DESERDAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO
O abandono afetivo é uma das hipóteses do artigo 1.814, do Código Civil, o qual dispõe sobre a indignidade sucessória, consiste em um instituto do direito civil que visa à penalização de herdeiros e legatários em razão de determinadas atitudes praticadas em face do autor da herança, após processo judicial, o sucessor é privado de receber sua quota, além de responder, na esfera penal, a depender do caso. Em síntese, para que ocorra a indignidade é mister que o herdeiro excluído tenha praticado atos contra a vida, honra e a liberdade do autor da herança.
Com efeito, dentro do tema sucessão testamentária é abordado o instituto da deserdação que configura uma exceção no direito de sucessões, sendo o herdeiro necessário privado de sua legítima por declaração expressa do autor da herança em um testamento.
Nesse viés, Diniz[2], mostra que a indignidade vem a ser uma pena civil que priva do direito há herança não só o herdeiro, bem como, o legatário que cometeu os atos criminosos, ofensivos ou reprováveis, taxativamente enumerados em Lei, contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de seus familiares. O ato delituoso pode ser praticado antes ou depois da morte do autor. Porém, é importante declarar, somente após a sua morte.
A saber, a sucessão é decorrente de um ato de última vontade do falecido, por meio de testamento que regulada a destinação dos seus bens após a sua morte, ademais, o testamento possui o poder de alterar a ordem hereditária ditada por lei, permitindo ao testador dispor o seu patrimônio para quem desejar.
Dispõe Azevedo[3] que, em sentido geral sucessão é toda transmissão patrimonial. Nesse sentido, a sucessão ocorre a título gratuito ou oneroso, ocasionando a transmissão de um patrimônio, total ou parcialmente, inter vivos, por via negocial. Assim, os bens de uma empresa podem passar à outra, que se torna sua sucessora, como também num simples contrato de compra e venda em que o comprador sucede o vendedor na propriedade da coisa vendida.
No artigo 1.814, do Código Civil de 2002, estão elencadas as causas que ensejam a declaração de indignidade. São elas:
Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I - que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II - que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III - que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade. (LEI N º 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002).
Pois bem, a palavra deserdação trata-se de uma medida sancionatória e excludente da relação sucessória, imposta pelo testador ao herdeiro necessário que haja cometido qualquer dos atos de indignidade, juridicamente a palavra tem um sentido mais restrito, designando um instituto da sucessão testamentária constituído por um ato jurídico privado do autor da herança, pelo qual exclui o herdeiro necessário de sua legítima por ter praticado atos ilícitos, conforme os artigos 1.962 e 1.963 do Código Civil de 2002.
Na ótica de Poletto[4], o vocábulo deserdação deriva do verbo deserdar (des-herdar), que na acepção comum significa exclusão ou privação da herança.
Outrossim, os pressupostos da deserdação estão elencados nos artigos 1.961 e 1.964 do Código Civil de 2002, são eles: Existência de herdeiros necessários: a lei assegura a estes a legítima; Testamento válido: o testamento não poderá ser substituído por nenhum outro documento; Expressa declaração de causa prevista em lei: as causas da deserdação estão elencadas no rol dos artigos. 1.814, 1.962 e 1.963 do Código Civil de 2002, o rol é taxativo; Propositura de Ação Ordinária: não basta a exclusão expressa do herdeiro no testamento para que seja deserdado.
Conforme o texto legal são causas de deserdação:
Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV - desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.
Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I - ofensa física;
II - injúria grave;
III - relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV - desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade. (LEI N º 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002).
Deserdação para Diniz[5] enseja em ofensa física, leve ou grave, por indicar falta de afeição para com o autor da herança, a injúria grave por atingir seriamente a honra, a respeitabilidade e a dignidade do testador; as relações ilícitas, por serem incestuosas e adúlteras, o desamparo do ascendente ou do descendente em alienação mental ou grave enfermidade, por indicar, da parte do herdeiro, desafeição pelo autor da herança, e falta de sentimento de solidariedade humana.
Vislumbra Cateb:
Deserdação de herdeiro necessário pressupõe ausência absoluta dos sentimentos primários e fundamentais, indispensável à relação familiar. Amor, afeto, carinho, gratidão, não são somente substantivos abstratos, mas elementos intrínsecos e imprescindíveis à sustentação da família como célula fundamental e protegida pela Constituição Federal. (CATEB, 2004, p. 101-102).
Destarte, ilustra o Prof. Cristiano Chaves[6], que é importante ressaltar que há diferenças entre indignidade e deserdação:
A indignidade é ato reconhecido mediante uma ação de indignidade, prevista no art. 1.185 do Código Civil, onde o sucessor (seja herdeiro ou legatário) pode ser indigno, além disso, a indignidade é reconhecida por ato praticado antes ou depois da abertura da sucessão e as causas da indignidade estão previstas no artigo 1.814 do Código Civil de 2002.
Já a deserdação, se manifesta por ato de vontade do autor da herança por meio do testamento, logo, somente o autor da herança pode deserdar e somente o herdeiro necessário pode ser deserdado, ademais, a deserdação se dá por ato praticado antes da abertura da sucessão, sendo as causas de deserdação as mesmas de indignidade (art. 1.814) e também as previstas nos artigos. 1.962 e 1.963 do Código Civil de 2002.
Conveniente citar, que o abandono afetivo consiste na omissão de cuidado, criação, auxílio e assistência moral, psíquica e social entre genitores e filhos, acarretando, na maioria das vezes, traumas e situações de vulnerabilidade para o abandonado.
Fernanda Silva Todsquini[7], diz em seu artigo publicado pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família), que a inclusão do abandono afetivo no rol das causas de indignidade sucessória é um dos grandes exemplos do clamor social às novas interpretações. Todavia, a importante alteração encontra empecilho pelo fato de que o art. 1.814 do Código Civil de 2002 apresenta um rol taxativo em suas hipóteses.
Em sequência, é importante destacar a afetividade nas relações familiares, não obstante, o rol taxativo dos institutos de deserdação e indignidade, está defasado e precisam ser atualizados a fim de garantir segurança jurídica aos indivíduos.
No prisma de Washington de Barros Monteiro:
O Direito Sucessório constitui lei de família, baseia-se precipuamente na afeição que deve ter existido entre o herdeiro e o de cujus. Se o primeiro, por atos inequívocos, demonstra seu desapreço e ausência de qualquer sentimento afetivo para com o segundo, antes, menospreza-o, odeia-o e contra ele pratica atos delituosos ou reprováveis, curial privá-lo da herança, que lhe tocaria por morte deste. (MONTEIRO, 2009, p. 63).
É indubitável, portanto, que o abandono afetivo como causa de deserdação do herdeiro justifica-se principalmente levando-se em conta que os efeitos e repercussões deste abandono na vida das pessoas atingidas são irreversíveis, devendo sempre prevalecer o direito e a vontade do testador, ou seja, sua autonomia na distribuição de seus bens, além disso, a afetividade é o princípio norteador do Direito de Família, tendo em vista os princípios estabelecidos pela Constituição Federal, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e o da proteção integral às crianças, adolescentes, jovens e idosos, desse modo, conclui-se que é imprescindível a extensão do rol das causas de deserdação.
No entanto, o direito pátrio, precisa ser atualizado a fim de acompanhar as mudanças e transformações que ocorrem nas instituições sociais e familiares, a fim de garantir que em todo e qualquer caso prevaleça à justiça.
Por conseguinte, no cenário contemporâneo em que a família vem sendo cada vez mais reconhecida como instituição essencial para o desenvolvimento e formação humana, a questão afetiva ganha uma maior relevância, visto que, por ser um princípio específico e no qual se relaciona com a convivência familiar harmoniosa, a afetividade funciona como um elo de união entre as pessoas e influencia na realização pessoal.
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Curso de direito civil: direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. 144 p.
CATEB, Salomão de Araújo. Deserdação e indignidade no direito sucessório brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
CHAVES, Prof. Cristiano. Curso Intensivo II da Rede de Ensino LFG Prof. Cristiano Chaves. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes. Qual a diferença entre a indignidade e a deserdação, no direito das sucessões? - Áurea Maria Ferraz de Sousa. Disponível em: < https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2539077/qual-a-diferenca-entre-a-indignidade-e-a-deserdacao-no-direito-das-sucessoes-aurea-maria-ferraz-de-sousa>. Acesso em: 26 mar. 2022.
______.DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil: Direito das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2009.
POLLETO Carlos Eduardo Minozzo. Indignidade Sucessória e Deserdação. São Paulo: Saraiva, 2013.
______.REPÚBLICA. Presidência da República Secretaria Geral Subchefia para Assuntos Jurídicos - LEI N º 10.406, de 10 DE Janeiro de 2002. Artigos 1.814, 1.962 e 1.963. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>. Acesso em: 25 mar. 2022.
TODSQUINI, Fernanda Silva. Fernanda Silva Todsquini - Graduada em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), . Data de publicação: 13/01/2021 pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família). Disponível em: < https://ibdfam.org.br/artigos/1625/A+inclus%C3%A3o+do+abandono+afetivo+no+rol+das+ccausa+de+indignidade+sucess%C3%B3ria#_ftn1>. Acesso em: 26 mar. 2022.
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Maria Helena Diniz. Código Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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Álvaro Villaça Azevedo. Curso de direito civil: direito das sucessões. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. p. 144.
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Carlos Eduardo Minozzo Polleto. Indignidade Sucessória e Deserdação. São Paulo: Saraiva, 2013.
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Maria Helena Diniz. Código Civil anotado. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
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Curso Intensivo II da Rede de Ensino LFG Prof. Cristiano Chaves.
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Fernanda Silva Todsquini - Graduada em Direito pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), . Data de publicação: 13/01/2021 pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família).