RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo principal buscar comparar o número de divórcios durante o isolamento social causado pelo SARS-CoV-2 em Petrolina-PE. Nesse contexto, assim que a pandemia se iniciou e, com ela, veio o isolamento social como medida de prevenção contra o vírus, os casais passaram a conviver mais tempo juntos, o que intensificou as brigas, discussões, estresse, impaciência com coisas mínimas e outros. Assim, durante esse período, a procura pelo divórcio pode ter aumentado. Para o desenvolvimento deste artigo, será apresentado, no primeiro capítulo, um breve contexto histórico sobre o surgimento do divórcio no Brasil, trazendo sua conceituação atual. Posteriormente, no segundo capítulo, será identificado o que causou o isolamento social, mostrando como e quando surgiu o Coronavírus, apresentando também a legislação do assunto durante o período pandêmico. Também será mostrado a tentativa de investigar quais são os principais fatores/motivos que fizeram com que os casais se divorciassem em meio a pandemia, tentando entender de que forma o Coronavírus contribuiu para o fim de diversos matrimônios e o porquê que a convivência demasiada se tornou um dos principais fatores para o rompimento da união. Além disso, será realizada uma análise comparativa do número de divórcios antes da pandemia e como está atualmente, apresentando dados obtidos através da coleta de relatórios disponibilizados por duas Varas de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE, os quais mostrarão os números de divórcios realizados antes e durante a pandemia do Coronavírus na cidade. Vale ressaltar que os dados apresentados serão em relação aos divórcios que foram realizados dentro da esfera judicial e, não da esfera administrativa via Cartório. Com isso, de acordo com o relatório da 1ª Vara, é notório que desde o início da pandemia, vem tendo um aumento relativamente alto comparado com o ano de 2019. Entretanto, no relatório da 2ª Vara, foi possível identificar que as demandas das ações de divórcios durante a pandemia foram menores.
Palavras-chave: divórcio; isolamento social; pandemia; SARS-CoV-2; estudo comparativo.
1 Bacharelanda em Direito na Faculdade de Petrolina (FACAPE). E-mail: anne.coelho.20657@aluno.facape.br
2 Advogado. Pós Graduado em Direito Civil e Processo Civil. Professor da Faculdade de Petrolina (FACAPE). E-mail: dgiestasoares@gmail.com
INTRODUÇÃO
Através dessa pesquisa foi possível perceber que o divórcio tomou grandes proporções e se tornou uma prática comum desde a sua implantação no Brasil. Com o início do isolamento social em 2020, em consequência do Coronavírus, houve um aumento no número de divórcios por inúmeros fatores, entre eles, estresse cotidiano, divisão de tarefas, ajuda para cuidar dos filhos e as incompatibilidades que ficaram mais evidentes.
No decorrer da pesquisa será possível perceber que antes de a Lei 6.515/77, mais conhecida como Lei do Divórcio, ser sancionada, essa possibilidade foi discutida durante anos, mas sempre fracassada, contando com o apoio da Igreja Católica, que a todo o tempo lutou contra a dissolução do matrimônio. Após essa lei entrar em vigor, virou um marco histórico no Direito de Famílias, dando a oportunidade ao casal de se divorciarem pois, até então, no Brasil, o casamento era indissolúvel.
Nesse contexto, a pesquisa tem como objetivo fazer uma comparação com a quantidade de divórcios que ocorreram durante o isolamento social em Petrolina-PE, descrevendo como surgiu o divórcio no Brasil, identificando a causa do isolamento social, investigando fatores que causam o divórcio na pandemia e, por fim, realizando uma análise comparativa.
O projeto de pesquisa justifica-se pela curiosidade sobre o tema em saber se, realmente, houve um aumento significativo no número de divórcio em Petrolina-PE, causada pelo isolamento social no período de 2019 a 2021, realizando um estudo comparativo e, também, pelo fato de começar a estudar o tema em sala de aula, na disciplina de Direito de Famílias. A pesquisadora quis saber se houve esse aumento, uma vez que não há muitos artigos, nem livros que falam sobre esse assunto. A pesquisa mostrará, também, que não existe apenas o divórcio como a única saída para esses desentendimentos e estresses da vida do casal sejam cessados.
O estudo classificou-se como pesquisa exploratória, pois tem a intenção de expor o problema de forma ampla e, ainda, como pesquisa explicativa pois busca analisar e explicar suas causas. Foram utilizadas a pesquisa bibliográfica, que é aquela que é feita a partir de uma pesquisa que já foi elaborada antes e que está em livros, artigos e outros e, também, a pesquisa documental, a qual utiliza documentos oficiais como fonte de informação para ser realizada e, que não têm tratamento científico.
Para a realização do projeto de pesquisa foram utilizados o método indutivo, que parte de uma questão particular para o geral, e o método comparativo, que ocorre quando dados sobre fatos semelhantes são comparados. A abordagem se classificou como quantitativa, pois informações foram coletadas para que possam ser classificadas e analisadas. Para a realização desse projeto, se fez necessário utilizar livros, artigos e outros, ou seja, que se realize uma pesquisa bibliográfica sobre o assunto proposto.
A obtenção dos dados, para a realização dessa proposta, foi feita dentro da esfera judicial e se deu por meio de dois relatórios disponibilizados pelas 1ª e 2ª Varas de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE, que foram entregues via WhatsApp por funcionários das varas, contendo números de divórcios realizados, na cidade, antes e durante o isolamento social causado pelo Coronavírus. O estudo limitou-se pelo fato de não haver muitos doutrinadores que tratam desse assunto por ser um tema, relativamente, atual e, também, a situação do vírus impossibilitou a pesquisadora a se aprofundar na coleta de dados, pois não foi capaz de ir às ruas fazer questionários e outros.
Por fim, é importante dizer que a pesquisa, organizada em tópicos, revelará, através dos dados obtidos por meio de relatórios das duas Varas de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE, se houve ou não o aumento do número de divórcios. Além disso, a composição do projeto de pesquisa está organizado e dividido em elementos específicos que são exigidos pela norma de projeto, conforme a NBR 15287 da ABNT.
SURGIMENTO DO DIVÓRCIO NO BRASIL
A família, antigamente, era constituída somente pelo casamento entre o homem e a mulher, ou seja, para ter/ser uma família era preciso casar. Era patriarcal, sendo chefiada por um homem seja pai ou marido era ele quem tomava todas as decisões enquanto a mulher cuidava da casa. Até o ano de 1977, quem se casava, mantinha o vínculo conjugal para sempre, pois não tinha a possibilidade de separação. Somente em junho do mesmo ano os senadores Nelson Carneiro e Acciolly Filho conseguiram aprovar a Emenda Constitucional n. 9/1977, que alterou o § 1º do artigo 175 da Constituição Federal vigente na época, dando oportunidade para que a Lei 6.515/77 chamada de Lei do Divórcio fosse sancionada em 26 de dezembro de 1977, após vinte e sete anos de luta pelo direito ao divórcio no Brasil, como pode-se perceber no texto do art. 2º, inciso IV e parágrafo único (online), desta lei:
Art 2º - A Sociedade Conjugal termina:
IV - pelo divórcio.
Parágrafo único - O casamento válido somente se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.
Tal lei foi considerada um marco histórico no Direito de Famílias, pois até a data em que foi sancionada, não existia divórcio e o casamento era indissolúvel. Para o casal que não estava feliz com o matrimônio, existia apenas o desquite que era uma oportunidade de separação de corpos, mas como o vínculo conjugal continuava existindo, não significava o divórcio, somente dissolvia a sociedade conjugal. Para confirmar tudo o que foi dito, Fulgêncio (1923, apud Madaleno, 2018, p. 302) diz que:
O desquite punha termo à vida comum, habilitando os cônjuges a seguirem direções diversas, restituindo-lhes a liberdade de gerência de pessoas e bens, mas limitada, porque dissolvida apenas a sociedade, ficando íntegro o vínculo conjugal, pois o desquite não rompe, mas apenas relaxa o relacionamento nupcial, que só a morte e o divórcio dissolvem.
Nesse contexto, quem tinha o desquite não podia se casar novamente, pois não tinha respaldo legal, ou seja, segundo o Código Civil de 1916, não existia nenhuma outra família fora do casamento. Ademais, os filhos dessa segunda relação eram considerados ilegítimos, pois era como se esse casal estivesse em relacionamento extramatrimonial, como se vivessem em concubinato que, hoje, é diferente de união estável.
Com isso, para explicar o que é união estável, deve-se analisar os artigos 1.723 do CC/02 e 226, § 3º da CF/88:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
O concubinato era uma união livre e estável de um homem e uma mulher que não eram casados. Foi marginalizado depois da criação do casamento religioso e do casamento civil, ou seja, era considerado adultério, porque como o casal não estava separado de fato, não podiam formar outra família. Afirmam, Gagliano e Filho (2017, p. 1.080), quando dizem que a ordem jurídica brasileira apenas reconhecia como forma legítima de família aquela decorrente do casamento, de maneira que qualquer outro arranjo familiar era considerado marginal, a exemplo do concubinato. Em sentido próximo, Dias (2020, p. 147) conclui que somente o casamento constituía a família legítima. Os vínculos extramatrimoniais, além de não reconhecidos, eram punidos. Com o nome de concubinato, foram condenados à clandestinidade e à exclusão. Além de o Código Civil de 2002 dizer em seu art. 1.727 que constituem concubinato as relações não eventuais entre o homem e a mulher que estão impedidas de se casarem.
Essa lei trouxe a possibilidade de que as pessoas que se divorciassem, pudessem casar novamente e terem filhos, agora legítimos. Com a lei, o desquite passa a receber o nome de separação judicial, até hoje, como é possível perceber com o que relata Tina, do site Acontece nas melhores famílias (s.d, online):
O termo Desquite foi substituído por Separação Judicial pela Lei 6.515/1977 (Lei do divórcio). Desquite era uma forma de separação do casal e de seus bens materiais, sem romper o vínculo conjugal, o que impedia novos casamentos. O termo desquite faz lembrar algum rompimento conjugal do passado, época em que o casamento era perpétuo e indissolúvel (...) A separação estimula a reconciliação e impede o novo casamento com terceiro (não impede a união estável com terceiros) e o Divórcio rompe de vez o vínculo conjugal permitindo novo casamento com terceiro.
Vale ressaltar que a Igreja Católica nunca aceitou o divórcio, pois diz que o casamento é para sempre. A igreja sempre apoiou a indissolubilidade do casamento entre homem e mulher e, consequentemente, não apoiava a formação de outras entidades familiares. Isso pode ser afirmado pelo autor Madaleno, ao dizer que:
A concepção da indissolubilidade do matrimônio é uma criação exclusiva do cristianismo e de sua Igreja, que lutou contra as leis romanas e os costumes germânicos que autorizavam o divórcio, até conseguir a sua completa supressão. Mas como não era possível manter alguns casais profundamente desunidos, a Igreja criou a figura da separação de corpos, que era semelhante ao divórcio, porém, com seus efeitos diminuídos e reduzidos a uma simples separação de habitação, onde os esposos separados não podiam voltar a casar. (2018, p. 516, grifos nossos)
Assim, o autor ainda relata que:
À época da discussão do divórcio no Brasil foram estabelecidos longos embates no Congresso, com a participação de vários segmentos da sociedade, com a contundente intervenção da Igreja Católica, servindo para a aprovação do divórcio o argumento de o instituto possibilitar a regularização das centenas de milhares de separações de fato de cônjuges vivendo em concubinato, tendo formado novas famílias e cujas uniões estavam à margem da lei, e com o divórcio teriam acesso ao legítimo casamento. (2018, p. 303, grifos nossos)
Conceituando:
O divórcio é a medida dissolutória do vínculo matrimonial válido, importando, por consequência, a extinção de deveres conjugais. Trata-se, no vigente ordenamento jurídico brasileiro, de uma forma voluntária de extinção da relação conjugal, sem causa específica, decorrente de simples manifestação de vontade de um ou ambos os cônjuges, apta a permitir, por consequência, a constituição de novos vínculos matrimoniais. Nesse diapasão, portanto, detectado o fim do afeto que unia o casal, não há qualquer sentido em se tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais. (GAGLIANO; FILHO, 2017, p. 1261)
Recentemente, houve a aprovação da Emenda Constitucional n. 66/2010, com objetivo de facilitar a efetivação do divórcio no Brasil, pois ocorreu uma modificação no § 6º, do artigo 226 da Constituição Federal de 1988 que vigorava com a seguinte redação: "o casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos".
Desse modo, os cônjuges que desejavam romper vinculo conjugal necessitavam mover uma ação de separação judicial e só podiam converter, definitivamente, em divórcio, após um ano e, de no mínimo dois anos separados de fato para solicitar o divórcio direto. Com essa mudança, houve a extinção dessa obrigatoriedade de tempo mínimo de separação conjugal, podendo, hoje, mover ação de imediato.
Por fim, é preciso informar que, no Brasil, há três tipos de divórcio, são eles: divórcio consensual judicial e extrajudicial e, divórcio litigioso. O consensual judicial é aquele em que o casal concorda com o fim do casamento e com a divisão de bens, sem brigas, é um divórcio amigável. O consensual extrajudicial é quando o casal também está de acordo com o divórcio, mas que não é preciso ir até o judiciário para se divorciarem. Já o litigioso, é quando o casal não está de acordo com um dos termos e/ou quando apenas um dos cônjuges quer o divórcio, sendo necessário uma decisão do Juiz, como relata Queiroz (2018, online):
O divórcio litigioso é utilizado quando não há acordo entre o casal sobre algum termo do divórcio (pensão, guarda dos filhos, divisão de bens, etc.) e quando só uma das partes quer por fim a relação conjugal. Essa modalidade é a mais demorada, pois há necessidade do Juiz analisar os fatos e as divergências do casal para decidir como ficará. É também a mais cara, pois será necessário um advogado para cada uma das partes.
O ISOLAMENTO SOCIAL DECORRENTE DO SARS-CoV-2
O isolamento social é uma medida utilizada em caso extremo para conter a pandemia causada pelo Coronavírus. Moreira, Oliveira e Gonçalves (2020, online) conceituam o Coronavírus e, ainda, explicam como o vírus se propaga:
Coronavírus é a nomeação de uma família de vírus que causam infecções respiratórias (...) O vírus possui como característica uma alta transmissibilidade, ocorrendo de um indivíduo doente para o outro por contato próximo ou através de um aperto de mão, abraço que configura um contato físico.
Nesse contexto, o também conhecido como SARS-CoV-2, foi identificado pela primeira vez em dezembro de 2019, logo após um surto de pneumonia desconhecida em Wuhan, na China. Até então, era considerada epidemia, uma doença local e, foi somente em 11 de março de 2020 que a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que essa situação passou a ser uma pandemia, como é possível ver no site UNA-SUS (2020, online), que relata que Tedros Adhanom, diretor geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), declarou hoje (11) que a organização elevou o estado da contaminação à pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2).
Com isso, para que o vírus fosse contido, foi necessário que as autoridades governamentais criassem estratégias, tais como: uso de máscaras, uso de álcool em gel 70%, distanciamento social, evitar aglomerações, proibição de eventos com grande número de pessoas reunidas, fechamento de escolas, faculdades, isolamento social, dentre outros. A exemplo disso, tem-se o Decreto nº 49.055, de 31 de maio de 2020, o qual traz em seus capítulos questões sobre a obrigatoriedade de uso de máscaras, as atividades essenciais e aglomeração de pessoas, as atividades escolares e sobre o acesso às praias.
O isolamento social é quando o maior número de pessoas têm que ficar reclusos em suas casas, não podendo sair para nenhum lugar para evitar a propagação do vírus e buscar sair somente em casos extremamente necessários.
Com base nisso, há ainda dois outros conceitos que precisam ser diferenciados, são eles: quarentena e distanciamento social. A quarentena é quando pessoas sadias devem ficar reclusas dentro de casa, podendo ter sido contaminadas pela doença e, é utilizada para evitar a propagação e aumento dos casos. Já o distanciamento social é quando é preciso manter uma distância mínima segura no caso da Coronavírus, é de 1,5 metro entre as pessoas, para que aglomerações não sejam formadas e, é por isso que abraços, apertos de mão, beijos precisam ser evitados.
Assim, em relação a legislação, entrou em vigor a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
De acordo com o site da Secretaria de Saúde do Governo do Estado de Pernambuco (online), ao longo da pandemia, inúmeras medidas foram decretadas pelo Governo de Pernambuco com o objetivo de conter o avanço da Covid-19. Assim, pode- se dizer que a principal delas foi o Decreto nº 48.833, de 20 de março de 2020, o qual decreta calamidade pública e faz a seguinte menção:
Declara situação anormal, caracterizada como Estado de Calamidade Pública, no âmbito do Estado de Pernambuco, em virtude da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.
PRINCIPAIS FATORES QUE CAUSAM DIVÓRCIO EM MEIO A PANDEMIA
Antigamente, no Código Civil de 1916, a família era patriarcal, a qual o homem era o chefe de família, dono e proprietário dos filhos e da esposa, era considerado o responsável financeiro do lar, pois trabalhava e sustentava a casa. A mulher era considerada relativamente incapaz, sendo submissa ao homem e, só adquiria capacidade absoluta quando completasse 21 anos. Ela não tinha direito de estudar, nem de trabalhar, caso não tivesse o consentimento do pai ou do marido, apenas cuidavam do lar e dos filhos. É o que pode-se ver nos artigos 6, II, 233 e 242, VII do referido código (online):
Art. 6. São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
II. As mulheres casadas, enquanto subsistir a sociedade conjugal.
Art. 233. O marido é o chefe da sociedade conjugal. Compete-lhe:
I. A representação legal da família.
II. A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que ao marido competir administrar em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto ante nupcial.
III. Direito de fixar e mudar o domicílio da família.
IV. O direito de autorizar a profissão da mulher e a sua residência fora do tecto conjugal.
V. Prover a manutenção da família, guardada a disposição do art. 277.
Art. 242. A mulher não pode, sem autorização do marido:
VII. Exercer profissão.
Nesse contexto, as pessoas das famílias quase não se viam, pois como o homem trabalhava o dia todo e a mulher cuidava da casa e dos filhos, não sobrava muito tempo para uma conversa, um momento em família, ou seja, não havia muita comunicação.
Atualmente, com base no Código Civil de 2002, a família deixou de ser patriarcal e passou a ser uma família igualitária, a qual o homem e a mulher têm iguais direitos e, baseada no afeto. A mulher passou a ter direito de estudar, trabalhar, se sustentar.
Com isso, para que um casamento dê certo, segundo o art. 1.566 do CC/02 (online), são deveres de ambos os cônjuges:
I - fidelidade recíproca;
II - vida em comum, no domicílio conjugal;
III - mútua assistência;
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
V - respeito e consideração mútuos.
Destarte, com o surgimento do Coronavírus, as pessoas tiveram que ficar em casa durante todo o tempo. As famílias ficaram mais unidas, com um convívio intenso dentro de casa. Afirma Guelman (apud Cristaldo, 2020, online) quando diz que esse isolamento social forçado pela pandemia aumenta o convívio entre os casais e justamente esse aumento do convívio gera conflitos. Por conta disso, a probabilidade de haver mais divórcios é muito maior.
A exemplo disso, Pessoa (2021, online) relata que, durante a pandemia, aproximadamente doze mil divórcios são registrados em Pernambuco. Em mesmo sentido, Lira (2021, online) também afirma que com o isolamento social por causa da covid-19, muitos casamentos chegaram ao fim em Pernambuco. Já foram 11.868 divórcios ao longo do período pandêmico, um recorde histórico, de acordo com a Defensoria Pública do Estado.
Antes, na maioria das vezes, a mulher tinha que ser do lar e seu trabalho era, exclusivamente, cuidar da casa, dos filhos e do marido. Porém, com os avanços sociais, ela começou a ser inserida na sociedade e no mercado de trabalho, assumindo papéis nunca vistos, mas, mesmo assim, ainda tinha que retornar para sua residência e cumprir com as obrigações da casa. Com o isolamento social, veio a divisão das tarefas domesticas, o marido teve que ajudá-la com os afazeres que, consequentemente, aumentaram, devido ao maior tempo de convivência.
Desse modo, Paiva (s.d., apud Macagnan, 2021) diz que uma das questões com que os casais não dão certo, é a questão financeira:
Antigamente as mulheres dependiam mais dos maridos. Hoje a maioria trabalha, é independente e se mantém sozinha. Em contrapartida, os homens tiveram uma grande evolução na questão emocional, entendendo que podem contribuir de forma significativa na criação dos filhos, independentemente do estado civil.
O trabalho passou a ser home office, pois foi uma solução encontrada pela maioria das empresas para proteger seus funcionários do vírus, uma vez que as pessoas não podiam sair de casa e as empresas não podiam ficar paradas. Segundo Rodriguez (2021, online):
Desde que a pandemia da covid-19 chegou ao Brasil, milhões de pessoas mudaram sua rotina profissional a fim de evitar a circulação do novo coronavírus. A partir de março de 2020, quem tinha a possibilidade de executar suas tarefas em casa, passou a experimentar o que antes era a exceção: o trabalho remoto. De acordo com a pesquisa FIA Employee Experience (FEEx), 90% das empresas aderiram a alguma modalidade de home office - os dados foram colhidos no segundo semestre de 2020.
Além disso, as escolas fecharam, as aulas se tornaram remotas, aumentando, assim, o trabalho dos pais, pois eles tinham que acompanhar mais de perto o desenvolvimento escolar de seus filhos, para evitar que as crianças fiquem mais vulneráveis às distrações e dificuldades. Isso pode-se confirmar pelo que Barbosa e Ribeiro (2020, online) dizem:
Todos os 26 Estados do país e o Distrito Federal estão adotando medidas para combater a proliferação do novo coronavírus. Aulas em escolas públicas de todo o Brasil foram suspensas, parques foram fechados e governadores baixaram recomendações para que shoppings não abram as portas em algumas partes do país.
Com isso, de acordo com Bujan (s.d, online), um grupo de pesquisadores da Universidade de Utah, Estados Unidos, em colaboração com especialistas da Universidade de Toronto, Canadá realizaram um estudo para mostrar os motivos pelos quais os casais rompem seus relacionamentos, e destacaram que entre esses motivos estão: parceiros completamente opostos, sendo o egoísmo uma das principais razões, a infidelidade, o desapego emocional, as crises financeiras, a imaturidade e o controle total, sendo o ciúme obsessivo uma das razões que se decide romper o relacionamento.
Ademais, dois dos principais motivos mais notórios, que fazem com que os casais busquem pelo divórcio durante a pandemia, são: o convívio intenso e a incompatibilidade. Como as pessoas devem ficar em isolamento social, esses motivos se tornaram evidentes porque foi possível perceber que o estresse, o cansaço pela convivência, o tédio, a divisão do trabalho e, o cuidado com as crianças aumentaram.
Confirmando o que foi dito, Oliveira (2021, online) escreve que:
Psicóloga e mentora de relacionamentos, Valéria Silveira explica que o excesso de convivência imposto pela pandemia fez com que problemas que já existiam entre os casais ficassem ainda mais aflorados. (...) Segundo ela, problemas que antes não eram tão aparentes no relacionamento ficaram mais evidentes no momento em que o casal passou a conviver com maior intensidade. As tarefas domésticas, o cuidado com os filhos e a insegurança econômica são alguns pontos que levaram alguns casais a rever o relacionamento.
Uma alternativa para evitar o fim dos relacionamentos durante a pandemia é o diálogo, possibilitando reconhecer e conversar a respeito das emoções de forma clara e empática para entrar em um consenso e equilibrar a relação. Quando isso não é possível, a terapia de casal se torna uma opção por ser considerada uma forma de expor os problemas e formular soluções para os problemas e dificuldades enfrentadas diariamente pelos cônjuges, além de contar com a presença de uma psicoterapeuta mediando o diálogo, para evitar brigas e atribuições de culpa para o outro. Segundo Costa (apud Sampaio, 2020, online):
Para que a relação fuja das garras do estresse econômico e emocional da atualidade, o profissional aponta que a boia de salvação para aliviar o relacionamento e evitar um divórcio pode estar na via do diálogo e da escuta gêneros de primeira necessidade.
Ainda sobre o assunto, Domenico (2020, online) afirma que para os especialistas, o que está por trás dos conflitos é quase sempre a falta de disposição para sentar e conversar e continua dizendo:
Para Maria Isabel Wendling, professora do curso de Psicologia da Escola de Ciências da Saúde e da Vida da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), o objetivo da terapia é buscar o crescimento como casal sem abrir mão de uma individualidade também feliz.
Outro fator importante foi o aumento ou piora do número de casos de violência doméstica (física, moral, psicológica, patrimonial e sexual) contra mulheres. Isso acontece porque com as medidas de isolamento social, elas estão convivendo diariamente com o possível agressor e, consequentemente, houve um afastamento de suas redes de proteção, ou seja, família e amigos. A pandemia, também, causou uma tensão maior entre o casal, pois as pessoas estão mais irritadas e estressadas com toda a situação e acaba transferindo esses sentimentos para a vítima, sendo preciso ressaltar que a agressão física não é o início da violência há um ciclo que é repetido com constância e, muitas vezes, não é identificado por ser mascarado. Como pode ser entendido pelo que Teófilo (2020, online) relata:
Diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que produz o relatório, Samira Bueno explica que a pandemia acentuou a violência doméstica na medida que expôs as mulheres que viviam em fragilidade passaram a ficar mais tempo com seus agressores, seja por passarem a trabalhar remotamente ou por terem perdido seus trabalhos. Sobre a redução dos registros de violência doméstica, a pesquisadora aponta uma possível dificuldade no deslocamento durante a pandemia, por exemplo.
Nesse contexto, é possível perceber que o crescente aumento no número de divórcios é apontado, principalmente, como resposta do maior período de convivência causado pelo Coronavírus, mas também pela facilidade de acesso por meio virtual a advogados e rápida tramitação dos processos judiciais. Além disso, segundo Lins (2020, online), o Tribunal de Justiça de Pernambuco disponibilizou um aplicativo que oferece as informações de processos para acompanhamento e atendimento durante esse período:
Informações processuais do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) passam a ser oferecidas a todas as partes por meio de um aplicativo, o TJPE Atende. (...) Através da ferramenta, também é possível fazer solicitações às unidades judiciais.
ANÁLISE COMPARATIVA DOS NÚMEROS DE DIVÓRCIOS
O projeto de pesquisa foi desenvolvido com o intuito de analisar os números de divórcios que ocorreram, em Petrolina-PE, durante o isolamento social, para saber se, realmente, houve aumento nesse período ou se os resultados continuaram os mesmos, comparando-os com a quantia de um ano antes da Covid-19.
Com isso, de acordo com o relatório disponibilizado pela 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE, é notório que, desde o início da pandemia (março de 2020), vem tendo um aumento relativamente alto em comparação com o ano de 2019 março a fevereiro de 2020 conforme o gráfico 1:
Gráfico 1 Número de divórcios de acordo com a 1ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina. FONTE: a Pesquisadora/2021.
Nesse sentido, o relatório mostra que dentre essa quantia referente a março de 2019 e fevereiro de 2020, possui apenas 6 (seis) casos de divórcio consensual e, o restante, de divórcio litigioso. Já entre os meses de março de 2020, o qual deu início a pandemia e, março de 2021, foi possível analisar que dentre esses 162 (cento e sessenta e dois) casos, a quantidade de divórcio consensual aumentou para trinta e cinco e, o restante, foram de divórcios litigiosos, como informa o gráfico 2.
Gráfico 2 Quantidade de divórcios litigiosos e consensuais de acordo com a 1ª Vara. FONTE: a Pesquisadora/2021
Observa-se ainda que, nesse mesmo intervalo, houve um aumento gradativo em relação a quantidade de divórcios no geral, não importando se litigioso ou consensual a partir do mês de setembro de 2020, sendo, março de 2021, o mês em que mais ocorreu divórcios na relativa Vara, segundo gráfico 3.
Gráfico 3 Quantidade de divórcios durante o isolamento social de acordo com a 1ª Vara FONTE: a Pesquisadora/2021.
Entretanto, de acordo com os dados de outro relatório disponibilizado, aconteceu diferente na 2ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE. Esse documento mostra que foram propostas 332 (trezentos e trinta e duas) demandas de ações de divórcios no período de março de 2019 a março de 2020 e, 242 (duzentos e quarenta e duas) entre março de 2020 e março de 2021.
Gráfico 4 Ações de divórcios demandadas na 2ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina. FONTE: a Pesquisadora/2021
Nesse mesmo registro, há ainda a informação de que houve aumento em relação aos processos julgados com resolução de mérito quando todas as questões que foram trazidas em um processo são decididas -, antes da pandemia, ou seja, entre março de 2019 e março de 2020 foram realizados 148 julgamentos e, durante a pandemia, foram realizados 180 julgamentos.
Gráfico 5 Quantidade de processos julgados com resolução de mérito conforme dados da 2ª Vara de Família e Registro Civil. FONTE: a Pesquisadora/2021
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Levando em consideração esses aspectos, percebe-se que antigamente o Estado ordenava sobre a vontade das pessoas, eliminando seus direitos para desfazer seus vínculos conjugais, afrontando assim o principio democrático.
Diante disso, a Lei do Divórcio permitiu uma profunda mudança social no Brasil, pois tutela o divórcio como sendo uma medida prática para facilitar e acelerar a dissolução do vínculo matrimonial.
No segundo capítulo, foi visto que por causa do rápido avanço do SARS-CoV-2, as autoridades governamentais tiveram que criar estratégias, medidas, decretos, para prevenir e proteger a sociedade do vírus. E, por isso, o isolamento social foi uma das melhores formas que o governo encontrou para que o vírus não proliferasse, pois as pessoas teriam que ficar reclusos em casa e só deveriam sair em casos extremamente necessários.
Diante do isolamento social e da sua relação com o divórcio, pode-se concluir do terceiro capítulo, que o convívio intenso e forçado por causa da pandemia é um dos principais fatores que fazem com que as pessoas de divorciem. Além disso, como alternativa para evitar o fim da união matrimonial, o diálogo ou a terapia de casal podem ser consideradas como opção para enfrentar os conflitos e dificuldades que aparecem diariamente na relação.
E, para finalizar, no quarto capítulo foi desenvolvida uma pesquisa com base em dois relatórios disponibilizados pela 1ª e 2ª Vara de Família e Registro Civil da Comarca de Petrolina-PE. Os relatórios comparam os divórcios antes e durante a pandemia. Assim, no relatório referente a 1ª Vara, foi possível perceber que houve um aumento relativamente alto de divórcios desde o início da pandemia.
Entretanto, as demandas de ações de divórcios durante a pandemia foram menores na 2ª Vara. E, no que se refere à julgamento, verifica-se que foram julgados mais processos durante o isolamento social, mas que não necessariamente foram dadas entrada na pandemia.
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