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A aplicação da imunidade e isenção tributária religiosa ao ICMS nas contas de consumo

Agenda 09/03/2022 às 13:45

RESUMO

O presente artigo tem como escopo apresentar conceitos básicos acerca da imunidade tributária religiosa prevista no art. 150, VI, b da Constituição Federal, da sua diferenciação da isenção tributária, bem como detalhes acerca do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação, previsto no art. 155, II da Carta Magna, comumente chamado de ICMS, aplicando tais conceitos à problemática trazida, qual seja, a incidência da imunidade ou isenção ao ICMS enquanto imposto indireto, verificando-se, ainda, o posicionamento jurisprudencial e doutrinário que envolve a questão.


Palavras-chave: Isenção tributária. Imunidade Religiosa. ICMS.

ABSTRACT

The present article has the objective to present basic concepts about the religious tax exemption provided for in art. 150, VI, b of the Constitution, the differentiation of the tax exemption, as well as details about the Tax on Circulation of Goods and Services for Interstate and Intermunicipal Transportation and Communication, referred to in art. 155, II of the Constitution, commonly called ICMS, applying these concepts to the problems brought, namely, the incidence of immunity or exemption from ICMS as an indirect tax, verifying also the jurisprudential and doctrinal position that surrounds the issue..

Keywords: Tax exemption. Immunity Religious. ICMS.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CF/88 Constituição Federal de 1988

CTN Código Tributário Nacional

ICMS Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação

IPI Imposto sobre produtos industrializados

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária

SUMÁRIO

1.INTRODUÇÃO. 2. BREVES LINHAS SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RELIGIOSA. 3. APONTAMENTOS SOBRE O ICMS ENQUANTO IMPOSTO INDIRETO. 4. O IMBRÓGLIO DOUTRINÁRIO-JURISPRUDENCIAL. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa trazer à baila a questão que envolve a incidência da imunidade tributária prevista no art. 150, VI, b, da CF/88 ou da isenção tributária aos impostos indiretos, mormente ao ICMS previsto nas contas de consumo, como energia elétrica.

Neste trabalho serão apresentados conceitos básicos acerca da imunidade e isenção tributária aplicada aos templos de qualquer culto, na hipótese de incidência de impostos indiretos, especificando ainda as nuances do ICMS, principal imposto sobre o qual a incidência da imunidade ou da isenção será discutida. Será explanado também sobre a diferenciação entre a imunidade e isenção tributária, instituto que, assim como a imunidade, faz com que o tributo não seja cobrado na prática.

A doutrina e a jurisprudência dos tribunais pátrios, incluindo o STF, possuem entendimento divergente acerca da aplicação ou não da referida imunidade, abrindo-se precedente para aplicação da isenção, sendo que tais casos também serão objeto de estudo no curso do presente artigo.

Além disso, ao final deste trabalho, o autor concluirá o assunto, alertando o leitor sobre os benefícios da aplicação da imunidade/isenção religiosa tributária ao ICMS nas contas de consumo para as entidades religiosas.

2. BREVES LINHAS SOBRE A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RELIGIOSA

A imunidade objeto desde estudo está prevista no art. 150, VI, b da CF/88, in verbis:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre:

b) templos de qualquer culto;

Veja que, pelo disposto acima, a União, Estados, Distrito Federal e Municípios estão constitucionalmente proibidos de instituir impostos sobre as entidades religiosas. Chama-se a atenção do leitor para o fato de que a CF/88 não definiu quais tipos de impostos não poderão ser instituídos sobre os templos de qualquer culto, dando margem a interpretações diversas, sendo este o cerne do presente trabalho.

O gabaritado professor Sacha Calmon Navarro ensina que:

Templo, do latim templum, é o lugar destinado ao culto. Em Roma era lugar aberto, descoberto e elevado, consagrado pelos áugures, sacerdotes da adivinhação, a perscrutar a vontade dos deuses nessa tentativa de todas as religiões de religar o homem e sua finitude ao absoluto, a Deus. Hoje, os templos de todas as religiões são, comumente, edifícios. Nada impede, porém, como lembrado por Baleeiro, que o templo ande sobre barcos, caminhões, vagonetes, ou seja, em terreno não edificado. Onde quer que se oficie um culto, aí é o templo. No Brasil, o Estado é laico. Não tem religião oficial. A todas respeita e protege, não indo contra as instituições religiosas com o poder de polícia ou o poder de tributar, salvo para evitar abusos: sacrifícios humanos ou fanatismo demente e visionário. E quanto tributa é para evitar que sob a capa da fé se pratiquem atos de comércio ou se exercite animus lucrandi sem finalidade benemérita. (NAVARRO, 2005, p. 503)

Quanto à extensão dos templos de qualquer culto e aplicação da imunida religiosa, entende o ilustre professor Carraza que:

Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja.. (CARRAZA, 2000, p.478)

Ensina Piccinini que:

Imunidade é a hipótese de exclusão de incidência por ordem Constitucional. Ou seja, o contribuinte fica dispensado de recolher determinado tributo em virtude de ordem contida na nossa constituição. (PICCININI, 2013)

Assim, tem-se que a imunidade é ampla, não atingindo somente o lugar do culto, mas toda a entidade mantenedora do templo, além dos bens essenciais à finalidade da instituição religiosa, conforme previsão do § 4º do art. 150, VI, b da CF/88 a seguir transcrita:

§ 4º - As vedações expressas no inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas.

Entretanto, para que se possa prosseguir no entendimento acerca da imunidade tributária religiosa, deve-se analisar o termo imunidade, a fim de que se possa fazer diferenciação do termo isenção, haja vista que ambas as palavras, na prática e senso comum, possuem ligação com o sentido de não pagamento do tributo.

Para alguns estudiosos do assunto, como o é o ilustre Professor Sabbag (2012), a imunidade tributária é uma delimitação negativa da competência tributária, de modo que por si torna-se uma dispensa constitucional de tributo, uma vez que a competência para instituir tributos está expressamente prevista na Constituição Federal.

Já para o Professor Paulo de Barros Carvalho, a imunidade pode ser definida da seguinte maneira:

A classe finita e imediatamente determinável de normas jurídicas, contidas no texto da Constituição Federal, que estabelecem de modo expresso a incompetência das pessoas políticas de direito interno, para expedir regras instituidores de tributos que alcancem situações específicas e suficientemente caracterizadas. (CARVALHO, 1999, p. 178)

Sobre o entendimento do Egrégio STF acerca do que é imunidade, Sabbag explica:

Para o STF, as imunidades e os princípios tributários são limitações constitucionais ao poder de tributar, ganhando a estatura de cláusulas pétreas limites não suprimíveis por emenda constitucional, uma vez asseguradores de direitos e garantias individuais (art. 60, § 4°, IV, CF), aptos ao resguardo de princípios, interesses e valores, tidos como fundamentais pelo Estado. (SABBAG, 2012, p. 286)

Assim é que para uns doutrinadores a imunidade pode ser tida como delimitação negativa da competência conferida aos Entes tributantes, e, para outros, pode ser entendida como uma regra que dispõe sobre a incompetência expressa dos Entes tributantes para instituir tributos. Já para o STF, a imunidade é uma limitação do poder de tributar, tida como cláusula pétrea, portanto, imutável.

Seja como for, o termo imunidade se difere em muito do termo isenção, sobre o qual far-se-á a distinção.

A isenção, no entendimento do mestre Sabbag (2012) pode ser definida como uma dispensa legal no campo da tributação.

Sabbag vai mais longe e explica que:

Para o STF, que se fia a estes rudimentos conceituais aqui brevemente expostos, o que se inibe na isenção é o lançamento do tributo, tendo ocorrido fato gerador e nascido o liame jurídico-obrigacional. Na imunidade, não há que se falar em relação jurídico-tributária, uma vez que a norma imunizadora está fora do campo de incidência do tributo, representando o obstáculo, decorrente de regra da Constituição, à incidência de tributos sobre determinados fatos, situações ou pessoas. (SABBAG, 2012, p. 286)

Assim, conclui-se que na isenção não ocorre o lançamento do tributo, embora ocorram normalmente o fato gerador e nascimento da relação jurídico-tributária, enquanto que na imunidade, não ocorre o nascimento de tal relação, haja vista que a norma imunizadora encontra-se fora do escopo de incidência do tributo.

Além disso, deve-se deixar claro que, conforme alhures exposto, a isenção sempre está prevista em lei infraconstitucional, enquanto a imunidade tributária, como cláusula pétrea, por óbvio, só pode estar prevista na Carta Magna.

Feitas tais considerações acerca da imunidade tributária religiosa e da sua diferença em relação à isenção, passar-se-á à análise de pontos básicos acerca dos impostos indiretos, mormente ao ICMS, a fim de que, logo mais, possa-se discutir realmente a problemática envolvendo o assunto.

3. APONTAMENTOS SOBRE O ICMS ENQUANTO IMPOSTO INDIRETO

Tendo em vista o caráter de imposto indireto atribuído ao ICMS, deve-se deixar claro o conceito de imposto indireto, que no entender de Ricardo Chimenti pode ser definido como:

Impostos indiretos (ou que repercutem): são aqueles cuja carga financeira é suportada não pelo contribuinte de direito, mas por terceira pessoa, que não realizou o fato imponível (contribuinte de fato). (CHIMENTI, 2011, p.81)

Nota-se, então, que podem ser classificados como impostos indiretos todos aqueles impostos que, na prática, são pagos pelo contribuinte de fato, e não pelo contribuinte de direito, ou seja, o pagamento de tais impostos é feito por quem não realiza o fato gerador. Podem ser chamados ainda de impostos que repercutem.

Na definição do Professor Sabbag (2012, p.166), os impostos indiretos são aqueles que admitem naturalmente a transferência do encargo financeiro, nos termos do art 166 do CTN, sendo marcados, então, pela transmissão do gravame tributário do realizador do fato gerador para o consumidor final, adquirente do bem.

Assim, pode-se dizer que o ICMS e o IPI são impostos indiretos, haja vista que são recolhidos pelo contribuinte de direito, mas quem é indiretamente atingido acaba sendo o consumidor final, denominado contribuinte de fato.

Como a problemática a ser estudada envolve somente o ICMS, deve-se falar acerca das peculiaridades deste imposto.

O ICMS, tributo cujo nomen juris é imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias, tem natureza jurídica de imposto, como o próprio nome já assevera, sendo que a competência para sua instituição é atribuída aos Estados e ao Distrito Federal, de acordo com o art. 155, II da CF/88, in verbis:

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:

II operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;

É importante ressaltar que o ICMS é o imposto de maior arrecadação no Brasil, possuindo caráter indiscutivelmente fiscal, não obstante a Constituição Federal lhe abrir a possibilidade de ser seletivo em razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços, conforme art. 155, §2º, III da CF/88, e caso tal permissividade seja usada poderia proporcionar visível tom de extrafiscalidade ao tributo, tendo em vista que sua incidência seria maior sobre mercadorias e serviços consumidos pela população com maior capacidade contributiva, visando à redistribuição de renda. (ALEXANDRE, 2011).

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Ensina Ricardo Alexandre sobre tal imposto afirma que:

Antes da Constituição Federal de 1988, o tributo denominava-se ICM, por incidir apenas sobre a circulação de mercadorias. Com a nova Carta Magna, foram acrescidos ao seu campo de incidência dois serviços, o de transporte interestadual e intermunicipal e o de comunicação. Daí o acréscimo da letra S à sigla, de forma que a partir do advento da nova ordem constitucional, passou a existir o ICMS. (ALEXANDRE, 2011, p. 602)

Assim é que, além de, atualmente, o ICMS englobar a circulação de mercadorias, com a promulgação da Carta Magna de 1988, tal imposto passou a abarcar também o serviço de transporte interestadual e intermunicipal e também o de comunicação.

É importante dizer que na previsão do art. 150, I da Constituição Federal está consagrado o princípio da legalidade tributária, em cujo dispositivo, segundo Eduardo Sabbag (2012, p. 64) prevalece o desígnio do legislador constituinte de que nenhum tributo será instituído ou aumentado, a não ser por intermédio de lei, de modo que, por possuir natureza de tributo, o ICMS submete-se a este princípio, genericamente ratificado no art. 5º, II, da CF/88, sob a disposição: Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.

Ainda de acordo com a Carta Magna, no art. 150, III, b, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributo no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Desta alínea extrai-se o princípio da anterioridade de exercício ou anterioridade comum, sob o qual, em regra, submete-se o ICMS, exceto o ICMS incidente sobre combustíveis e lubrificantes com tributação monofásica prevista em lei complementar, nos termos do art. 155, §4º, IV, CF.

Em relação ao princípio da anterioridade nonagesimal, previsto no art. 150, III, c, da Constituição Federal de 1988, por meio do qual é vedado à União, aos Estados e ao Distrito Federal e aos Municípios cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, o ICMS também se encontra sob seu efeito, de forma que, com a cumulação legal deste princípio com o da anterioridade de exercício, Luciano Amaro ensina que:

[...] a Constituição exige [...] que a lei que crie ou aumente tributo seja anterior ao exercício financeiro em que o tributo será cobrado e, ademais, que se observe a antecedência mínima de noventa dias entre a data de publicação da lei que o instituiu ou aumentou e a data em que passa a aplicar-se. (AMARO, 2006, p. 121)

O princípio da capacidade contributiva encontra-se disposto no art. 145, §1º, CF/88, conforme a seguir:

Art. 145 [...] §1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

De acordo com Ricardo Alexandre (2011, p. 128) o princípio da capacidade contributiva está umbilicalmente ligado ao da isonomia, dele decorrendo diretamente, visando à consecução da justiça no âmbito do Direito Tributário.

Na visão de Eduardo Sabbag (2012, p. 154) a capacidade contributiva evidencia uma das dimensões da isonomia, a saber, a igualdade na lei, quando se busca tratar de forma distinta situações diversas, estando o ICMS submetido aos efeitos deste princípio.

Segundo Hugo de Brito Machado:

A base de cálculo do ICMS, como regra geral, é o valor da operação relativa à circulação da mercadoria, ou o preço do serviço respectivo. A Lei Complementar 87/1996, todavia, estabelece várias normas para situações específicas. (MACHADO, 2007, p. 395)

No que tange à definição do sujeito passivo do ICMS, bem ensina Robinson Barreirinhas que:

Contribuinte, a princípio, é quem promove a circulação de mercadorias ou presta serviços como meio de vida, empresarialmente, ou, no texto da lei, com habitualidade. Há que existir o intuito comercial, empresarial ou profissional na atividade. (BARREIRINHAS, 2009, p. 500)

Além disso, pelo fato de o ICMS ser um imposto cuja competência para instituição é do ente estatal e para evitar guerra fiscal, haja vista ser essa a consequência de se atribuir a entes menores a criação e administração de um tributo que grava toda a economia, a Constituição, visando minimizar o problema, trouxe em seu arcabouço um arsenal de regras que tentam conter a competição predatória entre os Estados-membros, sendo a mais importante delas, segundo Ricardo Alexandre (2011, p. 171), a exigência de deliberação prévia e conjunta dos Estados e do Distrito Federal para que haja concessão de benefícios fiscais.

Feitas tais ponderações acerca das imunidade, isenções, impostos indiretos e, especificamente, sobre o ICMS, será analisado agora todo o imbróglio que circunda o tema da aplicação da imunidade ou da isenção tributária às entidades religiosas.

4. O IMBRÓGLIO DOUTRINÁRIO-JURISPRUDENCIAL

O problema envolvendo a aplicação da imunidade tributária religiosa ao ICMS nas contas de consumo possui duas linhas de raciocínio, uma a favor da aplicação da imunidade tributária em si, e outra defendendo a não aplicação da imunidade tributária, mas da isenção tributária, que, como já visto, não depende da norma constitucional, mas, sim, da norma infraconstitucional, ficando a critério dos Estados e Distrito Federal criar normas conferindo isenção às entidades religiosas quanto ao pagamento do ICMS.

Vinculados à corrente que defende a aplicação da imunidade tributária religiosa aos impostos de qualquer espécie incluindo, portanto, o ICMS nas contas de consumo -, estão os doutrinadores Roque Antônio Carraza e Ricardo Alexandre.

Carraza defende que:

Esta imunidade, em rigor, não alcança o templo propriamente dito, isto é, o local destinado a cerimônias religiosas, mas, sim, a entidade mantenedora do templo, a igreja. Em razão disso, é o caso de, aqui, perguntarmos: que impostos poderiam alcançar os templos de qualquer culto se inexistisse este dispositivo constitucional? Vários impostos, apressamo-nos em responder. Sobre o imóvel onde o culto se realiza incidiria o imposto predial e territorial urbano (IPTU); sobre o serviço religioso, o imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS); sobre as esmolas (dízimos, espórtulas, doações em dinheiro etc.), o imposto sobre a renda; sobre a aquisição de bens imóveis, o imposto sobre a transmissão "inter vivos", por ato oneroso, de bens imóveis (ITBI); e assim avante. Nenhum destes impostos - nem qualquer outro - pode incidir sobre os templos de qualquer culto, em consequência da regra imunizante agora em estudo. (CARRAZA, 2000, p.478)

O mestre Ricardo Alexandre entende que:

Como a liberdade de culto é direito individual expressamente consagrado (art. 5º, VI, da CF/1988), e a imunidade religiosa é uma das garantias que protege tal direito, ambos estão protegidos por cláusula pétrea. Também aqui a imunidade é aplicável exclusivamente aos impostos, não sendo extensiva, por exemplo, às contribuições sindicais (RE 129.930). É interessante perceber que o legislador constituinte originário, ao proibir os entes federados de instituir impostos sobre os templos de qualquer culto (CF, art. 150, VI, b), disse menos do que efetivamente queria dizer. A afirmação baseia-se na distinção entre o templo (prédio fisicamente considerado) e a entidade religiosa, com todas as atividades que lhe são inerentes. Se a imunidade fosse tão somente do templo, estaria impedida apenas a cobrança dos impostos que incidissem sobre a propriedade do imóvel em que está instalado o templo (IPTU ou ITR). Entretanto, nada impediria a cobrabça, por exemplo, do imposto de renda sobre as oferendas ou do imposto sobre serviços relativos à celebração de casamentos. Vista a questão sob o prisma teleológico, há de se concordar que se o objetivo da imunidade era evitar a submissão da entidade religiosa ao Estado, a proteção teria que abranger todo o patrimônio, todas as rendas e todos os serviços destas entidades. Aliás, se a regra imunizante for analisada em conjunto com o §4º do mesmo art. 150 da CF/1988, a conclusão há de ser a mesma, pois este dispositivo afirma que as imunidades expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas. (ALEXANDRE, 2011, p. 190)

Assim, tal corrente defende que a regra imunizante engloba qualquer tipo de imposto, haja vista que o principal objetivo da imunidade concedida às entidades religiosas é garantir o direito de culto, a liberdade religiosa, razão pela qual não deveria haver imunidade de uns impostos em detrimento de outros.

Seguindo o entendimento acima, é de se notar que caso não houvesse a regra imunizante, as entidades religiosas ver-se-iam prejudicadas, uma vez que, em sua maioria, dependem de doações para sua manutenção. É claro que há casos de entidades religiosas na atualidade que se transformaram, na prática, em comércio de bênçãos, de modo que a esse tipo de instituição religiosa não se deveria aplicar a imunidade tributária, devendo haver previsão constitucional por meio de emenda a fim de peneirar as entidades religiosas que deveriam realmente se beneficiar da imunidade religiosa. É, portanto, uma corrente mais ampliativa, que visa a garantia do direito fundamental à liberdade religiosa e ao culto.

Neste entendimento, não deveria haver a incidência do ICMS sobre as contas de consumo, como a conta de luz da entidade religiosa, o que lhe beneficiaria em muito, haja vista que a alíquota do imposto no Estado do Espírito Santo é de 25%, ou seja, uma alta carga tributária a ser suportada por uma instituição sem finalidades lucrativas e que tanto bem faz à sociedade.

Assim é que a empresa distribuidora de energia, em vez de automaticamente efetuar a cobrança na conta a ser enviada para a instituição religiosa, já deveria excluir a aplicação da alíquota de 25% quando se tratasse de entidade religiosa.

Quanto à outra corrente, esta tem entendido que não se deve aplicar a regra imunizante às entidades religiosas, e assim tem entendido os tribunais pátrios, conforme pode-se ver nos acórdãos abaixo:

Trata-se de agravo de instrumento interposto contra decisão que indeferiu o pedido de antecipação dos efeitos de tutela consistente no reconhecimento de não-incidência do IPI sobre operações de veículos que pretende adquirir (fls. 40-41). Sustenta a agravante que o valor do imposto está incluído no preço pago pelo produto ou serviço, em virtude da própria natureza da operação mercantil que caracteriza o fato gerador da obrigação tributária. Defende, pois, que não há como considerar o consumidor final da mercadoria fora da relação jurídico-tributária. Aduz que a sua legitimidade para busca da devolução do imposto indireto é evidente; assim como assevera ser evidente o seu direito à restituição dos valores pagos indevidamente a título de IPI, mesmo sendo consumidora final do veículo adquirido, sob pena de se considerar o art. 166 do CTN letra morta no ordenamento jurídico vigente. Brada que, por se configurar templo de qualquer culto, é constitucionalmente imune a impostos (art. 150, inciso VI, alínea "b"). Requer seja atribuído efeito suspensivo ativo ao agravo de instrumento para que seja reconhecido o direito a não recolher IPI na aquisição de veículos. Decido. Não merece prosperar a insurgência. Com efeito, a questão consiste em saber se a agravante possui imunidade tributária quanto ao IPI consignado na nota fiscal de venda de veículo automotor, de procedência nacional. A Constituição Federal, em seu art. 150, VI, 'b', regula a matéria: "Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (...) b) templos de qualquer culto; (...) § 4º As vedações expressas no inciso VI, alíneas 'b' e 'c', compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas." O destaque dado ao termo "contribuinte" visa evidenciar, talvez repisando o óbvio, que a Constituição impede que os templos de qualquer culto sejam nomeados como sujeitos passivos de impostos incidentes sobre o seu patrimônio, renda ou serviços. Não se pode examinar a pretensa imunidade da recorrente focalizando apenas a repercussão financeira do tributo, sem considerar todos os elementos estruturais do imposto. Na espécie, busca-se reconhecimento da imunidade do IPI incluído na nota fiscal de venda de veículo automotor, fabricado pela indústria nacional e faturado diretamente ao consumidor final. A União exige o tributo da montadora de automóveis, que, por sua vez, transfere-o ao adquirente do produto industrializado. Percebe-se facilmente a existência de duas relações jurídicas: a primeira, de natureza tributária, entre a União (sujeito ativo do IPI) e a montadora/fabricante (sujeito passivo do IPI); a segunda, de natureza comercial, entre a agravante (compradora do veículo) e a própria empresa fabricante (que realizou a venda direta ao consumidor). Inexiste, no quadrante enfocado, fato gerador do IPI, mas mera relação de compra e venda, fora do campo de incidência da norma tributária. A agravante limita-se a suportar os efeitos da relação jurídico-tributária, ou seja, o ônus financeiro dos valores devidos a título de imposto, sem que recaia, sobre essa operação, qualquer pretensão fiscal relativa ao IPI. Na relação jurídico-tributária que ensejou a cobrança do IPI, a imunidade não pode ser erigida como óbice, visto que os contribuintes, de acordo com o art. 51 do CTN, são o industrial, o importador ou quem a lei a eles equiparar, bem como o comerciante de produtos sujeitos ao imposto, que os forneça a esses contribuintes, e o arrematante de produtos apreendidos ou abandonados, levados a leilão. O destaque do IPI na fatura não tem o condão de investir o consumidor na condição de sujeito passivo do tributo ou responsável tributário, visando, principalmente, instrumentalizar o princípio da não-cumulatividade. O montante pago nas operações anteriores ao fato gerador, conforme os valores destacados nas notas fiscais, pode ser descontado do que é devido na saída do produto industrializado; o crédito do contribuinte resulta do encontro entre os valores dos quais se credita e daqueles dos quais ele se debita. O consumidor fica alheio à relação jurídico-tributária nascida entre o sujeito passivo do tributo ou o responsável tributário e o sujeito ativo ou ente tributante. A qualificação da pessoa que sofre a repercussão financeira da exação como contribuinte de fato, embora difundida, induz ao equívoco de se atribuir a terceiro na relação tributária a titularidade da obrigação de recolher o IPI. O dito contribuinte de fato suporta o tributo, como qualquer outro consumidor de produto ou serviço em cujo preço está embutido o custo dos insumos e tributos, mas não é obrigado a pagá-lo, do ponto de vista exclusivamente jurídico. O fenômeno da transferência do encargo econômico não interessa ao direito tributário, tanto no caso dos tributos diretos, quanto no dos indiretos. É relevante apenas a pessoa designada pela lei como obrigada ao pagamento do tributo, sendo oportuno salientar que, no caso dos tributos indiretos, a regra jurídica de tributação visa atingir diretamente a renda da comunidade. A própria lei autoriza que o encargo financeiro seja transferido ao consumidor final; contudo, para fins de tributação, importa apenas o sujeito passivo, dito contribuinte de direito. Cabe, aqui, a aplicação do princípio que preconiza ser o Fisco terceiro em relação às convenções particulares sujeitas à tributação. Assim, não pode o consumidor avocar a si a condição de contribuinte, com base em mera relação comercial de compra e venda. A regra do art. 166 do CTN não torna o contribuinte de fato sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Os titulares do direito de pleitear a repetição do pagamento indevido do IPI, desde que provem ter assumido o encargo financeiro ou estejam autorizados pelo terceiro a quem foi transferido o referido ônus, são unicamente o contribuinte ou o responsável tributário. Nos papéis mencionados no art. 166, a agravante enquadra-se como terceiro, na hipótese de o fabricante ou a pessoa a ele equiparada, repassando o tributo ao preço da mercadoria, pretender reaver o pagamento porventura indevido. A jurisprudência desta Corte inclina-se nesse sentido: TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM. IPI. ENTIDADE DE EDUCAÇÃO E ASSISTÊNCIA SOCIAL. AQUISIÇÃO DE VEÍCULO. CONTRIBUINTE. CONSUMIDOR FINAL. REPERCUSSÃO FINANCEIRA DO TRIBUTO. CONTRIBUINTE DE FATO. DIREITO DE PLEITEAR A RESTITUIÇÃO. 1 - De acordo com a concepção do CPC, a titularidade da ação deve ser aferida em vista do conflito de interesses, qualificado pela pretensão da autora e resistência do réu. A autora afirma ter direito a não pagar o IPI cobrado na nota fiscal de venda de veículo, alegando ter imunidade tributária, ao passo que a União nega o preenchimento dos requisitos para a fruição do benefício. 2 - O sujeito ativo do IPI exige o tributo do industrial, que, por sua vez, transfere ao consumidor o montante do tributo, discriminado na nota fiscal. Distinguem-se duas relações jurídicas entre: a) a União e o fabricante, de natureza tributária; b) o consumidor e o vendedor, de natureza comercial. 3 - Não se pode examinar a pretensa imunidade da autora focalizando apenas a repercussão financeira do tributo, sem considerar todos os elementos estruturais do imposto. Na relação jurídico-tributária, a imunidade não pode ser erigida como óbice, visto que a autora não se enquadra como contribuinte do IPI, tampouco realiza o fato gerador do tributo. 4 - O destaque do IPI na fatura não tem o condão de investir o consumidor na condição de sujeito passivo do tributo ou responsável tributário, mas o de instrumentalizar o princípio da não-cumulatividade, concedendo direito de crédito apenas ao industrial ou equiparado. Embora sofra a repercussão financeira da exação, o adquirente do produto fica alheio à relação jurídico-tributária nascida entre o contribuinte e o sujeito ativo. 5 - O fenômeno da transferência do encargo econômico não interessa ao direito tributário. É relevante apenas a pessoa designada pela lei como obrigada ao pagamento do tributo. No caso dos tributos indiretos, a regra jurídica de tributação visa atingir diretamente a renda da comunidade, razão pela qual o encargo financeiro é transferido ao consumidor final; contudo, para fins de tributação, importa apenas o sujeito passivo, dito contribuinte de direito. 6 - A regra do art. 166 do CTN não torna o contribuinte de fato sujeito passivo da relação jurídico-tributária. Os titulares do direito de pleitear a repetição do pagamento indevido, desde que provem ter assumido o encargo financeiro ou estejam autorizados pelo terceiro a quem foi transferido o referido ônus, são unicamente o contribuinte ou o responsável tributário. (TRF4, AC 2004.71.00.022234-1, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, DJ 31/05/2006) TRIBUTÁRIO. IPI. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. ENTIDADES FILANTRÓPICAS. SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA. REQUISITO ESSENCIAL. IMPOSSIBILIDADE DE DESONERAÇAO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PESSOA JURÍDICA SEM FINS LUCRATIVOS. CONCESSÃO. 1. A imunidade tributária das entidades filantrópicas apenas impede que lhes seja atribuída por lei a condição de sujeitos passivos da obrigação tributária e, assim, sejam legalmente obrigadas ao pagamento dos impostos sobre o seu patrimônio, renda e serviços. Não permite, porém, que haja desoneração de IPI quando a instituição suporta somente os reflexos econômicos da tributação antecedente na cadeia produtiva, figurando na qualidade de mera contribuinte de fato do imposto. 2. Possível a concessão do benefício de assistência judiciária gratuita à parte autora, entidade beneficente de assistência social. (TRF4, AC 2004.71.00.040205-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 05/12/2007) Em arremate, consigno que não vislumbro, e sequer restou devidamente explicitado, em que consistiria o perigo na demora a justificar a antecipação da tutela recursal, mormente porque o mandado de segurança tem rito célere, não havendo risco de ineficácia da medida acaso angariada apenas ao final. Do exposto, nego seguimento ao agravo de instrumento, ex vi do art. 557, caput, do CPC. Intimem-se. Publique-se. (TRF4, AG 2008.04.00.004257-1, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 12/03/2008).

Veja que, apesar do acórdão acima referir-se ao IPI e este é um imposto indireto, tal como o ICMS o relator entendeu que por ser um imposto que onera o consumo e, portanto, deva ser suportado pelo contribuinte de fato, apesar de recolhido pelo contribuinte de direito, a imunidade não deve ser aplicada, haja vista que o sujeito passivo da obrigação tributária de acordo com a lei é o contribuinte de direito que no caso não será a entidade religiosa. Vê-se, portanto, que esta corrente é mais restritiva, não se importando com a liberdade religiosa e de culto.

Além da jurisprudência dos Estados, é importante verificarmos como tem decidido as instâncias superiores. Veja:

TRIBUTÁRIO. TEMPLO. IMUNIDADE. ICMS SOBRE ENERGIA ELÉTRICA E SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO. INCIDÊNCIA DO TRIBUTO. 1. A imunidade dos templos, prevista no art. 150, VI, b, da CF, visa a garantir a liberdade de culto e impede que a tributação reduza o patrimônio e as rendas, ou que onere as atividades religiosas. Pretende-se, com isso, assegurar o exercício desse direito fundamental. 2. A imunidade, entretanto, não aproveita a terceiros. 3. Contribuintes do ICMS são as empresas fornecedoras de energia elétrica e de serviços de comunicação, e não a instituição religiosa que os adquire. Ainda que, no caso dos tributos indiretos, o ônus econômico seja transferido para o consumidor final (contribuinte "de fato"), não se pode desconsiderar que o sujeito passivo da tributação são as concessionárias de serviço público. 4. Precedentes do STF e aplicação de sua Súmula 591, por analogia. 5. Em caso semelhante que envolve município (não templo): "Esta Corte firmou entendimento no sentido de que o município não é contribuinte de direito do ICMS, descabendo confundi-lo com a figura do contribuinte de fato e a imunidade recíproca não beneficia o contribuinte de fato" (AI 671.412, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, j. 1º/4/2008, DJe-074 25-04-2008). 6. A Suprema Corte tem entendido que a tributação somente é afastada se a entidade imune é sujeito passivo "de direito" do ICMS. Nesse sentido, reconhece a imunidade do ICMS nos casos de importação de bens incorporados ao patrimônio. 7. Isso não ocorre na hipótese de consumo de energia elétrica e de serviços de comunicação, em que o recorrente é simples contribuinte "de fato". É inviável estender a imunidade em proveito das concessionárias-fornecedoras (contribuintes "de direito" não imunes). 8. Inaplicáveis, in casu, os precedentes do STJ relativos à inexistência de legitimidade passiva das concessionárias para os pleitos de restituição do ICMS. Nesses julgados (v.g. AgRg no REsp 797.826/MT, Relator Ministro Luiz Fux, j. 3.5.2007, DJ 21.6.2007), o STJ afasta a prestadora de serviço do pólo passivo da demanda por considerá-la simples retentora e repassadora dos valores ao Fisco estadual. 9. Na espécie em exame, não se discute a legitimidade passiva processual da concessionária, apenas se afirma que a prestadora de serviço é contribuinte de direito para fins de afastar a legitimidade ativa do templo. 10. A Segunda Turma tem precedente que reconhece como contribuintes de direito do ICMS as concessionárias de energia e de comunicação, e não os consumidores finais. 11. "Os contribuintes do ICMS incidente sobre essas operações com energia e comunicação são as respectivas concessionárias, que destacam o valor do imposto na emissão da nota fiscal. As empresas consumidoras desses serviços não participam da relação jurídica-tributária e, portanto, não detêm legitimidade para questionar a obrigação de recolher o ICMS na espécie nem para postular eventuais créditos existentes, embora eventualmente possam suportar os reflexos econômicos da tributação" (RMS 23.571/RJ, Relator Ministro Castro Meira, j. 6/11/2007, DJ 21/11/2007). 12. Se se adotasse a tese defendida pelo recorrente, vedar-se-ia a incidência de ICMS sobre a venda de mercadorias destinadas a entidades imunes (templos, partidos políticos, sindicatos, entidades educacionais e assistenciais sem fins lucrativos, União, Estados, Distrito Federal e Municípios), além de serviços de comunicação e transporte intermunicipal e interestadual. Não parece ter sido essa a intenção do constituinte. 13. Recurso Ordinário não provido. (STJ, Relator: Ministro HERMAN BENJAMIN, Data de Julgamento: 10/02/2010, S1 - PRIMEIRA SEÇÃO)

De acordo com a decisão acima do STJ, conclui-se que o entendimento é de que não incide a imunidade religiosa em razão de que o sujeito passivo da obrigação tributária nas contas de consumo são as concessionárias de energia ou de comunicação, e não a entidade religiosa, de tal forma que mesmo a entidade religiosa sendo contribuinte de fato, a relação com o fisco envolve o contribuinte de direito, não se aplicando, portanto, a imunidade tributária religiosa.

Tendo em vista o entendimento jurisprudencial, mas visando garantir a liberdade religiosa e de culto, alguns entes estatais tem feito leis concedendo isenção às instituições religiosas. Assim tem ocorrido no Paraná e no Espírito Santo, cuja previsão de isenção está no Regulamento do ICMS de cada um desses Estados.

A previsão da isenção, no caso do Paraná, encontra-se no artigo 4º do Decreto nº 6.080/2012 (Regulamento do ICMS), cumulado com o item 90 no Anexo I, conforme abaixo:

Art. 4ºOs convênios concessivos de benefícios fiscais serão celebrados na forma prevista em lei complementar a que se refere a alínea "g" do inciso XII do § 2º do art. 155 da Constituição Federal (art. 3º da Lei n. 11.580/1996).

Parágrafo único. As operações e as prestações beneficiadas com isenção, redução na base de cálculo e crédito presumido estão elencadas, respectivamente, nos Anexos I, II e III deste Regulamento

90 Fornecimento de energia elétrica, gás e serviço de telefonia, sob o regime de serviços públicos estaduais próprios, delegados, terceirizados ou privatizados, a IGREJAS E TEMPLOS DE QUALQUER CRENÇA(Lei n. 14.586/2004): (Ficam convalidados os procedimentos adotados pelos contribuintes no período de 28.12.2004 até a data da publicação do Decreto n. 8.429 de 28.9.2010) Notas: 1. a isenção de que trata este item se aplica quanto a imóveis de propriedade ou na posse de igreja ou templos de qualquer culto, com ocupação comprovada pela autoridade competente mediante alvará de funcionamento; 2. nos casos em que o imóvel não for próprio, a comprovação do funcionamento deverá dar-se por meio de contrato de locação ou comodato devidamente registrado, ou ainda de justificativa de posse judicial; 3. o beneficiário deverá requerer a isenção diretamente às fornecedoras ou prestadoras do serviço, comprovando a utilização exclusiva do imóvel para a prática religiosa; 4. as fornecedoras ou prestadoras do serviço deverão manter os documentos de que trata este item à disposição do fisco pelo prazo previsto no parágrafo único do art. 12

Verifica-se, portanto, que há Estados inovando e, com o fim de garantir a liberdade de culto, concedem a isenção tributária aos templos de qualquer culto quanto à incidência do ICMS nas contas de consumo, seja de energia ou de telecomunicação.

Entretanto, recentemente o Governador do Estado do Paraná ingressou com ADIN nº 3421, com pedido de liminar, a fim de ser declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 14.586/2004, do Estado do Paraná, que incluiu essa possibilidade de isenção no Regulamento do ICMS, alegando que a lei seria inconstitucional, em razão de que as entidades religiosas não são contribuintes de direito do ICMS, mas somente de fato, além de que a Lei foi aprovada sem autorização do CONFAZ e sendo contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal.

Entretanto, tal ADIN foi julgada improcedente pelo STF, nos termos da voto do relator abaixo apontado, que foi acompanhado unanimemente:

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) - A disciplina legal em exame apresenta peculiaridades a merecerem reflexão para concluir estar configurada, ou não, a denominada "guerra fiscal". Vem-nos da Constituição Federal, em termos de limitações ao poder de tributar, norma de imunidade. Consoante o artigo 150, inciso VI, alínea "b", os templos de qualquer culto estão imunes a impostos. A teor do §4º do citado artigo, a isenção limita-se ao patrimônio, à renda e aos serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades nela mencionadas. A toda evidência, o preceito versa a situação do contribuinte de direito. Ao lado da imunidade, há a isenção e, quanto ao Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços - CISM, visando a editar verdadeira autofagia, a alínea "g" do inciso XII do §2º do artigo 155 da Carta da República remete a lei complementar regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados. A lei complementar relativa à disciplina da matéria é a nº 24/75. Nela está disposto que, ante as peculiaridades do ICMS, benefícios fiscais há de estar previstos em instrumento formalizado por todas as unidades da Federação. Indago: o preceito alcança situação concreta que objetive beneficiar, sem que possa apontar como alo a cooptação, não o contribuinte de direito, mas o contribuinte de fato, presentes igrejas e templos de qualquer crença, quanto a serviços públicos estaduais próprios, delegados, terceirizados ou privatizados de água, luz, telefone e gás? A resposta é negativa. A proibição de introduzir-se benefício fiscal, sem o assentimento dos demais estados, tem como móvel evitar competição entre as unidades da Federação e isso não acontece na espécie. Friso, mais uma vez, que a disciplina não revela isenção alusiva a contribuinte de direito, a contribuinte que esteja no mercado, mas a contribuintes de fato, de especificidade toda própria, ou seja, igrejas e templos, notando-se, mais, que tudo ocorre no tocante ao preço de serviços públicos e à incidência do ICMS. Está-se diante de opção político-normativa possível, não cabendo cogitar de discrepância com as balizas constitucionais referentes ao orçamento, sendo irrelevante o cotejo buscado com a Lei de Responsabilidade Fiscal, isso presente o controle abstrato de constitucionalidade. No caso, além da repercussão quanto à receita, há o enquadramento da espécie na previsão da primeira parte do §6º do artigo 150 da Carta Federal, o qual remete a isenção a lei específica. Julgo improcedente o pedido formulado. (STF, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 05/05/2010, ADI 3421-PR)

Assim é que a concessão de isenção às entidades religiosas é totalmente concorde com os preceitos constitucionais, sendo mais uma forma de conceder às igrejas a garantia da liberdade de culto, de expressão de sua fé, de tal modo que o Estado não deve embaraçar as atividades da igreja.

5.CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, ao fim do presente artigo, que, embora haja a previsão constitucional para incidência da imunidade religiosa a qualquer tipo de imposto, incluindo o ICMS presente nas contas de consumo, o entendimento da jurisprudência pátria é restritivo, de modo que não há que se falar nesta hipótese, haja vista que o contribuinte de direito é a concessionária de energia, sendo a entidade religiosa mera contribuinte de fato.

Entretanto, mesmo que haja divergência entre a doutrina e a jurisprudência, houve por bem o Superior Tribunal de Justiça, em novel decisão, negar provimento à ADIN proposta pelo Governo do Estado do Paraná, chancelando, portanto, a possibilidade de concessão de isenções tributárias relativas ao ICMS às entidades religiosas em contas de consumo, seja lá qual credo estas professem.

É importante deixar claro que este entendimento abre precedente para que demais Estados possam incluir em seus Regimentos de ICMS a possibilidade de isenção do ICMS, a fim de que, à luz da Carta Federal, as entidades de cunho religioso possam ser beneficiadas, uma vez que gozam de proteção constitucional e são de extrema importância para a sociedade, seja no âmbito espiritual, seja no âmbito social.

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BUENO, Silveira. Mini dicionário da língua portuguesa. ed. rev. e atual. São Paulo: FTD, 2000.

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Sobre o autor
Ramon Fávero

Bacharel em Direito pela Faculdade Novo Milênio/ES. Advogado devidamente inscrito na Seccional do Espírito Santo da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduado em Direito Tributário pela Anhanguera-Uniderp/LFG e em Direito Civil e Empresarial pela Faculdade Damásio de Jesus. Pós-graduando em Direito Tributário pelo IBET. Professor Convidado de Direito Tributário para pós-graduação Rede Doctum. Professor Convidado de Cursos Livres na Faculdade Legale/SP.

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