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O EXCESSO DE EXECUÇÃO PARA HIPOSSUFICIENTES OCASIONADO PELO IMPEDIMENTO DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE DECORRENTE DO INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA

O presente trabalho teve como objetivo estudar a pena de multa como motivadora de excesso de execução penal para hipossuficientes, com foco no conceito de extinção de punibilidade na execução penal.

RESUMO

O presente trabalho teve como objetivo estudar a pena de multa como motivadora de excesso de execução penal para hipossuficientes, com foco no conceito de extinção de punibilidade na execução penal. Para alcançar os objetivos pretendidos, utilizou-se o método dedutivo, com pesquisas bibliográficas, sítios virtuais e jurisprudências. Após estudos feitos, chegou-se à conclusão de que a onerosidade do Judiciário em reconhecer a impossibilidade de egressos hipossuficientes cumprirem com a pena de multa ocasionou excesso de execução penal, e que os prejuízos causados somente serão superados após provocação nas Varas de Execução Criminal para que apliquem o novo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Palavras-chaves: execução; hipossuficiente; pena de multa; punibilidade.

 

ABSTRACT

The present work aimed to study the fine penalty as a motivator of excess of penal execution for the poor, focusing on the concept of extinction of punishment in the penal execution. To achieve the intended objectives, the deductive method was used, with bibliographical research, virtual sites and jurisprudence. After the studies made, the conclusion was reached that the onerousness of the Judiciary in recognizing the impossibility of poorly offenders to comply with the fine penalty caused excessive penal execution, and that the damage caused will only be overcome after provocation in the Criminal Execution Courts to apply the new understanding of the Superior Court of Justice.

 

Keywords: execution; poor; fine penalty; punishability.

 

1              INTRODUÇÃO

Após redação dada ao artigo 51 do Código Penal pela lei nº 9.268/1996, a pena de multa passou a ser considerada dívida de valor, sendo aplicáveis as normas relativas à Fazenda Pública, não podendo ser convertida em pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

A partir de então, surgiram várias discussões quanto à competência da execução da pena de multa. Todavia, no ano 2018, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento na ADI nº 3150/DF de que a pena de multa deve ser executada pelo Ministério Público no juízo de Execução Penal.

Posteriormente, em 2019, o Pacote Anticrime (Lei 13.964/19) trouxe nova redação ao artigo 51 do Código Penal, estabelecendo que a competência da execução da pena de multa é do juízo de Execução Penal, encerrando a discussão que se prolongava desde a alteração de 1996.

Com a nova alteração legislativa, o Superior Tribunal de Justiça adequou seu entendimento, passando a sustentar que o inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade do agente antes do seu recolhimento aos cofres públicos. A decisão refletia possível excesso de execução penal para as pessoas denominadas hipossuficientes, ocasionado pelo impedimento da extinção de punibilidade decorrente do inadimplemento da pena de multa. Para melhor compreensão do assunto, é preciso entender o que é a pena de multa, o que é a extinção de punibilidade na execução penal e qual a relação entre elas.

Grande parte das pesquisas sobre a pena de multa versa sobre a competência ou natureza jurídica desta. Não há ampla pesquisa no sentido de considerar os efeitos dessa pena na condenação, sobretudo dos hipossuficientes. Preocupa-se com o cumprimento das penas impostas em sentença condenatória, mas pouco se debate sobre a reinserção do condenado na sociedade.

Essas questões refletem diretamente na população mais carente. Vale ressaltar que as unidades prisionais brasileiras são majoritariamente ocupadas por pessoas hipossuficientes, e que na maioria dos casos não conseguirão arcar com o pagamento da pena de multa.

Em novembro de 2021 o STJ, provocado pela Defensoria Pública de São Paulo, revisou a tese do Tema 931, fixando entendimento de que a multa não impede a extinção da punibilidade para condenado que não pode pagá-la. O Ministro Rogério Schietti reconheceu em seu voto que o impedimento da extinção de punibilidade estava causando graves malefícios aos desencarcerados hipossuficientes. Porém, a decisão foi tardia, o que não impossibilitou que ocorressem excessos de execução durante o período em que o entendimento anterior foi aderido pelas Varas de Execução Criminal do país.

A questão problema que será abordada no presente artigo é o excesso de execução penal para condenados hipossuficientes ocasionado pelo impedimento da extinção de punibilidade decorrente do inadimplemento da pena de multa, visto que a maior parte da população carcerária é composta de pessoas hipossuficientes.

O presente artigo tem como objetivo avaliar a pena de multa como motivadora de excesso de execução penal para hipossuficientes, descrevendo o que é a extinção de punibilidade na execução penal, estudando o cumprimento da pena de multa entre os condenados hipossuficientes e analisando o excesso de execução penal ocasionado pelo inadimplemento da pena.

 

2                   DA PENA DE MULTA

 

A pena de multa é uma das penas previstas no art. 5º, XLVI da Constituição Federal e no Código Penal Brasileiro. Trata-se de sanção penal em que é determinada uma quantia calculada em dias-multa, imposta em sentença condenatória que deverá ser paga pelo condenado e destinada ao Fundo Penitenciário. Pode ocorrer de forma isolada ou cumulada com pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos.

A aplicação da pena de multa está inserida no art. 49 do Código Penal, estabelecendo os critérios de distribuição. O artigo dispõe que o magistrado deve determinar o número de dias-multa, sendo o mínimo de 10 (dez) dias e máximo de 360 (trezentos e sessenta dias); posteriormente deve determinar o valor do dia-multa, sendo que este não pode ser inferior a 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário.

Para Masson, seguindo a corrente de Roberto Lyra, a aplicação da pena de multa segue o sistema bifásico. Na primeira fase o magistrado estabelece o número de dias-multa utilizando o mesmo critério de aplicação da pena privativa de liberdade para defini-los; na segunda fase o magistrado fixa o valor de cada dia-multa, valendo-se do disposto no art. 49, §1º do CP. (MASSON, 2019, p. 791).

Para Bitencourt, seguindo a corrente de Nélson Hungria, a aplicação da pena de multa segue sistema trifásico. Na primeira fase se estabelece o número de dias-multa considerando todos os critérios de aplicação da pena, como agravantes, atenuantes, causas de aumento e diminuição de pena, bem como as circunstâncias judiciais. A segunda fase é marcada pela busca por determinar o valor do dia-multa. Nesta fase, Bitencourt defende que deve ser considerada apenas a condição econômica do réu, em conformidade com o art. 60 do CP. A terceira fase dependerá também da condição econômica do acusado. Bitencourt afirma que somente acontecerá quando aplicado o previsto no art. 60, § 1º do CP, que ocorre quando a multa não é eficaz em decorrência da condição financeira do condenado. (BITENCOURT, 2020, p. 1724).

Embora estabeleça o art. 60 do Código Penal que a aplicação da pena de multa deve considerar a situação econômica do réu, em outros dispositivos prevê que os dias-multa podem ultrapassar o disposto no art. 49 do CP, como é o caso do artigo 36 da Lei 11.343/06 (Lei de Drogas):

 

Art. 36. Financiar ou custear a prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 desta Lei:

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 20 (vinte) anos, e pagamento de 1.500 (mil e quinhentos) a 4.000 (quatro mil) dias-multa.

 

A pena pecuniária é cumulada com pena privativa de liberdade no caso de crimes contra o patrimônio e tráfico de drogas. Vale ressaltar que esses são os crimes que mais resultam em prisão no Brasil, segundo dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (SISDEPEN), sendo 40,96% da população carcerária detida por crimes contra patrimônio e 29,91% por drogas.

Ademais, os infratores responsáveis por estes crimes são pobres. Com efeito, a maior parte dos presos no Brasil é constituída de pessoas de baixa renda segundo dados do DEPEN. Considerando que estes detentos representam mais de 50% da população carcerária no Brasil, é importante analisar se os condenados possuem condições de arcar com a pena de multa e como se dá sua aplicação.

No cotidiano judicial é possível perceber decisões de magistrados que não levam em consideração a condição econômica dos réus para fundamentar o valor da pena de multa, ou seja, há condenados com penas extravagantes que beiram à incapacidade total de pagamento.

Além disso, os Tribunais Superiores assentaram que incide o princípio da insignificância nos crimes tributários federais e de descaminho quando o débito tributário não ultrapassar o limite de R$ 20.000 (vinte mil reais). Assim, é questionável se o princípio da insignificância também não seria cabível nas penas de multa cumuladas com crimes patrimoniais e de drogas.

 

2.1        CUMPRIMENTO DA PENA DE MULTA

 

Com a alteração legislativa trazida pela Lei nº 9.268/96, a doutrina brasileira se dividiu quanto à competência para a execução da pena de multa. Parte majoritária da doutrina defendia que a pena pecuniária deveria ser executada pela Fazenda Pública, visto que se trata de dívida ativa.

Neste sentido, Capez interpreta:

Transitada em julgado a sentença condenatória, o valor da pena de multa deve ser inscrito como dívida ativa em favor da Fazenda Pública. A execução não se procede mais nos termos dos arts. 164 e s. da Lei de Execução Penal. Devendo ser promovida pela Fazenda Pública, deixa de ser atribuição do Ministério Público, passando a ter caráter extrapenal. (CAPEZ, 2006, p. 420)

Outra parte da doutrina defende que é atribuição do Ministério Público executar a pena de multa na Vara de Execuções Penais (NUCCI, 2019, p.205), pois, apesar de se tratar de dívida de valor, continua sendo consequência jurídica do crime, visto que esta dívida está atrelada à condenação imposta em sentença criminal.

Com o julgamento da ADI nº 3150/DF, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a lei 9.268/96 não retirou da pena de multa o caráter de sanção criminal, sendo o Ministério Público responsável por promover a execução da pena de multa perante a Vara de Execução Criminal, observando os artigos 164 e seguintes da Lei de Execução Penal. Porém, determinou a legitimidade subsidiária da Fazenda Pública após o prazo de 90 dias, caso ocorra inércia do Ministério Público para a cobrança da multa.

Encerrando a discussão, a Lei 13.964/19 (Pacote Anticrime) alterou a redação do artigo 51, passando a vigorar o seguinte texto:

Art. 51. Transitada em julgado a sentença condenatória, a multa será executada perante o juiz da execução penal e será considerada dívida de valor, aplicáveis as normas relativas à dívida ativa da Fazenda Pública, inclusive no que concerne às causas interruptivas e suspensivas da prescrição.

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            A sanha por garantir que a pena pecuniária seja executada decorre da pretensão de punir os ditos crimes do colarinho-branco, em que a multa atua com o fito de reprovar e punir a conduta do agente que enriquece com o lucro criminoso. (BITENCOURT, 2020, p. 1741) O intuito do Supremo Tribunal Federal, e, posteriormente, do legislador ao alterar o artigo 51 do Código Penal é garantir a eficácia da cobrança de pena de multa em crimes cometidos pela elite. Crimes de colarinho-branco e contra a administração pública representam grande perda patrimonial e rombo aos cofres públicos, por exemplo, nos crimes de corrupção. Conseguir que estes crimes sejam punidos atingindo os lucros adquiridos parece ser a melhor forma de intimidar aqueles que se interessam em cometê-los.

          Ocorre que o efeito provocado foi de punição da pobreza, visto que a maior parte dos condenados por crimes em que a pena pecuniária é aplicada concomitantemente à pena privativa de liberdade é constituída de miseráveis que não conseguirão trabalho durante o cumprimento de pena para adimplirem com a multa.

 

2.2              DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE

 

Para maior compreensão do assunto, cabe uma breve explicação do que é a extinção de punibilidade. Esta está prevista no art. 107 do Código Penal Brasileiro e trata da perda do ius puniendi pelo Estado. Somente depois de extinta a punibilidade do agente é possível que os processos sejam baixados. No presente artigo, a hipótese de extinção de punibilidade abordada ocorre na fase de Execução Penal e está prevista no art. 66, inciso II da Lei nº 7210/84 (Lei de Execução Penal).

Trata-se de extinção de punibilidade por cumprimento integral da pena, que ocorre quando o condenado finda o cumprimento da pena imposta em sentença condenatória e tem sua extinção de punibilidade reconhecida pelo juiz da Vara de Execução Penal. É necessária para que o processo de execução penal seja baixado, e, enfim, seja finalizada a condenação imposta.

A extinção de punibilidade se faz necessária para que o condenado consiga reaver seus direitos civis que ficaram suspensos durante o cumprimento de pena devido à condenação criminal. Somente após cessar a pretensão executória do Estado será possível que o egresso do sistema consiga retornar à vida civil sem o estigma de condenado.

Por tratar do fim do processo criminal, fica clara a importância da extinção de punibilidade para o condenado. É através dela que ele poderá finalmente desvincular-se do crime cometido, readquirir todos os direitos próprios da cidadania e reingressar na sociedade.

 

3       O INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA E A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE: POSICIONAMENTO DO STF E STJ

Em 2015, no julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia nº 1.519.777/SP, tema repetitivo 931, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que "nos casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade".

Após o entendimento do STF na ADI nº 3150/DF e da atualização normativa promovida pelo pacote anticrime, o Superior Tribunal de Justiça afetou e revisou a tese do Tema 931 dos recursos repetitivos, definindo novo entendimento para a possibilidade de extinção da punibilidade por cumprimento de pena sem adimplemento da pena de multa.

Em janeiro de 2021 o STJ passou a entender que o inadimplemento da pena de multa obsta o reconhecimento da extinção de punibilidade, nos casos em que há condenação concomitante de pena privativa de liberdade e pena pecuniária:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DE TESE. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE. COMPREENSÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI N. 3.150/DF. MANUTENÇÃO DO CARÁTER DE SANÇÃO CRIMINAL DA PENA DE MULTA. PRIMAZIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO ART. 51 DO CÓDIGO PENAL. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (REsp n. 1.519.777/SP, Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 10/9/2015), assentou a tese de que "[n]os casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". 2. Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 (Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public.6/8/2019), o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019. 3. Recurso especial não provido para manter os efeitos do acórdão que reconheceu a necessidade do integral pagamento da pena de multa para fins de reconhecimento da extinção da punibilidade, e acolher a tese segundo a qual, na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Assim, a extinção de punibilidade na execução penal passou a ser determinada somente após quitação da pena de multa ou prescrição.

O posicionamento do STJ mudou os rumos da execução penal, pois a multa não paga passou a influenciar na liberdade do condenado. A dívida de valor resultou no impedimento e restrição de direitos como sursis e reconhecimento da extinção da punibilidade penal. Impedindo que o cumprimento da pena seja reconhecido pelas varas de execução criminal, a pena de multa acaba por prolongar a privação de liberdade. (BRITO, 2020, p. 250).

O não reconhecimento da extinção de punibilidade resulta em excesso de execução penal para o condenado, visto que sem a determinação da extinção de punibilidade fica ele impossibilitado de retomar sua vida social.  

Os prejuízos causados foram visíveis nas Varas de Execução Criminal do país. A Defensoria Pública de São Paulo propôs revisão da tese por meio do Recurso Especial nº 1.785.861-SP, buscando que seja extinta a punibilidade do agente que cumpriu toda a pena corporal e não adimpliu a pena de multa, nos casos em que o condenado é comprovadamente pobre.   

Em novembro de 2021, acolhendo o requerido pela Defensoria Pública, o Ministro Rogério Schietti votou pelo provimento do Recurso Especial nº 1.785.861-SP, revendo o entendimento consolidado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça no Tema Repetitivo 931, valendo-se dos seguintes argumentos e fixando a tese:

EMENTA RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO PENAL. REVISÃO DE TESE. TEMA 931. CUMPRIMENTO DA SANÇÃO CORPORAL. PENDÊNCIA DA PENA DE MULTA. CUMPRIMENTO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE OU DE RESTRITIVA DE DIREITOS SUBSTITUTIVA. INADIMPLEMENTO DA PENA DE MULTA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. COMPREENSÃO FIRMADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO DA ADI N. 3.150/DF. MANUTENÇÃO DO CARÁTER DE SANÇÃO CRIMINAL DA PENA DE MULTA. PRIMAZIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA EXECUÇÃO DA SANÇÃO PECUNIÁRIA. ALTERAÇÃO LEGISLATIVA DO ART. 51 DO CÓDIGO PENAL. DISTINGUISHING. IMPOSSIBILIDADE DE CUMPRIMENTO DA PENA PECUNIÁRIA PELOS CONDENADOS HIPOSSUFICIENTES. PRINCÍPIO DA INTRASCENDÊNCIA DA PENA. VIOLAÇÃO DE PRECEITOS FUNDAMENTAIS. EXCESSO DE EXECUÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial Representativo da Controvérsia n. 1.519.777/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 10/9/2015), assentou a tese de que "[n]os casos em que haja condenação a pena privativa de liberdade e multa, cumprida a primeira (ou a restritiva de direitos que eventualmente a tenha substituído), o inadimplemento da sanção pecuniária não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". 2. Entretanto, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.150 (Rel. Ministro Marco Aurélio, Rel. p/ Acórdão Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-170 divulg. 5/8/2019 public. 6/8/2019), o Pretório Excelso firmou o entendimento de que a alteração do art. 51 do Código Penal, promovida Lei n. 9.268/1996, não retirou o caráter de sanção criminal da pena de multa, de modo que a primazia para sua execução incumbe ao Ministério Público e o seu inadimplemento obsta a extinção da punibilidade do apenado. Tal compreensão foi posteriormente sintetizada em nova alteração do referido dispositivo legal, levada a cabo pela Lei n. 13.964/2019. 3. Em decorrência do entendimento firmado pelo STF, bem como em face da mais recente alteração legislativa sofrida pelo artigo 51 do Código Penal, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais Representativos da Controvérsia n. 1.785.383/SP e 1.785.861/SP (Rel. Ministro Rogerio Schietti, 3ª S., DJe 21/9/2021), reviu a tese anteriormente aventada no Tema n. 931, para assentar que, "na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade". 4. Ainda consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal julgamento da ADI n. 3.150/DF, "em matéria de criminalidade econômica, a pena de multa desempenha um papel proeminente de prevenção específica, prevenção geral e retribuição". 5. Na mesma direção, quando do julgamento do Agravo Regimental na Progressão de Regime na Execução Penal n. 12/DF, a Suprema Corte já havia ressaltado que, "especialmente em matéria de crimes contra a Administração Pública como também nos crimes de colarinho branco em geral , a parte verdadeiramente severa da pena, a ser executada com rigor, há de ser a de natureza pecuniária. Esta, sim, tem o poder de funcionar como real fator de prevenção, capaz de inibir a prática de crimes que envolvam apropriação de recursos públicos". 6. Mais ainda, segundo os próprios termos em que o Supremo Tribunal Federal decidiu pela indispensabilidade do pagamento da sanção pecuniária para o gozo da progressão a regime menos gravoso, "[a] exceção admissível ao dever de pagar a multa é a impossibilidade econômica absoluta de fazê-lo. [...] é possível a progressão se o sentenciado, veraz e comprovadamente, demonstrar sua absoluta insolvabilidade. Absoluta insolvabilidade que o impossibilite até mesmo de efetuar o pagamento parcelado da quantia devida, como autorizado pelo art. 50 do Código Penal" (Rel. Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, DJe-111 divulg. 10/6/2015 public. 11/6/2015). 7. Nota-se o manifesto endereçamento das decisões retrocitadas àqueles condenados que possuam condições econômicas de adimplir a sanção pecuniária, de modo a impedir que o descumprimento da decisão judicial resulte em sensação de impunidade. 8. Oportunamente, mencione-se também o teor da Recomendação n. 425, de 8 de outubro de 2021, do Conselho Nacional de Justiça, a qual institui, no âmbito do Poder Judiciário, a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua e suas interseccionalidades, abordando de maneira central a relevância da extinção da punibilidade daqueles a quem remanesce tão-somente o resgate da pena pecuniária, ao estabelecer, em seu art. 29, parágrafo único, que, "[n]o curso da execução criminal, cumprida a pena privativa de liberdade e verificada a situação de rua da pessoa egressa, deve-se observar a possibilidade de extinção da punibilidade da pena de multa". 9. Releva, por seu turno, obtemperar que a realidade do País desafia um exame do tema sob outra perspectiva, de sorte a complementar a razão final que inspirou o julgamento da Suprema Corte na ADI 3.150/DF. Segundo dados do Infopen, até dezembro de 2020, 40,91% dos presos no país estavam cumprindo pena pela prática de crimes contra o patrimônio; 29,9%, por tráfico de drogas, seguidos de 15,13% por crimes contra a pessoa, crimes que cominam pena privativa de liberdade concomitantemente com pena de multa. 10. Não se há, outrossim, de desconsiderar que o cenário do sistema carcerário expõe as vísceras das disparidades sócioeconômicas arraigadas na sociedade brasileira, as quais ultrapassam o inegável caráter seletivo do sistema punitivo e se projetam não apenas como mecanismo de aprisionamento físico, mas também de confinamento em sua comunidade, a reduzir, amiúde, o indivíduo desencarcerado ao status de um pária social. Outra não é a conclusão a que poderia conduzir - relativamente aos condenados em comprovada situação de hipossuficiência econômica - a subordinação da retomada dos seus direitos políticos e de sua consequente reinserção social ao prévio adimplemento da pena de multa. 11. Conforme salientou a instituição requerente, o quadro atual tem produzido "a sobrepunição da pobreza, visto que o egresso miserável e sem condições de trabalho durante o cumprimento da pena (menos de 20% da população prisional trabalha, conforme dados do INFOPEN), alijado dos direitos do art. 25 da LEP, não tem como conseguir os recursos para o pagamento da multa, e ingressa em círculo vicioso de desespero". 12. Ineludível é concluir, portanto, que o condicionamento da extinção da punibilidade, após o cumprimento da pena corporal, ao adimplemento da pena de multa transmuda-se em punição hábil tanto a acentuar a já agravada situação de penúria e de indigência dos apenados hipossuficientes, quanto a sobreonerar pessoas próximas do condenado, impondo a todo o seu grupo familiar privações decorrentes de sua impossibilitada reabilitação social, o que põe sob risco a implementação da política estatal proteção da família (art. 226 da Carta de 1988). 13. Demais disso, a barreira ao reconhecimento da extinção da punibilidade dos condenados pobres, para além do exame de benefícios executórios como a mencionada progressão de regime, frustra fundamentalmente os fins a que se prestam a imposição e a execução das reprimendas penais, e contradiz a inferência lógica do princípio isonômico (art. 5º, caput da Constituição Federal) segundo a qual desiguais devem ser tratados de forma desigual. Mais ainda, desafia objetivos fundamentais da República, entre os quais o de "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais" (art. 3º, III). 14. A extinção da punibilidade, quando pendente apenas o adimplemento da pena pecuniária, reclama para si singular relevo na trajetória do egresso de reconquista de sua posição como indivíduo aos olhos do Estado, ou seja, do percurso de reconstrução da existência sob as balizas de um patamar civilizatório mínimo, a permitir outra vez o gozo e o exercício de direitos e garantias fundamentais, cujo panorama atual de interdição os conduz a atingir estágio de desmedida invisibilidade, a qual encontra, em última análise, semelhança à própria inexistência de registro civil. 15. Recurso especial provido, para acolher a seguinte tese: Na hipótese de condenação concomitante a pena privativa de liberdade e multa, o inadimplemento da sanção pecuniária, pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

Em seu voto, o Ministro Schietti reconheceu o prejuízo causado aos hipossuficientes decorrente da impossibilidade de extinguir a punibilidade sem adimplir com a pena pecuniária. Salientou o inegável caráter seletivo do sistema punitivo ao reduzir o egresso ao status de um pária social. Concluiu que condicionar a extinção de punibilidade ao adimplemento da pena de multa, no caso de pessoas pobres, agrava a situação de penúria e de indigência destes.

A decisão foi extremamente importante para garantir que os egressos hipossuficientes possam retornar ao convívio social e para cessar o excesso de execução a que estavam sendo condicionados em razão de sua pobreza. O novo posicionamento permitirá reparar os danos causados pelo posicionamento do STF em 2018 e pelo posicionamento anteriormente firmado pelo STJ no sentido de não conceder extinção de punibilidade nos casos em que a pena de multa não foi cumprida.

Vale ressaltar que a intenção de punir crimes econômicos através do prejuízo financeiro se mantém. O Ministro Schietti foi claro ao firmar na nova tese que a extinção de punibilidade será concedida em caso de inadimplemento da pena de multa apenas para aqueles que comprovarem sua hipossuficiência. Assim, o interesse inicial do STF de não permitir que haja sensação de impunidade com crimes econômicos não foi frustrado, pois aqueles que possuem condições financeiras de arcar com a pena de multa continuarão dependentes do adimplemento desta para alcançarem a extinção da punibilidade.

 

4       O EXCESSO DE EXECUÇÃO PENAL PARA HIPOSSUFICIENTES

 

Segundo dados fornecidos pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), mais de 50% da população carcerária brasileira é composta de pessoas com baixa escolaridade, possuindo apenas o ensino fundamental incompleto. Sabe-se que este é um indicativo de mazelas sociais, demonstrando que a maior parte dos condenados não possui condições financeiras para arcar com a pena de multa logo após a prisão.

Conforme abordado anteriormente, a pena de multa se mostrou um impeditivo para que condenados que cumpriram toda a pena privativa de liberdade, mas não possuíam condições financeiras de arcar com o pagamento, conseguissem que seus processos fossem baixados. Neste cenário, é possível perceber a criminalização da pobreza, visto que a norma não previa a possibilidade de o agente não conseguir cumprir com o pagamento.

Esse problema comum e grave foi levantado também por Roig em sua obra Execução penal: teoria crítica, de 2021. Roig aponta que a não extinção da execução criminal impossibilita a retirada de certidões negativas, além de suspender a prescrição da reincidência. Pontuou que em muitos casos a extinção da punibilidade está condicionada à prescrição da pena de multa. Assim, há postergação do estigma de condenado, trazendo dificuldade para a reinserção na sociedade por meio do trabalho e dos estudos (ROIG, 2021).

A impossibilidade de retirar certidões negativas e a suspensão de direitos políticos como o uso do título de eleitor influencia diretamente nas possibilidades de o egresso do sistema prisional conseguir emprego, vaga em universidades, entre outros atos da vida civil, visto que são documentos básicos para firmar contratos. Em um país marcado pelo desemprego em massa, é conclusivo que a pessoa que carrega o estigma de condenado dificilmente conseguirá emprego formal. Mendes e Martínez já previram que discussões seriam levantadas a respeito desse problema:

O silêncio legislativo neste aspecto poderá provocar discussões, sendo que se tratava de uma providência político-criminal simples de positivação em lei que seria de grande importância para a maioria esmagadora dos egressos e das egressas do sistema carcerário que, sem a declaração de extinção de punibilidade da multa, ainda que cumprida a pena de prisão, permanecem com seus direitos políticos suspensos, o que reflete na dificuldade de retomar não só a cidadania plena, mas também retornar ao mercado de trabalho por não possuírem documentos obrigatórios para o registro de emprego formal. (MENDES; MARTÍNEZ, 2020, p. 9)

Assim, o hipossuficiente se via obrigado a aguardar a prescrição da pena ou voltar a delinquir para adimplir com a multa, pois dificilmente conseguiria emprego para arcar com o pagamento. Enquanto isso, o processo de execução penal seguia ativo, influenciando na prescrição da reincidência do apenado.

Neste sentido, o Ministro Schietti reconheceu em seu voto que a não extinção da punibilidade prorroga a condição de reincidente do egresso; em suas palavras, o status de reincidente para quem não adimple a pena pecuniária se eterniza, sendo despiciendo aludir às consequências penais e processuais que de tal situação advém para o condenado.

Lima discorre sobre a função social da pena:

Em sua aplicação prática, a pena necessita passar pelo crivo da racionalidade contemporânea, impedindo se torne o delinquente instrumento de sentimentos ancestrais de represália e castigo. Só assim o Direito Penal poderá cumprir a sua função preventiva e socializadora, com resultados mais produtivos para a ordem social e para o próprio transgressor. (LIMA, 2020, p. 521)

Ora, se a função da pena é de prevenir e ressocializar, não resta dúvida de que a impossibilidade de extinguir a punibilidade do agente por conta de uma dívida de valor promovendo claro prejuízo para aqueles que não possuem condições de arcar com o pagamento vai a total desencontro com sua função.

Ademais, para que a pena cumpra com sua função social é necessário que além de punir o réu pelo delito cometido também seja possibilitado a ele reingressar na sociedade. Para isso, é necessário que o estigma de condenado seja superado, o que se torna praticamente impossível sem o reconhecimento da extinção de punibilidade.

Além de não conseguirem se reinserir na sociedade por meio de emprego lícito e estudos, os hipossuficientes também são prejudicados, ficando impedidos de pleitear assistência social, a exemplo do bolsa família, tarifa social de energia, etc. Todos esses programas necessitam de documentação cuja obtenção fica inviável até que a extinção de punibilidade seja reconhecida.

Todas as dificuldades apontadas para que o hipossuficiente consiga renda de forma lícita demonstram que a pena de multa nestes casos não será adimplida tão rapidamente. Com o prolongar da execução penal e todos os obstáculos levantados, pode-se deduzir que o apenado recorrerá a empregos informais ou à prática delitiva para quitar a dívida com o Estado, fazendo com que a pena perca sua função e promova a reincidência.

A Constituição Federal veda sanções de caráter perpétuo em seu artigo 5º. A ausência de extinção de punibilidade da pena de multa viola direitos fundamentais ao postergar os efeitos da condenação. A recuperação da cidadania fica condicionada ao pagamento da multa, fazendo com que a punição no âmbito civil seja perpétua.

Solucionar o problema é tão urgente que em outubro de 2021 foi divulgada a Recomendação nº 425 do Conselho Nacional de Justiça, instituindo a Política Nacional Judicial de Atenção a Pessoas em Situação de Rua, abordando a relevância da extinção de punibilidade daqueles que não podem adimplir com a pena pecuniária, dispondo no art. 29:

Art. 29. Deverá ser observada a vulnerabilidade decorrente da situação de rua no momento de aplicação da pena, evitando-se a aplicação da pena secundária de multa.

Parágrafo único. No curso da execução criminal, cumprida a pena privativa de liberdade e verificada a situação de rua da pessoa egressa, deve-se observar a possibilidade de extinção da punibilidade da pena de multa.

 

Cabe questionar: é razoável que uma dívida de valor possa gerar tantos prejuízos ao apenado? Com a pena pecuniária cerceando a liberdade do egresso, conclui-se que a privação de liberdade ultrapassou os muros das unidades prisionais.

 

5.   CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

O presente artigo buscou analisar a pena de multa como motivadora do excesso de execução penal para hipossuficientes ocasionado pelo impedimento de extinguir a punibilidade do agente em decorrência do inadimplemento da multa. Para alcançar o objetivo, foi necessário elucidar o conceito de multa, a extinção de punibilidade, a relação entre elas e o cumprimento da pena, bem como apontar o excesso de execução penal.

O excesso de execução penal ocasionado pelo inadimplemento da pena de multa denunciou a necessidade de o Judiciário brasileiro considerar a realidade financeira dos condenados em seus julgamentos, a fim de garantir que a pena aplicada seja justa e de possível cumprimento.

A parcela majoritária dos condenados não foi considerada durante os julgamentos e nem contemplada pela alteração legislativa trazida pelo pacote anticrime, resultando numa possível criminalização da pobreza condicionando a liberdade e a recuperação dos direitos civis ao pagamento da pena pecuniária.

É inegável a necessidade de garantir caminhos para que hipossuficientes não sejam penalizados por suas mazelas sociais. A pena pecuniária busca punir o enriquecimento ilícito, mas não há como punir aqueles que sequer enriqueceram com a conduta delitiva, continuando em cenário de miséria apesar dos crimes cometidos. 

A inércia do Judiciário brasileiro quanto ao problema levantado resultou no prolongar da execução penal dos egressos pobres e acúmulo de processos em Varas de Execução Criminal. Além dos impactos sofridos pelos egressos hipossuficientes, as Varas de Execução Criminal estão abarrotadas de processos que poderiam ser baixados, mas que, por conta de uma pena sem previsão de cumprimento, ficam acumulados.

Em que pese a violação de direitos, o STJ reencontrou o caminho ao revisar a tese do Tema 931, fixando entendimento de que o inadimplemento da pena pecuniária pelo condenado que comprovar impossibilidade de fazê-lo, não obsta o reconhecimento da extinção da punibilidade.

A decisão foi acertada e garantirá que hipossuficientes não sejam prejudicados pela falta de condição financeira para arcar com a pecúnia. O voto do ministro Schietti foi louvável ao reconhecer todos os malefícios que a decisão anterior estava proporcionando e a importância da extinção de punibilidade para que o egresso não seja um invisível civil.

Porém, a decisão foi tardia para muitos apenados. O STJ somente reconheceu o excesso causado pelas decisões anteriores em novembro de 2021. Desde o posicionamento do STF em 2018 até o novo entendimento do STJ passaram-se mais de 2 (dois) anos. Neste meio tempo, hipossuficientes foram severamente afetados, ocupando espaço de completa invisibilidade civil, não conseguindo livrar-se das amarras do crime ao vivenciar os efeitos da condenação sendo prolongados.

A onerosidade do Judiciário em perceber os danos sofridos pelos egressos hipossuficientes provocou claro excesso de execução, postergando a privação de liberdade que já havia sido cumprida, impedindo que participassem dos processos democráticos e influenciando, inclusive, no recebimento de benefícios sociais. Vale ressaltar que desde 2020 o mundo enfrenta a pandemia de coronavírus, que afetou diretamente a economia dos países. O governo brasileiro beneficiou a população mais pobre com auxílio emergencial, mas os desencarcerados hipossuficientes que não possuíam seus processos baixados não foram contemplados, ficando mais uma vez excluídos dos programas que visam promover dignidade e redução no quadro de pobreza do país.

Com o novo entendimento consolidado pela Terceira Seção do STJ, é possível vislumbrar melhorias. A fim de garantir que a decisão atinja todos os condenados que se encontram na realidade abordada neste artigo, é necessário que as Defensorias Públicas de todo o país provoquem as Varas de Execução Criminal para que o entendimento seja aplicado reparando os danos causados pelas decisões anteriores.

Os prejuízos sofridos pelos egressos hipossuficientes demonstram a necessidade de o Judiciário se atentar à realidade financeira de todos aqueles que serão atingidos por suas decisões. Apesar do interesse genuíno de garantir que os crimes cometidos pela elite sejam punidos, é irresponsável e inadequado ignorar que o peso das decisões cairá também sobre aqueles que ocupam o espaço da miséria. A população mais pobre não pode ser sacrificada para garantir a punição dos mais ricos.

 

REFERÊNCIAS

 

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BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 11 nov. 2021.

 

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BRITO, Alexis Couto de. Execução penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

 

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

 

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LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 8. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.

 

MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (art. 1º a 120). 13. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2019.

 

MENDES, Soraia da Rosa; MARTÍNEZ, Ana Maria. Pacote anticrime: comentários críticos à lei 13.964/2019. São Paulo: Método. 2020.

 

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de execução penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2019.

 

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. São Paulo: Saraiva. 2021.

 

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SIQUEIRA, Flávio Augusto Maretti Sgrilli. Perspectivas futuras da multa penal diante da Lei Anticrime e reminiscências de sua aplicação passada por ocasião do julgamento da ADI 3.150/STF. Revista Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Direito PPGDir./UFRGS , [S. l.], p. 1-20, 19 jun. 2020. Disponível em: <seer.ufrgs.br/ppgdir/article/view/103234>. Acesso em: 11 nov. 2021.

 

STJ. Multa não impede extinção da punibilidade para condenado que não pode pagar. Disponível em:  <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/24112021-Multa-nao-impede-extincao-da-punibilidade-para-o-condenado-que-nao-pode-pagar.aspx > Acesso em: 26 nov. 2021.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

Yzabella Laraynne Alves Nascimento Rodrigues

Graduada em Direito pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)

Maria do Carmo Cota

Defensora Pública de classe Especial no Estado de Tocantins. Professora da Universidade Federal do Tocantins. Professora da Faculdade Católica do Tocantins. Especialista em Direito Penal/Processual Penal e Civil e processo civil, Direito Constitucional e Administrativo; Gestão Pública e Qualidade em serviço; pela Fundação Universidade do Tocantins. Mestranda no curso de especialização stricto sensu profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Doutora em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Museo Social Argentino, residente, e domiciliada na cidade de Palmas – TO.

Informações sobre o texto

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