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Início e evolução do direito administrativo e os princípios constitucionais da administração pública

Agenda 23/02/2022 às 18:52

O passado determina a evolução jurídica de um ordenamento jurídico em uma sociedade. Com esse trabalho, objetivamos explicar as raízes do direito administrativo e sua evolução, bem como os princípios constitucionais da administração pública.

RESUMO: O passado determina a evolução jurídica de um ordenamento jurídico em uma sociedade. Com esse trabalho, objetivamos explicar as raízes do direito administrativo e sua evolução, bem como os princípios constitucionais da administração pública.

ABSTRACT: The past determines the legal evolution of a legal system in a society. With this work, we aim to explain the roots of administrative law and its evolution, as well as the constitutional principles of public administration.

PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo, Direito Constitucional, Direito Comparado.

KEYWORDS: Administrative Law, Constitutional Law, Comparative Law.

SUMÁRIO: 1. História e Evolução do Direito Administrativo. 2. Evolução do Direito Administrativo com Maurice Hauriou, Léon Duguit, Edouard Louis Julien Laferrière e Gaston Jèze. 3. Surgimento e evolução do Direito Administrativo no Brasil. 4. Princípios Constitucionais Administrativos. 5. Conclusão

1. História e Evolução do Direito Administrativo

O direito administrativo surgiu na França, em meados do século XII. A partir da idade média começam a surgir regras que organizavam fiscalizavam as atividades de utilidade pública, protegendo os interesses dos particulares.

Na época medieval, os agentes do rei eram os oficiais de justiça e os senescais: os oficiais de justiça eram uma instituição de origem normanda estendida por Philippe Auguste ao norte da França. No sul eles eram denominados senescais.

Os oficiais de justiça e os senescais eram nomeados pelo rei e o representavam em seus círculos eleitorais, garantindo que as ordens do rei fossem respeitadas. Tinham poder de polícia e de juiz.

Os governadores e intendentes surgem após no século XV, também são da nobreza e das grandes famílias do reino. Não tinham função delimitada e sim delegação geral de regente. Os intendentes eram nomeados pelo rei para cumprir suas ordens nos distritos. Tinham função de juiz, intervinham em questões de ordem financeira e o rei os poderia destituir e delegar a eles as funções de polícia, justiça e finanças.

O poder era concentrado no rei, que detinha também função legislativa. O Estado não se submetia à ordem jurídica e por isso não se podia litigar contra o Estado em um Tribunal.

O Estado não respondia pelos seus atos porque havia a fundamentação de que o rei agia em nome de Deus e por isso não deveria responder pelos seus atos.

Os cidadãos eram considerados súditos porque não eram pensados como sujeitos de direito.

Com a Revolução Francesa, surge o princípio da separação das funções administrativa e judiciária, que leva a criação de uma ordem jurisdicional apartada da esfera privada, porque percebeu-se que o Estado não possuía leis especificas que disciplinavam contratos com os particulares, casos em que funcionários do Estado prejudicavam direitos individuais e por isso começa-se a pensar em direito administrativo.

De 16 a 24 de agosto de 1790 é definido código que disciplina as relações entre particulares e a administração. Na lógica da separação de poderes, proíbe os tribunais de participarem no exercício dos poderes legislativo e executivo. O juiz ordinário não pode intervir na atividade da administração, sob pena de caducidade

Os revolucionários burgueses não confiavam nos juízes porque os juízes costumavam proteger o rei. Dessa forma, os revolucionários começam a defender que os juízes deveriam apenas aplicar as leis e não criar interpretações judiciais favoráveis a coroa.

Criam o lema que julgar a administração é também administrar e dividem a Justiça entre Justiça Judiciária, que se incumbiria dos conflitos entre os particulares e a Justiça Administrativa, que somente trataria de questões relativas ao Estado.

Em 15 de setembro de 1799 criado o Conselho de Estado por Napoleão Bonaparte. Tinha como principal papel assessorar o governo. Sua segunda função era a da jurisdição máxima da ordem administrativa.

Em 17 de fevereiro de 1800 criados os Tribunais Administrativos, em substituição aos Conselhos das Prefeituras e responsáveis pelo administrativo contencioso a nível local.

Em 27 de maio de 1872 uma lei confere ao Conselho de Estado o poder de tomar decisões soberanas em litígios envolvendo o particular e a administração. Criado o Tribunal de Conflitos, composto por juízes do Tribunal de Cassação e do Conselho de Estado, a fim de resolver questões em que a natureza do litígio não seja clara.

Em 8 de fevereiro de 1873 o Tribunal de Conflitos profere julgado no caso Arrêt Blanco. Agnès Blanco, de cinco anos, foi derrubada e gravemente ferida por uma carroça empurrada por quatro trabalhadores. O vagão pertencia à fábrica de tabaco de Bordeaux, operada sob controle do governo. O pai da criança aproveitou a jurisdição judicial para uma ação de indenização contra o Estado, considerado civilmente responsável pela falta cometida pelos quatro trabalhadores. Um conflito surge entre as jurisdições judicial e administrativa e o Tribunal de Conflitos é responsável por decidir.

Num primeiro momento se aplicava as normas de direito privado na esfera administrativa. No começo do século XIX o direito civil ainda era aplicado.

Todavia, no caso Blanco, o conflito de competência julgado pelo Tribunal de Conflitos decide que se aplica os princípios próprios entre a administração pública no que tange a essa relação entre estado e indivíduo. O caso Blanco foi um marco histórico no direito administrativo francês.

Em 30 de julho de 1873 o Tribunal de Conflitos profere a decisão Palletier, que partilha a responsabilidade pelos danos imputados aos funcionários públicos e administração, estabelecendo a distinção entre culpa pessoal e culpa de serviço. A falta pessoal é particular do agente, que justifica a competência do juiz judicial. Por outro lado, a culpa se serviço é ligada a atividade da administração e justifica a competência do juiz administrativo.

Outro março histórico ocorreu em 8 de abril de 1935, quando o Tribunal de Conflitos define como agressão qualquer medida policial desproporcional.

2. Evolução do Direito Administrativo com Maurice Hauriou, Léon Duguit, Edouard Louis Julien Laferrière e Gaston Jèze.

Ao longo do tempo a jurisdição vai criando teorias que passam a ser aplicadas a casos que envolvem cidadão e Estado. As teorias jurisprudenciais no direito administrativo francês cumprem uma função normativa a serviço do juiz administrativo na implementação do controle de legalidade, assim como também cumprem função dogmática de um ângulo unificado e coerente.

O direito administrativo francês surge como uma lei de prerrogativas e privilégios. O Estado tem o poder de impor obrigações aos cidadãos e usar a força para que sejam executadas.

Em 1899 Maurice Hauriou publica A gestão administrativa e vai dividir os atos da administração em atos de gestão e autoridade. Os atos de gestão seriam atos de serviço público, o trabalho da administração, trazendo a concepção de cooperação. A gestão administrativa é uma cooperação, colaboração, uma associação sui generis estabelecida entre a administração e o administrado em vista do serviço público (HAURIOU, 1910, p.63).

Já os atos de autoridade ocorrem quando a administração tem a força dos interesses privados dos administrados e em nome desse poder, de interesses privados, ela age para proteger liberdade de consciência, trabalho, comércio, educação etc. (HAURIOU, 1910, p.85).

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Léon Duguit era considerado anarquista por Maurice Hauriou, por se opor à ordem estabelecida. Partidário do sufrágio feminino, em seu Tratado de Direito Constitucional defende o bicameralismo, regime em que o poder legislativo é exercido por duas Câmaras, a alta e a baixa. Sua ideia é de que uma das Câmaras fosse eleita pelos sindicatos profissionais.

Na obra As transformações do Direito Público, de 1913, Duguit vai dizer que o Contrato Social de Rousseau, que entusiasmou muitas gerações de homens, em nome do qual foi feita a Revolução [francesa], atrás de um esplendor de estilo, encontra-se apenas um tecido de sofismas. (DUGUIT, 1913, XVI)

Duguit traz o juízo da teoria da função social do direito de propriedade. Ficou conhecido pelo lema Son droit de propriété, je le nie, son devoir social, je l'affirme (Eu nego seu direito de propriedade, afirmo seu dever social).

Para Duguit, a noção de serviço público vai substituir a de soberania. O Estado não é mais uma potência soberana que comanda e sim um grupo de indivíduos detentores de uma força que deve ser empregada para criar e gerir o serviço público. A noção de serviço público se torna a noção fundamental do direito público moderno (DUGUIT, 1913, p. XIX).

A administração pública serve para servir o público, satisfazer as necessidades da coletividade, objetivos de interesse público por meio de serviços públicos. As concepções de Deguit são conhecidas pelo viés sociológico ligada ao marxismo, se pauta na ideia de dever.

Em 1887, Edouard Louis Julien Laferrière já dava à justiça administrativa francesa suas primeiras bases teóricas, publicando o Tratado de Jurisdição e dos Recursos Contenciosos. Sua teoria é baseada em assegurar as liberdades individuais. O Estado deve favorecer a ação da administração, contudo, limitando seus excessos, controlando-os e concedendo as prerrogativas e privilégios para seu exercício.

Laferrière vai dizer que a jurisprudência é a base da qual pode se originar a doutrina geral.

Gaston Jèze com seu colega Max Boucard publica em 1896 Elementos da ciência das finanças e da legislação financeira francesa, e passa a ser considerado o pai do direito financeiro na França. No que toca ao direito administrativo, Jèze segue a escola de Deguit, e publica em 1904 Os Princípios gerais de direito administrativo.

Traz as garantias essenciais dos agentes administrativos: a publicidade, o debate contraditório, e inamovibilidade, que até a publicação de seu livro, não existia, mas a consciência publica reclamava e os governantes acabariam por acordar (JÈZE, 1904, p.121).

Em razão da dimensão dinâmica do direito, Jèze entendia que o estudo do direito não devia ser feito só com base nos textos jurídicos, embora considerado positivista. Para ele o jurista deveria teorizar o direito positivo.

3. Surgimento e evolução do Direito Administrativo no Brasil

O direito administrativo brasileiro surgiu a partir do modelo francês. No Brasil, o Decreto n. 608, de 16 de agosto de 1851 cria a cadeira de direito administrativo nos cursos jurídicos.

Em 1857 é publicado por Vicente Pereira do Rego a obra Elementos de direito administrativo brasileiro comparado com o direito administrativo francez segundo o methodo de p. pradier-fodere (sic).

Paul Louis Ernest Pradier-Fodéré foi um jurista francês, que publica em 1853 Précis de droit administratif. Na abertura de seu livro vai dizer:

O Estado é a personificação da sociedade, tendo uma existência e necessidades que lhe são próprias, e devendo, à imagem do homem, velar a sua conservação e seu desenvolvimento. Para se conservar e desenvolver, a sociedade deve substituir o império cego e desorganizado de forças individuais por uma força inteligente e suprema, o poder público, encarregado de satisfazer o interesse comum, depois de o haver constatado e reconhecido[1].

Na abertura do Primeiro Capítulo da versão brasileira se lê:

O Estado é uma pessoa moral, que tem necessidades que lhe são próprias; e deve, à semelhança do homem, velar na sua conservação e desenvolvimento.[2]

Vicente Pereira vai dividir as funções da administração em ativa, consultiva e contenciosa. Ativa quando prevê a execução da lei, consultiva quando esclarece e contenciosa quando julga questões de interesses do particular.

Em 1859, Prudêncio Giraldes Tavares da Veiga Cabral publica o livro Direito Administrativo Brasileiro. Na abertura do seu livro há a seguinte explicação:

A obra que publicamos sob o título de Direito Administrativo Brasileiro, não é um curso desenvolvido de Direito Administrativo, que por ora começa a ser considerado com sciencia [sic] entre nós; nem é somente um Manual, ou Resumo; é a exposição de princípios, e da legislação, em que se procura sobretudo coordenar, e vivificar os elementos da sciencia, ou para melhor dizer é o plano do Código Administrativo Brasileiro comprehendendo [sic] instituições; que convêm à actualidade, e que o progresso da civilisação [sic] exige, bem como os projectos de reformas para melhoramento das Administrações Provinciais, e Municipaes [sic]; dirige-se aos Estadistas, aos funcionários públicos, aos alumnos [sic] das Faculdades de Direito, e em geral a todos os que querem conhecer os direitos e deveres dos cidadãos no exercício das liberdades públicas; os direitos e deveres da administração nas suas relações com os cidadãos, e a sociedade[3].

Veiga Cabral vai explicar que a Constituição Política do Império, dentro do poder executivo, estabeleceu princípios fundamentais do direito administrativo. Vai expor que o direito administrativo é o que regula a ação e competência da administração nas suas relações com cidadãos individualmente, para execução das leis, decretos e ordens expedidas por interesse geral ou local (CABRAL, 1859, p.12).

Em 1866 publicado o livro Noções Preliminares de Direito Administrativo, por Antônio Joaquim Ribas. Na capa há menção de "Obra premiada e approvada pela Resolução Imperial de 9 de Fevereiro de 1861 para uso das aulas das Faculdades de Direito do Recife e S. Paulo"[4].

Ribas deixa claro em seu livro que não pretendia expor em seu trabalho um tratado completo de direito administrativo pátrio, tentar coordenar toda a vastíssima e confusa legislação administrativa e deduzir um sistema desenvolvido em todos os seus ramos e aplicações (RIBAS, 1866, p.1/2)

Ribas vai trazer a concepção de que o direito administrativo tem duas fontes, uma primária e outra secundária. A primeira seriam as leis administrativas, que ocupariam qualquer ramo da organização ou dos serviços administrativos, dando como exemplo o artigo 179, § 1° da constituição vigente à época, o qual dizia que ninguém é obrigado a fazer, ou deixar de fazer, qualquer coisa senão em virtude da lei. Nesse passo, somente a Administração poderia criar novos direitos e obrigações para os administrados, assim como ampliar, modificar, restringir ou extinguir os existentes.

Conquanto as fontes secundárias fossem atos regulamentares do poder executivo, que teriam por finalidade a boa execução das leis e participariam da força obrigatória destas, não pudessem criar novos direitos ou obrigações para os administrados, nem modificar ou extinguir os existentes, poderiam, contudo, criar, modificar ou extingui-lo com relação às diversas hierarquias de administradores.

E isso porque os agentes, na qualidade de instrumentos do poder executivo, devem aceitar todo pensamento e direção, guardando as relações hierárquicas (RIBAS, 1866, p.33/35).

Ribas entendia que os julgamentos do contencioso administrativo deviam ser sujeitos de revisão em superior instância, onde os administrados seriam novamente admitidos a discutir e sustentar seus direitos.

A atribuição de julgamento desses recursos não poderia ser dada ao próprio administrador a quem se recorre, visto que o juízo persistirá. Argumenta que alguns entendem que pela Constituição em vigor à época, deveria ser atribuição do judiciário, por guardar as seguranças de imparcialidade e acerto.

Entretanto, Ribas menciona o artigo 151 da Constituição, a qual determina que os juízes e jurados terão lugar na esfera civil e criminal, nada dizendo acerca de matéria administrativa.

Para Ribas, a hipótese de julgamento dos recursos administrativos pela esfera judicial poderia fazer com que o poder judicial se tornasse arrogante com relação ao executivo.

Não entendia conveniente também a criação de tribunais e magistrados exclusivamente destinados a conhecer desses recursos porque teria os mesmos inconvenientes quando julgados pela esfera judicial.

Para ele, a melhor decisão seria o aproveitamento dos agentes da administração, que de espontânea vontade, converter-se-iam em magistrados e tribunais de superior instância, respeitando-se o princípio da hierarquia.

Para Hely Lopes Meirelles:

O conceito de Direito Administrativo Brasileiro, para nós, sintetiza-se no conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado[5].

Pelo magistério de Meirelles, o Estado moderno atua em três sentidos, sendo eles, administração, legislação e jurisdição e em todos eles há orientação do direito administrativo. E isso se dá na organização e funcionamento de seus serviços, na administração de seus bens, seu pessoal e na formalização dos atos de administração (MEIRELLES, 2016, p.43).

O Estado só se afasta do direito administrativo nas atividades especificamente legislativas de confecção de leis ou em decisões judiciais típicas.

Para Meirelles, os fins da administração pública resumem-se num único objetivo: o bem comum da coletividade administrada e toda atividade do administrador público deve ser orientada para esse objetivo.

No desempenho dos encargos administrativos o agente do Poder Público não tem a liberdade de procurar outro objetivo, ou de dar fim diverso do prescrito em lei para a atividade. Não pode, assim, deixar de cumprir os deveres que a lei lhe impõe, nem renunciar a qualquer parcela dos poderes e prerrogativas que lhe são conferidos. Isso porque os deveres, poderes e prerrogativas não lhe são outorgados em consideração pessoal, mas sim para serem utilizados em benefício da comunidade administrada. Descumpri-los ou renunciá-los equivalerá a desconsiderar a incumbência que aceitou ao empossar-se no cargo ou função pública. Por outro lado, deixar de exercer e defender os poderes necessários à consecução dos fins sociais, que constituem a única razão de ser da autoridade pública de que é investido, importará renunciar os meios indispensáveis para atingir os objetivos da Administração[6].

Como diz Celso Antônio Bandeira de Mello:

Em suma: o Direito Administrativo nasce com o Estado de Direito, porque é o Direito que regula o comportamento da Administração. E ele que disciplina as relações entre Administração e administrados, e só poderia mesmo existir a partir do instante em que o Estado, como qualquer, estivesse enclausurado pela ordem jurídica e restrito a mover-se dentro do âmbito desse mesmo quadro normativo estabelecido genericamente[7].

Mello vai dizer que os fundamentos do direito administrativo se encontram no direito constitucional, de maneira que o Direito Administrativo de cada país possui a feição que lhe confere o respectivo Direito Constitucional (MELLO, 2013, p.28).

Mello explica que o Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que vai disciplinar o exercício da função administrativa, pessoas e órgãos que a desempenham.

A tripartição de poderes surge com Montesquieu, de maneira a impedir a concentração de poderes e limitar o abuso de poder, visto que todo homem que tem poder, tende a abusar dele. Surge daí a concepção de freios e contrapesos, mecanismo por força do qual atribuindo-se a uns, embora restritamente, funções que em tese corresponderiam a outros, pretende-se promover um equilíbrio melhor articulado entre os chamados poderes, isto é, entre os órgãos do Poder, pois, na verdade, o Poder é uno (MELLO, 2013, 30/32).

Mello vai usar o critério formal, de efetivo exercício da função pelo ente público para dividir as funções do Estado em legislativa, jurisdicional e administrativa. Legislativa é a função exercida somente pelo Estado, através de normas gerais e abstratas. Jurisdicional também é privativa do Estado exercido através de decisões com força de coisa julgada. Administrativa é a exercida pelo Estado ou a quem ele outorga.

Mello traz o exercício da função política ou de governo, visto se relacionarem com a gestão correta, prática e rotineira dos assuntos da sociedade.

4. Princípios Constitucionais Administrativos

Robert Alexy define a razão prática como nossa capacidade de discutir questões práticas e deliberar sobre o que devemos fazer, nossa capacidade de pensar criticamente acerca dos problemas que surgem.

Para Alexy, princípios são normas que ordenam que algo seja realizado dentro das possibilidades jurídicas e reais do caso concreto e por isso, para ele, são considerados mandamentos de otimização, caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferentes graus, visto que seu cumprimento dependeria de possibilidade reais e jurídicas.

Contudo, na Constituição Federal de 88 o legislador não utilizou a expressão princípio como mandamento de otimização, tendo em vista que os princípios constitucionais devem ser cumpridos, não podendo ser relativizados com possibilidades reais e jurídicas e por isso mesmo, há poucos princípios presentes na Magna Carta.

O caput do artigo 37 da Constituição Federal apresenta cinco princípios relativos à Administração Pública: Legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O princípio da legalidade é o principal do direito administrativo e traz a noção de que o Estado deve se submeter à lei. Opõe-se ao regime autoritário, visto que concebe a ideia de que o poder emana do povo, sendo os governantes representantes da sociedade. Serve para evitar arbitrariedades da administração, visto que se submete às leis. O princípio da legalidade está inserido no artigo 5° II, 37° caput e 84 IV, da Constituição Federal.

O princípio da impessoalidade traz a ideia de que a administração deve tratar todos de maneira igual, sem discriminações, tampouco favoritismos. Está presente no artigo 5° caput e 37° caput, II e XXI da Constituição Federal.

De acordo com o princípio da moralidade administrativa, a administração e seus agentes devem atuar sob preceitos éticos. Compreende os princípios da lealdade e boa-fé. O artigo 5° LXXII da Constituição Federal prevê que qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus de sucumbência.

O princípio da publicidade se traduz no dever de transparência da administração. Está previsto no artigo 37° caput, artigo 5° XXXIII, XXXIV "b" e LXXII da Constituição Federal.

O princípio da eficiência está ligado ao princípio da boa administração. O agente público deve realizar suas atribuições com presteza e rendimento profissional. Previsto no artigo 37° caput, artigo 5° LXXVIII e artigo 74, II da Constituição Federal.

5. Conclusão

As origens e evolução do direito administrativo são de grande valia para que possamos compreender as transformações operadas na sociedade, que levaram a criação de ordenamentos jurídicos, jurisprudências, suas atualizações e adequações aos anseios da sociedade, que possibilitaram a melhor organização do Estado e suas funções.

Quanto aos princípios administrativos, certo é que existem outros implícitos na nossa Constituição, como diz Celso Antônio Bandeira de Mello, que merecem especial atenção em outro artigo.

Neste estudo, contudo, procuramos abordar apenas os princípios expressos, a fim de evitar um artigo longo e cansativo.

BIBLIOGRAFIA

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NOTAS

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  2. REGO do, Vicente Pereira. Elementos de Direito Administrativo Brasileiro compradao com o Direito Administrativo Francez, segundo o methodo de P. Pradier-Fodere, Recife: Typographia niversal, 1857, 1ª ed, p.1.

  3. VEIGA CABRAL, P.G.T. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: Typografia Universal de Laemmert, 1850, introdução.

  4. RIBAS, Antonio Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: F.L Pinto & C. Livreiros e Editores, 1866. Disponível em: < http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bd000081.pdf>

  5. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 42ª Ed, 2016, p.42.

  6. Ibidem, 91.

  7. MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 2013, 30ª Ed, p.47.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

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