Erving Goffman foi um sociólogo canadense, nascido em 1922 e falecido em 1982, efetuou pesquisas na linha da sociologia interpretativa e cultural, sobretudo na Universidade de Chicago. Foi influenciado por muitos grandes nomes da esfera sociológica, mas Everett Hughes é considerado a figura mais influente de sua vida. Goffman observava que o desempenho dos papéis sociais dependia do modo como cada indivíduo concebia sua imagem e como pretendia mantê-la e apresentá-la ao mundo exterior. Seus trabalhos são conhecidos mundialmente, nas várias disciplinas que integram as ciências sociais, principalmente na sociologia e na antropologia.
Muitos outros cientistas concluem que os estudos de Goffman são difíceis de serem reduzidos a temas específicos e limitados; eles acreditam que seus estudos são sociologia comparativa, qualitativa, que visa produzir generalizações sobre o comportamento humano.
Goffman busca analisar os contrastes nas relações entre os indivíduos com identidades consideradas normais e aqueles sob estigma social, ou seja, incapacidade de aceitação social plena. Apresentando a ideia de identidade social real, distinta da identidade social virtual, o autor explica como se dá o distanciamento dessas identidades e como, a partir de tal distanciamento, se percebe o que é considerado o estigma. A distância entre as duas identidades é prejudicial para a identidade social, o indivíduo assume uma posição isolada da sociedade ou de si mesmo e passa a ser uma pessoa desacreditada.
Há, de acordo com Goffman, categorias de estigmatizados, todas gerando nos indivíduos sentimentos de inferioridade, vergonha, incapacidade e medo nas interações sociais. Tais interações, chamadas contatos mistos, exigem destes estigmatizados estratégias para tentativa de supressão de tais sentimentos de inferioridade, com os indivíduos sob estigma e os tidos como normais sendo alvo dos estudos do autor, sobretudo nessas interações.
Como surge o estigma social?
Como os indivíduos sob estigma social lidam com sua condição?
Quem são os estigmatizados?
Como são categorizados os indivíduos estigmatizados?
Como os estigmatizados agem em interação com os indivíduos tidos como normais?
Alguns conceitos importantes
Estigma
O termo estigma (...) será usado em referência a um atributo profundamente depreciativo, mas o que é preciso, na realidade, é uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que estigmatiza alguém pode confirmar anormalidade de outrem, portanto ele não é, em si mesmo, nem horroroso nem desonroso. (...) Um estigma, é então, um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, embora eu proponha a modificação desse conceito, em parte porque há importantes atributos que em quase toda a nossa sociedade levam ao descrédito.
Goffman classifica três tipos de estigmas:
as abominações do corpo (deformidades físicas);
as culpas de caráter individual (vontade fraca, desonestidade etc.) e
estigmas tribais de raça, nação e religião.
O estigmatizado pode ter sua característica distintiva expressa de maneira evidente, nesses casos se torna desacreditado. Nos casos em que não é facilmente perceptível tais características, chamamo-os de desacreditável.
Identidade Social
Identidade social é a assunção do que é o sujeito em virtude das suas filiações a determinados grupos e à sua auto identidade, ou seja, o que o indivíduo pensa de si mesmo. Ela pode ser classificada como identidade social real e identidade social virtual.
Identidade Social Real: atributos que os indivíduos de fato possuem.
Identidade Social Virtual: Vinculada ao estereótipo, ou identidade atribuída ao indivíduo por outros, ou seja, imputada, com base em expectativas, em um ambiente social.
Considerando os conceitos supracitados e, voltando à conceituação do estigma, é justamente quando há discrepância entre a identidade percebida e a identidade real do sujeito, é que surge o estigma.
Carreira moral
Pode ser entendida como uma série de mudanças que vão transformando a identidade e o esquema de imagens da pessoa para julgar se julgar e julgar os outros. Sobre isso Goffman (2008) discorre:
As pessoas que têm um estigma particular tendem a ter experiências semelhantes de aprendizagem relativa à sua condição e a sofrer mudanças semelhantes na concepção do eu - uma carreira moral" semelhante, que não só causa como efeito do compromisso com uma sequência semelhante de ajustamentos pessoais. (...) Uma das fases desse processo de socialização é aquela na qual a pessoa estigmatizada aprende e incorpora o ponto de vista dos normais, adquirindo, portanto, as crenças da sociedade mais ampla em relação à identidade e uma ideia geral do que significa possuir um estigma particular. Uma outra fase é aquela na qual ela aprende que possui um estigma particular e, dessa vez detalhadamente, as consequências de possuí-lo. A sincronização e interação dessas duas fases iniciais da carreira moral formam modelos importantes, estabelecendo as bases para um desenvolvimento posterior, e fornecendo meios de distinguir entre as carreiras morais disponíveis para os estigmatizados. (p. 30)
Encobrimento
Ação do indivíduo estigmatizado no intuito de ocultar ou encobrir aspectos da sua vida social, de modo a se adequar e se afastar do estigma.
Erving Goffman, como expoente do interacionismo simbólico durante boa parte da sua carreira, teve notada influência de outros autores representativos dessa corrente. O interacionismo simbólico surgiu pela primeira vez com a Escola de Chicago na década de 1920, com a criação do termo atribuída a Herbert Blumer, um sociólogo americano que contribuiu com grande parte dos fundamentos dessa disciplina baseado nos estudos de George Herbert Mead, professor da Universidade de Chicago. Suas principais áreas de estudo foram o relacionamento do indivíduo com sua comunidade, a ecologia humana e a importância da interpretação nas comunicações humanas.
A principal contribuição de Goffman no campo se baseia, sobretudo, na interpretação das pessoas como atores, com suas ações sendo interpretadas através das interações com os outros atores. Ou seja, os indivíduos se percebem e são percebidos, principalmente, através dessas relações dialógicas. Goffman é, usualmente, apontado também para uma análise do interacionismo simbólico na vida cotidiana, além de aprofundar a ideia de que o conjunto de ações e interações é o que forma as sociedades humanas e de tratar temas como o estigma, o qual é foco neste guia de leitura.
Goffman defende a hipótese de que o surgimento do estigma dá-se quando ocorrem discrepâncias entre a identidade social virtual e a chamada identidade social real, de modo que atributos particulares desqualificam-no perante outras pessoas num dado contexto histórico e cultural, não lhe propiciando uma aceitação social plena.
As hipóteses de circunstâncias que cercam a estigmatização, de acordo com Goffman, são três: abominações do corpo, como as diversas deformidades físicas; culpas de caráter individual; e estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos pela linguagem.
O autor também levanta a hipótese de duas categorias de sujeitos estigmatizados:
-
o indivíduo desacreditado, que possuiria características percebidas como distintas em relação aos normais, sendo estas conhecidas e perceptíveis por uma coletividade; e
o desacreditável, que também possuiria características distintas das dos normais, mas nem sempre conhecidas e percebidas por eles.
O objetivo central de Goffman em Estigma - Notas sobre a manipulação a identidade deteriorada, sobretudo em seu primeiro capítulo aqui tratado, é compreender como surge e quais as características do estigma e dos estigmatizados. Também é um dos objetivos analisar as interações dos indivíduos estigmatizados com os chamados normais nesses contatos mistos. Através dessas interações busca-se às situações em que se manifesta o estigma e, como os indivíduos lidam com elas.
O autor cita estudos clínicos e trabalhos contemporâneos que trataram do tema estigma. A influência do Interacionismo Simbólico, que teve na Escola de Chicago seu surgimento e auge nas décadas anteriores à de publicação da obra (década de 1960) é notável, de modo que a maior parte dos relatos e estudos considerados na obra estão colocados neste contexto.
Analisando as interações e efeitos dessas interações em pessoas que são estigmatizadas, o autor observa os comportamentos e estratégias que os indivíduos estigmatizados utilizam para minimizar ou mitigar os efeitos do estigma que carregam. Com uma análise sobretudo documental e histórica o autor observa duas situações distintas enfrentadas pelo indivíduo estigmatizado: quando é assumida por todos suas características que geram o estigma (desacreditado) e; quando isso acontece durante a interação a posteriori (desacreditável).
O autor também observa três tipos diferentes de estigma: abominações do corpo; culpas de caráter individual e estigmas tribais de raça, nação ou religião.
É notado por Goffman que indivíduos não estigmatizados (ou normais) usualmente "cobram" daqueles estigmatizados certos comportamentos que não são observados pelos próprios indivíduos normalizados, uma vez que o estigmatizado está sob constante observação. Ao mesmo tempo, a depender dos grupos em que o estigmatizado está inserido, o comportamento que é estigmatizante não é tido pelo indivíduo como um problema, mesmo que rejeitável pelos não estigmatizados, como é o caso de grupos ciganos, por exemplo. Estes, portanto, não se preocupam em corrigir o comportamento que leva à atribuição do estigma ou dedicando-se a atividades que, cotidianamente, não se espera que consiga ou se destaque. Goffman exemplifica com aleijados que dançam em cadeiras de rodas, que executam atividades físicas assumidas por outros como incapazes de realizar.
O autor se utiliza de pesquisa documental qualitativa, analisando relatos, estudos clínicos e bibliografia já consolidada do tema sob um viés sociológico, como é declarado logo no prefácio.
A interação social de indivíduos estigmatizados sobretudo através de interações de indivíduos estigmatizados com indivíduos normais (interações mistas) e suas percepções a respeito de seu lugar nessas interações.
Pesquisa qualitativa através de relatos de estigmatizados, análise documental de estudos clínicos e análise bibliográfica com obras que já haviam tratado o tema.
O estigma analisado na obra de Erving Goffman diz respeito ao distanciamento entre os atributos assumidos como reais do indivíduo e a percepção coletiva desse indivíduo, estereotipada e categorizada de maneira pejorativa. Chama-se identidade social virtual os atributos que outros indivíduos assumem diante de impressão feita por estes, ao passo que a identidade social real que é a realidade possuída realmente provada. Havendo distanciamento entre ambas, há aí o estigma.
Os atributos não são bons ou ruins em si, mas são avaliados em uma relação que, quando estigmatizada necessariamente se vincula a atributo depreciativo, seja por deformidades físicas ou por caráter pessoal abrangendo os transtornos psíquicos ou por raça, religião e nação. De acordo com Goffman, tornando-se vítima de estigma, é possível ao indivíduo em alguns casos buscar corrigir o defeito percebido, por exemplo nos casos de estigmas de deformidades físicas potencialmente corrigidos ou normalizados através de uma cirurgia plástica. Há também aqueles que convivem com o próprio estigma ou buscam "ganhos secundários" utilizando a impressão que os outros indivíduos têm de si.
O estigma existe nas relações sociais, sem sociedade não haveria estigma. Nessas relações sociais viola-se as expectativas normativas dos atores sociais nos processos de interação, balizados em contexto histórico e cultura determinados e determinantes dos padrões normais. A depender do contexto histórico ou cultural elementos percebidos como estigmatizantes podem se tornar credencias de pertencimento em grupos.
Em Estigma e Identidade Social, primeiro capítulo da obra Estigma - Notas sobre uma identidade deteriorada Goffman apresenta seu conceito de estigma muito claramente. Como promete logo em seu prefácio, o autor busca analisar sociologicamente o fenômeno, com foco nas interações sociais, nas ações dos indivíduos e nas consequências de tais interações, sobretudo nos estigmatizados. É neste mesmo prefácio que o autor apresenta o método de pesquisa adotado, que nos parece, ao menos a princípio, um pouco nebuloso: tal ausência de detalhamento mais claro que vá além da citação de estudos clínicos e relatos de estigmatizados, antes de gerar confusão nos gera curiosidade. Tal curiosidade é fruto dos variados detalhes apontados pelo pesquisador nos resultados de sua análise: a despeito da pouca demonstração metodológica o trabalho coloca o leitor à frente de muitas percepções e considerações acerca das condições do estigmatizados e das mais diversas causas e consequências do estigma imputado a estes.
É interessante, por exemplo, notar como, a depender de contexto histórico, certas características responsáveis por estigmatizar indivíduos podem se tornar fatores que geram credenciais para pertencimento em grupos num espaço/tempo específico.
Como é relatado pelo próprio autor, a obra não é pioneira ao tratar do tema em questão; Goffman utiliza bibliografia anteriormente dedicada ao estigma como parte de sua pesquisa, mas certamente suas contribuições para o campo das ciências sociais, graças à sua ênfase analítica nas interações sociais, são ímpares, valiosas e abrem caminho para subsequentes produções relevantes sobre o assunto.
Referência Bibliográficas
GOFFMAN, E. Estigma - Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada - capítulo 1: Estigma e Identidade Social 4ª Ed. Rio de Janeiro. LTC, 2008.
MARTINS, C. A contemporaneidade de Erving Goffman no contexto das ciências sociais. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo, v. 26, n. 77, Oct. 2011. Acessado em Fev. de 2022.
NUNES, E. Goffman: contribuições para a Sociologia da Saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 19, n. 1, 2009. Acessado em Fev. de 2022.