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Cyber crimes no Brasil

Agenda 05/03/2022 às 18:18

A evolução tecnológica suportada pela sociedade hodierna tem modificado sobremaneira nossa forma de viver e interagir com as pessoas e o mundo a nossa volta.

Esse contexto, notadamente no que concerne a internet, tem de forma inegável trazido grandes benefícios em nossa sociedade, como a possibilidade de se comunicar de maneira mais fácil e barata com nossos familiares e até desconhecidos, conhecer novas culturas, e buscar conhecimento de maneira muito mais fácil.

A título de exemplo a internet se mostrou essencial nesse período de pandemia para que a educação de nossos jovens pudesse continuar de maneira segura por meio de aulas remotas ministradas por meio da rede, bem como pessoas que integravam grupos de riscos pudessem continuar a trabalhar de forma remota, garantindo o emprego e segurança dessas pessoas, bem como a produtividade tão importante para os órgãos que essas pessoas servem.

Contudo, a internet também trouxe diversos malefícios, entre eles a possibilidade da prática de delitos pelos meios digitais, popularmente conhecidos como cyber crimes, sendo que estes podem ser conceituados como os crimes praticados por meios digitais ou que atentam contra a estabilidade da rede ou de algum dispositivo conectado à mesma, sendo este o tema objeto desta análise.

Podemos atribuir o crescimento de crimes pela internet a dois fatores evidentes, em primeiro lugar a popularidade do uso da internet na última década, atingindo todas as faixas etárias e classes sociais, e o segundo a facilidade da prática de delitos de qualquer lugar do mundo, transpassando fronteiras geográficas, políticas e jurídicas com menor risco para o criminoso, posto que existe uma dificuldade na investigação e punição desse tipo de delito.

Assim, a falta de profissionais qualificados e até de equipamentos adequados para reprimir esse tipo de conduta (o que é muito comum no Brasil), acaba fomentando que criminosos usem a internet para a prática de delitos.

Junte-se a isso o vácuo legislativo no que concerne aos cyber crimes, seja a nível penal ou processual penal, e fica evidente porque o uso a internet para a prática de delitos, sejam delitos de internet impróprios (crimes que já são reprimidos no nosso diploma penal, como ameaça, injúria, extorsão, que podem ser praticados tanto pessoalmente como por meio da internet) ou delitos de internet próprios (delitos que especificamente atentam contra a estabilidade da rede ou das maquinas ligadas à rede, exemplo os ransomwares, espécie de sequestro de maquinas em que os criminosos criptografam os dados de um computador e exigem dinheiro para liberar esses dados para que o usuário volte a acessa-los).

A possibilidade de cometer esses delitos com baixo risco de sofrer uma repressão criminal, juntamente com um grande quantitativo de vítimas potenciais, muitas delas extremamente vulneráveis ao comportamento criminoso no meio virtual, e a falta de uma vigilância eficaz nos ambientes online (pela falta de legislação e profissionais especializados para reprimir esse tipo de conduta), são os grandes motivo da popularidade do uso da internet na prática de delitos, se amoldando, perfeitamente, à teoria das atividades rotineiras, que explica a criminalidade pela existência da sobreposição geográfica (nesse caso a coexistência no mundo virtual) de um criminoso motivado, uma vítima potencial e a ausência de um guardião como explicação causal dos delitos ora em comento (DENIS, 2021, p. p. 117 a 119).

É bem verdade que a convenção de Budapeste trouxe diretrizes para a repressão dos comportamentos delitivos praticados na internet (Associação dos magistrados piauienses, 2015), contudo os avanços tecnológicos evoluem numa velocidade muito maior do que a atividade legislativa, o que cria um evidente descompasso entre a legislação repressiva e a realidade fática apresentada, sendo esta a grande razão de não possuirmos uma legislação especifica para a repressão de cyber crimes.

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No contexto dos delitos praticados pela internet é importante tratarmos de duas espécies de delito que tem ganhado grande destaque no meio digital, sendo este o abuso sexual de crianças e adolescentes (crimes sexuais pela internet) e o bullying (ou cyberbullying), não obstante existam outros delitos que também tem se popularizado no meio digital, tais como os delitos de estelionato e crimes de ódio.

Nesse diapasão, como a tecnologia atual se mostra extremamente intuitiva, dando a possibilidade de pessoas que jamais tiveram muita intimidade com a tecnologia de poder se conectar de maneira mais fácil, o que democratizou o uso da internet permitindo que pessoas idosas e crianças, por meio de smartphones, tenham acesso ao uso das mais variáveis ferramentas online.

Contudo, no caso das crianças é comum que essa liberdade do uso da internet não venha acompanhada de uma supervisão adequada dos conteúdos acessados por parte dos pais ou responsáveis desses infantes, o que gera um grande risco, posto que crianças são extremamente vulneráveis a manipulação de predadores sexuais que fazem uso da internet para obter satisfação de seus desejos ilegais.

Esse contexto pode ser ainda mais perigoso para crianças e adolescentes que são provenientes de famílias desestruturadas, e que buscam atenção e afeto no meio online, o que potencializa os riscos desses jovens a serem vitimados.

Assim, é muito comum que crianças e adolescentes sejam alvo de comportamentos criminosos sexuais em decorrência desse contato com a internet, o que pode ocorrer com a manipulação dessa criança que acaba sendo ludibriada por um agressor sexual que a persuade a se encontrar com o mesmo, vindo essa criança a ser estuprada ou induzida a enviar fotos ou se mostrar em vídeos com conteúdos sexuais, ou até ter uma foto comum enviada pelo infante que pode ser digitalmente modificada fazendo a mesma ganhar uma conotação sexual, isso dentre outros exemplos de crimes de natureza sexual que podem ser praticados contra as crianças e adolescentes na internet.

Não sem razão o site Safernet há vários anos vem lutando contra todo o tipo de cyber crime, e no que concerne aos crimes sexuais as informações de denuncias obtidos no citado site foram fundamental para a instauração no Congresso Nacional da CPI da pedofilia, cujos trabalhos culminaram com a Lei 11.898/2008, que trouxe diversas modificações aos delitos previstos no Estatuto da criança e do adolescente (Silva e Veronese, 2009), entre eles:

1) A modificação do Art. 241 que previa o crime de venda ou exposição de foto, vídeo ou qualquer registro sexo explicito ou pornografia com criança ou adolescente, sendo acrescentado nesse tipo penal a conduta de quem assegura os meios ou serviços de armazenamento ou quem garante o acesso desse tipo de conteúdo na internet;

2) A criação do artigo 241-A que prevê o crime de quem oferece, troca, disponibiliza, transmite, distribui, publica, ou divulga pornografia infanto-juvenil, ou quem assegura o armazenamento ou acesso a esse tipo de conteúdo.

3) Também se passou a criminalizar o mero armazenamento de pornografia infanto-juvenil, sem a necessidade de divulgação do material (Art. 241-B do ECA), expandindo a proteção das crianças vítimas desse tipo de delito.

4) Por fim, o artigo 241-C criminaliza a conduta de modificar fotografias vídeos ou qualquer representação visual de crianças e adolescentes para que aparentem ter conteúdo sexual, comportamento que, conforme já explanamos, é bem comum no ambiente virtual.

No que concerne ao bullying, fenômeno que há anos vem sendo comum em ambientes educacionais, podemos, inicialmente, conceituarmos o mesmo como uma forma de violência intencional e repetitiva, cometida por meio de violência física ou verbal, dirigida a uma pessoa ou grupo, baseado em uma relação de desequilíbrio de poder entre agressor e ofendido, capaz de causar severos danos físicos e psicológicos às vítimas desse tipo de conduta.

Como é possível perceber, considerando que o fenômeno do bullying comumente ocorre em ambientes escolares, tendo como vítimas adolescentes que são pessoas cuja personalidade social ainda se encontra em construção, os danos desse tipo de comportamento acabam sendo potencializados por essa circunstância especifica desse grupo de vítimas, causando às mesmas graves danos de cunho físico e psicológico, podendo levar as vítimas à depressão, chegando as vítimas, em alguns casos, a se suicidarem (Sosa, 2010), ou a praticarem massacres em ambientes escolares.

Diante da gravidade desse tipo de violência, no Brasil fora promulgada a Lei 13.185/2015, que criou o programa de combate ao bullying, conceituando legalmente esse tipo e violência em art. 1º, §1º, e criando diretrizes para prevenir e combater esse tipo de violência nos ambientes educacionais (art. 4º).

O art. 2º, paragrafo único, da citada legislação, por seu turno, trouxe a figura do cyberbullyng, quando a violência sistemática (intencional e repetitiva) é pratica por meio da internet, onde esta é usado como instrumento para depreciar, incitar a violência, adulterar dados ou fotos pessoais no intuito de criar meios de constrangimento psicossocial.

A previsão da prática do cyberbullying foi correta, posto que com a familiaridade dos adolescentes com o uso da internet, bem como o anonimato que o meio digital proporciona, acabou por tornar comum que os agressores desse tipo de violência façam uso da citada ferramenta para a prática desse tipo de comportamento, o que por vezes acaba potencializando o bullying, tendo em vista que os meios digitais acabam se disseminando com maior facilidade.

Não obstante no Brasil não tenhamos um tipo específico de crime de bullying, os praticantes desse tipo de violência serão responsabilizados conforme as violações penais que os mesmos praticaram, sendo comum que violações oriundas do cyberbullying venham a configurar os delitos contra honra (artigos 138 a 140 do código penal), ameaça (artigo 147), lesão corporal (artigo 129 do código penal), e até o artigo 241-C do Estatuto da Criança e do adolescente que já comentamos.

Por fim, para encerarmos nossa explanação acerca dos cyber crimes, faz-se necessário tecermos alguns comentários acerca da responsabilidade dos provedores de conteúdo de internet acerca da existência em tais sites do conteúdo criminoso, exposto por usuários dessas páginas, como em casos de pornografia infantil e cyberbullyng.

Em primeiro lugar é bom deixarmos claros que os sites já possuem tecnologia para identificar, de maneira preventiva, conteúdos textuais e gráficos que constituam violações penais (como cyberbullying ou pornografia infantil, por exemplo) já excluindo esse tipo de conteúdo.

Também é padrão que os sites já possuam entre seus temos de uso a vedação a comportamentos em seu ambiente que constituam pornografia infantil ou que ofenda direitos alheios.

Contudo, a responsabilidade dos provedores deve ser subjetiva, conforme já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, que exige, para que exista qualquer responsabilidade jurídica do provedor, que o mesmo uma vez notificado judicialmente para a retirada de uma página com sua URL devidamente identificada, se mantém inerte (Consultor Jurídico, 2017).

Essa necessidade de uma ordem judicial se faz imperiosa porque cabe ao poder judiciário determinar em último lugar o que constitui violação de direitos e o que é exercício de liberdade de expressão (Souza e Teffé, 2017), não havendo responsabilidade dos provedores de retirar o conteúdo com base na mera denúncia de um usuário da rede que afirma que dado conteúdo seria uma violação penal, o que poderia gerar restrições indevidas ao direito de expressão dos usuários da internet (art. 19 da Lei 12.965/2014).

Evidentemente sites dedicados a expor conteúdos sexuais de adolescentes, por exemplo, além de possuírem responsabilidade civil de indenizar, trarão para os operadores esse tipo de site (pessoas físicas) a devida responsabilidade penal, por violação aos delitos previstos nos artigos 241 e 241-A do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Ante o exposto, fica evidente que a popularidade da internet acabou por trazer a possibilidade da prática de delitos pelos meios digitais, bem como criou condutas que violam direitos relacionados ao uso da internet e dos aparelhos ligados à mesma.

No que concerne aos delitos de crimes sexuais contra crianças e adolescentes a internet acabou sendo um campo fértil para comportamentos criminosos sexuais contra crianças e adolescentes, que por serem vulneráveis em decorrência da pouca experiência de vida acabam sendo alvo de predadores sexuais que fazem uso da internet para se contatar com suas vítimas, com vistas a promover encontros ou obter imagens ou vídeos de crianças e adolescentes.

Também é evidente que o fenômeno do bullying ganhou com a internet novos meios de se praticar esse tipo de violência, onde os agressores fazem uso do anonimato da internet para cometer violações sistemáticas contra as vítimas, causando sérios danos de cunho físico e psicológico.

O enfrentamento dos cyber crimes para além da criação de figuras típicas para as violações que atentam contra a estabilidade da rede ou dos aparelhos ligados à mesma, depende sobretudo de qualificação profissional dos integrantes do sistema de Justiça Criminal (Polícia, Ministério Público e Judiciário) bem como instrumentos tecnológicos aptos a investigar e juntar material probatório para se promover uma repressão qualificada desse tipo de crime, pois só assim será possível fazer frente a esse tipo de violação.

REFERÊNCIAS:

1. CONSULTOR JURÍDICO. STJ divulga precedentes sobre responsabilidade de provedor na internet. 19 de set. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-set-19/stj-reune-precedentes-dever-provedores-internet. Acesso em 09 de ago. 2021.

2. LINO, D. Criminal profiling Perfil criminal: Análise do comportamento na investigação criminal. Curitiba: Juruá, 2021.

3. KONVALINA-SIMAS, T. Criminologia forense. Lisboa: Formação e consultoria, 2014.

4. RODRIGUES, B. S. Criminologia rorense. São Paulo: Emporio do direito, 2015.

5. SOSA, M.G. O bullying na Internet: alguns apontamentos jurídico-sociais. 01 de Ago. de 2010. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-79/o-bullying-na-internet-alguns-apontamentos-juridico-sociais/. Acesso em 10 de Ago. 2021.

6. SOUZA, C. A.; e TEFFÉ, C. S. Responsabilidade dos provedores por conteúdos de terceiros na internet. 23 de Jan. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-jan-23/responsabilidade-provedor-conteudo-terceiro-internet. Acesso em, 09 de Ago. 2021.

7. VERONESE, J. R. P; e FERRAZA, C. B. Os crimes sexuais contra crianças e adolescentes no ambiente virtual. 01 de nov. 2009. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-69/os-crimes-sexuais-contra-criancas-e-adolescentes-no-ambiente-virtual/. Acesso em 10 de ago. 2021.

8. VIANA, E. Criminologia. Salvador: Juspodivm, 2019.

9. ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS PIAUIENSSES. Juiz Marcelo Mesquita fala sobre cibercrimes ao Brasil Justiça. 2015. Youtube. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=UFE6k0WaRD4. Acesso em: 11 de Ago. 2021.

Sobre o autor
Jonathan Dantas Pessoa

Policial civil do Estado de Pernambuco, formado em direito pela Universidade Osman da Costa Lins - UNIFACOL/ Vitória de Santo Antão. Pós - graduado em direito civil e processo civil pela Escola Superior de Advocacia Professor Ruy Antunes - ESA/OAB/PE - Recife/PE. Mestre em Psicologia Criminal com Especialização em Psicologia Forense pela Universidad Europea del Atlántico - Santander/ES. Pós graduado em Criminologia pela Faculdade Unyleya. Pós graduado em Psicologia Criminal Forense pelo Instituto Facuminas. Membro do Centre for Criminology Research - University of South Walles. Membro do Laboratório de estudos de Cognição e Justiça - Cogjus.

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