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A falta de cuidado e de afeto dos pais pelos filhos pode ser motivo de indenização na justiça?

Vamos abordar sobre as consequências mediante a ausência dessa afetividade e qual a base legal desse assunto tão delicado e necessário a ser discutido.

 

Contato: suellen.domingos@outlook.com

 

INTRODUÇÃO

A família é o núcleo da sociedade o cuidado e o zelo ultrapassam qualquer fator em grau de importância, pois sabemos que o envolvimento dos pais no cuidado dos filhos faz com que as crianças apresentem um maior desempenho, oferecendo sempre apoio incondicional, conforto e proteção.

Diversos estudos apontam que a ausência dos genitores pode afetar no desenvolvimento psicológico e cognitivo da criança e acarretar distúrbios em relação ao seu comportamento, e ambos possuem papeis importantes cooperando para o futuro dessa criança.

Vale ressaltar que a presença dos pais em hipótese alguma poderá ser compensada por bens materiais, é de fato algo indiscutível, obviamente o auxílio financeiro é essencial para obter todos os recursos necessários, mas há necessidade de auxilio emocional é imprescindível e um não sobrepõe o outro.

 

CONCEITO

O abandono afetivo é a ação ou a omissão de alguém que tem um dever legal de cuidar de uma criança ou um adolescente, ou seja, a vontade deliberada de não reconhecer aquela criança como filho, comisso esse responsável legal não compete com os cuidados que deveria de acordo com a lei, podendo esse cuidado ser rompido ou nem adquirido após o nascimento.

Essa ruptura familiar causa um dano muito grande na vida desse indivíduo, levando até mesmo a obter comportamentos irregulares, procurando de alguma forma a compensação dessa ausência, podendo comprometer a sua personalidade.

Problemas emocionais acarretados por rejeição e abandono não são solucionados com bens, pois avaliar o dano que foi causado na vida de alguém e os prejuízos que lesaram essa vida durante um certo período, ou até mesmo por toda a sua vida é indiscutível.

Na maioria dos casos a ação por indenização por abandono afetivo não altera a situação do quadro atual dos envolvidos, o intuito da indenização seria de responsabilização, principalmente do cuidado que não foi concedido quando era necessário, e mesmo assim estamos falando sobre falta de afeto e cuidado, e não há valor determinado que compense algo intangível.

 

CONCEITO DE FAMÍLIA

Podemos dizer que a família é a primeira instituição social ao qual a criança iniciasse o seu desenvolvimento, e o Art. 226 da Constituição Federal já determina que a família é a base da sociedade e é o berço onde se forma personalidade e caráter de qualquer pessoa e tem a sua proteção especial pelo estado:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

E podemos complementar com o Art. 21 e o Art. 22 - ECA/1990:

Art. 21. O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.

O desenvolvimento saudável que os genitores precisam atuar com os filhos é ressaltado com assertividade no Art. 227 da Constituição Federal, assegura:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Expressamente em lei o Art. 229 da Constituição Federal estabelece a função dos genitores:

Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.

E ambos genitores possuem deveres iguais já que tiveram a condição de gerar uma vida como descrito no inciso V Art. 226 da Constituição Federal:

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

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Cuidar não somente dos filhos, mas tê-los em sua companhia e guarda expresso no Art. 1.634 do Código Civil, de 2002, faz com que seja responsabilidade a competência da criação de seus filhos, de forma clara e objetiva:

Art. 1.634.  Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos: (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

I - dirigir-lhes a criação e a educação; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

 

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; (Redação dada pela Lei nº 13.058, de 2014)

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição. (Incluído pela Lei nº 13.058, de 2014)

 

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRETNTE DO ABANDONO

AFETIVO

Mesmo que a falta de afetividade não seja indenizável, existe o reconhecimento desse dano psicológico se comprovado e é suscetível de indenização, o intuito da busca é pela reparação deixada pela violação da integridade psicofísica dos filhos, vítimas de abandono afetivo. O prazo para ajuizar a ação pedindo indenização pelo abandono afetivo é de 03 anos, a contar da maioridade do(a) filho(a).

Em relação as provas que possam ser aceitas para dar início a esse processo, caberá depoimentos de testemunhas podendo atestar que o genitor não fazia parte do convívio do menor, relatórios emitidos por assistente social, psicólogos ou psiquiatras que comprovem os danos emocionais decorrentes devido ao abandono, documentos que comprovem que somente um dos genitores arcava com os custos relacionados a vítima como escola, saúde, lazer, viagem, dentre outros.

É expresso em lei no Art. 944 do Código Civil, que as indenizações se medem pela extensão do dano causado, e podemos enquadrar o abandono afetivo como pauta nesse contexto.

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.

Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Sendo assim o interessado pode pleitear o valor que for cabível mediante ao dano, a decisão devera ao arbítrio do Juiz, que irá concretizar o valor analisando individualmente cada situação.

 

POSSO EXCLUIR O SOBRENOME DO(A) GENITOR(A) POR ABANDONO AFETIVO?

A dignidade da pessoa humana deve estar em primeiro lugar, o nome de uma pessoa é um elemento individualizador de cada um, tendo como bagagem os traços da família.

Na ação de retificação de registro é preciso comprovar o abandono afetivo para retirada do sobrenome o mesmo não deve ser motivo de constrangimento ou dor, devido a decorrência de uma ruptura de afeto se mantendo presente apenas o abandono.

Podemos citar um caso que foi julgado de ação de retificação de registro civil, para exclusão do sobrenome paterno de uma pessoa que sofreu abandono afetivo e material por parte do pai, a ação foi julgada improcedente em primeiro grau, mas a sentença foi reformada pelo TJ-SP.

O Desembargador Donegá Morandini da 3ª Câmara de Direito Privado assim decidiu:

Segundo o melhor entendimento, rege-se o nome, enquanto instituto, pelo princípio da imutabilidade relativa, autorizada a excepcionalmente sua modificação se presente justa causa, nos termos do artigo 57 da Lei n. 6.015/73, decorrente de relevância social ou indevido constrangimento de seu titular.

No caso em tela, é incontroverso o rompimento de vínculo de afetividade existente entre a apelante e seu genitor. O próprio apelado, embora afirme querer bem à filha e desejar a reaproximação, assume que se afastou a partir de 2014 em razão de desavenças profissionais com o núcleo materno da apelante (fl. 54), o que ratifica o delineio fático exposto na causa de pedir.

AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO CIVIL.

Pretensão da requerente de exclusão do patronímico paterno de seu nome. Julgamento de improcedência. Irresignação. Acolhida impositiva. Medida fundada em abandono sofrido pela interessada por parte de seu genitor. Incontroversa ruptura do vínculo afetivo. Quadro que gera imenso sofrimento à interessada. Cumprimento da hipótese do artigo 57 da Lei nº 6.015/73. Resguardo aos direitos da personalidade da requerente. Precedentes do C. STJ e desta Câmara. Eventuais prejuízos a terceiros, no mais, não evidenciados.

SENTENÇA REFORMADA. APELO PROVIDO.

 

CONCLUSÃO

Com tudo ninguém deve obrigar a amar, o afeto é algo de livre espontânea vontade, porém é um dever do estado garantir as crianças e aos adolescentes os seus direitos, e uma vez não realizado pelos seus genitores a justiça precisa fazê-los lembrar de suas obrigações e responsabilidades.

 

 

REFERÊNCIAS

ACS. (9 de Maio de 2019). Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Fonte: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/abandono-afetivo

 

Advogados, V. (23 de Julho de 2019). VLV Advogados . Fonte: VLV Advogados : https://vlvadvogados.com/abandono afetivo/#:~:text=O%20abandono%20afetivo%20consiste%20na,a%20cria%C3%A7%C3%A3o%20e%20educa%C3%A7%C3%A3o%20deles.

 

Betzel, S. A. (6 de Abril de 2021). Fonte: Migalhas : https://www.migalhas.com.br/depeso/343077/exclusao-do-sobrenome-por-abandono-afetivo

 

Castro, C. &. (10 de Setembro de 2021). Corrêa & Castro. Fonte: https://correacastro.com.br/o-que-e-abandono-afetivo/

  

IBDFAM, A. d. (5 de Maio de 2020). IBDFAM. Fonte: IBDFAM: https://ibdfam.org.br/noticias/7239/V%C3%ADtima+de+abandono+afetivo+e+material,+filho+consegue+excluir+sobrenome+do+pai+do+registro+civil

Sobre os autores
Fernando César Nogueira

Advogado, Professor e Orientador de Direito Civil, FAUSP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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