Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Protagonismo de Linn da Quebrada na televisão à guisa dos direitos humanos. Uma busca pelo fim da discriminação contra a população LGBTQIA+

Agenda 02/03/2022 às 13:31

Palavras-chave: Discrminação. Homofobia. Transfobia

Introdução

Este artigo pretende esboçar algumas das reivindicações da população LGBTQIA+ relacionadas à violência e estabelecer uma análise da participação da travesti Linn da Quebrada no BBB 2022 enquanto voz de milhares de travestis e mulheres transgêneros vítimas de violência, discriminação e preconceito.

A metodologia deste trabalho é pautada sob dois aspectos, em primeiro lugar pesquisa bibliográfica. Desse modo, houve uma busca por diversos artigos e monografias, através de sites especializados nas buscas acadêmicas como o Google acadêmico e o SCIELO. Em segundo, plano a pesquisa é pautada na observação do programa de televisão denominado Big Brother Brasil 2022 analisando a participação do travesti Linn da Quebrada que tem protagonizado a voz da comunidade transgênero na luta contra a discriminação de gênero.

Este estudo tem por objetivos analisar a participação de Linn da Quebrada enquanto voz que protagoniza a luta contra a discriminação de mulheres transgêneros e travestis trazendo uma perspectiva pautada em algumas conquistas para esta população no judiciário.

As reivindicações da população LGBTQIA+: uma busca constante pelo fim da discriminação e violência

A noção de Direitos Humanos é compreendida como os direitos pelos quais todos estão resguardados desde o nascimento, cabendo ao Estado assegurar o respeito e a segurança, por meio de acordos, convenções, leis e tratados nacionais e internacionais.

Inúmeros documentos existem para assegurar a defesa e a realização das práticas de proteção a tais direitos, como por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal do Brasil de 1988, na qual são destacados os princípios constitucionais visando assegurar a proteção do Estado aos Direitos Humanos de todos os brasileiros (BASTOS et al., 2017, p. 3).

Já o preconceito e a discriminação nascem quando não se aceita a condição da outra pessoa. A Constituição de 1988 por sua vez diz todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [...] (art. 5º caput) em consonância o art. 3º, IV da Constituição Federal, dispõe que, entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, está: promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. 

Em que pese a proteção constitucional, o preconceito e a discriminação são latentes no Brasil. No caso da homofobia, o preconceito vem a partir do incômodo que gera a orientação sexual de outro ser humano e nesse aspecto Varella (2018, p. 5) comenta:

Que diferença faz para você se o seu vizinho dorme com outro homem, ou se sua vizinha é apaixonada pela colega de escritório, se faz diferença para você procura um psiquiatra [...] duas pessoas se amam e são do mesmo sexo, o que isso me atinge? Você vai discutir esse comportamento como se fosse aberração da natureza? Homossexualidade existe com todos os mamíferos, uma condição biológica. Você não chega a uma fase da vida onde você se pergunta o que serei? homossexual ou heterossexual? A sexualidade é, ela se impõe daquele jeito, temos mulheres e homens que gosta do mesmo sexo e entre esses dois extremos temos uma gama enorme de comportamento sexuais, o que não podemos é impor nossa condição para os outros.

É exatamente por conta desse incômodo social que muitos homossexuais estabelecem verdadeiras muralhas de proteção, para impor respeito visto que constituem um grupo historicamente excluído da sociedade. Por isso a relevância criminalização, pois se todos se tratassem igualmente não haveria preconceito (SILVA, 2019, p. 15). Nesse sentido, a problemática da crescente violência contra esta população suscita diversas reflexões importantes para a compreensão do processo de institucionalização dos direitos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, trans e outros (LGBTQIA+). A leniência legislativa acaba por contribuir o já elevado número de casos violentos contra esta minoria.

Não bastasse a cruel realidade que a discriminação impõe aos indivíduos, a homofobia é uma versão mais agressiva de discriminação, aqui definida como rejeição, aversão, medo ou ódio irracional aos homossexuais e, por extensão, a todos os que manifestem orientação sexual ou identidade de gênero diferente dos padrões heterossexuais ainda aceitos como normativos na nossa sociedade.

Nesse sentido,

comportamentos homofóbicos variam desde a violência física da agressão e da violência fatal, isto é, o assassinato, até a violência simbólica e/ou psicológica nos atos de xingar, ridicularizar, apelidar, excluir do grupo ou até mesmo afirmar que não gostaria de conviver/frequentar qualquer espaço com uma pessoa homossexual. (KOEHLER, 2013, p. 10)

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

No que diz respeito aos direitos do grupo LGBTQIA+ no Brasil a legislação ainda é morosa, razão pela qual suas conquistas jurídicas deram-se por meio de da conjugação dos princípios fundamentais relativos aos direitos humanos e à dignidade.

Assim sendo, as tutelas desta parcela da população são capitaneadas em lutas pelos movimentos sociais, Ministério Público e em certa medida o Judiciário.

Estudo que analisou a vulnerabilidade legislativa das leis federais específicas para sete grupos minoritários (idosos, pessoas com deficiência, LGBT, índios, mulheres, crianças e adolescentes) identificou que apenas a população LGBT apresentou fraca proteção legislativa, ou seja, nenhuma lei federal na área cível, processual, penal, administrativa e trabalhista (Paula apud Nelson, 2019, p. 2)

A partir dessa fragilidade legislativa é que alguns projetos começaram a tramitar no Congresso Nacional a partir de 1995, entretanto, esbarraram em questões religiosas, o que provocou um encolhimento nos debates.

As conquistas no judiciário da comunidade LGBTQIA+

A comunidade LGBTQIA+, que assim pode ser determinada para caracterizar lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, queer, intersexuais, assexuais dentre outras, nasceu com intuito de reunir forças e lutar contra a homofobia existente há séculos e que coloca o Brasil como o país com maior número de casos de homofobia no mundo.

Portanto, é urgente e imperativo traçar estratégias que visem a proteção aos de direitos humanos e a garantia de segurança das pessoas LGBTQIA+.

Uma das principais reivindicações de militantes LGBTQIA+ no país é a criminalização de condutas contra esta minoria haja vista o crescente aumento de casos de violência. Muitas foram as ações solicitaram que o STF fixasse um prazo para que fosse criada uma lei ou que a própria Corte regulamentasse temporariamente a questão até haver uma decisão do Congresso,

Os ativistas acreditam que somente o Código Penal não é suficiente hoje para proteger a população LGBTQIA + e almejam que a homofobia e transfobia tenham tratamento igual a crimes cometidos contra mulheres posto que não encontram previsão na legislação penal brasileira, ao contrário de outros tipos de preconceito.

Este apelo social a que esta parcela da população reclama não é sem razão e as políticas públicas necessariamente passam por questões sobre gênero, sexualidade e raça nas escolas. Destarte, trata-se de construir uma nova mentalidade para que crimes contra a diferença desapareçam.

É também em razão de se estabelecer novos paradigmas sociais que enfraqueçam discursos e ações de ódio que este tema deve ser constantemente visitado e discutido socialmente, tendo em vista que neste tipo de demanda o que se reclama é o próprio sentido de dignidade e direitos humanos.

Considerando que grupos minoritários, grandes vítimas de preconceito e violência, necessitam de uma proteção especial do Estado, considerando que o texto da Constituição (1988), em seu art. 5º, XLI, prevê que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais, ainda assim o aumento da violência contra a população LGBTQIA + colocou o Brasil como o país que mais mata gays no mundo.

Em um momento que o país vive índices alarmantes de empobrecimento, desemprego, inflação e instabilidade econômica e política, a luta contra a violência e às violações de direitos humanos é difícil, em especial quando estes vem sendo impactados por fatores sociais.

Violências contra a população LGBTQIA+ estão presentes nas diversas esferas de convívio social e suas ramificações adentram no universo familiar, escolas, igreja, na rua, no posto de saúde, na mídia, nos ambientes de trabalho, nas forças armadas, na justiça, na polícia, e nos mais diferentes segmentos do poder público incluindo a falta de políticas de combate à violência, sendo, portanto, um clamor social que merece atenção para reduzir atos homofóbicos violentos.

É nesta inteligência que a lei vem como proteção, pois ela existindo, as pessoas passarão a olhar de maneira mais respeitosa resduzindo então as questões de homofobia e transfobia.

Outrossim, os crescentes casos de violência contra a população LGBTQIA+ demonstram omissão e inércia do Poder Legislativo na criação de leis para combater a prática de homofobia que afastando-se da sua função típica de legislar, deixou assim de garantir um dos objetivos da Constituição Federal, de 1988, qual seja promover o bem de todos sem qualquer preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Em contrapartida à inércia do legislativo, na esteira do chamado Ativismo Judicial pelo STF equiparou a homofobia ao crime de racismo, a ADO nº 26 o que configurou um novo paradigma social com vistas a enfraquecer discursos e ações de ódio. Políticas públicas tais quais a do STF, que protejam a população LGBTQIA+ são imperativas.

Outra conquista importante veio com uma Resolução do Conselho Federal de Medicina em 2002 que possibilitou e autorizou a cirurgia de mudança de sexo em que do ponto de vista médico-clínico deixa de ser lesão corporal grave passando a ser reconhecidamente uma cirurgia (Chaves, 2017). Esta autorização traduz-se em uma vitória à população transgênero que pode incumbir-se da direção do seu corpo, mudar o nome e assumir a identidade à qual melhor atende à sua individualidade.

Por último, apesar de haver nem precedentes tão pouco entendimento unânime na Justiça, a possibilidade de estender a Lei Maria da Penha, antiviolência doméstica, para mulheres transexuais afigura-se como vitória, mas necessita de regulamentação. O Ministério Público Federal por sua vez defende esta aplicação, de forma que mesmo não havendo regulamentação, este reconhecimento é importante dado o cenário assombroso de violência contra transgêneros no Brasil.

Isto posto, falemos adiante da participação da travesti Linn da Quebrada e sua importância enquanto voz desta parcela que anseia em ser ouvida.

A participação da travesti Linn da Quebrada na televisão Uma voz para uma multidão

Um dos programas de reality show mais assistidos nas casas dos brasileiros o Big Brother Brasil em sua versão nº 22 conta a participante travesti, Linn da Quebrada, que tem levantado a voz para que novas construções sociais que quebrem a discriminação em relação à população transgênero e travesti.

Cativando milhares ao discursar com firmeza, Linn mostra à sociedade de forma cristalina, a ponta do iceberg para que grandes mudanças ocorram na base da sociedade.

Em diversos episódios os diálogos confrontam toda a discriminação sofrida pela comunidade transgênero, cujos preconceitos, por vezes iniciam no seio familiar, mas perpetuam nos diversos segmentos da sociedade como escola, trabalho, lazer e tantos outros.

Linn da Quebrada a cada dia mostra-se como a voz silenciada de tantos outros travestis ou transgêneros que padecem em uma sociedade que discrimina em razão da opção sexual, cor da pele, pobreza e tantas outras situações que fazem uma parcela da população ser excluída.

Em uma das discussões entre os participantes do programa, a travesti demonstrou sua satisfação em ser travesti e que a sociedade precisa debater o que travestis e transgêneros mulheres aproximam-se de mulheres cisgênero e não centralizar no que as afasta.

Este é também o pensamento da ANTRA1 conforme postagem em rede social

A subalternidade alcança mulheres de diversas formas e é um grande desafio para os feminismos (e para feministas) enxergar e enfrentar a subalternidade das mulheres sem hierarquizar a dor que sentimos. Dor é dor. Dor e opressão não se discutem! A subalternidade de gênero que alcança as mulheres cis é a mesma que nos mata. Que nos silencia e nega a nossa identidade. Que nos proíbe de usar banheiros. Que permite sermos espancadas a luz do dia ou esquecidas por anos no cárcere. Nos nega o direito ao afeto. Nos nega um lugar, um nome, uma família. Que nos fetichiza, explora e abusa de nossos corpos. Travestis e mulheres Trans sempre estiveram em lugar de subalternidade. E sair dele tem sido uma tarefa bem difícil. Sempre fomos colocadas em um lugar de uma completa invisibilidade e ocupamos o lugar da hipervisibilidade negativa quando exploram a subalternidade e os processos de marginalização de nossa população em detrimento de nossas conquistas. A identidade de gênero feminina das travestis e mulheres Trans não deveria ser assunto de discussão, especialmente no feminismo. Pois ele também é o nosso lugar. Deveríamos discutir formas de enfrentar JUNTAS a violência de gênero, o cissexismo, a transfobia, a misoginia, o Racismo e os desafios de ser mulher em uma sociedade machista, racista, colonial, neoliberal e patriarcal. Não excluam as Travestis e Mulheres trans dos espaços de luta. Nossa luta não atrapalha em nada a luta de qualquer outra mulher. E a nossa força é suficientemente capaz de contribuir grandiosamente com os feminismos. Lutemos juntas! (ANTRA, 2022)

Este texto é um apelo justo e digno. A sociedade já não pode mais fechar os olhos aos direitos desta sofrida parcela da população. Não se trata de ter pena, trata-se de dignidade, um direito a todos assegurado pela Constituição, mas ainda remoto para milhares. Nossa sociedade não pode continuar a querer determinar o que o outro deve ou não escolher, caso contrário, não estamos em um Estado democrático de direito.

Conclusão

É notável que temos muito que melhorar não só em termos de legislação, mas também enquanto sociedade. O Brasil negativamente consagrado como país que mais mata gays no mundo parece adormecido a este fato. É por esta razão que movimentos sociais são importantes ao levar à sociedade de alguma forma a conscientização de forma a minar dia a dia toda sorte de discriminação, preconceito, violência e agressão. Entretanto, Linn da Quebrada tem feito este papel de forma brilhante ao mostrar ao Brasil que mulheres cisgênero, e transgênero e travesti têm muito em comum ao se unirem no propósito de minguar toda e qualquer tipo de violência, pode-se construir uma sociedade equânime.

Referências

ANTRA. POR UM FEMINISMO TRANS e TRAVESTI!!! Postagem em: 02/02/2022. Instagram. ANTRA. Disponível em: https://www.instagram.com/p/CamhusKL8tQ/?utm_source=ig_web_copy_link. Acesso em: 02/03/2022

BASTOS, Gustavo Grandini; GARCIA, Dantielli Assumpção; SOUSA, Lucília Maria Abrahão e. A homofobia em discurso: direitos humanos em circulação. Linguagem em (Dis)curso LemD, Tubarão, SC, v. 17, n. 1, p. 11-24, jan./abr. 2017.

BRASIL (1989). LEI Nº 7.716, DE 5 DE JANEIRO DE 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm. Acesso em 25/08/2019.

KOEHLER, Sonia Maria Ferreira. Homofobia, cultura e violências: a desinformação social. INTERACÇÕES NO. 26, PP. 129-151 (2013 Número Especial).

NELSON, DULCINÉA PEIXOTO et al. Demanda judicial da população transexual na 2ª Instância do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro: uma análise das decisões até 2017. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online]. 2019, v. 29, n. 03 [Acessado 14 Fevereiro 2022] , e290308. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290308>. Epub 25 Nov 2019. ISSN 1809-4481. https://doi.org/10.1590/S0103-73312019290308.

CHAVES, Débora Caroline Pereira. Afinal, quem sou eu para o Direito. Reflexões sobre a tutela do transgênero no Brasil, v. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017.

SILVA, Laura de Oliveira Azevedo. A criminalização de homofobia pelo Supremo Tribunal Federal. 2019.

VARELLA, Dráuzio. O que disse Dráuzio Varella à BBC sobre aborto e homossexualidade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=luBVQtbXSv0>. Acesso em 12/08/2019.

Notas

__________

1 A Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), é uma rede nacional que articula em todo o Brasil 127 instituições que desenvolvem ações para promoção da cidadania da população de Travestis e Transexuais.

A missão da ANTRA é: Identificar, Mobilizar, Organizar, Aproximar, Empoderar e Formar Travestis e Transexuais das cinco regiões do pais para construção de um quadro político nacional a fim de representar nossa população na busca da cidadania plena e isonomia de direitos. (Assembléia da ANTRA, Teresina-PI/ Maio 2009). Disponível em: https://antrabrasil.org/sobre/. Acesso: 02/03/2022

Sobre a autora
Silvia Diener Cavalcanti

Professora da rede pública de ensino do Distrito Federal, graduada em licenciatura em Geografia pela Universidade de Brasília, especialista em Ciências humanas e suas tecnologias pela UnB, bacharel em direito pelo Centro Universitário Estácio, advogada com especialização em Direito do Trabalho, Direito de família e Direito Processual Civil.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!