Nicolau Maquiavel foi um estadista italiano, nascido em 1469 em Florença. Serviu por muitos anos como diplomata na República Florentina e dizia que a política era realizada à base de crimes e traições.
Baseando-se em sua experiência, escreve O Príncipe por volta de 1513, não publicado até 1532.
Leo Strauss divide a obra em quatro partes: As várias formas de principados; o príncipe e seus inimigos; o príncipe e seus sujeitos ou amigos; prudência e oportunidade (STRAUSS, 1957, p.55).
Leo Strauss se posiciona sobre O Príncipe da seguinte forma:
Como professor de príncipes ou de novos príncipes em geral, Maquiavel não está especialmente preocupado com os problemas específicos enfrentados por príncipes italianos contemporâneos. Esses problemas específicos seriam de interesse para ele apenas como ilustrações de problemas típicos. O objetivo principal de O príncipe, então, não é dar conselhos particulares para um príncipe italiano contemporâneo, mas estabelecer um ensino sobre príncipes totalmente novos em estados totalmente novos, ou um ensinamento chocante sobre os fenômenos mais chocantes[1].
Em O Príncipe, Maquiavel vai dizer que é necessário tomar alguns atos arbitrários a fim de manter-se no poder:
(...) Se um príncipe quiser manter-se no poder, frequentemente será forçado a não ser bom, pois quando é corrupta aquela comunidade - seja ela o povo, os soldados ou os grandes - da qual julgues ter necessidade para conservar-te no poder, convém-te atender ao seu humor para satisfazê-la, e então as boas obras poderão te ser prejudiciais[2].
Nesses termos, o fato do príncipe significaria um ato arbitrário da administração.
No que pertine aos contratos públicos, falamos de fato do príncipe para designar uma medida tomada pela administração, tendo impacto na execução de um contrato em que seja parte.
Quando contrata, a administração tem algumas prerrogativas, tais como rescisão unilateral do contrato, poder de sanção e fiscalização, poder de modificação unilateral do contrato etc.
Todavia, pode ocorrer situações em que a administração exigirá ainda mais do contratado, aumentando suas obrigações contratuais.
Essas medidas tornam mais difícil ou oneroso o desempenho das funções contratuais estabelecidas anteriormente e a essa situação se denomina fato do príncipe.
Em 2018, no caso envolvendo a Administração (Furnas) e a empreiteira Camargo Correia, o STF decidiu que contrato em que onera excessivamente a parte deve ser repactuado, bem como a União deve ser responsabilizada em face do desequilíbrio das condições econômicas.
No caso analisado, o contrato foi celebrado em 22/01/88, quando vigente o Decreto-Lei n. 406/1968, que estabelecia a isenção do Imposto sobre Serviço (ISS) na execução de obra de construção civil. Posteriormente, com a promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988, foi vedada a isenção tributária heterônoma, passando o ISS a ser exigido pelos Municípios goianos à alíquota de 4%. Tal elevação do custo do serviço configurou, portanto, ato geral e imprevisível passível de reparação por parte da Administração (FURNAS) contratante, por aplicação da teoria do fato do príncipe.
O julgado entendeu que "O equilíbrio econômico-financeiro é, nos termos do art. 37, XXI, da CF, matéria constitucional, até porque o enriquecimento sem causa da Administração viola o princípio da moralidade administrativa (CF, art. 37, caput)". (AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 902.910 RIO DE JANEIRO).
O fato do príncipe é um evento externo ao contrato. A medida da administração não é tomada baseando-se no contrato, mas em fato externo, que introduz um risco administrativo no contrato.
Para ser um fato do príncipe, a medida deve ser tomada pela pessoa pública contratante. Esta não atua como parte no contrato, mas como autoridade pública, no exercício das suas competências gerais e esse é exatamente o caso do julgado acima.
Um fato do príncipe pode ser um decreto, uma lei ou um regulamento. Mas também pode ser medidas especiais que tenham um efeito direto ou indireto no contrato.
Decerto a Administração faz jus às prerrogativas ao contratar com o particular. Entrementes, certo é que o particular ao contratar com o Estado também possui alguns direitos e dentro desse arcabouço de direitos, encontra-se o direito ao equilíbrio econômico e financeiro do contrato, de maneira que não pode ser responsável pela ocorrência de fatos imprevisíveis e extraordinários que venham interferir na execução do contrato, aos quais não tenha dado causa.
BIBLIOGRAFIA/NOTAS
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STRAUSS, Leo. Thoughts on Machiavelli, EUA: The University of Chicago, 1957, p.79.
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Maquiavel, Nicolau. O Princípe, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.93.
1911 Encyclopædia Britannica/Machiavelli, Niccolò. Disponível em: https://en.wikisource.org/wiki/1911_Encyclop%C3%A6dia_Britannica/Machiavelli,_Niccol%C3%B2.
MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 2013, 30ª Ed