O novo tipo incriminador é denominado Violência Institucional inserido no artigo 15-A por meio da Lei n. 14.321, de 31 de março de 2022, inovando a Lei de Abuso de Autoridade n. 13.869, de 5 de setembro de 2019, cuja vigência nos termos do artigo 8º, caput, da LC n. 95/1998 iniciar-se-á a partir da publicação, constando ipsis litteris:
"Violência Institucional
Art. 15-A. Submeter a vítima de infração penal ou a testemunha de crimes violentos a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve a reviver, sem estrita necessidade:
I - a situação de violência; ou
II - outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou estigmatização:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
§ 1º Se o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena aumentada de 2/3 (dois terços).
§ 2º Se o agente público intimidar a vítima de crimes violentos, gerando indevida revitimização, aplica-se a pena em dobro."
Conforme consta no artigo 1º, § 1º da Lei n. 13.869/2019 as condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
A partir dessa constatação, depreendemos que para incidir o novo crime de violência institucional, deve subsistir o elemento determinante ou anímico doloso somando-se a condição especial ou a finalidade específica de prejudicar a vítima ou a testemunha de infrações penais de natureza violenta a submeterem-se a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos, que a leve reviver, sem estrita necessidade, situação de violência ou outras situações potencialmente geradoras de sofrimento ou de estigmatização.
O crime em questão é considerado de menor potencial ofensivo, sujeitando-se ao procedimento sumaríssimo do Juizado Especial Criminal, conforme dicção do artigo 61 ["Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa"] da Lei n. 9099, de 26 de setembro de 1995, tratando-se de um crime próprio ou adjetivado, que exige uma qualidade especial do sujeito ativo, no caso, deve ser agente público.
Conforme dispõe o artigo 2º da Lei n. 13.869/2019, abaixo transcrito:
"É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II - membros do Poder Legislativo;
III - membros do Poder Executivo;
IV - membros do Poder Judiciário;
V - membros do Ministério Público;
VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.
Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo".
Porventura, o agente público permitir que terceiro intimide a vítima de infrações penais violentas, gerando indevida revitimização, aplicar-se-á a majorante fixa de 2/3 (dois terços).
Ainda, se o agente público intimidar a vítima de infrações penais violentas, gerando indevida revitimização, aplicar-se-á a pena em dobro valorando a pena de detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.
É sabido que o legislador já algum tempo proibira a revitimização da vítima em casos em que contrarie a moralidade ou a ordem pública, conforme denota-se no artigo 7º do Decreto-Lei n. 3.689 Código de Processo Penal vigente, de 3 de outubro de 1941, in verbis:
"Para verificar a possibilidade de haver a infração sido praticada de determinado modo, a autoridade policial poderá proceder à reprodução simulada dos fatos, desde que esta não contrarie a moralidade ou a ordem pública".
Nesse sentido, desde a década de 40 no século XX o ordenamento brasileiro tem um impedimento legal de não submeter a vítima ou a testemunha ou o autor, a procedimentos desnecessários, repetitivos ou invasivos desnecessariamente.
A despeito de tal previsão legal, não subsumia-se a um tipo penal específico, sujeitando-se a ilações e ao temperamento dos intérpretes da persecução criminal sob o risco da inobservância da estrita legalidade penal ou do mandado de certeza.
Despiciendo, mas relevante relembrar, caso algum agente público esteja sendo investigado ou processado por fato análogo, cuja pena seja mais grave, por força do princípio da retroatividade da lei penal mais benéfica, insculpido no artigo 5º, inciso XL, da CR/88 reverberado no parágrafo único do artigo 2º do Decreto-Lei n. 2.848- Código Penal Brasileiro, de 07 de dezembro de 1940, poderá ser beneficiado penalmente, conforme abaixo aduzido:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu".
"Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória".
"'Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado (grifo meu)'".
Sendo assim, em face dessas ponderações, fitando sanar tal omissão o legislador inseriu esse novo tipo penal para responsabilizar os agentes públicos que revitimizarem, desnecessariamente, sobretudo, aquelas vítimas de crimes contra a dignidade sexual, que, muitas vezes, são pessoas vulneráveis, infantes, adolescentes ou adultos, que sofreram uma agressão de modo covarde e clandestino, e, assim, inexistindo imagens ou testemunhas do desdobramento fático e a única fonte probatória essencial para aquilatação e convencimento da autoridade policial ou judicial é a palavra da vítima que possui extrema relevância, e, nesse momento, deve ser sopesada com enorme respeito avaliando todas as circunstâncias reportadas pela pessoa ofendida, conforme remansosamente vem sustentando a jurisprudência abaixo transcrita:
"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. SENTENÇA CONDENATÓRIA. DECISÃO REFORMADA PELO TRIBUNAL A QUO POR INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. RESP INADMITIDO NA ORIGEM. ARESP CONHECIDO E RESP PARCIALMENTE PROVIDO. RETORNO DOS AUTOS AO TRIBUNAL ESTADUAL PARA PROSSEGUIMENTO NO JULGAMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO DA DEFESA. SÚMULA 7/STJ. INOCORRÊNCIA NA ESPÉCIE. VALOR PROBATÓRIO DA PALAVRA DA VÍTIMA. RELEVÂNCIA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. Não se pode olvidar que, concluindo as instâncias ordinárias, soberanas na análise das circunstâncias fáticas da causa, que não haveria provas suficientes para a condenação do réu, chegar a entendimento diverso, implicaria revolvimento do contexto fático-probatório, inviável em sede de recurso especial, a teor do enunciado n. 7 da Súmula do STJ.
2. Tal hipótese, contudo, não ocorre, uma vez que as conclusões do magistrado sentenciante e do Tribunal estadual divergiram frontalmente não quanto a existência da prova para a condenação, mas em sua melhor valoração.
3. Ora, [a] errônea valoração da prova que enseja a incursão do Superior Tribunal de Justiça na questão é a de direito, ou seja, quando decorre de má aplicação de regra ou princípio no campo probatório e não que se colham novas conclusões acerca dos elementos informativos do processo. (AgInt no AREsp 1383629/SC, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 13/05/2019, DJe 21/05/2019).
4. Com efeito, a jurisprudência desta Corte Superior é firme em admitir que se promova a requalificação jurídica dos fatos ou mesmo a revaloração da prova. Trata-se, por certo, de expediente distinto do reexame vedado pelo Enunciado Sumular de nº 7 do STJ.
5. Assim, atribuir valor jurídico a prova incontroversa produzida sobre o crivo do contraditório e do devido processo legal não fere a competência das instâncias ordinárias ou caracteriza usurpação da competência desta Corte.
6. De mais a mais, [a] palavra da vítima, como espécie probatória positivada no art. 201 do Código de Processo Penal, nos crimes praticados à clandestinidade no âmbito das relações domésticas ou nos crimes contra a dignidade sexual, goza de destacado valor probatório, sobretudo quando evidencia, com riqueza de detalhes, de forma coerente e em confronto com os demais elementos probatórios colhidos na instrução processual, as circunstâncias em que realizada a empreitada criminosa (AgRg no AREsp n. 1.275.084/TO, Rel. Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 28/5/2019, DJe 5/6/2019
7. No caso, portanto, não há falar em insuficiência de provas, uma vez que, conforme fundamentado pelo magistrado sentenciante, não há dúvidas acerca da autoria e materialidade das condutas praticas pelo réu contra a menor que relatou com precisão os ocorridos. Importante gizar, outrossim, que as demais provas produzidas em Juízo, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, corroboram tais relatos da vítima.
8. Agravo regimental não provido.
(AgRg nos EDcl no AREsp 1935727/PR, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 16/11/2021, DJe 19/11/2021)".
Nesse diapasão, em que pese a relevância desse novo dispositivo que tem por desiderato evitar o sofrimento desnecessário de vítimas de infrações penais com naturezas graves em que o sujeito ativo é o agente público, preponderantemente, aqueles que laboram no sistema de justiça criminal diuturnamente.
Inobstante, vale ressaltar numa concepção realística contemporânea, de que outros tipos de revitimizações vivenciadas pelas vítimas não são provocadas diretamente pelos agentes públicos do segmento de justiça criminal, mas sim, impingíveis aos próprios legisladores, que deveriam deliberar sobre o modo de prevenirem aqueles sistemáticos crimes graves, que, incansavelmente, assolam a sociedade ordeira, amiúde, divulgados na mídia, tais como, roubo, extorsão, latrocínio, homicídio, tráfico ilícito de drogas e seus reflexos, cujas vítimas sofrem traumas e consequências indeléveis.
Nessa trilha, aos seus algozes deveriam ser infligidos sanções penais (pena ou medida de segurança) em conformidade com as consequências do crime suportadas pelas vítimas - CP, art. 59 -, inversamente proporcional, de acordo com a gravidade do delito perpetrado, inadmitindo a famigerada leniência da legislação contendo inúmeros benefícios imorais, inconcebíveis em legislações alienígenas, que refletem uma sensação de impunidade e de revitimização às vítimas e, consectariamente, não se alcança a almejada correção do condenado, conforme vem ensinando Cesare Bonesana Becaria, desde 1764, de que o crime deve ser castigado de acordo com o mal causado à sociedade, de modo que mais fortes devem ser os obstáculos que afastam os homens dos crimes.
Imperioso destacar ainda, a atual e ineficaz aplicação desenfreada de medidas e/ou penas alternativas à prisão, descompromissadas com a ressocialização e com a finalidade preventiva de crimes - medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 319); acordo de não persecução penal (CPP, art. 28-A); penas restritivas de direitos (Lei 9.099/95, art. 76); suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95, art. 89) -, adotando-se uma "teoria do risco e do faz de conta", porquanto os transgressores da lei não se sujeitam, efetivamente, a nenhum tipo de fiscalização pelo poder público e, tal omissão, serve de estímulo ao descrédito da Justiça, cujas medidas tem se revelado incompatíveis com o analfabetismo estrutural e funcional brasileiro refletido com a elevação da criminalidade brasileira.
Desse modo, urge adotar medidas públicas comprometidas com o verdadeiro interesse social, principiando com a readequação dos órgãos de controle formais da criminalidade - polícia, ministério público, poder judiciário e sistema penitenciário -, que necessitam de ajustes mirando às prementes necessidades sociais e os desassossegos epidêmicos experimentados nesse últimos tempos, agindo de modo integralizado e harmonizado na condição de escudo da sociedade e obstáculo aos delinquentes, primando por uma sociedade politicamente organizada regida por leis, resguardando a dignidade humana, direitos e garantias fundamentais estampados na Carta Cidadã, de 05 de outubro de 1988.
Ao fim e ao cabo, não menos importante, impõe-se incentivar aos cativos os valores do trabalho para a própria subsistência e de sua família de modo digno, fomentado com imprescindíveis políticas estatais de segurança pública e de consentânea isenção tributária aos empregadores desse segmento em constante convalidação, à semelhança, do sistema de recuperação de ex-detentos assentado em países desenvolvidos (EUA), evitando-se a subcontratação dessa mão de obra pelo estado paralelo do crime organizado, e, assim, certamente, o Estado-Social, cumprirá com seu papel garantidor previsto na Constituição, nos Tratados Internacionais Humanitários e à luz da diretriz gizada na Lei de Execução Penal Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984, que dispõe:
"Art. 1º A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado".