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Teorias sociológicas de Adam Smith, August Comte, Karl Marx, Emile Durkheim e Max Weber

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Agenda 25/03/2022 às 16:27

Introdução

Como as sociedades se desenvolvem? Como se estruturam? Quais as oportunidades e desafios? Quais os problemas apresentados pela sociedade e como solucioná-los? O presente artigo busca abordar as teorias de alguns pensadores clássicos, ainda muito importantes em nossa sociedade contemporânea.

E qual sua importância para o direito? Como vimos no artigo anterior, o jurista deve saber acerca de teorias filosóficas para entender como o direito e política se desenvolvem e estão intrinsicamente confluentes.

Se você acredita que existe na sociedade uma classe dominante que está oprimindo outra, essa concepção está relacionada a Karl Marx, opressores e oprimidos. Se você imagina uma mão invisível que direciona a sociedade, está falando de Adam Smith, e assim sucessivamente.

Todas as teorias têm consequências práticas, que se traduz no voto do eleitor ao eleger parlamentares responsáveis pela criação de leis. Os eleitores vão se guiar por valores de justiça social, papel da religião, políticas públicas, tributação, menor intervenção do Estado, maior intervenção do Estado etc.

O Judiciário aplicará as leis aprovadas pelo Parlamento e o operador do direito nelas se apoiará para exercer sua profissão.

Os teoristas clássicos não estavam preocupados só com humanismo e mas focados em entender e resolver as mudanças operadas na sociedade com a Revolução Industrial. A transição de sociedades agrárias para sociedades capitalistas, industrializadas, e o desenvolvimento de arranjos políticos nessa nova sociedade.

Sem dúvida esse artigo não busca e nem poderia resumir todas as teorias aqui retratadas, e a ideia é despertar interesse, de maneira que por si só, cada um possa se aprofundar e descobrir novos horizontes e novas formas de pensar de forma crítica.

A concepção de uma sociedade humana alicerçada em pesquisas metodológicas surgiu nos Estados Unidos, com Talcott Parsons e Robert Merton.

Em seu livro A estrutura da ação social, Parsons caracteriza o sistema teórico da ação por quatro características: atomismo, racionalidade, empirismo e aleatoriedade dos fins.

É possível que, de acordo com o senso comum, considere-se que os termos ignorância e erro significam apenas a ausência de um conhecimento adequado. Mas em termos positivistas eles devem ter uma conotação mais específica. Como o conhecimento científico é considerado a única relação cognitiva significativa que o homem tem com a realidade externa, então existem apenas duas alternativas para explicar por que o ator em questão foi vítima da ignorância ou do erro ou de ambos. Ou esse fato subjetivo pode ser o reflexo dos elementos na situação que são intrinsicamente incapazes de serem compreendidos em termos científicos em suas relações com a ação - e então eles são elementos aleatórios de devem ser considerados como dados últimos sem mais perguntas sobre as causas e os motivos - ou por outro lado, eles podem ser explicados. A explicação deve ser que eles são resultados de fatores intrinsicamente compreensíveis que o autor ou não conseguiu entender ou positivamente entendeu errado. Então o único curso possível para o pesquisador é "ir atrás" da experiencia subjetiva do ator, isto é, abandonar as categorias subjetivas dos esquemas da ação a favor de processos objetivos que, em sua opinião, poderiam ter influenciado a ação agindo sobre o ator sem seu conhecimento ou consciência daquilo que estava "realmente" acontecendo[1].

Robert Morton, por seu turno, desenvolveu a teoria do médio alcance, que seria usada como guia para as pesquisas sociológicas.

A teorias de médio alcance tratam de aspectos limitados dos fenômenos sociais, conforme o próprio nome indica. Fala-se de uma teoria de grupos de referência, de mobilidade social, de conflitos de desempenhos de papeis e formações de normas sociais, exatamente como se falasse de uma teoria de preços, uma teoria dos germes das doenças ou uma teoria cinética dos genes[2].

Certo é que os pensamentos sociológicos se chocam entre si e isso de longe pode ser considerado ruim porque é a partir daí que se inicia o pensamento crítico, sopesamento de valores, causas e efeitos.

Adam Smith

A corrente liberal prega relações mutualmente vantajosas, menos intervenção do Estado, livre comércio. Já a corrente socialista acentua a relação de dominantes e dominados, pontua a diferença entre grupos econômicos e políticos. Por outro lado, a corrente conservadora é reconhecida pelo apego às tradições, religião, integridade.

Adam Smith ficou conhecido pela teoria da divisão do trabalho, de maneira que essa divisão faria com que o trabalhador se aperfeiçoasse na função que exercia.

O maior aprimoramento das forças produtivas do trabalho, e a maior parte da habilidade, destreza e bom senso com os quais o trabalho é em toda parte dirigido ou executado, parecem ter sido resultados da divisão do trabalho[3].

Adam Smith se valeu da expressão que foi utilizada primeiramente por Bernard de Mandeville, em sua obra A fábula das abelhas, de 1723.

Com a fábula, Mandeville pretendeu demonstrar que toda sociedade necessita de um grau de ilegalidade, crime, vícios e virtudes para funcionar.

Adam Smith não menciona vícios e virtudes, mas interesses próprios. As pessoas não são guiadas por altruísmo em uma sociedade e sim por egoísmo. Para ele, a sociedade prosperava através de uma mão invisível que operava na sociedade. Essa mão era guiada pelos interesses próprios dos indivíduos dentro da sociedade.

Não é da benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração que eles têm pelo seu próprio interesse. Dirigimo-nos não à sua humanidade, mas à sua autoestima, e nunca lhes falamos das nossas próprias necessidades, mas das vantagens que advirão para eles. Ninguém, a não ser o mendigo, sujeita-se a depender sobretudo da benevolência dos semelhantes. Mesmo o mendigo não depende inteiramente dessa benevolência. Com efeito, a caridade de pessoas com boa disposição lhe fornece tudo o de que carece para a subsistência. Mas embora esse princípio lhe assegure, em última análise, tudo o que é necessário para a sua subsistência, ele não pode garantir-lhe isso sempre, em determinados momentos em que precisar. A maior parte dos desejos ocasionais do mendigo são atendidos da mesma forma que os de outras pessoas, através de negociação, de permuta ou de compra. Com o dinheiro que alguém lhe dá, ele compra alimento. A roupa velha que um outro lhe dá, ele a troca por outras roupas velhas que lhe servem melhor, por moradia, alimento ou dinheiro, com o qual pode comprar alimento, roupas ou moradia, conforme tiver necessidade[4].

Assim, em uma sociedade, todos cuidarão de seus próprios interesses apenas. A caridade, por exemplo, não seria realizada por amor ao próximo, mas por interesses próprios. Para ele, o desenvolvimento da sociedade seria melhor se a deixássemos por conta própria, não interferindo.

É através da divisão do trabalho que a produtividade é aumentada porque os trabalhadores não têm que passar de tarefa a tarefa, máquina a máquina, de modo que devem focar apenas em um tipo de trabalho, pois poderiam descobrir melhores maneiras de tornar o trabalho mais produtivo e eficiente.

As pessoas têm muito maior probabilidade de descobrir com maior facilidade e rapidez métodos para atingir um objetivo quando toda a sua atenção está dirigida para esse objeto único, do que quando a mente se ocupa com uma grande variedade de coisas. Mas, em consequência da divisão do trabalho, toda a atenção de uma pessoa é naturalmente dirigida para um único objeto muito simples. Eis por que é natural podermos esperar que uma ou outra das pessoas ocupadas em cada setor de trabalho específico logo acabe descobrindo métodos mais fáceis e mais rápidos de executar seu trabalho específico, sempre que a natureza do trabalho comporte tal melhoria[5].

Para Adam Smith, a divisão do trabalho não foi criação do homem e sim origina da necessidade humana, visto que seres humanos não conseguem viver em isolamento, por serem interdependentes, possuírem a necessidade quase constante de ajuda de outros semelhantes:

Essa divisão do trabalho, da qual derivam tantas vantagens, não é, em sua origem, o efeito de uma sabedoria humana qualquer, que preveria e visaria esta riqueza geral à qual dá origem. Ela é a consequência necessária, embora muito lenta e gradual, de uma certa tendência ou propensão existente na natureza humana que não tem em vista essa utilidade extensa, ou seja: a propensão a intercambiar, permutar ou trocar uma coisa pela outra[6].

Para Adam Smith diferentes posições sociais são responsáveis pelo desenvolvimento de diferentes talentos. Isso é a estratificação social.

A diferença entre as personalidades mais diferentes, entre um filósofo e um carregador comum da rua, por exemplo, parece não provir tanto da natureza, mas antes do hábito, do costume, da educação ou formação. Ao virem ao mundo, e durante os seis ou oito primeiros anos de existência, talvez fossem muito semelhantes entre si, e nem seus pais nem seus companheiros de folguedo eram capazes de perceber nenhuma diferença notável. Em torno dessa idade, ou logo depois, começam a engajar-se em ocupações muito diferentes. Começa-se então a perceber a diferença de talentos, sendo que esta diferenciação vai-se ampliando gradualmente, até que, ao final, o filósofo dificilmente se disporá a reconhecer qualquer semelhança[7].

Para ele, as pessoas em uma sociedade já nascem com essa divisão de trabalho e determinada posição social. Essa estratificação vai determinar a quantidade de talentos que você vai desenvolver ao longo da vida.

Adam Smith vai pontuar que não há diferenças significativas entre um professor e um carregador de malas e não vai entender essa situação como uma ranhura da sociedade, visto que desde o nascimento, pelas suas condições, sua vida já estaria traçada, assim como as oportunidades que teria.

Ele faz uma conexão entre teoria social e conhecimento empírico. Adam Smith apenas observa e diz, é assim, a sociedade é constituída dessa forma. Se o carregador de malas tivesse nascido em um local diferente da sociedade, não seria carregador de malas, mas ao final, essas diferenças são boas para a sociedade. Inarredável a correlação com vícios e virtudes de Bernard de Mandeville.

August Comte

August Comte acreditava que através de descobertas cientificas, mudanças radicais em como víamos o mundo impulsionava a história. Para ele, criador do positivismo, o positivismo não poderia se desenvolver sem uma sociedade industrial.

Comte entendia que as sociedades seriam integradas pelo desenvolvimento de ideias, o que ele denominou lei dos três estados. A história humana passaria por três fases, quais sejam, teleológica, metafisica e positiva.

Na fase teleológica, o mundo só se torna compreensível através da concepção de deuses e espíritos. O papel teleológico desempenharia influência na vida social, enraizada em fundamentos morais. A fase metafisica é caracterizada pela dissolução do teleológico, substituindo a vontade de deus por ideias ou forças. Já a fase positivista é a pesquisa das leis, observação de fenômenos psicológicos.

Essa lei consiste em que cada uma de nossas concepções principais, cada ramo de nossos conhecimentos, passa sucessivamente por três estados históricos diferentes: estado teológico ou fictício, estado metafísico ou abstrato, estado científico ou positivo. Em outros termos, o espírito humano, por sua natureza, emprega sucessivamente, em cada uma de suas investigações, três métodos de filosofar, cujo caráter é essencialmente diferente e mesmo radicalmente oposto: primeiro, o método teológico, em seguida, o método metafísico, finalmente, o método positivo. Daí três sortes de filosofia, ou de sistemas gerais de concepções sobre o conjunto de fenômenos, que se excluem mutuamente: a primeira é o ponto de partida necessário da inteligência humana; a terceira, seu estado fixo e definitivo; a segunda, unicamente destinada a servir de transição[8].

A fase teológica se preocuparia com questões que não poderiam ser respondidas, tais como de onde viemos? Existe vida após a morte? Quem fez o universo? As doutrinas religiosas responderiam a essas questões.

No que toca a fase metafisica, é a fase de transição, nesta fase não se fala mais em força divina e sim em hipóteses que não poderiam ser refutadas sem uma conjectura baseada em ciência.

Por conseguinte, a fase positiva parte do pressuposto que haverá questões que não poderão ser respondidas, e tudo bem, mas outras, com auxílio da ciência, serão.

Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis de sucessão e de similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir[9].

Para Comte, viveríamos em época de crises. Apesar de Comte viver no começo do século XIX, em meio a constantes revoluções, ainda, no século XXI, podemos dizer que ainda vivemos em tempos de crise. Para ele, o desenvolvimento geral da sociedade depende de coesão entre ciência e artes.

Vê-se, ainda, que o progresso das ciências e o das artes dependeram um do outro, em virtude de inumeráveis influências recíprocas e, enfim, que todos estiveram estreitamente ligados ao desenvolvimento geral da sociedade humana[10].

A crise que Comte vivenciava em meio a Revolução Francesa ainda pode ser vista atualmente, haja vista a existência de embates entre ciência e religião.

(...) creio poder resumir exatamente todas as observações relativas à situação atual da sociedade dizendo simplesmente que a desordem atual das inteligências vincula-se, em última análise, ao emprego simultâneo de três filosofias radicalmente incompatíveis: a filosofia teológica, a filosofia metafísica e a filosofia positiva. [...] É claro que se uma qualquer dessas três filosofias obtivesse, na realidade, preponderância universal e completa, haveria uma ordem social determinada, pois o mal consiste sobretudo na ausência de toda verdadeira organização. É a coexistência dessas três filosofias opostas que impede absolutamente de estender-se sobre algum ponto essencial. [...] É evidente, em virtude de algumas das principais razões de toda sorte que indiquei neste discurso, que a filosofia positiva é a única destinada a prevalecer, conforme o curso ordinário das coisas. Só ela, desde uma longa série de séculos, constantemente progrediu, enquanto suas adversárias estiveram constantemente em decadência. Que isto seja justo ou injusto pouco importa; o fato geral é incontestável e basta. É possível deplorar, mas não destruí-lo nem, por conseguinte, negligenciá-lo, sob pena de entregar-se tão-somente a especulações ilusórias[11].

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A bem da verdade, para Comte, religião seria indispensável em uma sociedade moderna. E isso porque sem religião, as sociedades industriais seriam instáveis. Comte também foi precursor do funcionalismo, visto que procurou prestar atenção à função das partes menores em uma sociedade, como um todo.

Para Comte, temos que começar com conjecturas e após, refutá-las. Comte considera importante o estágio teológico porque é nesse estágio que as bases para a pesquisa científica são lançadas. Para ele, primeiro deve-se coletar uma quantidade importante de fatos, dados, muito bem observados para só então desenvolver uma teoria.

Para ele, coletar dados sem uma teoria seria impossível, bem como não poderíamos nos esquecer da importância da abordagem histórica. A ciência era razão e religião, emoção.

No Brasil, as ideias positivistas de Comte influenciaram o lema da bandeira do Brasil, ordem e progresso, bem como a formação da República e a separação do Estado da igreja.

Alexis de Tocqueville

Foi o precursor da sociologia moderna, embora se considerasse apenas político, visto ser membro do parlamento francês e ulteriormente tornando-se ministro de assuntos exteriores.

Tocqueville ambicionava saber como as esferas políticas e sociais funcionavam. Por conta do seu trabalho sobre o instituto da democracia, é considerado um cientista político.

Tocqueville era um aristocrata que perdeu muitos familiares decapitados durante a Revolução Francesa. Escrevia muito sobre valores culturais, sociais, virtudes que mantinham a sociedade francesa unificada, e por isso era admirado por conservadores.

Em muitos casos considerava as vantagens da democracia, mas era preocupado com a regra da maioria que acompanhava a democracia, visto a possibilidade de se tornar autoritarismo.

Como possuía pensamento aristocrático, era atormentado pelo processo de democratização, e o processo de democratização dos Estados Unidos forneceria uma visão do futuro da França.

Tocqueville acreditava que existia uma classe média na América, e por isso mesmo as revoluções seriam raras nos Estados Unidos, porque todos seriam iguais. No entanto não só as fortunas são iguais: a igualdade se estende até certo ponto às próprias inteligências[12].

A maior parte da sociedade americana, composta de iguais (classe média) teriam inclusive medo das revoluções pela possibilidade de afetar suas propriedades.

Tocqueville era consternado com a centralização do poder, de maneira que nos Estados Unidos uma imprensa livre seria uma força independente e extremamente importante como forma de impedir excessos de poder. O governo não deveria censurar, tampouco impedir jornalistas de escreverem. A constituição de um jornal era deveras fácil e toda cidadezinha, por menor que fosse, tinha o seu.

A soberania do povo e a liberdade de imprensa são, pois, duas coisas inteiramente correlativas. A censura e o voto universal são, ao contrário, duas coisas que se contradizem e não se podem encontrar por muito tempo nas instituições políticas de um mesmo povo. Entre os doze milhões de homens que vivem no território dos Estados Unidos, não há um só que tenha ousado propor a restrição da liberdade de imprensa[13].

Por seus estudos, verificou que a imprensa era espalhada, e cada jornal tinha sua opinião política distinta, justamente por ser descentralizada, de modo que não poderiam estabelecer correntes de opinião fortes contra ou a favor do Estado, embora exercesse forte poder na América.

Tocqueville aquiescia que o melhor antídoto contra o poder centralizador do estado seriam as bases e políticas locais.

Na ausência de grandes partidos, formigam pequenos nos Estados Unidos, e a opinião pública se fraciona ao infinito sobre questões de detalhe. [...] À medida que se penetra mais profundamente no pensamento íntimo desses partidos, percebe-se que uns trabalham para restringir o uso do poder público, outros para ampliá-lo[14].

Era fascinado pela ideia de progresso dos Estados Unidos e de que todos partilhavam a mesma opinião de que a origem de todos os poderes legítimos estaria no povo.

Todos consideram a sociedade um corpo em progresso, a humanidade, um quadro mutável, em que nada é fixo para sempre, nem deve sê-lo; e admitem que o que lhes parece bom hoje pode ser substituído amanhã pelo melhor que ainda se esconde. Não digo que todas essas opiniões sejam justas, mas são americanas[15].

Tocqueville foi um teorista importante porque traçou um paralelo do progresso que a democracia trazia, bem como desafios. Deu importância à evolução da democracia e levantou preocupações de como poderia ser dirigida à uma ditadura.

Para ele, somente mediante atividade política do cidadão, realizada por meio da organização partidária, que defendesse a cidadania, poderia dificultar o surgimento de um Estado autoritário.

Karl Marx

Estudar Karl Marx é desafiador. Não há ninguém que ao estudar teorias sociológicas não se depare com suas concepções. Todos costumam ter uma forte opinião formada sobre ele e suas teorias, não obstante Marx não seja de longe o filósofo mais radical a ser perquirido.

Alguns dizem que Marx não trabalhava e era sustentado pela esposa, conquanto Marx era aficionado por trabalho e não fazia distinção entre trabalho físico e intelectual. Ocorre que por causa de suas ideias, Marx foi rejeitado no mundo acadêmico, visto o temor que havia entre as instituições e governo, haja vista não aceitarem mestres que seguiam as concepções de Hegel, sendo seus artigos também censurados em jornais onde escrevia.

Em 1842 o governo prussiano chegou a fechar o jornal Gazeta Renana, onde conheceu Friedrich Engels, por causa de artigo sobre absolutismo russo.

O maior problema com as concepções de Marx é que foram utilizadas equivocadamente pela União Soviética de Stalin, pelo maoismo de Mao Tsé-Tung na China e pelo Khmer Vermelho, do Camboja e muitos críticos atacam suas ideias porque os líderes desses massacres estudaram Marx e aplicaram suas teorias.

Entrementes, o que as concepções e massacres nos ensinam é que todas as teorias filosóficas não são isentas de consequências, se abusadas, e isso não ocorre apenas com Karl Marx, mas pode ocorrer com qualquer outro teórico. Todas as teorias, sem exceção, têm consequências se mal-empregadas.

Marx partia do pressuposto de que o que as pessoas pensam está apoiado no contexto social da qual fazem parte ao cunhar a frase não é a consciência dos homens que determina seu ser, mas, ao contrário, seu ser social que determina sua consciência[16].

Para ele, não são só as circunstâncias que fazem o homem, mas o homem também faz as circunstâncias porquanto o homem não é de longe, o sujeito passivo do processo histórico.

Marx acreditava que se você quiser investigar a força de uma sociedade, não deve olhar o que está visível porque isso qualquer um faz, você deve investigar as rachaduras, o que está invisível, você deve olhar para as bases econômicas de uma sociedade.

Essa soma de forças produtivas, fundos de capital e formas sociais de intercâmbio, que cada indivíduo e cada geração encontra na existência como algo dado, é a base real do que os filósofos conceberam como substância e essência do homem, e o que eles divinizaram e atacaram; uma base real que não é minimamente perturbada, em seu efeito e influência sobre o desenvolvimento dos homens, pelo fato de que esses filósofos se revoltam contra ela como "autoconsciência" e "Único". Essas condições de vida, que as diferentes gerações encontram, também decidem se a convulsão revolucionária periodicamente recorrente será ou não forte o suficiente para derrubar a base de todo o sistema existente[17].

Marx é comumente malvisto porque defende revoluções, conquanto as concepções de revoluções políticas pelo uso da força não nasceram com o marxismo. As revoluções francesas, inglesa, americana não se apoiaram em pensamento marxista. A revolução russa de 1917 e a alemã, de 1918 também não se relacionaram com ideais de Marx.

Óbvio que não se defende uso de força e revolução, inobstante, não se pode afastar a hipótese de que a própria democracia utiliza a força para manter seu poderio, seja através do monopólio do uso da força, seja para valer a vontade da maioria contra a minoria e isso nada tem a ver com marxismo.

Para Marx, o homem é antes de tudo, trabalhador e é no trabalho que desenvolverá seus talentos, possibilidades. O homem é um ser produtivo, trabalho é o que fornece dignidade ao homem.

Marx é frequentemente tido como materialista porque enfatizava que os laços econômicos determinam as ideias dos seres humanos.

(...) a história não termina por se resolver na autoconsciência como espírito do espírito, mas que nela se encontra em cada etapa um resultado material: uma soma de forças produtivas, uma relação historicamente criada dos indivíduos com a natureza e com um outro, que é transmitido a cada geração de seu antecessor; uma massa de forças produtivas, fundos e condições de capital que, por um lado, é de fato modificada pela nova geração, mas também por outro lhe prescreve suas condições de vida e lhe confere um desenvolvimento definido, um caráter especial. Mostra que as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias[18].

A revolta de Marx se encontra no fato de que algo tão digno se torna uma simples mercadoria, sem valor. E dentro dessa concepção, desenvolve a teoria da alienação por causa do exercício do trabalho mecânico.

A alienação surge quando o homem não se reconhece no seu próprio trabalho, não reconhece sua própria criação, tornando-se simples robô fazendo a mesma tarefa sem pensar.

A alienação surge no trabalho e na divisão do trabalho. Na medida em que a propriedade privada e a divisão do trabalho se desenvolvem, o trabalho perde seu caráter de expressão dos poderes do homem, de modo que o trabalho e os produtos desse trabalho assumem uma existência separada do homem, de sua vontade.

O objeto produzido pelo trabalho, seu produto, agora se opõe a ele como um ser estranho, como um poder independente do produtor. O produto do trabalho é o trabalho que foi incorporado a um objeto e transformado em coisa física; este produto é uma objetivação do trabalho[19].

O capitalismo força o homem a trabalhar por salário e não por satisfação. O homem não está mais preocupado com a dignidade do trabalho, as mudanças que podem ser operadas na sociedade através do seu trabalho, o homem na sociedade capitalista não se preocupa com nada disso, com a dignidade do trabalho, da profissão que exerce.

O trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais sua produção aumenta em poder e tamanho. O trabalhador torna-se uma mercadoria cada vez mais barata quanto mais mercadorias cria. A desvalorização do mundo dos homens está em proporção direta com o aumento do valor do mundo das coisas. O trabalho não produz apenas mercadorias; produz a si mesmo e ao trabalhador como mercadoria e isso na mesma proporção em que produz mercadorias em geral[20].

O homem alienado perde o senso de comunidade, se torna um estranho para o outro, não há estreitamento de laços. Não há mais espaço para solidariedade e sim individualidade. O homem aliena seu trabalho por si próprio e ao fazê-lo, deixa de exercer seus principais talentos, porquanto é o trabalho que traz dignidade e desenvolve todo o potencial do ser humano.

Será que Marx está errado? Atualmente há tantos profissionais com cursos superiores trabalhando como entregadores de comida, motoristas de aplicativos, não utilizando seus potenciais e suas qualificações porque precisam sobreviver, pagar contas. E se não fizer, outro fará em seu lugar e aceitará ser mal remunerado porque precisa suprir necessidades mínimas.

A indignação de Marx poderia ser vista quando observado que um trabalhador que confecciona um Iphone não consegue, com o seu salário, comprar o aparelho que produz.

A alienação do trabalhador em seu produto significa não apenas que seu trabalho se torna um objeto, uma existência externa, mas que existe fora dele, independentemente, como algo estranho a ele, e que se torna um poder próprio que o confronta. Significa que a vida que ele conferiu ao objeto o confronta como algo hostil e estranho[21].

Os trabalhadores, na concepção de Marx, podem ser alienados através do produto que fabricam, do processo de produção, pelos seus colegas de trabalho e por si próprios, enquanto seres humanos.

O que, então, constitui a alienação do trabalho? Primeiro, o fato de o trabalho ser externo ao trabalhador, ou seja, não pertencer à sua natureza intrínseca; que em seu trabalho, portanto, ele não se afirma, mas nega a si mesmo, não se sente contente, mas infeliz, não desenvolve livremente sua energia física e mental, mas mortifica seu corpo e arruína sua mente. O trabalhador, portanto, só se sente fora de seu trabalho, e em seu trabalho sente-se fora de si. Ele se sente em casa quando não está trabalhando, e quando está trabalhando não se sente em casa. Seu trabalho, portanto, não é voluntário, mas coagido; é trabalho forçado. Não é, portanto, a satisfação de uma necessidade; é meramente um meio para satisfazer necessidades externas a ela[22].

Marx parte da concepção de que se os trabalhadores se unirem, despertando a consciência de classe, poderiam criar um novo tipo de solidariedade, um senso de pertencer a uma importante coletividade.

Um dos temas mais caros para a sociologia é a desigualdade social, especialmente estratificação social, camadas da sociedade.

É inafastável associar a pobreza com má qualificação, condições precárias de vida e subsistência, ao passo que a riqueza é associada a melhor educação, oportunidades, estudo, altos salários e índice de mobilidade social.

Enquanto a sociologia no campo de estratificação social utiliza termos como estado, camada social e custo, Marx vai trazer o juízo de classe, de maneira que o termo por ele cunhado atualmente é aplicado em sociologia, economia, política.

Marx visualiza duas classes e são apenas essas duas classes que permanecerão intocadas, porque a classe média vai desaparecer. Alguns membros da classe média atingirão a classe dominante e outros, se tornarão da classe inferior.

Uma classe é composta de pessoas que não possuem fábricas, maquinários, meios de produção; a única coisa que possuem é sua força de trabalho, são o proletariado. Por outro lado, outra classe é composta de pessoas que tem indústrias, meios de produção, máquinas e essas pessoas não precisam vender sua força de trabalho para sobreviver, são os capitalistas, burgueses.

O modelo de classes é enraizado na posição econômica que seus membros ocupam na sociedade. Para ele, os capitalistas vivem do valor excedente que extraem da classe trabalhadora.

Marx vai mais além ao dizer que o proletariado moderno tem menos liberdade do que se imagina, visto que nunca haverá trabalho suficiente para todos, e que grupos de desempregados famintos fariam tudo para obter um emprego, o que ela chamará de exército de trabalhadores reserva. Se você não quiser trabalhar por tal valor, a empresa logo encontrará um trabalhador que queira. Assim, os trabalhadores não têm poder de barganha.

O trabalhador recebe meios de subsistência em troca de sua força de trabalho; o capitalista recebe, em troca de seus meios de subsistência, o trabalho, a atividade produtiva do trabalhador, a força criadora pela qual o trabalhador não apenas repõe o que consome, mas também dá ao trabalho acumulado um valor maior do que possuía anteriormente. O trabalhador recebe do capitalista uma parte dos meios de subsistência existentes. Para que servem esses meios de subsistência? Para consumo imediato. Mas tão logo eu consumo meios de subsistência, eles são irrevogavelmente perdidos para mim, a menos que eu empregue o tempo durante o qual esses meios sustentam minha vida na produção de novos meios de subsistência, criando pelo meu trabalho, novos valores em lugar dos valores perdidos em consumo. Mas é justamente esse nobre poder reprodutivo que o trabalhador entrega ao capitalista em troca dos meios de subsistência recebidos. Consequentemente, ele o perdeu para si mesmo[23].

Karl Marx se torna polêmico ao frisar que os capitalistas só visam lucro às custas do proletariado, sem atentar às contribuições que os empresários fazem na sociedade, gerando emprego, investimentos em artes e programas de capacitação. Essa teoria de Marx já foi rechaçada por economistas.

Não podemos perder de vista que as teorias de Marx foram escritas nos anos 1838-1870 e naquela época as condições de trabalho não eram de longe as melhores e ideais, entretanto, não se pode perder de vista o quanto ambicionava mudança da sociedade e melhores condições de trabalho.

Quando Marx menciona consciência de classe ele argumanta que as condições de trabalho vão piorar frequentemente, de modo que os trabalhadores mesmo que trabalhem por longas horas, não terão condições de sustento, tendo que viver em ambientes inóspitos, em condições precárias extremas porque tem que trabalhar muito para obter salários cada vez menores e se não fizer, outro fará.

E por isso, na concepção de Marx, a consciência de classe é tão importante, para que o trabalhador perceba essas condições de trabalho e se revolte contra ela, exigindo melhores salários e condições de trabalho. A consciência de classe faz com que o trabalhador se torne consciente do que lhe é oferecido. Para isso, essa solidariedade deve existir entre seus pares e não com os capitalistas, porque essa consciência de classe do proletariado não os beneficiaria.

A burguesia não pode existir sem revolucionar constantemente os instrumentos de produção e, portanto, as relações de produção e, com eles, todas as relações da sociedade. A conservação dos antigos modos de produção em forma inalterada era, ao contrário, a primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores. A revolução constante da produção, a perturbação ininterrupta de todas as condições sociais, a incerteza e a agitação eternas distinguem a época burguesa de todas as anteriores. Todas as relações fixas e congeladas, com sua sucessão de preconceitos e opiniões antigas e veneráveis, são varridas, todas as recém-formadas tornam-se antiquadas antes que possam se ossificar. Tudo o que é sólido se desmancha no ar, tudo o que é sagrado é profanado, e o homem é finalmente compelido a encarar com sensatez suas reais condições de vida e suas relações com seus semelhantes[24].

Para Marx as classes têm seus próprios interesses e os defende. A principal crítica ao pensamento de Marx é sua falsa previsão de revolução e inevitável colapso do capitalismo, conquanto tenha acertado que o sistema capitalista pode ter sua vida estendida pelos processos de globalização.

Marx não imaginou que o capitalismo pudesse ser tão adaptável às mudanças e pudesse criar tão rápidas soluções aos obstáculos que surgissem. O capitalismo não é rígido, está sempre se movendo e criando formas de trabalho, ocupações, na mesma rapidez que extingue outras.

De todo modo, inegável que as condições de trabalho e vida estão piorando ao longo dos anos, com aumento de desemprego, informalidade e uberização.

Emile Durkheim

Durkheim dedicou seus estudos à religião, mas também à sociologia institucionalizada. Após sua morte, em 1917, a sociologia tornou-se uma disciplina acadêmica, sendo levada às universidades, visto que antes de seu nascimento, em 1858, era praticada por aristocratas, revolucionários.

Durkheim foi o primeiro professor de sociologia em uma universidade europeia, em 1913. Em 1898 criou o primeiro jornal sociológico, e vários livros de sociologia, haja vista o desejo de institucionalizar a sociologia.

Era interessado no fenômeno do suicídio, para ele, um ato de desespero e isolamento, preparado na solidão, todavia, quando há grandes números de suicídios na sociedade, poder-se-ia identificá-lo como um fenômeno social. Assim, a ausência de toda uma disciplina econômica não pode deixar de estender seus efeitos além do mundo econômico propriamente e de introduzir consigo, por conseguinte, uma diminuição da moralidade pública[25].

Para ela, a principal importância da sociologia era compreender e resolver problemas típicos da modernidade.

A supremacia moral e material dita as regras de uma sociedade, e vai ser no direito que as variedades essenciais da solidariedade social serão encontradas, a despeito de o estudo da solidariedade pertencer à sociologia.

Uma regra, com efeito, não é somente uma maneira habitual de agir; é antes de tudo, uma maneira de agir obrigatória, isto é, subtraída, em alguma medida, ao arbítrio do individual. Ora, somente uma sociedade constituída goza da supremacia moral e material que é indispensável para fazer a lei para os indivíduos; pois é a personalidade moral que esteja acima das personalidades particulares é a que forma a coletividade. Somente ela, além disso, tem a continuidade e mesmo a perenidade necessária para manter a regra além das relações efêmeras que a encarnam diariamente. Além disso, seu papel não se limita simplesmente a erigir princípios imperativos os resultados mais gerais dos contratos particulares; mas ela intervém de maneira ativa e positiva na formação de toda a regra. [...] Portanto, uma regulamentação moral ou jurídica exprime essencialmente as necessidades sociais que a sociedade somente pode conhecer; ela repousa sobre um estado de opinião, e toda opinião é coisa coletiva, produto de uma elaboração coletiva[26].

É através do estudo da solidariedade que os fatos sociais serão conhecidos, por meio dos efeitos sociais que exercem na sociedade. Durkheim compara as ciências sociais à biologia, visto que semelhante à biologia, a sociologia se preocupa em identificar como a vida emerge da associação de células.

Portanto, se queremos saber em que consiste essencialmente o crime, é preciso depreender os traços que são idênticos em todas as variedades criminológicas dos diferentes tipos sociais. Não existe nenhum que possa ser negligenciado. [...] O biólogo teria dado uma definição muito inexata dos fenômenos vitais se tivesse desenhado a observação dos seres monocelulares; pois apenas da contemplação dos organismos e sobretudo dos organismos superiores, teria concluído falsamente que a vida consiste essencialmente na organização[27].

No seu primeiro estudo de impacto, a divisão do trabalho social, vai dizer que as pessoas são diferentes, tem diferentes objetivos, e a especialização decorrente de diferentes tipos de trabalho, funções sociais, tornaram os indivíduos de uma sociedade extremamente interdependentes.

Se frequentemente se fez consistir apenas na troca as relações sociais oriundas da divisão do trabalho, foi por ter desconhecido o que a troca implica e o que dela resulta. A troca supõe que dois seres dependam mutuamente um do outro, pois ambos são incompletos, e não faz senão traduzir exteriormente esta mútua dependência[28].

Nesse cotejo, a divisão do trabalho despertaria questões morais, tais como, se a divisão do trabalho decorre de uma lei natural, devemos ceder a ela ou resistir a ela? Para Durkheim, o papel da divisão do trabalho é tornar possível a sociedade, que sem essa divisão, não existiria (DURKHEIM, 1978, p.30)

Uma forma de atividade que tomou um tal lugar no conjunto da vida social não pode evidentemente permanecer até esse ponto desregrada sem que disso resultem os problemas mais profundos. Isto é uma fonte de desmoralização geral. Pois, precisamente porque as funções econômicas absorvem hoje o maior número de cidadãos, há uma quantidade de indivíduos cuja vida se passa quase que inteiramente no meio industrial e comercial; donde se segue que, como este meio não é senão debilmente impregnado de moralidade, a maior parte de sua existência transcorre fora de toda ação moral[29].

Para Durkheim, as relações cooperativas criam a solidariedade orgânica, que deriva não da consciência coletiva, mas da divisão do trabalho.

Para que a solidariedade orgânica surja, portanto, a consciência coletiva deve deixar intocada uma parte da consciência individual para que aí se estabeleçam funções especiais, que a própria consciência coletiva não pode tolerar; e quanto mais se estende essa região da consciência individual, mais forte é a coesão que resulta desse tipo particular de solidariedade[30].

Os fatos sociais emergem da associação de indivíduos, vez que ultrapassam a esfera dos interesses puramente econômicos, pois para ele, consiste no estabelecimento de uma ordem social e moral sui generis. A solidariedade social, para ele, é um fenômeno estritamente moral.

Para Durkheim, existem mortes que apresentam características particulares da própria vítima, resultando de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima. O elemento positivo se daria com o emprego de força muscular, violenta, ao passo que o negativo, quando recusar-se-ia a comer. A vítima faria ou deixaria de fazer algo que eliminaria sua vida. Durkheim procurou mostrar o quanto um evento tão individual como o suicídio pode ser explicado sociologicamente.

Todavia, o próprio Durkheim entende tal divisão incompleta, visto que as causas de morte situam-se fora de nós muito mais do que em nós só nos atingem se nos aventuramos em sus esfera de ação[31].

Durkheim chega à conclusão de que todas as vezes que arranjos sociais se modificam de maneira inesperada, há mais suicídios.

Toda ruptura de equilíbrio, mesmo que resulte em maior abastança e aumento da vitalidade geral, impele à morte voluntária. Todas as vezes que se produzem graves rearranjos no corpo social, sejam eles devidos a um súbito movimento de crescimento ou a um cataclismo inesperado, o homem se mata mais facilmente[32].

Para ele, haveria relação entre suicídio e ser casado ou solteiro, estabilidade econômica e o setor da sociedade em que o indivíduo ocupa. Durkheim usa um termo técnico para denominar suicídio egoísta como aquele resultante da falta de coesão social e laços sociais fracos.

Pela análise de dados, haveria relação da alta taxa de suicídio entre as pessoas solteiras, em detrimento das casadas.

A imunidade de que desfrutam os indivíduos casados só pode ser atribuída a uma das causas seguintes: Ou ela se deve à influência do meio doméstico. Então seria a família que, por sua ação, neutralizaria a propensão ao suicídio ou impediria a sua manifestação. Ou ela se deve ao que se pode chamar de seleção matrimonial. O casamento, com efeito, opera mecanicamente, no conjunto da população, uma espécie de triagem. Não se casa quem quer; tem poucas possibilidades de conseguir fundar uma família quem não reúne certas qualidades de saúde, de fortuna e de moralidade. Quem não as tem, a não ser que haja uma convergência excepcional de circunstâncias favoráveis, é então, queira ou não, relegado à classe dos solteiros, que acaba assim constituída por todo o dejeto humano do país[33].

Inegável que se mostra deveras forte esse trecho da obra de Durkheim, a despeito de o livro ter sido publicado em 1897.

Quanto ao suicídio altruísta, quando é desligado da sociedade, o homem se mata facilmente, e também se mata quando é integrado nela demasiado fortemente[34].

Nesse grupo, entrariam as viúvas, que frequentemente eram obrigadas a se matar devido a morte de seus maridos, de idosos que são afetados por doenças ou chegam ao limiar da velhice e o de servidores, que se matam por ocasião da morte de seus chefes, como ocorria em Gália. (DURKHEIM, 2000, p.271/272) Para Durkheim, é em vista de fins sociais que a sociedade impõe esse sacrifício[35]. Novamente se apresenta incomplacente ao dizer que:

Para que a sociedade possa assim coagir alguns de seus membros a se matar, é preciso que a personalidade individual, então, tenha muito pouca importância. Pois, assim que ela começa a se constituir, o direito de viver é o primeiro que reconhece; pelo menos, ele só é suspenso em circunstâncias muito excepcionais, como a guerra. Mas essa fraca individuação, por sua vez, só pode ter uma causa. Para que o indivíduo tenha tão pouco espaço na vida coletiva, é preciso que ele seja quase totalmente absorvido no grupo e, por conseguinte, que este seja muito fortemente integrado[36].

De acordo com Durkheim, as pessoas nunca estão satisfeitas. Assim, quanto mais tivermos mais iremos querer ter, sendo que as satisfações recebidas só farão estimular as necessidades, em vez de as aplacar[37].

Para ele, sem regulação os seres humanos não são capazes de harmonizar seus desejos.

Na medida em que os apetites não são automaticamente contidos por mecanismos fisiológicos, eles só podem se deter diante de um limite que reconheçam como justo. Os homens não consentiriam em limitar seus desejos se se julgassem no direito de ultrapassar o limite que lhes é designado[38].

Assim, pela ocorrência de crises econômicas, surgiria o suicídio anômico, contudo não somente a partir delas, visto a existência de suicídio devido à anomia conjugal, viuvez, divórcio, todo estado de crise que geraria uma ruptura com o estado anterior. Seria decorrente da cólera e tudo que em geral acompanha a decepção.

Um homem que é bruscamente lançado abaixo da condição a qual estava acostumado não pode deixar de se exasperar ao sentir escapar-lhe uma situação da qual se julgava senhor, e sua exasperação volta-se naturalmente contra a causa, seja qual for, real ou imaginária, a que atribui sua ruína. Se reconhecer a si mesmo como responsável pela catástrofe, irá condenar-se; senão condenará outra pessoa. No primeiro caso, haverá apenas o suicídio; no segundo, o suicídio poderá ser precedido de um homicídio ou de alguma outra manifestação violenta. Mas nos dois casos o sentimento é o mesmo, só varia o ponto de aplicação. É sempre num acesso de cólera que o indivíduo se mata, quer tenha antes matado ou não algum semelhante. Esse transtorno de todos os hábitos produz nele um estado de superexcitação aguda que tende necessariamente a se aliviar por meio de atos destrutivos. O objeto sobre o qual se descarregam as forças passionais assim sublevadas é, afinal, secundário. O acaso das circunstâncias determina o sentido em que elas se dirigem[39].

O aumento da taxa de suicídios não aumentaria por causa do empobrecimento, haja vista crises de prosperidade também aumentar índices de suicídio, mas guardaria relação com perturbações da ordem coletiva, que daria ensejo a crises individuais.

Para Durkheim, é a consciência coletiva que existia antes do seu nascimento, e ela que subsistirá após sua morte. A religião para ele, desempenharia o poder de reunir as pessoas, embora não seja produto da sociedade.

Uma das principais funções da religião seria fortalecer a coesão social, a regulação social e reparar os laços sociais, o que em sua visão, seria um antídoto contra egoísmo e anomias, que estaria por trás das crescentes taxas de suicídios.

Durkheim é considerado o pai da sociologia por tê-la introduzido nas universidades, a transformado em ciência acadêmica, defendendo um método próprio, de maneira que o sociólogo deveria entender os fatos da sociedade. Para ele, o Estado deveria organizar a vida social, defender liberdades individuais e promover justiça social.

Max Weber

Max Weber acreditava que as universidades levaram muito tempo para se afastar do controle da religião e por isso, essa autonomia devia ser mantida e fortalecida. Para ele, na pesquisa cientifica, devemos manter nossos valores sob controle, de maneira a não interferir nos resultados, a fim de que não produzam vieses.

Para Weber, se você não consegue separar seus valores políticos de suas pesquisas, você não pode ser considerado um cientista, pois a verdade científica é precisamente o que vale para todos os que buscam a verdade[40].

A sociologia (no sentido em que esta palavra altamente ambígua é usada aqui) é uma ciência que tenta a compreensão interpretativa da ação social para, assim, chegar a uma explicação causal de seu curso e efeitos. Na ação está incluído todo comportamento humano quando e na medida em que o indivíduo que age atribui a ele um significado subjetivo. A ação nesse sentido pode ser aberta ou puramente interna ou subjetiva; pode consistir em uma intervenção positiva em uma situação, ou em deliberadamente abster-se de tal intervenção ou concordar passivamente com a situação. A ação é social na medida em que, em virtude do significado subjetivo que lhe é atribuído pelo indivíduo (ou indivíduos) que age, leva em conta o comportamento dos outros e, assim, é orientado em seu curso[41].

Weber traz a concepção de ação social, uma ação é social porque direcionada a outra pessoa e a sociologia estuda as ações sociais. O sociólogo deve procurar entender por que certas pessoas e grupos agem de determinada forma em certas circunstâncias.

A este poder juridicamente garantido e limitado sobre as ações dos outros correspondem sociologicamente as seguintes expectativas: 1) que outras pessoas façam determinada coisa ou 2) que deixem de fazer determinada coisa - as duas formas de "pretensões" - ou 3) que uma pessoa pode fazer ou, se quiser, deixar de fazer determinada coisa sem intervenção de terceiros: "autorizações". Todo direito subjetivo é uma fonte de poder que, no caso concreto, devido à existência da respectiva disposição jurídica, pode também ser concedida a alguém que sem esta disposição seria totalmente impotente. Já por isso, a disposição jurídica é uma fonte de situações inteiramente novas no interior da ação social[42].

Para Weber, uma interpretação correta é aquela que o desenrolar externo e os motivos são conhecidos de forma exata, tenha nexo, o tipo ideal de ação social seria a realidade.

Para a sociologia, o objeto a ser investigado é a conexão de sentido das ações, não podendo o sociólogo ignorar os conceitos coletivos de estado, nação, corporação militar etc., visto nestes casos, referir-se ao curso da ação social dos indivíduos.

A sociologia constrói - o que já foi pressuposto várias vezes como óbvio - conceitos de tipos e procura regras gerais dos acontecimentos. Nisso contrapõe-se à história, que busca a análise e imputação causal de ações, formações e personalidades individuais culturalmente importantes. A conceituação da sociologia encontra seu material, como casos exemplares e essencialmente, ainda que não de modo exclusivo, nas realidades da ação consideradas também relevantes do ponto de vista da história. Forma seus conceitos e procura suas regras sobretudo também levando em conta se, com isso, pode prestar um serviço à imputação causal histórica dos fenômenos culturalmente importantes[43].

Para Weber, toda interpretação de significado e toda observação científica busca clareza e precisão. Para alcance da certeza, o método utilizado pode ser o racional, surgindo daí a lógica e matemática, ou emocional, também chamado apreciativa ou empática. A apreciativa ocorre quando entendemos o contexto emocional em que a ação se deu.

Para ele, a sociedade são os indivíduos que a compõe. O fato social é reduzido a um fato individual.

Para os propósitos de uma análise científica tipológica, é conveniente tratar todos os elementos irracionais, afetivamente determinados do comportamento como fatores de desvio de um tipo conceitualmente puro de ação racional. Por exemplo, um pânico na bolsa de valores pode ser analisado mais convenientemente tentando determinar primeiro qual teria sido o curso de ação se não tivesse sido influenciado por afetos irracionais; é então possível introduzir os componentes irracionais como responsáveis ​​pelos desvios observados deste curso hipotético. Da mesma forma, ao analisar uma campanha política ou militar é conveniente determinar em primeiro lugar o que teria sido um curso racional, dadas as finalidades dos participantes e o conhecimento adequado de todas as circunstâncias. Só assim é possível avaliar a significância causal dos fatores irracionais como responsáveis ​​pelos desvios desse tipo. A construção de um curso de ação puramente racional em tais casos serve ao sociólogo como um tipo (tipo ideal) que tem o mérito de clara compreensão e ausência de ambiguidade. Por comparação com isso, é possível entender as maneiras pelas quais a ação real é influenciada por fatores irracionais de todos os tipos, como afetos e erros, na medida em que explicam o desvio da linha de conduta que seria esperado na hipótese de que a ação era puramente racional[44].

Para Weber, existem quatro tipos de ações sociais, quais sejam, racional, que são justificados por argumentos racionais; irracional, que são atos motivados não pela razão, mas sim se desviam dela; emocional, que derivam das emoções, tais como alegria e raiva e tradicional, aquele que todos fazem porque já era feito dessa forma.

Os conceitos teóricos da sociologia são tipos ideais não apenas do ponto de vista objetivo, mas também em sua aplicação a processos subjetivos. Na grande maioria dos casos, a ação real ocorre em um estado de semiconsciência inarticulada ou inconsciência real de seu significado subjetivo. É mais provável que o ator esteja ciente disso em um sentido vago do que saiba o que está fazendo ou seja explicitamente autoconsciente sobre isso. Na maioria dos casos, sua ação é governada por impulso ou hábito. Apenas ocasionalmente e, na ação uniforme de um grande número, muitas vezes apenas no caso de alguns indivíduos, o significado subjetivo da ação, seja racional ou irracional, é trazido claramente à consciência[45].

Weber vai pontuar que a ação social racional cada vez mais deixa de lado os outros tipos de ação social e isso porque os indivíduos atingem seus objetivos de uma maneira cada vez mais emocionalmente desapegada e calculista.

Em todos os períodos da história, sempre que possível, houve uma aquisição implacável, vinculada a nenhuma norma ética. Assim como a guerra e a pirataria, o comércio muitas vezes tem sido irrestrito em suas relações com estrangeiros e pessoas de fora do grupo. A dupla ética permitiu aqui o que era proibido nas relações entre irmãos[46].

Weber vai mais além ao afirmar que o capitalismo favorece a sobrevivência do considerado mais apto. O capitalista tem como objetivo organizar a empresa de forma racional, malgrado o trabalhador continue vivendo mal, haja vista que quanto maiores salários, menores lucros.

Assim, o capitalismo de hoje, que passou a dominar a vida econômica, educa e seleciona os sujeitos econômicos de que necessita através de um processo de sobrevivência econômica do mais apto. Mas aqui pode-se ver facilmente os limites do conceito de seleção como meio de explicação histórica. Para que um modo de vida tão bem adaptado às peculiaridades do capitalismo pudesse ser selecionado, isto é, para dominar os outros, ele deveria se originar em algum lugar, e não apenas em indivíduos isolados, mas como um modo de vida comum a todo o mundo. grupos de homens[47].

Weber vai pontuar que o pagamento de salários baixos irá provocar uma menor eficiência, tendo em vista que o trabalho não é mais exercido como vocação e até os inaptos poderiam fazê-lo. No entanto, mesmo com baixos salários, encontrar mão-de-obra não é difícil.

De um ponto de vista puramente quantitativo, a eficiência do trabalho diminui com um salário fisiologicamente insuficiente, o que pode, a longo prazo, significar até a sobrevivência dos inaptos. [...] Hoje, o capitalismo, uma vez no comando, pode recrutar sua força de trabalho em todos os países industrializados com relativa facilidade. No passado, este era em todos os casos um problema extremamente difícil[48].

Weber era um grande admirador da burocratização porque é por meio da organização burocrática que as ações sociais são coordenadas, tais como sistema escolar, hospitais. A burocracia era formada por corpo técnico, selecionados por critérios racionais pela Administração

É através da burocracia, divisão de funções e seleção de pessoas capacitadas que a administração seria mais eficiente.

Para ele, ideias e convicções podem formar a base do esforço econômico.

Sobre a autora
Ana Carolina Rosalino Garcia

Advogada graduada em Direito pela Universidade Paulista (2008). Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção São Paulo desde 2009. Pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito (EPD). Possui MBA em Administração de Empresas com Ênfase em Gestão pela Fundação Getúlio Vargas - FGV / EAESP - Escola de Administração de Empresas de São Paulo. Pós-graduada em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

Informações sobre o texto

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