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Escritura, registro e necessidade de consentimento para a emancipação voluntária

Agenda 27/04/2007 às 00:00

1. EMANCIPAÇÃO LEGAL E VOLUNTÁRIA

A redação do art. 5º caput e inciso I do Código Civil esclarece que emancipação não é adiantamento da maioridade. Essa só cessa aos 18 anos. O que a emancipação faz é antecipadamente cessar a incapacidade relativa daqueles que já têm 16 anos completos. Na prática os efeitos são os mesmos – capacidade de exercer plenamente os atos da vida civil. Comete equívoco terminológico, porém, quem usa o termo "maior por emancipação" – expressão que, como ensina o tabelião João Teodoro da Silva (2004), deve ser evitada em registros e escrituras públicas.

O Brasil tende a presumir a incapacidade dos menores de 18 anos para atos da vida jurídica. Isso não só no direito civil, como também no direito penal. O direito penal, por questão de política criminal, adota um critério puramente biológico de que o menor de 18 anos é inimputável – assunto que, devido ao crescimento da violência envolvendo menores, tem gerado discussões acerca da diminuição da menoridade penal (GRECO, 2007, p. 399).

No direito civil, a cessação antecipada da menoridade só pode ocorrer nas hipóteses taxativamente previstas no art. 5º, parágrafo único do C.C./02, o qual assim dispõe:

Art. 5o A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

I - pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis anos completos;

II - pelo casamento;

III - pelo exercício de emprego público efetivo;

IV - pela colação de grau em curso de ensino superior;

V - pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

Como se vê, os incisos II a V prevêem hipóteses em que a emancipação é determinada por lei, como efeito decorrente de um dos fatos ali descritos, isto é: considera-se emancipado o menor de 18 anos que se case, passe a exercer emprego público efetivo, cole grau em curso superior ou que viva com economia própria em decorrência de relações de emprego, ou de ter feito um estabelecimento civil ou comercial.

Observe-se que, nesses casos, a emancipação é conseqüência da ocorrência dos fatos descritos em cada inciso, não dependendo de anuência dos pais. Optou a lei por cessar a incapacidade antecipadamente, pois seria contraditório um jovem chefiar uma família ou ser empresário de sucesso sem poder responder pelos atos da vida civil – tal como pelo exercício pleno do poder familiar ou pela gerência de seu estabelecimento comercial.

O presente artigo não tratará dessas hipóteses legais de emancipação – aliás, cada vez mais raras, depois que a capacidade civil foi reduzida para 18 anos. Esse trabalho irá ater-se à emancipação prevista no inciso I do artigo supracitado, mais especificamente à emancipação concedida por ato voluntário dos pais do menor.

1.1.Emancipação por concessão dos pais, emancipação por sentença judicial – necessidade de registro de ambas

A emancipação prevista na segunda parte do inciso I, emancipação concedida por sentença judicial, refere-se aos casos em que o menor encontra-se sob tutela.

O pedido tem que partir do menor interessado ou do Ministério Público. O tutor não pode pedir a emancipação do tutelado. Não fosse assim, a via judiciária poderia tornar-se meio de desoneração do múnus público da tutela. A competência é dos juízes da infância e da juventude e, assim como ocorre na emancipação concedida pelos pais, a por sentença também só produzirá efeito depois de devidamente registrada.

A primeira parte do inc. I trata da emancipação concedida pelos pais. O instrumento público de que ali se fala é a escritura pública, a qual deve ser levada ao registro público de pessoas naturais, conforme se verá no item quatro deste artigo. Se de comum acordo entre os pais, essa emancipação independe de intervenção judicial - nem mesmo homologação da concessão da emancipação pelo judiciário é necessária.

É de evidente interesse público a informação de que o menor púbere foi emancipado, pois seus atos refletirão sobre o interesse de terceiros. Isso justifica a exigência do Código Civil de 2002 de que a emancipação voluntária e a judicial tenham que ser formalizadas por escritura pública e devidamente registradas, conforme se verá a seguir.

Deve-se ressaltar que a via judicial não pode ser usada pelo próprio menor para emancipar-se independente da vontade dos pais. A melhor interpretação para o inciso I é de que ele prevê duas hipóteses para o menor se emancipar:

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  1. por concessão dos pais;

  2. caso o juiz julgue procedente o pedido de emancipação do menor tutelado.

O judiciário não pode, porém, ir contra a vontade de ambos os pais e emancipar o menor. Afinal, a vontade exclusiva do menor não está entre as hipóteses taxativas de perda do poder familiar, previstas no art. 1.638, do C.C./02. Nesse mesmo entendimento, o professor João Teodoro da Silva (2007).

Sobre o consentimento dos pais, caso haja discordância não de ambos, mas apenas entre si, ter-se-á que recorrer ao Judiciário para pleitear o suprimento da vontade. Se ambos gozam do exercício do poder familiar, não se pode falar em emancipação por vontade exclusiva de só um deles. O notário e o registrador devem estar atentos a isso, sob pena de desrespeitar a ordem constitucional.

Com o Estatuto da Mulher Casada (Lei nº 4.121/62) já era possível falar em compartilhamento pleno do poder familiar pelo pai e pela mãe, embora a jurisprudência e a tradição notarial tenham continuado a conceder emancipação via consentimento unilateral do pai.

Mais tarde, a Constituição da República (art. 226, §§ 5º e 7º) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (art. 21) consolidaram o entendimento de que o poder familiar seria exercido em igualdade de condições pelo pai e pela mãe, salvo na falta ou impedimento de um dos responsáveis. Eventuais discordâncias quanto ao seu exercício não mais importariam a prevalência da vontade paterna sobre a materna: teria que ser pleiteado o suprimento da vontade em juízo.


2. DA NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DOS GENITORES

O Estatuto da Mulher Casada modificou a redação do art. 380 do C.C./16, determinando que ambos, marido e mulher, exercessem juntos o então chamado "pátrio poder". Assim, já na década de 1960, o exercício exclusivo do poder familiar por parte do pai havia sido mitigado.

Esse entendimento aparece no art. 90 da Lei dos Registros Públicos (Lei nº 6.015/73), o qual determina registro dos atos dos pais que concedem emancipação aos filhos menores. Notem que a lei, posterior ao estatuto mencionado, já não menciona emancipação exclusiva pelo genitor, tal como a leitura literal do art. 9º, parágrafo 1º, I do Código Civil de 1916 dava a entender.

Finalmente, o art. 226, parágrafo 5º, da Constituição Federal e o art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabeleceram a igualdade de condições entre pai e mãe no que tange ao exercício do hoje chamado poder familiar. Essa posição veio consolidada também no texto do Código Civil de 2002.

Sendo assim, só em duas hipóteses é possível concessão de emancipação por apenas um dos genitores:

  1. devido à falta de um deles – seja por morte, perda ou suspensão do poder familiar; ou

  2. devido à discordância entre eles - hipótese em que a manifestação de vontade de um deles teria que ser suprida por manifestação do juiz.

Não se deve esquecer que, pelo art. 1.635 do C.C./02, a emancipação é causa de extinção do pátrio poder. Analisando-se a lei sob essa égide, nem o genitor pode estipular sobre a mãe do menor perda arbitrária do poder familiar por hipótese que não as taxativamente previstas nesse artigo, nem a mãe do menor pode fazê-lo.

Decidir quanto à antecipação da capacidade civil plena dos filhos é ato de exercício do poder familiar. Ato último, aliás, vez que, de modo irrevogável, concede capacidade plena ao emancipado, embora se deva lembrar que permanece a responsabilidade civil dos pais em decorrência de ato ilícito praticado pelos filhos menores emancipados e também o dever de solidariedade entre os membros da família.

Sendo assim, a não ser que o juiz supra judicialmente a vontade da mãe ou do pai do menor (art. 21, Lei nº 8.069/90), equivocado é o julgado que, analisando emancipação por escritura pública, diga ser suficiente concordância de um só dos pais para aperfeiçoar a emancipação. Isso seria legislar na sentença, impondo à mãe ou ao pai pena que a lei não lhes impõe (art. 1.635, C.C./02). Anuláveis serão, portanto, a escritura pública e o registro feitos sob o manto da discordância entre os pais, sem que o conflito tenha sido dirigido ao magistrado e por ele solucionado.

Ressalte-se: na hipótese de estar um dos genitores abusando de seu poder familiar e prejudicando interesses do menor, a lei prevê soluções claras. O art. 1.637 do C.C./02 permite que qualquer parente, inclusive o genitor, requeira ao juiz medidas que tutelem o interesse do menor. O mencionado suprimento jurisdicional de vontade bastaria. Até a suspensão do poder familiar, se conveniente, pode ser pleiteada.


3. DA NECESSIDADE DO CONSENTIMENTO DO MENOR

Igualmente equivocado é, sobretudo após a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente, achar que o consentimento do menor não é necessário para o ato emancipatório. O professor e tabelião de notas João Teodoro da Silva (2007) ensina que a formalização da emancipação é feita mediante escritura pública "que contenha a outorga de quem estiver na titularidade do poder familiar e consigne a aceitação do beneficiário".

Esse mesmo autor entende que a outorga do emancipante acompanhada da aceitação do emancipado, dá à emancipação uma feição de "contrato de direito de família, embora a doutrina e a jurisprudência admitam o ato, sem maiores questionamentos, como declaração unilateral de vontade de quem emancipa."

O entendimento de que o emancipando deve expressar aceitação está de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual já prevê, em diversos dispositivos, a necessidade de oitiva do menor sobre assuntos referentes à titularidade do poder familiar sobre ele exercido. Exemplos são o art. 28, parágrafo 1º e o art. 161, parágrafo 2º, ambos da lei nº 8.069/90. Frise-se que, aos 16 anos, sendo relativamente capaz, é interessante que o adolescente possa se manifestar quanto à antecipação de sua capacidade plena.

Sendo assim, não só manifestação de vontade dos genitores, mas também a do próprio emancipando são necessárias para que se possa falar em emancipação aperfeiçoada.


4. DA NECESSIDADE DE REGISTRO PARA QUE SE POSSA FALAR NA PERFEIÇÃO DA EMANCIPAÇÃO

Finalmente, cumpre mencionar que não se pode falar que para aperfeiçoamento do instrumento de emancipação bastem as manifestações de vontade dos interessados.

EDUARDO PESSÔA (2001, p. 258) assim define "perfeição" e ato jurídico "perfeito":

PERFEIÇÃO Formação, ou conclusão de um ato jurídico, ou contrato em que são observados todos os requisitos e condições necessárias à sua existência e eficácia legal.

PERFEITO Todo ato jurídico ou administrativo que é feito e completado, de acordo com as formalidades intrínsecas e extrínsecas que a lei vigente exige.

O art. 9º, II do C.C./02 exige o registro público de emancipação concedida pelos pais. Ressalte-se que este consiste em ato essencial para a eficácia da emancipação. O art. 91, parágrafo único, da lei 6.015/90 expressamente prevê que, enquanto não for registrada, a emancipação não produzirá qualquer efeito. Frise-se, portanto, que outorga de emancipação em escritura pública também não faz com que emancipação produza seus efeitos: o registro tem caráter constitutivo da eficácia da emancipação.

Os arts. 89, 90 e 91 da lei 6.015/73 dispõem sobre o modo como se opera tal registro. Em livro especial do 1º Registro Civil de Pessoas Naturais do local de domicílio do interessado deve ser inscrita a sentença de emancipação. O ato deve ser assinado pelo apresentante; não são necessárias testemunhas. Se a apresentação da sentença não for feita em 08 dias, cabe ao juiz que concedeu a emancipação comunicá-la, de ofício, ao oficial de registro.

Vale lembrar que a emancipação tem que ser anotada no assento de nascimento do emancipado. O oficial tem 05 dias para fazê-lo. Se o interessado foi registrado no próprio 1º Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais de seu domicílio, o oficial fará mera remissão recíproca nos dois atos. Se o assento de nascimento foi feito em outro registro, o oficial deverá, nos mesmos 05 dias, fazer comunicação ao cartório competente, por meio de carta cujo número de protocolo será anotado no ato comunicado. Tudo isso vem disposto nos arts. 106 e 107, parágrafo 1º, da lei 6.015/90.


5. CONCLUSÃO

O art. 5º, parágrafo único e seus incisos dispõem sobre as hipóteses de emancipação previstas na lei civil brasileira.

Os incisos II a V tratam das hipóteses de emancipação legal: esta não depende da vontade de ninguém, pois é conseqüência de fatos juridicamente relevantes ali previstos – tal como o casamento e o estabelecimento de economia própria pelo menor. Esse tipo de emancipação não tem que ser formalizada em escritura pública nem levada a registro.

O inciso I prevê emancipação concedida pelos pais e pelo judiciário. Ambas têm que ser formalizadas por escritura pública e só produzem efeito após o devido registro. O menor não pode dirigir-se ao Judiciário se ambos os genitores discordam da emancipação. Somente no caso de discordância entre eles é que o judiciário pode, de acordo com o interesse do menor, suprir judicialmente a vontade do pai ou da mãe. Fora isso, a emancipação por ação judicial é, na verdade, o meio que o tutelado ou o Ministério Público tem para cessar a incapacidade do tutelado, sempre que o interesse do menor assim recomendar.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GRECO, Rogério. Curso de direito penal: parte geral (arts. 1º a 120 do CP). 8ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007. vol. 1

SILVA, João Teodoro da. Teoria Geral do Direito Civil, Direito das Obrigações e Contratos. Texto da Unidade 1, do curso de Especialização em Direito Registral Imobiliário da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

SILVA, João Teodoro da. A emancipação de menor pelos pais e o art. 1.631 do Código Civil. Revista Brasileira de Direito de Família, nº 26, ano VI, out.-nov. 2004. Disponível em:<http://ead04.virtual.pucminas.br/conteudo/CSA/s0t0006a/03_orientconteudo_1/centro_recursos/documentos/emanciapacao_de_menor_pelos_pais.pdf> Acesso em 02 de abril de 2007.

PESSÔA, Eduardo. Dicionário Jurídico: expressões e terminologia em latim. Rio de Janeiro: Idéia Jurídica, 2001.

Sobre o autor
Raquel Duarte Garcia

Mestranda em Direito Empresarial na Faculdade de Direito Milton Campos, em Belo Horizonte/MG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GARCIA, Raquel Duarte. Escritura, registro e necessidade de consentimento para a emancipação voluntária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9816. Acesso em: 21 nov. 2024.

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