INTRODUÇÃO
O Novo Código de Processo Civil positivou, em seu art. 6o, o princípio da cooperação processual e, com isso, inaugurou um novo modelo de processo, o cooperativo.
Com isso, atribuiu-se deveres de solidariedade aos sujeitos processuais, o que, por óbvio, inclui o magistrado.
No âmbito dos Tribunais, a adoção de tal modelo processual provocou alteração na sistemática de trabalho dos magistrados, o que se verá a seguir.
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO PROCESSUAL E MODELO COOPERATIVO DE PROCESSO
Com o advento da Constituição Federal de 1988 e a encampação da literatura jurídica ao chamado neoconstitucionalismo, o Direito Processual passou a integrar a teoria dos direitos fundamentais, tendo as garantias processuais sido assimiladas no texto constitucional, a fim de permitir a realização dos valores e dos direitos constitucionais. Logo, o processo se tornou importante mecanismo de efetivação da Constituição [1].
Com a edição de um novo diploma processual na vigência da nova ordem jurídica, estabeleceu-se, em analogia ao movimento constitucional, o neoprocessualismo, pois o CPC/2015 confere força normativa aos princípios constitucionais, estabelecendo maior simetria entre o diploma processual e o texto constitucional, fazendo do processo civil um importante instrumento de concretização e preservação dos direitos fundamentais [2].
Decorre disso a instauração de um novo modelo de processo, diverso da tradicional dicotomia entre o inquisitivo e o adversarial. Sobre o tema, a lição de Fredie Didier Jr.:
A condução do processo deixa de ser determinada exclusivamente pela vontade das partes (marca do processo liberal dispositivo). Também não se pode afirmar que há uma condução inquisitorial do processo pelo órgão jurisdicional em posição assimétrica em relação às partes. Busca-se uma condução cooperativa do processo, sem destaques para qualquer dos sujeitos processuais. [3]
Em resumo:
A colaboração é um modelo que visa a organizar o papel das partes e do juiz na conformação do processo, estruturando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho (Arbeitsgemeinschaft - na clássica expressão da doutrina austro-germânica), em que se privilegia o trabalho processual em conjunto do juiz e das partes. Em outras palavras: visa a dar feição à organização do procedimento, dividindo as posições jurídicas processuais de seus participantes de forma equilibrada. Como modelo, a colaboração rejeita a jurisdição como polo metodológico do processo civil, ângulo de visão evidentemente unilateral do fenômeno processual, privilegiando em seu lugar a própria ideia de processo como centro da sua teoria, concepção mais pluralista e consentânea à feição democrática ínsita ao Estado Constitucional. Semelhante modelo processual resulta da superação histórica - e, pois, cultural - dos modelos de processo isonômico e de processo assimétrico. [4]
Por isso, a afirmação de que, nesse novo processo:
O juiz do processo cooperativo é um juiz isonômico na condução do processo e assimétrico no quando da decisão das questões processuais e materiais da causa. Desempenha duplo papel, pois, ocupa dupla posição: paritário no diálogo, assimétrico na decisão. Visa-se alcançar, com isso, um ponto de equilíbrio na organização do formalismo processual, conformando-o como uma verdadeira comunidade de trabalho entre as pessoas do juízo. A cooperação converte-se em prioridade no processo. [5]
Além de sua acepção como modelo, a cooperação também deve ser entendida como princípio, tornando devidas condutas aptas a formarem um processo leal e justo e ilícitas as contrárias ao desenvolvimento da comunidade processual de trabalho. [6]
O princípio da colaboração implica revisão das fronteiras concernentes à responsabilidade das partes e do juiz no processo. Portanto, visa a organizar a participação do juiz e das partes no processo de forma equilibrada. A colaboração impõe a organização de processo cooperativo - em que haja colaboração entre os seus participantes (art. 6o, CPC). [7]
Assim, a cooperação processual, além de instaurar um novo arcabouço de processo no Brasil, é norma jurídica (princípio), logo recrimina ou bonifica condutas que se coadunam ou não com seus postulados.
DEVERES DECORRENTES DO COOPERAÇÃO PROCESSUAL
Primeiramente, cumpre asseverar que não há na literatura especializada consenso sobre se o princípio da cooperação é aplicável nas relações entre as partes do processo.
Para parcela da doutrina, a colaboração no processo não implica colaboração entre as partes [8]. Afirma-se que a condição de lide inerente ao processo judicial tornaria inexigível a cooperação entre as partes, embora isso não afaste o dever de boa-fé, in verbis:
A colaboração no processo que e devida no Estado Constitucional e a colaboração do juiz para com as partes. Gize-se: não se trata de colaboração entre as partes. As partes não colaboram e não devem colaborar entre simplesmente porque obedecem a diferentes interesses no que tange à sorte do litígio. O máximo que se pode esperar é uma colaboração das partes para com o juiz no processo civil. (...) Isso obviamente não dispensa as partes de agirem com boa- fé no processo. No entanto, daí para exigência de colaboração entre as partes existe uma significativa distância. [9]
Em sentido contrário, tem-se a lição de Fredie Didier Jr., o qual afirma categoricamente a sujeição das partes nas relações entre si a tal princípio. [10]
Independentemente da posição adota, é unânime a sujeição do juiz ao ônus cooperativo, daí exsurgindo quatro deveres principais: o de esclarecimento, de auxílio, de prevenção e de diálogo (ou consulta).
O dever de esclarecimento constitui o dever de o juiz aclarar as dúvidas que eventualmente tenha sobre a posição das partes a respeito da narração dos fatos ou sobre os pedidos formulados [11].
É imperioso destacar que ele não está adstrito a esse aspecto. Dele decorre o ônus de o magistrado esclarecer os seus próprios pronunciamentos para as partes. Embora isso esteja também no escopo do dever de motivar, nada obsta que se tenha uma concretização do modelo cooperativo de processo [12].
Tem-se ainda o dever de auxiliar as partes na transposição de eventuais obstáculos que dificultem ou impeçam o exercício de direitos, o cumprimento de deveres ou o desempenho de ônus processuais [13].
Em adição, o dever de o órgão jurisdicional prevenir as partes do perigo de o êxito de seus pedidos ser barrado pelo uso equivocado do processo [14]. Sobre o tema:
Tem o magistrado, ainda, o dever de apontar as deficiências das postulações das partes, para que possam ser supridas. Trata-se do chamado dever de prevenção, variante do dever de proteção. O dever de prevenção tem um âmbito mais amplo: vale genericamente para todas as situações em que o êxito da ação ou da defesa possa ser frustrado pelo uso inadequado do processo. São quatro as áreas de aplicação do dever de prevenção: explicitação de pedidos pouco claros, o caráter lacunar da exposição dos fatos relevantes, a necessidade de adequar o pedido formulado à situação concreta e a sugestão de certa atuação pela parte. (...) O dever de prevenção e concretização do princípio da primazia da decisão de mérito. [15]
Por fim:
O dever de consulta é variante processual do dever de informar, aspecto do dever de esclarecimento, compreendido em sentido amplo. Não pode o órgão jurisdicional decidir com base em questão de fato ou de direito, ainda que possa ser conhecida ex officio, sem que sobre elas sejam as partes intimadas a manifestar-se. Deve o juiz consultar as partes sobre esta questão não alvitrada no processo, e por isso não posta em contraditório, antes de decidir. Eis o dever de consulta, expressamente consagrado no art. 10 do CPC [16].
Logo, o dever de o órgão judicial dialogar e consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão, possibilitando que essas o influenciem a respeito do rumo a ser dado à causa [17].
COOPERAÇÃO NOS TRIBUNAIS
No âmbito dos Tribunais, é possível identificar quatro principais hipóteses de aplicabilidade do princípio-dever de cooperação, quais sejam: no art. 926, § 1o; 932, parágrafo único, 938, §1o e 1.029, §3o; 1.007, § 2o, 4o e 7o; 1.017, §3o, todos do NCPC.
O art. 926, § 1o, ao estatuir que os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante, denota ônus claramente decorrente do dever de cooperação a ele atribuído, pois proclamando a sua jurisprudência dominante, por meio de súmulas, as Cortes informam e esclarecem às partes qual seu posionamento acerca de determinado tema.
Nos arts. 932, parágrafo único, 938, §1o e 1.029, §3o visualiza-se o chamado dever de prevenção e de esclarecimento. Nesse sentido:
Tendo em conta a estrutura cooperativa do processo civil brasileiro (art. 6o, CPC), o relator tem o dever de viabilizar à parte a sanação de eventual vicio existente no recurso, inclusive a complementação da documentação, no prazo de 5(cinco) dias (art. 932, parágrafo único, CPC). Trata-se de dever de prevenção. Ao fazê-lo, deve o relator indicar precisamente o que deve ser sanado ou complementado (dever de esclarecimento). [18]
Sobre tais dispositivos, o STJ já afirmou que a atribuição de prevenção está limitada aos vícios formais, não sendo possível a complementação das razões do recurso [19].
Além disso, no regime de preparo dos recursos, deve o relator conceder a parte recorrente sempre quando ausente, insuficiente ou e equivocado o pagamento das custas conceder prazo para saneamento do vícios nos termos dispostos no art. 1.007. Sobre o tema:
Em uma estrutura de processo civil regido pela ideia de colaboração (art. 6o, CPC), jamais a ausência de preparo pode levar à deserção do recurso e conseguinte inadmissibilidade sem que o órgão jurisdicional, previamente, intime a parte para efetivação do deposito correspondente. Trata-se de dever de prevenção do órgão jurisdicional. Viola o dever de diálogo, cujo fundamento está no direito fundamental ao contraditório (art. 5.o, LV, CF), a decretação de deserção de recurso sem que a parte tenha sido previamente intimada para efetivar o preparo. E por essa razão que o art.1.007, §§ 2o e 4o , CPC, determinam a viabilização do preparo insuficiente ou inexistente pela parte. Na mesma linha, o equívoco no preenchimento da guia de custas não implicará a aplicação da pena de deserção, cabendo ao relator, na hipótese de dúvida quanto ao recolhimento, intimar o recorrente para sanar o vício no prazo de 5 (cinco) dias (art.1.007, § 7o, CPC). Apenas quando não preparado o recurso depois de expressamente indicada a sua necessidade é que se legitima o seu não conhecimento. [20]
Interpretando referido dispostivo, o STJ afirma que se considera deserto o recurso quando o recorrente não comprova, por documento hábil, a realização do preparo no prazo concedido para saneamento do vício identificado, nos termos do disposto no art. 1.007, § 7º, do CPC/2015, não cabendo nova oportunidade para sua regularização, por operada a preclusão consumativa [21].
Por fim, outro dispositivo que traduz o dever de cooperação nos Tribunais é o art. 1.017, §3o, afirmando-se que ausente peça obrigatória do Agravo de Instrumento concederá o relator prazo para saneamento do vício.
CONCLUSÃO
Com a vigência do NCPC, instaurou-se um novo modelo processual no Brasil, qual seja, o cooperativo. Com ele, atribuiu-se às partes e aos juízes dever de esclarecimento, de auxílio, de prevenção e de diálogo (ou consulta).
Nesse contexto, no âmbito dos Tribunais, a nova legislação reforçou tais deveres dispondo expressamente em diversas hipóteses sobre a concessão de oportunidade para saneamento de irregularidades formais, como a deserção, a falta de documentação ou peças consideradas essenciais, bem como no dever de compilação jurisprudencial.
REFERÊNCIAS
Cambi, Eduardo et al. Princípio da cooperação processual e o novo CPC. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 106, n. 984, p. 345-384, out. 2017.
Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v.1.
Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017.
MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, v. 14.
Notas
- Cambi, Eduardo et al. Princípio da cooperação processual e o novo CPC. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 106, n. 984, p. 345-384, out. 2017, p. 348.
- Cambi, Eduardo et al. Princípio da cooperação processual e o novo CPC. Revista dos Tribunais: RT, São Paulo, v. 106, n. 984, p. 345-384, out. 2017, p. 349.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 141.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 163.
- MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2. ed. São Paulo: RT, 2011, v. 14, p. 81.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164-165.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 146-147.
- Didier Jr., Fredie. Curso de direito processual civil. Salvador: Juspodivm, 2017, v. 1, p. 145-146.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 164.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 1.015.
- STJ, AgInt nos EAREsp 1.247.506/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/11/2018, DJe 21/11/2018.
- Marinoni, Luiz Guilherme et al. Novo Código de Processo Civil comentado. São Paulo: RT, 2017, p. 1.083.
- STJ, AgInt nos EDcl no AREsp 1.210.012/MG, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 05/11/2018