Vale ressaltar com todas as letras, com todo o valor semântico, sem grandes construções léxicas, que recomendações não são normas, são meros conselhos dados geralmente de pessoas mais experientes a pessoas mais jovens e inexperientes, são meros aconselhamentos, portanto, não são aventuras vinculativas. Ninguém é obrigado a obedecer a recomendação. A ausência de serviços e a arrogância de alguns órgãos que se apresentam como censores de outros são manifestações aberrantes e cabotinas de quem tem sede de holofotes. É preciso sair da órbita, da imensidão cósmica, das nuvens de algodão, deixar o mundo de fantasias, ilações pueris, inocência de crianças, pureza de menino e pousar num mundo de realidade, deixar de ser astronautas e fixar residência no Planeta Terra.
RESUMO. O presente artigo tem por objetivo principal analisar a febre das Recomendações Normativas no Brasil, considerando que alguns órgãos têm formulado essas famigeradas recomendações na esfera da Administração Pública. Visa, assim, estudar se essas Recomendações têm ou não valor normativo e vinculante entre órgãos diferentes.
Palavras-Chave. Recomendação; órgãos; valor; normativo; inocuidade.
INTRODUÇÃO
Tem sido muito frequente nos dias atuais no país Autoridades Administrativas editarem atos normativos em forma de Recomendações para disciplinar a funcionalidade operacional de órgãos diferentes, às vezes recomendando ações de condutas administrativas de essência discricionária ou por vezes recomendações com violações de raízes legais, assim, um ato boçal emanado de um órgão para outro, chegando ao absurdo de recomendar condutas totalmente contrárias às leis vigentes.
É certo que algumas recomendações podem até possuir valor elucidativo e por vezes preventivo, mas na sua grande maioria, despidas de fundamentos, de estruturas lógicas, de bases legais, normalmente expedidas com uma enorme carga de cabotinismo institucional, fruto de contorcionismos exegéticos de quem aprecia um bom tipo anatômico de narcisismo institucional.
Nos bancos da Academia, o professor de Direito Constitucional ensina com euforia acerca da dogmática do processo legislativo, e é claro, inevitavelmente fazendo menção ao texto do artigo 59 usque 75 da Constituição da República de 1988.
Assim, o Título IV da CF/88 estabelece a organização dos Poderes e logo no Capítulo I, enumera a estrutura, funções, comissões, reuniões, fiscalização contábil, financeira e orçamentária, além de outras do Poder Legislativo, o qual pertencente o processo legislativo.
Logo de cara é relevante emocionar que o artigo 59 da CF/88 aduz com extrema clareza que o processo legislativo compreende a elaboração de emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
De uma simples leitura, logo já percebe que as esdrúxulas Recomendações não aparecem no rol do artigo 59 do texto constitucional.
Também é verdade que se aprende nos bancos da Faculdade que num Estado Democrático de Direito o cidadão tem a obrigação de cumprir leis ou decisões judiciais. Outrossim, é verdade que em determinadas culturas impõe-se obrigação moral de se cumprirem comportamentos culturais, próprios dos costumes de uma sociedade, cuja desobediência às normas morais postas, pode implicar censura, deboche ou qualquer ato de aversão ao comportamento desviante.
Para quem não sabe porque lamentavelmente perdeu as aulas do Curso de Direito no dia, por motivos vários, é bom saber que as raízes do estado legal e social, vem dos tempos remotos. Assim, torna-se imperioso salientar que se previu no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789 que a liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei. Nessa mesma concepção, o artigo art. 5º da mesma Declaração, previa que a lei não proíbe senão as ações nocivas à sociedade. Tudo que não é vedado pela lei não pode ser obstado e ninguém pode ser constrangido a fazer o que ela não ordene
Sabe-se que direito positivo brasileiro, o princípio da legalidade foi devidamente consagrado desde a Constituição Imperial, de 1824, cujo art. 179, I, que determinava que nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer, ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de Lei.
Assim, é certo frisar que ninguém pode ser preso ou processado sem o devido processo legal, artigo 5º, LIV, CF/88, porque também se apreende nas Universidades que todo cidadão está sujeito ao princípio da legalidade, presente em nosso meio desde o artigo 39 da Magna Carta de João Sem Terra de 1225, e hodiernamente, estampado nos artigos 5º II e XXXIX da Constituição Federal c/c artigo 1º do Código Penal, in verbis:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Conforme se frisou em epigrafe, o artigo 39 da Magna Carta de João Sem Terra é uma das cláusulas de maior relevância, a saber:
Nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de uma propriedade, ou tornado fora-da-lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da terra.
Nem mesmo o vazio normativo em face da negligência de quem deveria formatar a norma, autoriza outro órgão a fazê-lo, ainda mais expedindo Recomendações com o capuz da legalidade, sob pena de se transformar ainda mais essa bagunça generalizada em caos, invariavelmente é o que que assistimos em nossa sociedade dita como moderna, mas sabidamente hipócrita.
O ativismo exagerado conduz inexoravelmente um modelo preestabelecido numa atrofia sem limites e sem tamanho. É preciso romper validades, obstar invasões, afastar usurpações e agressões de Instituições que se intitulam de salvadores da Pátria, porta-vozes da razão, palatinos da Ética, do Direito, modelos de honra, sendo certo afirmar que atualmente não existe nenhuma Instituição totalmente consolidada no Brasil, todas sofrem do mal do desvio e da exuberância do gasto público, todas ou a grande maioria querem assumir o papel de Santidade numa sociedade quebrada, defeituosa, egoísta e mal acostumada, arriscando a soltar a parêmia popular segundo a qual a primeira regra para se viver bem no meio social é calçar as sandálias da humildade, vestir as indumentárias da sensatez, tudo isso para usufruir-se da paz social, do conforto da realidade, isso para não indagar sobre aquela pergunta chave, que se faz mister questionar, em que mundo você vive?
REFLEXÕES FINAIS
Depois da breve exposição em epígrafe é possível afirmar que vivemos numa sociedade obediente às leis, infelizmente, normas emanadas dos homens, portanto, imperfeitas, normas de conveniência, elaboradas na maioria das vezes em face da pressão social, leis simbólicas e esquizofrênicas, editadas com a chave da boçalidade e da arbitrariedade. É correto afirmar que o modelo de Estado é tripartite, Executivo, Legislativo e Judiciário, cada um exercendo suas funções nos limites da lei, aquele vetusto modelo de Montesquieu.
Voltando ao tema das Recomendações, vale salientar que todo grande homem sempre foi um bom filho. Dessa forma, um bom filho sempre atendeu as importantes recomendações dos pais. Quem não se lembra? Filho, cuidado com as más companhias, você tem que estudar, filho, respeite os mais velhos, seja educado, obediente, não use drogas, não seja pirracento, e tantas outras recomendações.
Como as Recomendações são sempre de bom tom, sempre têm carga positiva, deixo aqui algumas recomendações, e quem quiser pode cumpri-las, caso contrário, continue pirracento, e nosso muito obrigado. Nessa toada, devem-se fazer algumas Recomendações. Primeira Recomendação. Vivemos numa sociedade verdadeiramente líquida, dinâmica, fugaz, passa tudo muito rápido. Num piscar de olhos, estamos diante de uma mutação, o ontem se foi e hoje é uma realidade, o amanhã é sempre uma incógnita, a velocidade assusta o próprio espaço em que se vive. O tempo é muito exíguo. Por isso, cuide de suas obrigações, e se tiver à toa procure algo a fazer, pois o trabalho dignifica o homem.
Segunda Recomendação. O livre arbítrio nos proporciona um destino a ser trilhado no processo de escolhas, o homem é produto de ações virtuosas ou desviantes. O cidadão pode apaixonar exuberantemente em fazer leis, aplicar, julgar, investigar, ou se meter a fazer tudo, atropelando tudo o que se encontra pela frente. Nesse sentido, caso queira elaborar leis e normas, participar do processo legislativo, você deve concorrer a uma cadeira no Legislativo. Com a sua força laborativa, você guerreiro, poderá ajudar a elaborar leis federais, estaduais, distritais ou municipais de acordo com a sua preferência.
Talvez a última Recomendação de tantas outras que poderiam ser elaboradas. Não estude somente para o concurso público. A vida é muito dinâmica e tudo se transforma. Ninguém pode ser considerado o dono do mundo ou pensar levianamente que seja um semideus. A limitação do Poder do Estado é uma garantia do cidadão. Não existe hierarquia entre os Poderes, porque vigora entre nós o adágio segundo o qual, cada símio da ramificação arbórea que lhe compete.
É correto afirmar que uma Recomendação Normativa é sempre de bom alvitre se emanada para uniformizar projetos, ações operacionais, rotina, procedimento padrão, além de outras finalidades, evidentemente no mesmo órgão. Assim, uma Secretaria de Educação ou de Segurança pode elaborar uma Recomendação para disciplinar o bom andamento da rotina administrativa.
Agora uma Recomendação Normativa emanada de um órgão para disciplinar a rotina de um outro de esfera diferente é monstruosa e estratosférica, é ilegal e teratológica, uma grande e forte agressão ao Estado Normativo de Direito, é conduta configuradora de improbidade administrativa por afrontar com pena de morte o princípio da legalidade, artigo 11 da Lei nº 8.429/92.
Para finalizar esse pequeno ensaio, inspirado e embalado pela encantadora Caeté, mato verdadeiro na Vila Nova da Rainha, diga-se, caso queira viver bem, sob os acordes de uma bela ária, na sinfonia dos chilreios de um belo colibri, recomenda-se que cumpram-se as leis e as decisões judiciais, lembrando que ambas ainda poderão ser arguidas de inconstitucionalidade ou injustas, e caso entenda por bem também cumprir as Recomendações extralegais, analise-as, cuidadosamente, e se entender que não devam cumprir essas recomendações, faça como Sandra de Sá, é, cansei já não dá mais, você pisou demais, para frente é que se anda. A vida leva e traz, a paz que eu quero ter, eu sei que vai ser duro, mas tenho que esquecer, vou jogar fora no lixo, vou jogar fora no lixo...