Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Artigo Selo Verificado Destaque dos editores

Responsabilidade tributária do sócio na empresa limitada

Exibindo página 1 de 2

O Estado-exator e o Poder Judiciário não podem violentar o ordenamento jurídico pátrio, impondo responsabilização tributária para sócios que, sob a óptica legal, não se enquadram nas condições impostas pelo direito positivado.

Sumário: Introdução; 1. Sistema Tributário Nacional; 1.1 Impostos; 1.2 Taxas; 1.3 Contribuição de Melhoria; 1.4 Empréstimos compulsórios; 1.5 Contribuições sociais; 2. Responsabilidade Tributária; 2.1 Responsabilidade Tributária por sucessão; 2.2 Responsabilidade Tributária subsidiária; 2.3 Responsabilidade tributária por substituição; Conclusão; Referências.

Resumo: O Estado tem a prerrogativa de efetuar o lançamento de tributos, como forma de viabilizar as obras e os serviços públicos de que necessita a população. A responsabilidade pelo recolhimento desses tributos pode atingir pessoas estranhas à relação tributária direta, tais como sócios, administradores, gerentes e sucessores.

Palavras-chave: tributo, responsabilidade tributária, sócio, empresa.


INTRODUÇÃO

            Incumbe ao Estado o direito-dever de efetuar a arrecadação de tributos, dentre as várias opções previstas na Constituição Federal.

            Esta iniciativa se faz necessária para que o Estado possa suportar os gastos resultantes do custeio da máquina pública, bem como aqueles originários dos serviços e dos investimentos a serem realizados em benefício da população, alguns deles até mesmo impostos pela Carta Magna.

            A rigor, a responsabilidade pelo pagamento desses tributos é dos sujeitos passivos da relação tributária, indicados na Lei Maior, de conformidade com cada espécie de exação.

            A discussão surge, contudo, quando o agente tributário ou o Poder Judiciário impõe essa responsabilização para pessoas que apenas indiretamente participaram do nascimento de um determinado tributo. É o caso, por exemplo, de se responsabilizar, pessoal e ilimitadamente, os sócios, os administradores, os gerentes e os sucessores, por débito tributário não-adimplido.

            Amplia-se essa discussão diante da crescente iniciativa do Poder Judiciário de reconhecer a despersonalização da pessoa jurídica, sempre que a empresa se revelar impotente para saldar os seus débitos tributários, ignorando, por completo, as exigências jurídicas imprescindíveis para se impor medida traumática desse jaez.

            A presente discussão atinge o seu clímax diante do fato de que alguns tribunais insistem em condenar os sócios-gerentes ou administradores por crime de apropriação indébita, na hipótese de não-recolhimento, aos cofres da Previdência Social, de valores descontados nas folhas de pagamentos dos trabalhadores.

            São estes tópicos que pretendemos discutir nesse breve trabalho científico, com o objetivo de se interpretar o ordenamento jurídico pátrio de forma sistêmica, sob uma óptica menos fazendária, menos burocrática, menos simplista e menos preconceituosa, porém, mais realista, mais responsável e mais social, em cujo cerne desponte a valorização da dignidade da pessoa humana, o mais expressivo dentre todos os princípios constitucionais.


1. SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL

            O Sistema Tributário Nacional está contido num espectro mais amplo, denominado de Sistema Constitucional. Esta expressão, adotada pela Constituição Federal (Título VI, Capítulo I, Art. 145 a 162), não parece ser a mais adequada, vez que o princípio (também constitucional) da autonomia dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, assegura a não-ingerência da Federação em seara destes [01]. Por outro lado, a expressão em foco dá claramente a entender que a Federação tem o condão de se sobrepor à autonomia dos entes-menores, fato este que colide frontalmente com o princípio federativo [02], uma vez que Estados, Distrito Federal e Municípios desfrutam de autonomia constitucional para elaborar seus respectivos sistemas.

            O núcleo desse sistema é o tributo, que o Art. 3o., do Código Tributário Nacional, define como toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa.

            Portanto, na concepção de tributo está contida a obrigação de se oferecer ao Estado, compulsoriamente, prestação em dinheiro ou não, de conformidade com lei anterior que o criou, incidente sobre ato lícito ou não, desde que não esteja embasada em sanção de ato ilícito.

            Destaca-se, pois, o princípio [03] da legalidade tributária, instituído no Art. 150, I, da Constituição Federal: É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça. Vale mencionar que essa condição se constitui numa das cláusulas pétreas da Carta Magna, eis que a teor do Art. 60, § 4o., IV, não pode ser alvo de emendas supressivas.

            Por tradição, as arcadas sempre ensinaram a divisão clássica dos tributos, nas seguintes espécies: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Todavia, a atual Constituição Federal ampliou esse universo de opções, incluindo, dentre aquelas espécies, os empréstimos compulsórios e as contribuições sociais [04].

            1.1.IMPOSTOS

            É um dos mecanismos de que se vale o Estado para realizar o seu direito-dever de exação, necessário para fomentar o custeio da administração pública, financiamento de obras, bem como amortização ou liquidação de empréstimos contraídos por esta, e os seus respectivos serviços.

            Com efeito, o pagamento do imposto se constitui numa das alternativas de se promover um maior equilíbrio na distribuição de rendas de um país, pois é uma oportunidade de tratar os desiguais, economicamente, com desigualdade, na medida de suas desigualdades. Isto é, com estrita observância do princípio da capacidade contributiva de cada cidadão, cada um destes contribui com uma parcela de suas potencialidades econômicas, se enquadrados nas espécies positivadas, e transfere ao Estado, para que este atinja o seu desiderato.

            Essa transferência poderá ser materializada por meio do próprio contribuinte atingido pela incidência tributária, ou, indiretamente, pelo consumidor final, a quem foi repassado tal ônus no momento em que adquiriu determinado produto ou serviço.

            Para a mensuração do valor do imposto poderão ser utilizadas três estratégias: quantias fixas, que independem dos valores dos produtos, serviços e de avaliação dos bens sobre os quais ele incidiu; pode ser, também, proporcional, ou seja, fixa-se uma alíquota que incidirá sobre as bases de cálculos, independentemente das dimensões destas; há, finalmente, a possibilidade de se estabelecer alíquotas variadas, que evoluem, cada uma delas, à medida que a base de cálculo do imposto se eleve em níveis pré-concebidos em lei.

            Mister se faz frisar que o lançamento do imposto não exige uma automática e específica contrapartida do Estado. É nesse ponto que reside a principal diferença entre imposto e taxa, como ver-se-á a seguir.

            1.2.TAXAS

            O Estado tem o poder de efetuar o lançamento de taxas, como forma de ser reembolsado pelo fato de ter disponibilizado serviços públicos aos contribuintes. Há que se notar, com efeito, que ao contrário do que ocorre com o imposto, o lançamento da taxa impõe a prestação de serviço específico que beneficia o cidadão.

            A taxa emerge, obrigatoriamente, a uma atuação do Estado, mediante a contraprestação do exercício do seu poder de polícia ou a prestação de serviço público específico e indivisível (Art. 145, II, da Constituição Federal). No momento em que o serviço público é colocado à disposição do contribuinte, nasce a obrigação tributária, independentemente da utilização ou não por parte daquele.

            A base de cálculo da taxa difere daquela que se leva em consideração para delimitação do imposto (Art. 145, § 2o., da Constituição Federal). Com efeito, é inconstitucional a base de cálculo das taxas, de limpeza pública e de conservação de vias e logradouros públicos, que se leve em consideração a área de imóvel e a extensão deste no seu limite com o logradouro público [05]. E isso se deve ao fato de que tais elementos se constituem em parâmetros para o cálculo do IPTU.

            O STF vem entendendo que é constitucional a cobrança de taxa de coleta de lixo domiciliar, desde que não vinculada à prestação de outros serviços de caráter universal e indivisível, como a limpeza de logradouros públicos, varrição de vias públicas, limpeza de bueiros, de bocas-de-lobo e de galerias de águas pluviais, capina periódica e outros [06]. (HARARA, 2006, p. 330)

            Para a definição do valor da taxa há que se considerar a relação custo/benefício para o contribuinte, muito embora a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional não exijam perfeito equilíbrio desse binômio.

            Desta forma, são inconstitucionais as leis promulgadas pelos Estados-membros, que instituem as taxas judiciárias, eis que estas incidem sobre o valor atribuído à causa, sem guardar qualquer tipo de relação com o custo do serviço público específico e divisível prestado pelo Estado ao contribuinte. Isso é facilmente perceptível porque o custo que o Estado tem para gerenciar um processo judicial, em todas as suas fases, não é maior e nem menor em função do valor atribuído à causa.

            Desta forma, a via tributária para se fixar exações maiores para as causas de maior valor econômico – como acontece hodiernamente -- é o imposto, e não a taxa. Assim, é possível afirmar que as taxas judiciais, da forma que são repetidamente cobradas em diversas fases do processo, podem ferir o princípio da capacidade contributiva, além de se constituírem numa barreira que dificulta o acesso à justiça, o que contraria os dispostos nos Art. 145, § 1o. e 5o., XXXV, da Constituição Federal [07].

            1.3 CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA

            É um mecanismo de exação de que se utiliza o Estado, incidente sobre a valorização de imóvel do contribuinte, em decorrência de obra realizada pelo próprio Estado. Está prevista no Art. 145, III, da Constituição Federal e disposição pormenorizada representada pelos Art. 81 e 82, do Código Tributário Nacional.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

            A sua geração leva em conta o princípio da eqüidade, vez que toda a comunidade contribui, com o recolhimento de seus tributos, para com o financiamento da obra em questão, com benefício direto para poucos. Vale dizer que não mais se exige que o montante a ser arrecadado, sob esta rubrica, seja idêntico ao do valor total da obra pública em foco.

            O inconveniente, para o lançamento da contribuição de melhoria, é circunscrever quais foram os bens que efetivamente sofreram valorização imobiliária por conta da obra pública realizada pelo Estado, fato este que inibe, muitas vezes, a iniciativa das prefeituras municipais de recorrer a este tipo de exação.

            1.4 EMPRÉSTIMOS COMPULSÓRIOS

            A União, e somente ela, pode instituir o empréstimo compulsório, mediante lei complementar, como forma de otimização de suas receitas, somente na hipótese de o ente estatal tiver que suportar despesas extraordinárias advindas de calamidade pública, guerra externa ou sua iminência, ou na hipótese de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (Art. 148, I e II, da Constituição Federal).

            Os valores obtidos a título de empréstimo compulsório deverão ser total e obrigatoriamente canalizados para as rubricas orçamentárias que o originou, constituindo-se, pois, uma receita vinculada.

            1.5 CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS

            A natureza jurídica das contribuições sociais é cercada de polêmica, pois para alguns doutrinadores elas são rotuladas de impostos; para outros, de taxas; outros, ainda, não identificam natureza tributária alguma.

            O STF – Supremo Tribunal Federal já decidiu que as contribuições sociais constituem uma espécie própria de tributo ao lado dos impostos e das taxas, na linha, aliás, da lição de Rubens Gomes de Souza (‘Natureza tributária da contribuição do FGTS’), RDA 112/27, RDP 17/305). Quer dizer, as contribuições não são somente as de melhoria. Essas são uma espécie do gênero contribuição; ou uma subespécie da espécie contribuição [08].

            No mesmo diapasão, o STF – Supremo Tribunal Federal decidiu que sendo, pois, a contribuição instituída pela Lei 7.689/88 verdadeiramente contribuição social destinada ao financiamento da seguridade social, com base no inciso I, do artigo 195, da Carta Magna [...] No tocante às contribuições sociais [...] não só as referidas no Art. 149 [...] têm natureza tributária, [...] mas também as relativas à seguridade social previstas no Art. 195 [...] [09].

            Entendemos que a contribuição social é espécie tributária vinculada à atuação indireta do Estado. Tem como fato gerador uma atuação indireta do Poder Público mediatamente referida ao sujeito passivo da obrigação tributária. (HARADA, 2006, p. 333)

            Elas têm a sua origem no fato de o Estado ter que suportar despesas de amplo espectro social, as quais vão de encontro às necessidades de uma grande maioria de contribuintes considerados hipossuficientes, economicamente falando. Elas estão previstas nos Art. 149 e 195, da Constituição Federal.

            Também os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social, conforme dispõe o Art. 149, § 1o.

            Por outro lado, compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, de conformidade com o que dispõe o Art. 149, da Constituição Federal.


2. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA

            Os Art. 128 e seguintes, do Código Tributário Nacional, estendem a responsabilidade tributária mesmo para as pessoas que não participam diretamente das circunstâncias positivadas na regra matriz da incidência tributária. É o caso, portanto, de incidência tributária indireta, que pode ser dos tipos por transferência ou por substituição

            Ocorre a responsabilidade tributária indireta por transferência somente depois de configurado o fato gerador da incidência tributária, em caso de sucessão que evidencie a solidariedade entre os responsáveis diretos anterior (sujeito passivo natural) e o atual, como disciplina o Art. 134, do Código Tributário Nacional. Mister se faz ressaltar que essa atribuição de responsabilidade tributária para terceiro deve ser efetuada em consonância com o que dispõe o Art. 121, II, do Código Tributário Nacional, para que não se constitua em medida arbitrária.

            Por sua vez, a responsabilidade tributária indireta por substituição surge antes do nascimento do fato gerador.

            Estamos, portanto, diante de um quadro no qual o fisco atribui responsabilidade tributária a quem originalmente não a teria. Isso, contudo, é possível, se presentes todas as seguintes condições: previsão legal; que o terceiro tenha vinculação com o fato gerador da obrigação tributária; que essa responsabilidade se limite tão somente à obrigação principal (Art. 121, do Código Tributário Nacional).

            A sucessão empresarial dar-se-á por atos inter vivos ou causa mortis. É sucessor quem, numa dessas duas circunstâncias, assume o patrimônio do devedor natural, deste próprio ou de seus herdeiros ou legatários, com o ônus de solver débitos tributários inadimplidos, conforme preceituam os Art. 129 a 133, do Código Tributário Nacional.

            É importante destacar, porém, que essa responsabilidade se estende até o limite do quinhão, do legado ou da meação (Art. 130, II, do Código Tributário Nacional). Inicia-se depois da abertura da sucessão, pois antes desta cabe ao espólio a responsabilidade pela sucessão tributária (Art. 131, III, do Código Tributário Nacional).

            Na hipótese de fusão, transformação ou incorporação de empresas, a corporação emergente responde pelos tributos vencidos e não-adimplidos até a data daquelas operações (Art. 132, do Código Tributário Nacional).

            Com efeito, a responsabilidade tributária do sucessor alcança os créditos tributários já constituídos, aqueles que estão em fase de constituição e os constituídos posteriormente, desde que o fato gerador da incidência tributária tenha ocorrido antes da sucessão.

            Qualquer avença entre as partes, verbal ou expressa, que limite a responsabilidade tributária do sucessor, não prevalece contra os créditos de que é titular a Fazenda Pública, por força do Art. 132, do Código Tributário Nacional.

            2.1 Responsabilidade tributária por sucessão

            Os adquirentes ou remitentes [10] de imóveis respondem também pela sucessão tributária, no que concerne aos impostos que tenham como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis. Respondem, inclusive, pela taxas de serviço e pela contribuição de melhoria lançadas sobre o imóvel transmitido, tudo como determina o Art. 130, do Código Tributário Nacional.

            Em caso de aquisição de fundo ou de estabelecimento empresarial, a pessoa física ou jurídica adquirente responde por todas as dívidas fiscais da empresa adquirida, conhecidas ou não, ainda que a nova empresa atue sob outra razão social (Art. 133, do Código Tributário Nacional). Essa responsabilidade é total se o alienante interromper a exploração empresarial daquele estabelecimento (inciso I). Se, contudo, a atividade do alienante não sofrer solução de continuidade – ou ainda que sofra, se restaurada num prazo inferior a seis meses, naquele mesmo ou em outra empresa – essa responsabilidade passa a ser subsidiária com o alienante insolvente (inciso II).

            Ainda nessa área, festeja-se o teor da Lei n. 11.101/2005 – Lei de Falência e de Recuperação de Empresas --, que combinada com a Lei Complementar n. 118/2005, exclui a responsabilidade pela sucessão tributária na hipótese de alienação judicial de empresa que seja alvo de processo de falência, bem como de filial ou unidade produtiva isolada, em processo de recuperação judicial (Art. 133, incisos I e II, do Código Tributário Nacional).

            Esse benefício não alcança o sócio da empresa falida ou em recuperação judicial, ou sociedade controlada pelo devedor falido ou em recuperação judicial (inciso I), nem parentes, em linha reta ou colateral até o 4o. grau, consangüíneo ou afim, do devedor falido ou em recuperação judicial ou de qualquer de seus sócios (inciso II). Estão, também, excluídos desse benefício os agentes do falido ou do devedor em recuperação judicial, se constatada a iniciativa de se fraudar a sucessão tributária (inciso III).

            Vale dizer que o produto da alienação de empresas que enfrentam processo de falência ou de recuperação judicial deverá ser colocado à disposição dos respectivos juízos, o qual será utilizado para liquidar ou amortizar créditos extraconcursais e as demais categorias hierárquicas de créditos (§ 3o., do Artigo 133, do Código Tributário Nacional).

            Há que se faz ressaltar que essa ausência de responsabilidade pela sucessão tributária se deve ao cumprimento de diretriz maior contida na Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, que privilegia a função social das organizações produtivas, as quais se constituem em bens sociais, haja vista a sua imensa importância no contexto da sociedade. Agindo desta forma, o legislador deu uma significativa cota de contribuição, da parte do Estado, para que ocorra a restauração da saúde econômica e financeira de empresas alquebradas por débitos sociais inadministráveis.

            Com essa redação, o Art. 133, do Código Tributário Nacional, passou a se constituir num importante incentivo para que pessoas ou grupos adquiram e revitalizem empresas insolventes, de forma que estas recuperem a sua capacidade-dever de cumprir a sua função social, com a geração de empregos, respeito para com os consumidores, meio ambiente, comunidade, acionistas/cotistas e o próprio Estado [11].

            2.2 Responsabilidade tributária subsidiária

            Terceiros também poderão ser responsabilizados por obrigação tributária principal, se for impossível cobrá-la do contribuinte, desde que esta seja resultante de ação ou omissão na qual aqueles tenham intervindo (Art. 134, do Código Tributário Nacional).

            Dentre esses terceiros responsáveis pela sucessão tributária estão elencados os pais, pelos tributos devidos pelos filhos menores (inciso I); os tutores e curadores, pelos tributos devidos por seus tutelados ou curatelados (inciso II); os administradores de bens de terceiros, pelos tributos devidos por estes (inciso III); o inventariante, pelos tributos devidos pelo espólio (inciso IV); o síndico e o comissário, pelos tributos devidos pela massa falida ou pela empresa em recuperação (inciso V); os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício (inciso VI); os sócios, no caso de liquidação de sociedade de pessoas (inciso VII).

            Embora o Art. 134, do Código Tributário Nacional, imponha que essa responsabilidade seja solidária, na verdade o próprio dispositivo legal se contradiz. Não há dúvida de que se trata, sim, de responsabilidade subsidiária, eis que ela somente passa a ser exigida nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação tributária principal pelo contribuinte. Portanto, não há dúvida alguma que o terceiro somente poderá ser acionado na hipótese de o contribuinte não adimplir o débito tributário.

            A responsabilidade tributária atinge, subsidiariamente, as pessoas indicadas nos incisos I a VII, bem como os mandatários, prepostos, empregados, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado, se tais créditos forem resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos (Art. 135, incisos I a III) [12]. Portanto, não se trata de todo e qualquer sócio, mas daquelas que detinham poder decisório no âmbito da empresa. Ou seja, é em citado dispositivo que reside a grande invocação fazendária para as execuções fiscais, inicialmente promovidas em relação à pessoa jurídica privada. (SILVA NETO, 2006, p. 331)

            2.3. Responsabilidade tributária por substituição

            A dedução lógica que sobressai é que os créditos tributários regularmente constituídos não se enquadram na hipótese prevista no Art. 135, III, do Código Tributário Nacional, eis que não são resultantes de excesso de poder, ou de infração legal, contratual ou estatutária, que refogem à regular gestão da sociedade. Nesse sentido, o STJ – Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o simples atraso no pagamento de tributo não se constitui na infração prevista no artigo em comento [13].

            Trata-se, pois, de responsabilidade por substituição, que abrange inclusive as obrigações acessórias, que parte do princípio de quem tem poderes, tem, também, responsabilidade, na mesma proporção.

            É importante ressaltar que o excesso de poder se configura quando pelo menos um dos seguintes requisitos se fizer presente, como indica o Art. 1.015, § único, do Código Civil [14]: que a limitação de poderes esteja inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; que fique provado que era conhecida de terceiros; que se trate de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade. A responsabilidade do sócio-gerente deflui não só da impossibilidade de a sociedade pagar o credor, mas da ilegalidade ou fraude que o sócio praticar na gerência. Essa é a doutrina dominante. (REQUIÃO, 2006, p. 527)

            Digno de nota, também, é o fato de que os tribunais têm entendido, de forma pacífica, que os atos praticados com excesso de poderes, pelos sócios das empresas, vinculam as sociedades aos efeitos dessas condutas, dada à celeridade e intensidade com que hodiernamente se processam as operações mercantis, o que tornariam impossível a prévia detecção de tais irregularidades por terceiros de boa-fé [15]. Essa interpretação foi consolidada em homenagem à ‘teoria da aparência’, que conduz ao seio social a solução de impasses dessa natureza. (GONÇALVES NETO, 2002, p. 207)

            Contudo, o ponto nevrálgico de qualquer discussão em torno da responsabilidade do sócio da empresa está em estabelecer se ele [sócio] também responde, com o seu patrimônio pessoal, de forma solidária e ilimitada, em caso de insolvência de débitos tributários.

            Não vemos motivo para essa celeuma, pois em se tratando de empresa de responsabilidade limitada, a responsabilidade de cada um dos sócios está adstrita à plena integração do capital social. Ou seja, cada um dos sócios é responsável pela integralização de 100% do capital social. A conclusão natural a que se chega é que, integralizado totalmente o capital social, nenhuma responsabilidade pessoal atingirá os sócios, na hipótese destes terem desempenhado as suas funções com boa-fé. Logo, inadimplente a empresa, eles não poderão ser atingidos por débitos sociais de qualquer espécie, inclusive os de natureza tributária, mesmo que subsidiariamente.

            Com efeito, o simples inadimplemento tributário não caracteriza infração legal, a ponto de se impor a responsabilização do sócio ou do administrador, por substituição, pelos créditos decorrentes de obrigações tributárias. É possível fazer tal afirmação porque não seria crível imaginar que a administração de uma sociedade, diante de ausência de liquidez a curto prazo, preferisse recolher os tributos devidos, a efetuar o pagamento regular dos salários de seus empregados. Da mesma forma não seria crível crer que, em idênticas condições financeiras, os administradores optassem por recolher, pontualmente, os tributos devidos, ao invés de pagar os seus credores pelo fornecimento de produtos e/ou serviços indispensáveis ao funcionamento normal da empresa.

            Nas sociedades por ações, a condição do acionista é ainda mais confortável, pois este responde, pessoalmente, apenas e tão somente pela integralização das ações que subscreveu.

            O mesmo não se pode dizer das sociedades não-personificadas (ou sociedades em comum) e daquelas constituídas sob a égide das em nome coletivo, ou dos sócios comanditados nas comanditas simples e por ações, os quais respondem, subsidiária e ilimitadamente, pela totalidade dos débitos sociais não-adimplidos. (NEGRÃO, 2005, p. 283)

            Novo conflito interpretativo surge quando se aborda a responsabilidade do sócio pelo não-recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados. É verdade que os tribunais têm, vez ou outra, entendido que o sócio, nessas condições, é pessoal e ilimitadamente responsável por esse tipo de inadimplência, com base no entendimento de que teria ocorrido a apropriação indébita de valores que deveriam ter sido carreados, em tempo hábil, para a Previdência Social [16].

            A Lei n. 8.620, de 05/01/93 estabelece, no Art. 13, que são responsáveis solidários pelo cumprimento da obrigação previdenciária principal, o titular de firma individual e os sócios das empresas por cotas de responsabilidade limitada, com a firma individual e a sociedade, respectivamente. Desta forma, os acionistas controladores, os administradores, os gerentes e os diretores respondem solidária e subsidiariamente, com os seus bens pessoais, quanto ao inadimplemento das obrigações para com a Previdência Social, por dolo ou culpa.

            Requião chega até mesmo a afirmar que a sociedade tinha meios de pagar, pois descontou dos salários dos empregados as contribuições previdenciárias destes. Todavia, [...] por fraude ou desídia, não importa, descumpriu a lei. E, complementa: A sociedade, nesse meio de tempo, tornou-se insolvável [...] (REQUIÂO, 2006, p. 528).

            Ousamos discordar desse entendimento, eis que ele se reveste do excessivo e cômodo apego ao formalismo, privilegiando a interpretação insólita, própria de quem nunca administrou uma quitanda sequer.

            É pueril imaginar que a empresa que desconta contribuições sociais dos salários dos seus empregados tenha, naturalmente, condição financeira de, logo a seguir, em data estipulada em lei, capacidade financeira para promover o devido recolhimento aos cofres públicos, do respectivo montante. Está aí havendo uma inexplicável confusão entre descontar do trabalhador e, por outro lado, capacidade para o recolhimento. Em primeiro lugar, a empresa não efetua desconto, mas, na verdade, deixa de pagar ao empregado a importância que deverá ser canalizada à Previdência Social. Para quem tem uma visão puramente formalista, isso não passa de um simples jogo de palavras, que tenta encobrir um ato desidioso do sócio (ou é da empresa?). Contudo, quem se envolve, no dia-a-dia, no centro nevrálgico da administração de uma empresa, sabe, perfeitamente, que é impossível fazer a devida e automática destinação de determinadas somas de dinheiro (mesmo porque "dinheiro não tem cor"), especialmente nas empresas que enfrentam dificuldades para solver os seus compromissos financeiros de curto prazo.

            Poder-se-ia, então, indagar: um sócio (ou mesmo aqueles que defendem a responsabilização do sócio nessas circunstâncias), tendo em mãos recursos financeiros, na época oportuna, apenas e tão somente para promover o seu recolhimento à Previdência Social e não possuindo dinheiro em caixa para efetuar o pagamento simultâneo de faturas de energia elétrica (apenas para citar um único exemplo), faria opção pela liquidação de qual das duas responsabilidades? Se, embasado num raciocínio meramente burocrata, optasse pela satisfação do débito tributário, sua empresa ficaria sem energia elétrica, o que inviabilizaria os negócios sociais, trazendo transtornos para os empregados, para o exercício da salutar concorrência. Poderia, se for o caso, culminar com a inibição das exportações do País, bem como redução das atividades econômicas da cidade ou da região. Estar-se-ia adimplente perante o Estado, porém, como conseqüência, instalar-se-ia um caos social e econômico. Com efeito, se nessas exatas circunstâncias o sócio-gerente preterir os débitos tributários, é de se indagar, então: onde está alojada a desídia, a fraude, a imprudência, a violação ao contrato/estatuto social ou às leis?

            Mais do que isso: dificuldades socioeconômicas, tão comuns na vida das empresas, inclusive dentre as gigantes multinacionais [17], ainda que geradas por imprecisões administrativas, não tornam ilimitada, por si só, a responsabilidade pessoal do sócio que, originalmente, tem responsabilidade limitada.

            Como se isso não bastasse, o STF – Supremo Tribunal Federal já decidiu que em se tratando de sociedades cujos sócios têm responsabilidade limitada, os bens particulares destes não podem ser penhorados, em caso de dívida fiscal contraída pela empresa dissolvida [18].

            Apenas para argumentar, no caso da hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, esta iniciativa extravagante deve ser precedida de estudo de alta indagação, de cuidadosa e aprofundada pesquisa de fatos concretos, respeitando o devido processo legal, para ficar cabalmente comprovado que ocorreu desvio malicioso da finalidade social da pessoa jurídica, com proveito ilícito dos sócios. Assim, por ser uma medida excepcional, não pode se basear em meros indícios ou presunções, exigindo-se, pois, provas incontestes. Desta forma, a invasão dos limites do Art. 20, do Código Civil, não é meta que se viabiliza mediante um singelo e superficial despacho judicial, sob pena de se aplicar duros tratos à hermenêutica, com a conseqüente destruição dos princípios seculares que nortearam a constituição do instituto da pessoa jurídica [19].

            Com efeito, há que se localizar o autor da ilegalidade, comprovar a sua responsabilidade e trazê-lo à tela da lide. Atitudes generalistas de operadores de direito, de quem pede decisões traumáticas desse jaez e de quem as concede, sem as devidas cautelas de estilo – vício que tem permeado decisões em nossos tribunais --, constituem-se numa afronta aos princípios jurídicos mais elementares, dentre os quais se destacam o respeito à dignidade da pessoa humana.

            Em seara trabalhista, por exemplo, é muito comum o advogado do reclamante pedir, e o juiz conceder, a desconsideração da pessoa jurídica, com a conseqüente penhora ou arresto de bens dos sócios da reclamada – mesmo daqueles minoritários e dos que jamais exerceram qualquer papel administrativo --, a partir do momento em que se comprove que esta [empresa] não reúna plena condição para solver o crédito pretendido. Não se cuida das necessárias cautelas para se comprovar que realmente se trata de caso que tenha perfeito enquadramento no direito positivado (abuso de poder, ofensa à lei ou ao contrato ou dissolução irregular da sociedade). É a completa banalização de um instituto que fora criado apenas e tão somente para impedir o acobertamento de práticas ilegais dos sócios, sob o manto protetor da pessoa jurídica, mas que na verdade tem sido utilizado como forma de alavancar o recebimento de créditos. Há que se perquirir se essas atitudes insensatas são frutos da ignorância jurídica ou da má-fé dos operadores de direito, pois a hermenêutica filosófica não dá liberdade para o intérprete se afastar da norma interpretada.

            Não temos a menor pretensão de fazer apologia à consumação da inadimplência tributária. Trata-se, tão somente, de buscar uma opção menos traumática, para a empresa e para a sociedade como um todo, diante da crise economia e financeira daquela.

            Vê-se, pois, que o sócio não agiu com desídia, ao preterir o recolhimento das contribuições previdenciárias já descontadas dos empregados, em benefício da quitação de outros débitos. Assim, a tese esposada por Requião e por alguns tribunais somente teria racional aplicabilidade em caso de empresa que goza de plena saúde financeira, que prefere distribuir dividendos ou aplicar recursos financeiros no mercado de capitais ou, ainda, realizar investimentos perfeitamente postergáveis, a adimplir seus débitos tributários.

            Além do mais, é imprescindível acrescentar que a teor do Art. 20, do Código Civil, o sócio e a empresa da qual ele participa são pessoas distintas, o que nos conduz ao raciocínio natural de que um não responde pelas obrigações assumidas pelo outro.

            Defui-se, pois, que nenhuma responsabilidade poderá recair sobre a pessoa do sócio de empresa de responsabilidade limitada, se a sua atuação administrativa estiver de conformidade com a lei, com o contrato ou estatuto [20] e na busca do interesse social, e se a sua organização tiver o capital social plenamente integralizado. E, frise-se, se o capital social da empresa não estiver totalmente integralizado, aos sócios compete, única e solidariamente, a responsabilização para fazê-la. Nada mais do que isso [21].

            Esses argumentos que trazemos à lume são resultados de interpretação sistêmica do ordenamento jurídico. Nesse sentido, o Art. 1.072, § 5º., do Código Civil, dispõe que as deliberações dos sócios, tomadas de conformidade com a lei e o contrato, vinculam todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes, desde que não infrinjam os termos do Art. 1.080; ou seja, desde que não violem contrato ou a lei. Somente nesta última circunstância (violação ao contrato ou lei) é que resulta na responsabilização ilimitada dos sócios que a aprovaram. Exceder-se a esses limites e praticar atos abusivos, ferindo normas de interpretação fundamentais da Constituição Federal do Direito Tributário, o que proporciona insegurança jurídica [22].

            É com base nesses argumentos que o STJ – Superior Tribunal de Justiça tem sistematicamente decidido que a circunstância de a sociedade estar em débito com obrigações fiscais não autoriza o Estado a recusar certidão negativa aos sócios da pessoa jurídica, justamente pelo absoluto grau de independência que há entre as duas personalidades [23].

Sobre os autores
André Luiz Depes Zanoti

advogado, especialista em Direito Especiais pela UNIVEM, especialista em Política e Estratégia pela USP, mestrando em Teorias do Direito e do Estado pela UNIVEM, professor de Direito Constitucional, Direito Internacional, Sociologia e Teoria Geral do Estado e Ciência Política nas Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO)

Luiz Antonio Ramalho Zanoti

advogado, administrador, contador, economista, professor das disciplinas Sistemática do Comércio Exterior e de Técnicas e Práticas Cambiais e Direito do Trabalho da Fundação Educacional do Município de Assis (FEMA), professor substituto das Faculdades Integradas de Ourinhos (FIO), pós-graduado em Didática Geral, pós-graduando em Direito Civil e Direito do Processo Civil Contemporâneo, mestre em Direito pela Universidade de Marília (UNIMAR) - área de concentração em Empreendimentos Econômicos e Mudança Social

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANOTI, André Luiz Depes; ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. Responsabilidade tributária do sócio na empresa limitada. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1368, 31 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9683. Acesso em: 23 dez. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!