Edifício Master: inviolabilidade do domicílio
Assistindo ao Filme Edifício Master, observamos nos depoimentos que muitos dos moradores daquele condomínio sequer conhecem seus vizinhos. Em entrevistas, Eduardo Coutinho enfatizou como fato curioso a ocorrência de que muitos participantes do filme foram saber da existência do vizinho após a finalização e o lançamento do documentário. Essa peculiaridade se justifica e levanta reflexão acerca da inviolabilidade do Domicílio.
A inviolabilidade do domicílio é garantia fundamental do indivíduo, nos termos da Constituição Federal, em seu Artigo 5.º, inciso XI, objeto importante de estudo e temática de conhecimento corriqueiramente exigido em provas de concursos públicos. Diz o referido dispositivo constitucional:
"Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residente no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade, nos termos seguintes:XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;"
Desse modo, via de regra, ninguém pode entrar na casa alheia sem o consentimento do morador, devendo ser entendido por casa o lugar onde uma pessoa vive ou trabalha, não acessível ao público em geral, reservado à sua intimidade e à sua vida privada. Considera-se domicílio, pois, para fins do texto constitucional, todo local, delimitado e separado, por alguém ocupado de modo exclusivo a qualquer título, inclusive profissionalmente. Com efeito, a própria Constituição estabelece, de modo taxativo, as exceções à imunidade domiciliar. Nesse sentido, somente é possível entrar na casa sem o consentimento do morador se: Durante o dia em caso de flagrante de delito, desastre, prestação de socorro ou determinação judicial. À noite em caso de flagrante de delito, desastre ou prestação de socorro.
Do exposto pode-se concluir que a entrada no domicílio sem o consentimento do morador por ordem judicial somente poderá ocorrer durante o dia.
Pois bem, mas qual o critério utilizado para determinar-se o que vem a ser dia ou noite para fins de inviolabilidade do domícilio? Para responder a esta questão tem-se de observar dois posicionamentos doutrinários:
(a) O primeiro, ao qual adere José Afonso da Silva, defende que dia é o horário compreendido entre as 6h (seis horas) e as 18h (dezoito horas).
(b) O segundo, defendido por Celso de Mello e outros constitucionalistas de renome, entende ser válido o critério físico-astronômico, compreendo-se por dia o intervalo de tempo entre a aurora e o crepúsculo.
Dentre estas duas linhas de interpretação, o entendimento predominante exarado nas decisões do tribunais brasileiros é aquele segundo o qual por dia deve entender-se o período de tempo compreendido entre o nascer do sol e seu crepúsculo (critério físico-astronômico).
Não obstante, Alexandre de Moraes defende uma terceira posição, a qual chama de critério misto, referindo o seguinte:
A aplicação conjunta de ambos os critérios alcança a finalidade constitucional de maior proteção ao domicílio durante a noite, resguardando-se a possibilidade de invasão domiciliar com autorização judicial, mesmo após as 18:00 horas, desde que, ainda, não seja noite (por exemplo: horário de verão)
No entanto, tributado o devido respeito e reconhecimento ao Professor Alexandre de Moares, analisando-se a tese do ilustre constitucionalista não se consegue vislumbrar nenhuma diferença entre tal critério misto e o critério físico-astronômico, eis que conforme o trecho transcrito, independentemente do horário não se poderia invadir o domicílio alheio por determinação judicial caso já fosse noite.
Por fim, vale frisar que nenhuma garantia constitucional, mesmo em se tratando de tutela de direito fundamental e historicamente reconhecido como no caso em tela, pode servir de escudo para a impunidade de crimes, pois a ninguém é lícito beneficiar-se da própria torpeza.
CONCLUSÃO
Observamos nos filmes a abordagem dos Direitos Fundamentais presentes em obras de Eduardo Coutinho. Nos colocamos, a partir dos filmes, em uma reflexão em diversos tópicos dos Direitos Fundamentais, fazendo uma varredura entre Direito de liberdade de expressão, de associação, direitos sindicais, inviolabilidade do domicílio e pelo Direito mais basilar entre os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana.
Desde o início da evolução do racionalismo humano, a luta pelo Direito foi o objetivo maior de todas as sociedades. A variação do Direito Natural ao Direito positivado, somada a acontecimentos históricos que levaram o homem a modificar suas aspirações, fez eclodir um movimento de reconstrução do conceito de Estado, que renasceu com o propósito de atender aos anseios de seus cidadãos.
Assim, a fim de cumprir com a função de defesa da sociedade na forma de limitação normativa ao poder estatal, sobreveio um conjunto de valores, direitos e liberdades, consubstanciados nos Direitos Fundamentais. Outrossim, considerando a necessidade de concretizar tais garantias, elas foram positivadas em um instrumento que limitou atuação do Estado e, ao mesmo tempo, traçou os parâmetros fundamentais de todo o ordenamento jurídico interno: a Constituição. Tal instrumento, porém, não foi suficiente para barrar a expansão dos Direitos Fundamentais, que passaram da esfera interna ao campo internacional.
Neste tangente, o presente estudo será voltado ao delineamento da trajetória histórica dos Direitos Fundamentais, a fim de que se vislumbre seu correto conceito, ressaltando-se sua importância e seu alcance. Neste ínterim, serão demonstrados os processos de constitucionalização, que tem como cerne a institucionalização dos Direitos Fundamentais e traz consigo o formalismo definidor da rigidez constitucional, e de internacionalização, que levou à universalização dos Direitos Fundamentais, reforçando sua força normativa.
Destarte, a presente digressão tem como objetivo o estudo da evolução histórica dos Direitos Fundamentais, que fazem da atual ordem constitucional um instrumento jurídico de garantia da sociedade frente ao Estado.
A conjugação de ideias basilares a respeito dos Direitos Fundamentais permitiu-nos verificar que a busca pelo correto conceito desses direitos envolve a delimitação de sua trajetória histórica, que se iniciou logo que o homem passou a se relacionar em sociedade.
Seguindo esta análise, percebemos que os Direitos Fundamentais não estão limitados à Constituição, e estão nela dispostos apenas para eivarem-se de uma maior intangibilidade. Nesta tangente, verificamos que os Direitos Fundamentais não se restringem à esfera interna, mas são um misto de conquistas derivadas da luta pelo direito e da tentativa de regulação da vida em uma sociedade cada vez mais internacional.