para que as Forças Armadas sejam amplamente usadas no âmbito doméstico. E com isso, a utilização das forças da defesa em locais que não lhes diziam respeito ganharam cada vez mais amparo tanto na lei como na política.

No entanto, pela primeira vez, os conceitos de Defesa e Segurança adotados pelo país foram definidos:

- Segurança é a condição que permite ao País a preservação da soberania e da integridade territorial, a realização dos seus interesses nacionais, livre de pressões e ameaças de qualquer natureza, e a garantia aos cidadãos do exercício dos direitos e deveres constitucionais;

- Defesa Nacional é o conjunto de medidas e ações do Estado, com ênfase na expressão militar, para a defesa do território, da soberania e dos interesses nacionais contra ameaças preponderantemente externas, potenciais ou manifestas (BRASIL, 2005, p. 2).

No ano de 2006, Waldir Pires, ex-Ministro-Chefe da Controladoria Geral da União, toma posse da pasta e apesar de ser politicamente fraco, deu continuidade a postura de Viegas contra o uso doméstico das Forças Armadas, o que consequentemente gerou mais embates com os militares.

O segundo mandato de Lula, foi marcado por um nome forte no Ministério da Defesa, Nelson Jobim. Em sua posse, o presidente afirmou que o objetivo da nova gestão era criar o Ministério da Defesa (MD) que até então existia somente no papel.

A partir deste momento, o Ministério da Defesa deveria aliar-se à agenda sul- americana de integração, pois, assim, além de contribuir para a execução da política externa do governo Lula, serviria para pôr fim à crise de identidade sofrida pelos militares desde a instituição da nova fase da República.

Seu principal feito enquanto ministro foi a publicação da primeira Estratégia Nacional de Defesa (END) no ano de 2008 que depois em 2012 foi objeto de revisão. Este documento define as diretrizes de implementação da Política de Defesa Nacional. A END se faz importante também por ditar a noção de grande estratégia em que desenvolvimento e defesa são indissociáveis, ou seja, inicia-se uma abordagem para a articulação da defesa e política externa (AMORIM, 2016). Dividida em três setores principais, a END se pautava pela: reestruturação das Forças Armadas; reorganização da indústria de material de defesa; e o futuro do serviço militar obrigatório.

Dilma Rousseff assumiu a Presidência da República, após o fim do segundo mandato de Lula. Nelson Jobim continuou a frente da pasta de defesa até meados de 2011, e foi substituído por Celso Luiz Nunes Amorim, diplomata e ex-chanceler.

Amorim esteve presente até o fim do mandato de Dilma em 2014 no Ministério da Defesa, o qual publicou o documento Política Nacional de Defesa (2012) e a Estratégia Nacional de Defesa (2012), ambos revisados, e a criação e implantação do Livro Branco de Defesa Nacional (2012).

O Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN) trata da primeira iniciativa completa do governo de esclarecer a sociedade civil e a comunidade internacional acerca da área de defesa do Brasil. É um dever de transparência à sociedade como um todo a respeito da atuação das Forças Armadas, e também um meio de auxiliar a população civil no entendimento da importância da defesa para o país. Ele colabora para que se invista na cooperação para a América do Sul, na ideia de que o país faça a cooperação internamente e, ao mesmo tempo, possua o poder de dissuasão para além das suas fronteiras. A dissuasão se torna importante uma vez que permite vislumbrar qualquer possível ameaça vinda de fora, e reforça a premissa de que devemos ser capazes de aumentar a nossa defesa.

O ex-chanceler, durante toda sua gestão em defesa, não teve grandes problemas nem questionamentos de sua atuação por parte dos Comandantes das Forças Armadas o que indicou um cenário político de maior estabilidade. Em entrevista com o jornalista Paulo Henrique Amorim na Record News, 2012, para falar sobre o LBDN, Amorim citou a diplomacia militar que estava se desenvolvendo no Brasil, a qual também é responsável por criar laços de cooperação entre países vizinhos. Exemplo disso foi a ajuda do Brasil na construção da marinha na Namíbia4.

Porém, a maior atuação doméstica das Forças Armadas na área de segurança pública, trouxe muitas contradições e dificuldades até mesmo para as intenções da política externa do país. Amorim se pautava, nos documentos, pela maior clareza na política de defesa, a fim de transformar a PND em política pública da mesma maneira que fez com a PEB na sua gestão, e na diminuição da atuação militar. Em contrapartida autorizava numerosas tropas em operações e aumento da participação dos mesmos na segurança pública. Exemplos como pacificações e ocupações de favelas e complexos habitacionais tornaram-se rotina de trabalho dos militares brasileiros (LIMA, 2015).

4 Em 1994 foi criada uma parceria na formação de pessoal entre as Marinhas da Namíbia e do Brasil. Em 2001, foi assinado um acordo entre os dois Governos para uma Cooperação Naval, em que a Marinha do Brasil se propôs a fornecer à Namíbia: assistência na organização, no âmbito naval da República da Namíbia, de um Serviço de Patrulha Marítima; Embarcações capazes de satisfazer às necessidades navais; e assistência no planejamento e desenvolvimento de uma infraestrutura apropriada à atracação e suporte logístico para tais embarcações. (Fonte: Marinha do Brasil.)

Dois eventos externos, como os vazamentos de informações da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos5 e a Copa do Mundo foram uns dos principais motivos dessa ampliação do emprego doméstico das Forças Armadas em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) observadas durante o governo Rousseff.

Pode-se inferir que a pasta de Defesa, no recorte histórico em questão, passou por momentos tumultuados, onde interesses políticos tiveram vez no emprego das Forças Armadas em segurança pública. O governo encontrou dificuldades para desarticular certa subordinação do Ministério aos militares. O momento também foi de início do crescimento do MD, tal qual foi possível através da conexão com o MRE e a utilização da grande estratégia.

CELSO AMORIM: CONEXÃO ENTRE POLÍTICA EXTERNA E POLÍTICA DE DEFESA A GRANDE ESTRATÉGIA

Celso Amorim ocupou o cargo de Ministro das Relações Exteriores no governo Lula por oito anos e logo após se tornou Ministro de Defesa no governo Dilma. A atitude de nomear Amorim no MD mostra a intenção da presidência de integrar a agenda do próprio setor de defesa com o Itamaraty.

Será abordado nesta seção algumas iniciativas e decisões do diplomata de carreira em que é possível observar a articulação entre as duas políticas, e quais implicações que essa estratégia acarretou.

O ex-chanceler trouxe consigo experiências como a capacidade de diálogo e a busca mais permanente pela melhor solução para o Brasil. Em entrevista (YOUTUBE, 2012) com o jornalista Paulo Henrique Amorim na Rede Record News, Amorim disse que a defesa do interesse nacional passa pelo aspecto da indústria de tecnologias nacionais e as Forças Armadas estão receptivas quanto a isso. E termina a entrevista afirmando que devemos ter um bom armamento, porém é importante que sejamos capazes de produzi-lo e de melhorá-lo também.

5Em 2013, o ex-funcionário da Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Edward Snowden, revelou informações confidenciais do país, dentre as quais, havia um amplo de esquema de espionagem às instituições governamentais brasileiras.

Há muito tempo se discute a ideia e relevância de se ampliar a indústria bélica do Brasil, entretanto é notório que o resultado disso é uma maior articulação entre os setores civil e militar nacionais. O General Antonino dos Santos Guerra Neto, à época vice-chefe de Tecnologia da Informação e Comunicação do Exército disse no Seminário Diálogo entre o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército e a Indústria Nacional, realizado em 2014 na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), que (...) sem a parceria da indústria fica difícil a realização das ações de Defesa (2014). Na área tecnológica, segundo ele, as necessidades vão desde o desenvolvimento de softwares, sistemas e equipamentos de comunicação, redes corporativas e até defesa cibernética. Guerra também abordou como oportunidades futuras a expansão do sistema de telecomunicação em fibra ótica na Amazônia.

Hoje o desenvolvimento de capacidades autônomas na indústria de defesa é um objetivo fundamental de nossa política. As áreas prioritárias da indústria de defesa são: nuclear, cibernética e a espacial, de acordo com a Estratégia Nacional de Defesa (2012).

Segundo Amorim (2013, p. 309)

A consolidação e a expansão de nossa base industrial de defesa são uma das prioridades do governo da Presidenta Dilma. Uma das suas peças legislativas mais importantes foi a Lei 12.598, de março de 2012, que criou os conceitos de Produto Estratégico de Defesa e de Empresa Estratégica de Defesa. Eles permitirão privilegiar de maneira correta as empresas nacionais nesse campo.

O monitoramento de dados e a guerra cibernética utilizam de instrumentos de altíssima tecnologia para atividades que importam em graves violações de soberania.

Em 2013, a presidenta Dilma foi alvo de espionagem estrangeira, além dos cidadãos e empresas brasileiras e a rede de postos diplomáticos. A justificativa por parte dos Estados Unidos, acusados da espionagem, foi a de coleta de informações para combate ao terrorismo. Sabemos que o emprego dessas tecnologias de intrusão está a serviço de vários objetivos, e não necessariamente apenas do combate ao terrorismo, conforme se alegou. No caso do Brasil, há um vínculo direto entre a espionagem e o interesse estrangeiro pela exploração de recursos naturais (MINISTÉRIO NACIONAL DA DEFESA, 2014, p.4-5).

Para Amorim, (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014), deveria ser feito um compromisso jurídico com o não primeiro uso, para todos os Estados detentores de armas cibernéticas. Uma vez que correremos o risco de uma nova corrida armamentista no campo da cibernética.

Desde os primeiros discursos de sua gestão, o presidente Lula anunciou que a África e alguns países em desenvolvimento, seriam parte protagonista na sua política externa. De fato, tanto o governo Lula quanto Dilma apresentaram relações comerciais estreitas com o continente. Lula da Silva destacou em seu discurso de posse:

Reafirmamos os laços profundos que nos unem a todo o continente africano e a nossa disposição de contribuir ativamente para que ele desenvolva as suas enormes potencialidades. Visamos não só explorar os benefícios potenciais de um maior intercâmbio econômico e de uma presença maior do Brasil no cenário internacional, mas também estimular os incipientes elementos da multipolaridade da vida internacional contemporânea (SILVA, 2003).

Por conseguinte, o país buscou melhorar a cooperação bilateral com os parceiros africanos para além do comércio, os objetivos eram também de cooperação técnica e de desenvolvimento tecnológico. Como exemplificado na seção anterior, a cooperação com a Namíbia que teve sua força naval formada pela Marinha do Brasil, em uma demonstração da nossa diplomacia militar. Cerca de 1,2 mil militares africanos foram treinados no Brasil pela Força Naval.

Com o passar dos anos, a política externa brasileira para a África foi se consolidando. A integração na América do Sul utilizou-se mais intensamente da cooperação técnica como um instrumento de aproximação com os países da região. Os instrumentos de apoio da PEB na região foram as agências nacionais. Por exemplo, a ABC (Agência Brasileira de Cooperação) mediou diversos acordos com agências nacionais e atores domésticos, enquanto o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), o MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), e a Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) apoiaram as novas atividades econômicas de empresas brasileiras na região.

Sendo a África prioridade do Brasil em política externa, desde o primeiro mandato de Lula (2003), é sabido que modernizamos os sistemas de comunicação e informação e transferimos tecnologias e capitais como forma de ajudar o continente africano. Temos um

potencial muito grande de cooperação e solidariedade entre Brasil e África. São vários os motivos que fizeram com que a África se tornasse parceira na área de defesa também.

O grande potencial para transformar o Atlântico Sul em uma comunidade de segurança e de fornecimento de energia como opção ao sistema euro-norte americano do Atlântico Norte, é percebido pela política externa brasileira. O Brasil busca liderança na consolidação deste projeto, algo que parece estar sendo obtido através da política assertiva de projeção internacional do país. Neste sentido, a África do Sul possui uma posição central entre os oceanos Atlântico e Índico, o que, junto com sua forte economia, faz com que seja quase impossível para qualquer país não contabilizar o país quando buscar se engajar no continente (PEREIRA, 2013, p. 44).

A Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul - ZOPACAS, é o principal foro para o tratamento de temas relativos à segurança do Atlântico Sul. Trata-se de uma iniciativa que busca articular ações em benefício da paz, da estabilidade e do desenvolvimento sustentável do Atlântico Sul, por meio do fortalecimento da coordenação e cooperação entre seus Estados-membros. Além de seu componente geopolítico, a ZOPACAS inclui, também, compromissos com a conservação do meio ambiente marinho e a promoção do desenvolvimento sustentável, conforme expressado pelo apoio dos Estados-membros à criação do Santuário de Baleias do Atlântico Sul, na Declaração de Montevidéu, de 2013.

Para a preservação da paz no Atlântico Sul, é imprescindível que a região se mantenha como zona livre de armas nucleares e de outras armas de destruição em massa. O compromisso dos países da ZOPACAS com esse objetivo foi formalizado por meio do Tratado de Tlatelolco, do Tratado da Antártida e do Tratado de Pelindaba que declaram serem zonas livres de armas nucleares, respectivamente, a América Latina e o Caribe, o continente antártico e a África. Essa rede de compromissos também contribui para fortalecer iniciativas no âmbito das Nações Unidas voltadas ao estabelecimento do Hemisfério Sul e de Áreas Adjacentes como zona livre de armas nucleares (MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2017).

Observamos que o Atlântico Sul é indispensável ao pensamento geoestratégico de defesa brasileiro que visa garantir a paz e a cooperação no seu entorno estratégico. Neste caso, a ZOPACAS se faz como um instrumento crucial para alcançar tal objetivo. Tendo visto que houve diversas tentativas de implementação e projeção de poder na área, a ZOPACAS foi a que melhor se constituiu. Porém, os desafios para a implementação dos interesses nacionais

no âmbito da ZOPACAS são proporcionais à extensão da costa brasileira. Para isso, o Brasil parece ter encontrado o parceiro ideal: Angola.

O Ministério de Relações Exteriores (2017) observa que:

Brasil e Angola estabeleceram uma parceria estratégica em 2010. Entre 2009 e 2013, o intercâmbio comercial brasileiro com o país cresceu 35,9%, de US$ 1,47 bilhão para US$ 1,99 bilhão. O Brasil foi, em 2013, o quarto principal abastecedor do mercado angolano. Em 2014, até o mês de abril, o intercâmbio comercial já soma US$ 404 milhões.

No ano de 2013, Celso Amorim, então Ministro da Defesa do Brasil, buscou um acordo bilateral entre Brasil e Angola para a criação de uma indústria de defesa do país e a ideia foi bem recebida pela opinião pública. E entre as várias áreas de possíveis parcerias: o maior destaque foi o da cooperação naval, com implementação do Programa de Desenvolvimento do Poder Naval de Angola (PRONAVAL), por meio da Empresa Gerencial de Projetos Navais (EMGEPRON), da Marinha do Brasil (CADN, 2017). Já no âmbito das Forças Armadas, o Brasil colaborou com a formação, em diversos níveis, de militares angolanos, inclusive, na área de engenharia e ainda apontou como soluções nacionais de defesa o projeto do blindado Guarani e o sistema de lançadores de foguetes Astros 2020.

Para além das relações América do Sul e África, Brasil e Moçambique se aproximaram desde a independência deste país. O Brasil apoiou a emancipação moçambicana e acompanhou com atenção os trágicos acontecimentos da guerra civil. Moçambique também foi um dos primeiros países a apoiar a candidatura do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança.

Em Moçambique, o Instituto Superior de Estudos em Defesa (ISEDEF) possui o mesmo objetivo que o Brasil: o desenvolvimento de um pensamento estratégico nacional autônomo. A cerca das estratégias do governo, nossa PND leva em conta a possibilidade de intensificação das disputas pelas fontes de água doce, alimentos e energia. A instabilidade que as crises energética, alimentar e ambiental vêm causando (tanto no nível nacional quanto no plano regional e mundial) não tem passado despercebida das grandes potências (MINISTÉRIO NACIONAL DA DEFESA, 2014).

Temos problemas similares, para os quais podemos buscar soluções comuns [...]. É o caso, por exemplo, da pirataria, fato que tem ocorrido tanto na orla índica quanto na atlântica, mais precisamente no Golfo da Guiné. [...]. Para o Brasil, a América do Sul, o Atlântico Sul e a África são áreas prioritárias da cooperação em defesa. Na África, mais especificamente, nossos vínculos mais próximos são com os países da orla atlântica e com Moçambique, mas chegam também à Tanzânia, onde estamos envolvidos na busca de petróleo. A Moçambique, vínculos linguísticos, étnicos e culturais nos unem firmemente. Com os países costeiros do Atlântico Sul, compartimos a responsabilidade de zelar para que esse oceano permaneça livre de armas nucleares, da presença militar estrangeira e de rivalidades estranhas a ele (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014, p.8).

O governo brasileiro assinou acordo com Moçambique, e também investiu em programas de cooperação nas áreas de educação, agricultura, esportes, meio ambiente e administração pública. De acordo com BRASIL (2007, p.167) A Companhia Vale do Rio Doce, com apoio financeiro do BNDES, deseja engajar-se na exploração do carvão de Moatize e no desenvolvimento social do Vale do Zambeze. A Vale investiu na construção da maior central de enriquecimento de carvão do país. Segundo site da Vale (2017), Onze milhões de toneladas por ano: é a capacidade instalada atualmente de produção de carvão da mina de Moatize, na província de Tete. A Mina Carvão Moatize produziu em 2013 cerca de 4 milhões de toneladas de carvão.

A integração regional é prioridade para a diplomacia brasileira. A criação da União de Nações Sul-americanas, UNASUL (2008), faz parte de processo recente de superação da desconfiança que havia entre os países sul-americanos desde os movimentos de independência, no século XIX.

A UNASUL tem como objetivo construir um espaço de integração dos povos sul-americanos. A região passa por um importante momento de estabilidade democrática e avanços sociais consequência, dentre outros fatores, dos benefícios decorrentes da coordenação política entre os países. (ITAMARATY, 2017).

A América do Sul, por mais distante que possa estar dos grandes conflitos internacionais, não está imune ao envolvimento nos problemas de segurança. Dentro deste quadro, surge o Conselho de Defesa Sul-Americano (CDS). Criado em 2008, de uma proposta brasileira, no âmbito da Unasul, o CDS tem aportado de forma efetiva no fortalecimento da confiança mútua e na leitura compartilhada da realidade internacional.

Gera condições para uma cooperação no âmbito da base industrial de defesa, na confiança da realização de análises conjuntas sobre as variáveis de risco, além de promover coordenação de ações destinadas a dirimir possíveis tensões entre os membros (CARTA CAPITAL, 2015). O CDS surge para reforçar o aparato institucional de prevenção de conflitos, cooperação e fortalecimento de confiança mútua, e contribuindo para a solução de possíveis conflitos. Proporciona uma análise conjunta entre os países da região sobre a situação internacional e os temas relevantes para cada qual.

O aspecto mais recente deste conjunto de iniciativas que aproximam política externa e defesa na região foi a criação da Escola Sul-Americana de Defesa (Escude), em agosto de 2014. Trata-se de um feito histórico. A Escude torna-se o principal instrumento para o fortalecimento de uma visão autônoma sobre a dinâmica do sistema internacional e de como a América do Sul se projeta no mundo (CARTA CAPITAL, 2015).

Dentre as características da política externa nos governos Lula e Rousseff, algumas delas ofereceram contribuições para a articulação com a política de defesa. Os exemplos principais são: a busca de inserção internacional mais nacionalista; as relações mais estreitas com a América do Sul e África; a intensificação do uso de diversos recursos de política, como a cooperação técnica, agências nacionais, BNDES e até mesmo as Forças Armadas. Casos como a MINUSTAH e a Unasul foram a base para um alinhamento de objetivos com a política de defesa (LIMA, 2015, p. 60).

A Agência Brasileira de Cooperação (ABC) é o órgão encarregado de coordenar a execução dos programas de cooperação técnica entre o Brasil e outros países ou organismos internacionais. Integrando a estrutura do Ministério das Relações Exteriores (MRE), a Agência operacionaliza a política de cooperação técnica brasileira segundo a orientação e as diretrizes dele emanadas (BRASIL, 2004).

Como foi possível observar, por meio de parceria com a Agência Brasileira de Cooperação (ABC), diversas ações de cooperação em defesa foram empreendidas. O Exército Brasileiro, por exemplo, viabilizou cursos de treinamento regulares para cerca de 90 militares latino-americanos e africanos. Nesses cursos, oficiais e suboficiais de nações amigas puderam receber conhecimentos específicos da experiência militar brasileira (DEFESA.GOV, 2017).

Nossa cooperação em defesa vai além do entorno regional e alcança nações parceiras, como o Haiti e o Líbano. O Brasil liderou por quase uma década o componente militar da Missão de Estabilização das Nações Unidas no Haiti, a MINUSTAH. Neste período, mais de trinta mil militares brasileiros passaram pelo Haiti, ou seja, a maior parte da tropa da

MINUSTAH era sul-americana. A cooperação bilateral foi sendo aumentada a medida que a missão da ONU foi se retirando do Haiti, conforme Amorim (2016, p. 315) o Exército Brasileiro vai ajudar a formar o corpo de engenharia militar do Haiti. Há poucos meses assinei o acordo relativo a essa cooperação bilateral em uma visita que fiz a Porto Príncipe.

A presença do Brasil na MINUSTAH teve excelente aproveitamento, além da ajuda ao Haiti. As Forças Armadas puderam lidar diretamente com missões concretas e a pasta de defesa teve consequente aumento no seu orçamento para suprir as necessidades na missão. A Marinha do Brasil também marcou presença no Líbano na tentativa de manter a paz, e mais uma cooperação em defesa foi formada com estudantes libaneses cursando a Escola Naval para posteriormente tornarem-se guardas marinhas. Esses dois exemplos demonstram como o Brasil articulou sua influência de política externa nesses países juntamente com a política de defesa.

O Brasil conquistou uma posição de destaque no mundo nas gestões de Celso Amorim, enquanto Ministro das Relações Exteriores, graças a vários fatores, mas principalmente pela notoriedade alcançada da nossa política externa e também pelas suas articulações com as outras políticas. Ou seja, voltamos ao conceito de grande estratégia em que é possível articular uma visão ampla da inserção e destaque internacional do Brasil. O conceito de grande estratégia remete à necessidade de emprego de toda a gama de recursos à disposição do Estado, e não apenas dos recursos militares, para a manutenção de sua segurança, seja durante um conflito, seja para garantir a paz em termos que lhe sejam favoráveis. Hoje, é possível reunir essas diretrizes na ideia de uma grande estratégia brasileira, que combina política externa e política de defesa com o objetivo de prover a paz (AMORIM, 2016, p. 231).

A grande estratégia do Ministério da Defesa de alinhar-se com o Ministério das Relações Exteriores pode ser exemplificada na maior atenção dada ao povo brasileiro. Na guerra do Líbano (2006), o Brasil conseguiu extrair 3 mil brasileiros que necessitavam de proteção naquele ambiente de risco. Estratégia essa que caminhou junto com o aumento dos consulados e a consequente melhoria no atendimento e na proteção do brasileiro no exterior.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste período analisado de 2003 a 2014 pudemos observar o quanto a articulação entre as políticas externa e de defesa avançou em direção a grande estratégia proposta por Nelson Jobim e depois Celso Amorim nas suas passagens pelo Ministério da Defesa e também pelas afirmações do Livro Branco de Defesa Nacional de que ambas devem ter ação conjunta e jamais dissociada.

O governo do presidente Lula levou a política externa do país para a integração com a América do Sul e manteve relações assertivas com África, China, Rússia, Índia entre outros países em desenvolvimento. Foi uma política que adotou uma postura ousada permitindo a conexão com o setor da defesa do país. Sua atuação foi enfatizar a cooperação Sul-Sul para conquistar certo equilíbrio com os países do Norte, aumentar o protagonismo internacional do Brasil e consolidar mudanças de programa na política externa.

A política de defesa que anteriormente detinha os principais entraves para que se fizesse uma articulação passou a ser peça fundamental através dos documentos publicados, a Política de Defesa Nacional (2005), a Estratégia Nacional de Defesa (2008), a Política Nacional de Defesa (2012), a Estratégia Nacional de Defesa (2012), que fora reformulada e o Livro Branco de Defesa Nacional (2012) que serviu para definir a pasta de defesa e informar a sociedade e a comunidade global. Todos tiveram o papel imprescindível de esclarecer e melhorar os objetivos de ambos os Ministérios.

A dinâmica do reaparelhamento do Ministério de Defesa e a questão da revitalização de sua base industrial fizeram com que a sociedade se movimentasse e interagisse mais com o governo. Tornando-se uma temática de grande interesse para vários atores sociais e contribuindo para uma melhor articulação entre as políticas externa e de defesa.

Um dos grandes problemas que dificultou a articulação sistêmica das duas políticas foram as percepções de ameaça no Brasil. O setor de defesa fez grande uso das Forças Armadas no combate ao crime organizado, esse uso doméstico debilitou a capacidade combatente militar, considerando os recursos limitados ao Ministério da Defesa e a necessidade de conciliar a preparação para as questões domésticas e para as agendas externas.

Porém, pudemos analisar nas seções anteriores alguns casos de articulações da política externa especificamente com a política de defesa. Como exemplo: A UNASUL e a criação do seu Conselho de Defesa Sul-americano, a parceria em Defesa de Brasil e Moçambique, e por fim a questão dos armamentos cibernéticos.

Concluiu-se que as duas políticas devem andar conjuntas e, definitivamente, os governos Lula e Dilma aliados à experiência de Celso Amorim conquistaram grande avanço nesse quesito. Não deixando de lembrar que o caminho para a efetiva consolidação dessa articulação ainda é grande, uma vez que a política externa não é, em grande parte, formulada considerando os recursos da política de defesa e vice-versa.

REFERÊNCIAS

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Sobre a autora
Jéssica Coelho Gomes Ferreira

Advogada e Analista Internacional

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