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O informante

No presente artigo viemos abordar a questão do anonimato do informante policial, popularmente conhecido pelo vulgo de X9, e a relação dela com o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório.

É necessário analisar essa questão em relação a alguns pontos, que nos leva a dois questionamentos:

Primeiramente devemos observar o dever de sigilo que alguns profissionais, pela natureza de sua profissão, devem ter ao adquirir informações de terceiros, já que a publicidade dessas informações pode vir a causar dano irreversível e imensurável às partes envolvidas.

Em algumas profissões, como por exemplo os médicos, psicólogos e advogados, o dever de sigilo é previsto no código de ética e sua violação gera ao profissional responsabilidades e sanções graves.

Imagine que uma pessoa, acusada de um crime grave, relate ao seu advogado que é autor de tal crime e este advogado, ao invés de exercer sua atividade técnica e elaborar uma estratégia jurídica para seu cliente, o delate em juízo? Onde estaria a segurança jurídica nas relações?

É plausível que se pense que neste citado caso o advogado deva guardar para si as informações trazidas por seu cliente e diante delas elaborar uma estratégia jurídica para salvaguardar os direitos deste.

Mas e o policial? Em geral, nas corporações policiais, há previsão do dever de sigilo no exercício da função do agente? Ou esse dever de sigilo é imputado ao policial pela razão lógica e moral da conduta?

Sabemos que vivemos em um país onde em determinadas áreas o crime opera de forma implacável, constituindo tribunais de exceções a quem não segue sua cartilha de conduta.

Logicamente que o informante policial (X9), via de regra, é a pessoa que vive às margens das ações criminosas de grupos e/ou de pessoas, pois caso contrário não teria as informações necessárias para delatar a conduta criminosa.

Ainda assim, há aqueles que possuem informações sobre condutas criminosas ou sobre paradeiro de criminosos e que por um sentimento moral se veem na obrigação de delatar para instituições de segurança o fato ilícito.

O Supremo Tribunal de Justiça, ao decidir o julgamento do HC 525799 / RS, autuado em 07/08/2019, entendeu que a informação prestada pelo informante policial confidencial se equipara a notícia-crime anônima. O HC impetrado combatia a autorização judicial que concedia a quebra de sigilo telefônico, autorizada em inquérito policial de origem da Polícia Federal, que serviu de base para condenação de um piloto por tráfico de drogas internacional.

HABEAS CORPUS Nº 525.799 - RS (2019/0232701-1) EMENTA

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. OPERAÇÃO PLANUM. PLEITO DE NULIDADE DA DECISÃO QUE DETERMINOU A QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. IMPROCEDÊNCIA. REALIZAÇÃO DE DILIGÊNCIAS PRELIMINARES PELA AUTORIDADE POLICIAL, A PARTIR DE INFORMAÇÕES PRESTADAS POR INFORMANTE CONFIDENCIAL, ANTES DO REQUERIMENTO DE QUEBRA DE SIGILO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DE HABEAS CORPUS DENEGADA.

1. No caso em tela, após representação da Autoridade Policial e de parecer favorável do Ministério Público, o Juízo Federal de primeira instância, em decisão referendada pelo Tribunal a quo, autorizou o afastamento do sigilo telefônico do Paciente e de outros Acusados, posteriormente denunciados e condenados em primeiro grau pela suposta prática do crime de tráfico internacional de drogas, no âmbito da denominada "Operação Planum", em que foi apreendida expressiva quantidade de cocaína.

2. Tendo a Polícia Federal realizado diligências preliminares para averiguar a veracidade das informações que lhe foram repassadas por um informante confidencial, antes de postular o afastamento do sigilo telefônico do Paciente, não se evidencia a alegada nulidade da decisão singular, não havendo, portanto, constrangimento ilegal a ser sanado na espécie. 3. A colaboração prestada pelo informante confidencial pode ser perfeitamente equiparada à notitia criminis anônima, na medida em que se presta única e exclusivamente a noticiar suposta existência de crime, hipótese que enseja a ação policial, que tem o dever de promover diligências investigatórias preliminares, para averiguar a veracidade das informações prestadas. 4. Ordem de habeas corpus denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Sebastião Reis Júnior denegando a ordem, sendo acompanhado pelos Srs. Ministros Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro, por unanimidade, denegar a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Sebastião Reis Júnior, Rogerio Schietti Cruz e Antonio Saldanha Palheiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Olindo Menezes (Desembargador convocado do TRF 1ª Região).

Brasília (DF), 10 de agosto de 2021(Data do Julgamento) MINISTRA LAURITA VAZ Relatora.

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No habeas corpus impetrado, a defesa alegou que: a colaboração do informante teria sido motivada por desacerto com a organização criminosa e por vingança. Tal informação só corrobora a tese de que o informante vive às margens das ações criminosas e por muitas vezes, além de compactuar com as condutas participa destas também. Se assim não fosse, como poderia ter informações precisas e relevantes para o inquérito policial? Somente quem vive aquilo é que sabe como é feito e quais são os caminhos percorridos pelos criminosos para se absterem do poder da lei.

Afinal, a grosso modo, o que é o inquérito policial senão instrumento legal para se chegar a condenação de indivíduos que praticam ações criminosas?

Um salto importante nesse sentido foi a criação do Disque Denúncia e do site https://www.procurados.org.br/. Criados por organizações sociais, que com apoio do Estado garantem sigilo absoluto e recompensa em troca de informações que ajudem no combate ao crime. Um exemplo de política pública adotada em virtude do combate ao crime de extrema valia e importância.

Nesse ponto versa o dispositivo legal da lei 13.608/2018 - Art. 3º: "O informante que se identificar terá assegurado, pelo órgão que receber a denúncia, o sigilo dos seus dados."

Nos EUA, Estado da Califórnia, ferramenta parecida foi adotada através do site https://www.nnw.org/ - National Neighborhood Watch. Esse programa estimula a comunidade local a ajudar a polícia a identificar autores de crimes que aconteçam na vizinhança. O morador inscrito no programa que ajudar a polícia na identificação do autor, e consequentemente na elucidação do crime, recebe recompensa monetária. Lógico que resguardado suas proporções, já que o morador inscrito no programa tem uma placa de identificação afixada em sua residência, o que em muitos locais do nosso país, em especial no Estado do Rio de Janeiro, significaria uma verdadeira sentença de morte pelo tribunal do crime.

Voltando a nossa realidade, eis outros questionamentos:

Deputados, Senadores, Promotores e Juízes não são obrigados a testemunharem sobre informações recebidas no exercício da função, prerrogativa assegurada pela nossa Carta Magna em seu artigo 53 §6º.

Ainda em relação a Carta Magna, dispõe o artigo 5º, XIV:

"é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional"

O artigo 15 da Lei 13.964/2019, conhecido como Pacote Anticrime, passa a dar uma nova redação ao tema:

"Art. 4º-B. O informante terá direito à preservação de sua identidade, a qual apenas será revelada em caso de relevante interesse público ou interesse concreto para a apuração dos fatos.

Parágrafo único. A revelação da identidade somente será efetivada mediante comunicação prévia ao informante e com sua concordância formal."

Veja que até a Lei prevê a necessidade de concordância formal do delator sobre sua identidade, mesmo em casos de interesse público.

De certo que diante de todos esses amparos legais podemos afirmar que o policial também corrobora da prerrogativa de manter o sigilo das informações anônimas recebidas no decorrer do exercício da função, ainda que não haja uma previsão legal expressa sobre isso.

Ademais, vemos ainda, que a obrigação, mediante ameaça, contra o policial para que este revele sua fonte de informação, passa a ser ato tipificado como ilícito na Lei 13.869/2019 (Lei de Abuso de Autoridades).

"Art. 15. Constranger a depor, sob ameaça de prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo"

Ademais o ponto nodal da questão é colocar na balança o que vale mais, o direito à vida (do informante) ou o direito ao contraditório e ampla defesa (do acusado), ambos previstos no artigo 5º da Constituição Federal?

"Caput - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes"

Desta forma, além de uma questão legal, essa questão também possui um viés moral para todos, já que abrange não só a questão processual em si, mas tem relação com a vida de pessoas que, independente do motivo, não coadunam com a atividade criminosa.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Habeas Corpus nº 525.799 - rs (2019/0232701-1). https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=525.799&b=ACOR&p=false&l=10&i=2&operador=E&tipo_visualizacao=RESUMO Acesso em 08/03/2022.

Lei nº 13.608, de 10 de janeiro de 2018. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13608.htm. Acesso em 09/03/2022.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em 10/03/2022.

Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13964.htm. Acesso em 11/03/2022.

Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em 11/03/2022.

Sobre os autores
Leonardo Moreira Dias

Bacharel em Direito pela Universidade Gama Filho (2010). Aprovado no Exame de Ordem da OAB 2010/2. Título de Especialista em Direito Público com capacitação para ensino no Magistério Superior pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus (2013). Bacharel em Sistemas de Informação pela Universidade Estácio de Sá - Rio de Janeiro (2019). Pós-graduado em Business Intelligence, Big Data e Analytics na Universidade Norte do Paraná (2021). Pós-graduado em Direito Constitucional Aplicado, pela Faculdade Legale (2022 - 2023). Funcionário público no Estado do Rio de Janeiro desde 2001. Tem experiência na área de Direito Público, com ênfase em Direito Penal.

Diogo Sobral da Cunha

Bacharel em Direito. Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado na faculdade Legale.

Alexandre de Oliveira Carvalho

Bacharel em Direito; Pós-graduando em Direito Constitucional Aplicado pela Faculdade Legale; Inspetor de Polícia da Secretaria de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro.

Informações sobre o texto

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