Resumo: O presente artigo trata da obrigatoriedade ou não de serem observados, em feitos cíveis e criminais, os valores estabelecidos na tabela organizada pelo respectivo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados a título de verba advocatícia devida a advogados dativos (ref.: STJ, Tema 984). Além disso, adentra na discussão normativa dos parâmetros postos no CPC de 2015, mormente a questão da impossibilidade de fixação equitativa dos honorários de sucumbência nas hipóteses previstas de percentuais do art. 85, § 2º e § 3º, CPC, utilizando-se de método de estudo bibliográfico, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência (ref.: STJ, Tema 1.076). O objetivo, ao final, é alcançar a aplicabilidade normativa adequada pelos órgãos julgadores nessa relevante temática.
Palavras-chave: Honorários advocatícios. Aplicação normativa adequada. Parâmetros do CPC e do STJ.
Sumário: 1. Introdução. 2. Da Ordem dos Advogados do Brasil e do constitucional múnus público: programa normativo e domínio normativo quanto aos honorários advocatícios. 3. Dos valores estabelecidos em tabela da OAB a título de verba honorífica devida a advogados dativos (STJ, Tema 984). 4. Do aviltamento de honorários e do sistema normativo posto para fins de arbitramento por equidade (STJ, Tema 1.076): breves incursões analíticas e críticas nas teorias da integridade do direito (Dworkin), da argumentação jurídica (Alexy), dos princípios (Dworkin e Alexy), do pamprincipiologismo (Streck) e do agir comunicativo forte (Habermas). 5. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
O STJ, através do Tema 984, fixou a seguinte tese em relação à questão outrora submetida ao seu crivo acerca da “obrigatoriedade ou não de serem observados, em feitos criminais, os valores estabelecidos na tabela organizada pelo respectivo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados a título de verba advocatícia devida a advogados dativos”2:
1ª) As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado;
2ª) Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, poderá, motivadamente, arbitrar outro valor;
3ª) São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o Poder Público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB.
4ª) Dado o disposto no art. 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos arts 96, I, e 125, § 1º, parte final, da Constituição da República.
Em tal posicionamento, houve, aliás, uma superação de entendimento anterior do próprio STJ (overruling), o qual reconhecia como vinculativa, para os honorários do defensor dativo, a tabela do Conselho Seccional da OAB. Porém, explicou o ministro relator dos repetitivos, Rogerio Schietti Cruz, que a modificação da anterior orientação “é justificada pela relevante necessidade de definição de critérios mais isonômicos de fixação dos honorários, e menos onerosos aos cofres públicos, sem prejuízo da necessidade de assegurar a dignidade da advocacia e o acesso à Justiça pelos hipossuficientes”.
Ademais, na outra questão afetada para definição dos honorários por apreciação equitativa em casos de elevado valor, o STJ decidiu pelo Tema 1.076 a seguinte tese resumida:
1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) – a depender da presença da Fazenda Pública na lide –, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Considerando os dispositivos legais e constitucionais envolvidos na análise jurídica do tema, a exemplo das Leis Federais 8.906/94 (Estatuto da OAB) e 13.105/15 (CPC), bem como o art. 103, VII, da CF/88, o presente artigo tem como objetivo detalhar tal sistema normativamente posto quanto à interpretação dos termos acerca da utilização da tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB e da equidade em sede honorífica, inclusive com estudos em precedentes do STJ, além do foco no papel relevante da OAB e em seu múnus público no ordenamento jurídico brasileiro.
2. DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL E DO CONSTITUCIONAL MÚNUS PÚBLICO: PROGRAMA NORMATIVO E DOMÍNIO NORMATIVO QUANTO AOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
O papel social da Ordem dos Advogados do Brasil resta retratado no contexto do constituinte de 1988 no capítulo das funções essenciais à Justiça, revelando o programa normativo constitucional:
Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
É também através do papel institucional da OAB que todos os demais Poderes Constituídos se desincumbem de sua missão constitucional, decorrendo a operacionalização do sistema de Estado de Direito. Isso porque:
A Ordem dos Advogados é instituição com histórico de participação decisiva em movimentos cívicos e democráticos. A sua importância foi reconhecida pelo constituinte, que, por exemplo, nomeou o Conselho Federal da OAB titular do poder de provocar a fiscalização abstrata de leis perante o STF.3
No Supremo Tribunal Federal, a sua natureza sui generis foi devidamente aclarada no julgamento da ADI 3.026, rel. Min. Eros Grau, DJ de 29 -9 -2006. Ali, observou-se que “a Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro” e que “não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas”, possuindo, em verdade, “finalidade institucional”. A mencionada finalidade institucional da OAB resta destrinchada, em detalhamento de domínio normativo, na Lei Federal n. 8.906/94 (Estatuto da OAB). Vejam-se alguns conceitos relevantes nesse seu mister institucional (destacou-se):
Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; (Vide ADIN 1.127-8)
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
§ 1º Não se inclui na atividade privativa de advocacia a impetração de habeas corpus em qualquer instância ou tribunal.
§ 2º Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados.
§ 3º É vedada a divulgação de advocacia em conjunto com outra atividade.
Art. 2º O advogado é indispensável à administração da justiça.
§ 1º No seu ministério privado, o advogado presta serviço público e exerce função social.
§ 2º No processo judicial, o advogado contribui, na postulação de decisão favorável ao seu constituinte, ao convencimento do julgador, e seus atos constituem múnus público.
§ 3º No exercício da profissão, o advogado é inviolável por seus atos e manifestações, nos limites desta lei.
Art. 44. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade:
I - defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas;
II - promover, com exclusividade, a representação, a defesa, a seleção e a disciplina dos advogados em toda a República Federativa do Brasil.
Além disso, a referida lei dispõe em largos espaços do binômio direitos e deveres dos advogados no exercício da profissão, conforme art. 7º e 33 da Lei 8.906/94. A responsabilidade para com a comunidade é, portanto, de extrema relevância e dignidade institucional. Outrossim, em Sergipe, a Comissão de Combate ao Aviltamento de Honorários Advocatícios tratou da relevância do advogado, através de seu Regimento Geral, cujo texto foi redigido pelo articulista da presente e referendado pela OAB/SE (destacou-se):
Art. 2º - O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade do seu Ministério Privado à elevada função pública que exerce, assim fazendo jus à remuneração digna, nos limites da lei.
De um lado, como se tem tal relevância em seu múnus público, de outro deve haver a correspondência contraprestacional, com natureza, deveras, de verba alimentar primordial4. Mas não quaisquer honorários, e sim aqueles dignos. Relevância do múnus público e dignidade dos honorários andam, assim, juntos na retratação da missão institucional do Advogado e da OAB. Nesse sentido, o sistema honorífico na legislação nacional, no formato preponderante de regra, está posto em adequação normativa. Aqui, vale um parêntesis necessário para avanço por uma fundamentação jurídica racional ao longo de todo este artigo, antecipando-se, ainda que minimamente, os detalhamentos das referidas teorias que se darão no capítulo 4.
Adota-se a diferenciação qualitativa entre regras e princípios, seja pela teoria de Ronald Dworkin5 – pela qual se aplica a regra segundo o teorema do “all or nothing” (tudo ou nada, em alta densidade normativa pela não abertura do texto a ser interpretado) e os princípios, pelo sistema de dimensão de peso em caso de conflito de direitos fundamentais (menor densidade normativa) –, seja pela teoria de Robert Alexy6 – pela qual os princípios são mandados de otimização de sua previsão, para os quais se utilizam métodos de ponderação (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), sendo nas regras aplicada a máxima de que “se uma regra é válida, então há de se fazer exatamente o que ela exige, sem mais nem menos”.
Ou seja, para Dworkin, no conflito de regras tem-se a solução pela validade ou invalidade da proposta normativa colocada em análise (ilegalidade ou inconstitucionalidade, por exemplo). Já no caso dos princípios, estes dariam conta de resolver os problemas próprios dos chamados hard cases, ou seja, dos casos difíceis em decorrência de conflito aparente entre normas, pois dotados de um sistema de dimensão de peso sempre de acordo com a circunstância específica do caso concreto. Por sua vez, em Alexy, os princípios podem ser concretizados em diferentes graus (mandamentos de otimização), mas as regras teriam um parâmetro maior em sua definitividade.
Assim, fica cognoscível, imediatamente, o fato de que o referido sistema honorífico dos advogados está colocado em regras com alta densidade normativa. Argumentos, portanto, ao estilo ponderativo não se coadunam com a hipótese em análise, o que afasta, em muito, os critérios hermenêuticos próprios da sonda principiológica. Esse o rigor metodológico que o caso requer, mantendo-se a coerência interpretativa e evitando-se o solapamento da força normativa da Constituição. Dito isso, passe-se à análise do referido sistema honorífico em dois casos específicos e paradigmáticos, consoante referenciado em cada capítulo respectivo abaixo (STJ, Temas 984 e 1.076).
3. DOS VALORES ESTABELECIDOS EM TABELA DA OAB A TÍTULO DE VERBA HONORÍFICA DEVIDA A ADVOGADOS DATIVOS (STJ, TEMA 984)
O art. 85. do CPC, Código de Processo Civil renovado em 2015, é a norma comando de todo esse sistema, como bem sabido. A delimitação que o dispositivo faz apenas reforça o seu caráter de alta densidade normativa, pronta, destarte, para imediato cumprimento, sem discricionariedades judicantes. Cite-se trecho importante para deslinde deste escrito:
Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.
§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Pari passu, no caso dos defensores dativos (objeto desta análise), há lei federal com previsão normativa idem em regra (não em princípio). E, pelo mesmo fato de já conter alta densidade normativa, argumentos ao estilo ponderante não se adequam no quesito jurídico. Esse o ponto onde, segundo Lenio Streck7, correr fora da raia normativamente posta leva aos absurdos da discricionariedade, pois se aplica fundamento de princípio no momento em que se tem regra analisada. Neste caso específico (defensores dativos), a aplicação da regra em “all” (toda, na análise de Dworkin) deve ser a métrica, pois válida e condizente com o sistema constitucional e normativo processual, ambos já citados retro. A Lei 8.906/94 prevê (destacou-se):
Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.
§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.
§ 2º Na falta de estipulação ou de acordo, os honorários são fixados por arbitramento judicial, em remuneração compatível com o trabalho e o valor econômico da questão, não podendo ser inferiores aos estabelecidos na tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB.
Note-se que o sistema normativo para os defensores dativos está sistematicamente, logicamente e historicamente8 válido para pronta aplicação, pois regra com densidade normativa plenamente posta, inclusive com o fundamento constitucional relevante da posição alçada pela advocacia como função essencial à justiça, como visto. Assim, a delimitação do objeto referente ao art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94, encontra respaldo constitucional relevante no art. 133. da CF.
No nível normativo de legislação ordinária, como analisado acima, o STJ fixou a mencionada Tese 984. Ocorre, porém, como corolário direto, que o tema passou pelo crivo dos recursos repetitivos, o que implica consequências processuais e substanciais na aplicação (práxis) do direito pelos Tribunais brasileiros. Conforme previsão do art. 1.039. do CPC, “decididos os recursos afetados, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada”.
Por tal razão, tendo o STJ já analisado a questão da não obrigatoriedade de serem observados, em feitos criminais, os valores estabelecidos na tabela organizada pelo respectivo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados a título de verba advocatícia devida a advogados dativos, toda controvérsia que gire sobre o tema estará obstaculizada por tal julgamento. Entende-se que a questão, para além dos feitos criminais, pode ser ampliada para feitos do ramo cível.
Contudo, o conhecido fenômeno da constitucionalização do direito9 atrai, no caso concreto em análise, a apreciação da matéria de fato acima exposta para um outro nível: o da compatibilidade declaratória constitucional do texto e da norma do art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94, com os ditames programáticos do art. 133. da CF. Neste ponto, ex vi legis, assumiria o Supremo Tribunal Federal a competência para tratamento do case (indispensabilidade constitucional do advogado à administração da justiça e a remuneração digna como já posta normativamente) ao modo de controle abstrato de constitucionalidade:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
A necessidade do pronunciamento pelo STF da matéria faz-se cogente também pelo fato de eventual decisão sua produzir “eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal”, nos termos do art. 102, § 2º, da CF10, trazendo novamente o programa normativo do art. 133. da CF para a concretude do domínio normativo11 trabalhado pela regra do art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94.
Em verdade, a inquietação colocada a julgamento no âmbito do STJ teve como conclusão uma modificação daquilo que o Tribunal Superior estava há muito aplicando – e que aqui, como visto no item anterior, se considerou (essa posição antes do julgamento do Tema 984) como normativamente adequada. A novel decisão do STJ aplicou, assim, com a devida vênia, um impróprio overruling, focado que estava, preponderantemente, na questão teleológica econômica (quando a norma posta, repita-se, não dava abertura em sua densidade normativa para tanto, por não ser do tipo principiológica). Os perigos de tal posição são conhecidos, como já alertava o jurista alemão Konrad Hesse: “a ‘interpretação teleológica’ é praticamente uma carta branca, já que, ao se dizer necessário desvendar o sentido de um preceito, não se responde à pergunta fundamental sobre como descobrir este sentido”.12
Quanto à impropriedade do overruling no caso, deve ser observado o ponto de seus requisitos não terem sido cumpridos para determinação da superação de um longo precedente que o próprio STJ aplicava (“há mais de 15 anos”, como citou o Ministro Relator13). Essa técnica está bem explicada no excerto abaixo, conforme o processualista brasileiro Elpídio Donizetti:
Por meio dessa técnica (overruling) o precedente é revogado ou superado em razão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação. O paradigma escolhido se aplicaria ao caso sob julgamento, contudo, em face desses fatores, não há conveniência na preservação do precedente.14
Ora, nem modificação de valores sociais, nem conceitos jurídicos, nem tecnologia e nem erro gerador de instabilidade existiram no caso de aplicação, aos advogados dativos, da regra de “quando indicado para patrocinar causa de juridicamente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, [ter] direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado”, conforme art. 22, § 1º, da Lei 8.906/94.
De novo com a vênia adequada, não houve qualquer incerteza de sentido do texto resultante de qualquer contexto empregado, posto que seguira firme, até então, o domínio normativo (possibilidade de firmarem-se honorários institucionalmente pela OAB – art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94) para com seu programa normativo (indispensabilidade da advocacia à administração da justiça, por sua função essencial e sui generis, inclusive por seus dativos – art. 133. da CF). Como conclui o citado processualista, “diferentemente do que ocorre na formação de uma tese, a alteração de um precedente pode gerar prejuízos e insegurança aos jurisdicionados, frustrando legítimas expectativas e ameaçando os princípios da estabilidade e da não surpresa”.15
No mérito em si da abordagem antes do julgamento da Tese 984 pelo STJ, os fundamentos desse Tribunal Superior não destoavam do normativamente adequado, naquilo que está devidamente trabalhado supra (compatibilidade constitucional, regra com alta densidade normativa, domínio e programa normativos congruentes, não abertura qualitativamente principiológica, não hipótese de ponderação ou razoabilidade por conflito de direitos fundamentais, problema da interpretação teleológica como carta branca discricionária não racionalizada no sistema jurídico, etc.).
Citem-se alguns julgados de outrora do próprio STJ, demonstrando que nunca houve incoerência (irracionalidade de termos), lacunas (omissão de termos) ou ambiguidades (vagueza de termos) na formatação da norma inferior, muito menos incompatibilidade desta com a Constituição e o seu fundamento de indispensabilidade da advocacia à administração da justiça, por sua função essencial e sui generis, resvalando, ao contrário e positivamente, na sua autonomia institucional, no seu múnus público e na sua dignidade honorífica (que se podem chamar de os três pilares de sustentação da missão constitucional da OAB).
Os precedentes anteriores à finalização da Tese 984 são autorreferenciais e autoexplicativos (no sentido de a tabela da OAB estar como parâmetro normativo apto, válido e adequado para fins de arbitramento da verba honorífica do dativo), in verbis (destacou-se):
PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AMEAÇA. DEFENSOR DATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. TABELA DE HONORÁRIOS DA OAB. ALEGADA AFRONTA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. ANÁLISE. INVIABILIDADE. 1. O defensor dativo tem direito aos honorários fixados pelo magistrado e pagos pelo Estado de acordo com os valores mínimos estabelecidos na tabela da Ordem dos Advogados do Brasil da respectiva Seccional. Precedentes. 2. Em recurso especial não se analisa a alegada afronta a dispositivos constitucionais, sob pena de usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal. 3. Agravo regimental desprovido.
(STJ - AgInt no REsp: 1660482 SC 2017/0057144-2, Relator: Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Data de Julgamento: 14/11/2017, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/11/2017)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL.RECURSOS IDÊNTICOS. PRECLUSÃO CONSUMATIVA DO SEGUNDO RECURSO. DEFENSOR DATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. VALORES MÍNIMOS ESTABELECIDOS PELA TABELA DA OAB/SC. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. VIA IMPRÓPRIA. PROPORCIONALIDADE. ANÁLISE. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 7/STJ.
1. A preclusão consumativa obsta o conhecimento do segundo agravo regimental, interposto pela mesma parte, em face da mesma decisão judicial.
2. A jurisprudência desta Corte Superior é pacífica no sentido de que O arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo, nomeado para oficiar em processos criminais, deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB, considerados o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa, parâmetros norteadores do quantum (REsp 1.377.798/ES, Rel. Ministro Rogério Schietti Cruz, SEXTA TURMA, DJe de 2/9/2014).
3. A análise da proporcionalidade entre os valores mínimos tabelados pela Seccional de Santa Catarina e de outros Estados implica o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos, ensejando a incidência da Súmula 7/STJ.
4. É inviável o exame de afronta a dispositivos constitucionais em recurso especial, sob pena de usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal (art. 102, III, a, da CF).
5. Agravo regimental de fls. 520/537 não conhecido e de fls. 502/519 improvido.
(AgRg no REsp 1.540.647/SC, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/05/2016, DJe 25/05/2016, grifei).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 22, § 1º DA LEI Nº 8.906/1994. AÇÃO PENAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR DATIVO. OBSERVÂNCIA DA TABELA DE HONORÁRIOS DA OAB. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONFRONTO COM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO STJ. OFENSA A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. ANÁLISE QUE DEMANDA REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
1. De acordo com o entendimento deste Superior Tribunal de Justiça, o defensor dativo nomeado para atuar em feitos criminais tem direito à verba advocatícia a ser fixada em observância aos valores estabelecidos na tabela organizada pelo respectivo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados.
2. A análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação da Constituição Federal.
3. Para a análise da ofensa ao princípio da proporcionalidade, na forma como tratada pelo recorrente, seria inevitável o revolvimento do arcabouço fático e probatório, procedimento sabidamente inviável na instância especial, nos termos da Súmula nº 7/STJ.
4. Agravo regimental a que se nega provimento.
(AgRg no REsp 1.543.243/SC, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 05/11/2015, DJe 23/11/2015, grifei).
PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO PENAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DEFENSOR DATIVO. ART. 22, § 1º, DA LEI N.º N.º 8.904/94. INCIDÊNCIA. OBSERVÂNCIA DA TABELA DE HONORÁRIOS DA OAB. PRECEDENTES.
1. A violação de dispositivos constitucionais não pode ser apreciada em sede de recurso especial, porquanto a análise de matéria constitucional não é de competência desta Corte, mas sim do Supremo Tribunal Federal, por expressa determinação constitucional.
2. A irresignação recursal apresenta inconformismo quanto à validade da Lei Complementar Estadual 155/97 em face do que dispõe a Lei Federal n. 8.906/94. Ocorre que, "esta Corte, com a promulgação da EC n. 45/2004, deixou de ser competente para examinar validade de lei local contestada em face de lei federal, cuja atribuição passou a ser do Supremo Tribunal Federal, conforme artigo 102, III, d, da Constituição Federal, litteratim: "julgar válida lei local contestada em face de lei federal". (AgRg no REsp 792.446/MS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJ 10.5.10).
3. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que o" arbitramento judicial dos honorários advocatícios ao defensor dativo, nomeado para oficiar em processos criminais, deve observar os valores mínimos estabelecidos na tabela da OAB, considerados o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa como parâmetros norteadores do quantum"(REsp. 1.377.798/ES, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, julgado em 19/8/2014, DJe 2/9/2014). Precedentes.
4. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1.312.990/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 10/12/2015).
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DEFENSOR DATIVO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. APLICAÇÃO DA TABELA DA OAB. ALEGADA VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. COMPETÊNCIA DO STF.
I -" De acordo com reiterados precedentes deste Superior Tribunal de Justiça, o defensor dativo nomeado para atuar em feitos criminais tem direito à verba advocatícia a ser fixada em observância aos valores estabelecidos na tabela organizada pelo respectivo Conselho Seccional da Ordem dos Advogados"(AgRg no REsp n. 1.534.898/SC, Sexta Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJe de 17/9/2015).
II - Não compete a este eg. STJ se manifestar explicitamente sobre dispositivos constitucionais, ainda que para fins de prequestionamento. (precedentes).
Agravo regimental desprovido.
(AgRg no REsp 1.444.703/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 10/03/2016, DJe 21/03/2016).
Por sua vez, a própria Tese 984 (não obrigatoriedade do parâmetro normativo para fins de arbitramento da verba honorífica do dativo) esbarra no contexto amplamente trabalhado retro. Cite-se, apenas para registro, a ementa do voto no repetitivo base da Tese 984, qual seja, RECURSO ESPECIAL Nº 1.656.322 – SC, DJe 04/11/2019, in verbis (destacou-se):
RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS DE DEFENSOR DATIVO INDICADO PARA ATUAR EM PROCESSO PENAL. SUPERAÇÃO JURISPRUDENCIAL (OVERRULING). NECESSIDADE. VALORES PREVISTOS NA TABELA DA OAB. CRITÉRIOS PARA PRODUÇÃO DAS TABELAS. INTERPRETAÇÃO DO ART. 22, § 1º E 2º, DO ESTATUTO CONSENTÂNEA COM AS CARACTERÍSTICAS DA ATUAÇÃO DO DEFENSOR DATIVO. INEXISTÊNCIA DE VINCULAÇÃO DA TABELA PRODUZIDA PELAS SECCIONAIS. TESES FIXADAS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. É possível, e mesmo aconselhável, submeter o precedente a permanente reavaliação e, eventualmente, modificar-lhe os contornos, por meio de alguma peculiaridade que o distinga (distinguishing), ou que o leve a sua superação total (overruling) ou parcial (overturning), de modo a imprimir plasticidade ao Direito, ante as demandas da sociedade e o dinamismo do sistema jurídico.
2. O entendimento da Terceira Seção do STJ sobre a fixação dos honorários de defensor dativo demanda uma nova compreensão – a exemplo do que já ocorre nas duas outras Seções da Corte –, sobretudo para que se possa imprimir consistência e racionalidade sistêmica ao ordenamento, fincadas na relevante necessidade de definição de critérios mais isonômicos e razoáveis de fixação dos honorários, os quais, fundamentais para dar concretude ao acesso de todos à justiça e para conferir dignidade ao exercício da Advocacia, devem buscar a menor onerosidade possível aos cofres públicos.
3. Se a prestação de serviços públicos em geral depende da transferência de recursos obtidos da sociedade, é impositivo que tal captação se submeta a uma gestão orçamentária específica de gastos, que deverá ser orientada, sobretudo, pelos próprios princípios administrativos limitativos (entre os quais a economicidade e do equilíbrio das contas).
4. Há que se compatibilizar o postulado constitucional de universalização do acesso ao Judiciário, previsto no art. 5º, LXXIV –precipuamente quando o patrocínio do hipossuficiente é feito pela Defensoria Pública (art. 134. da CF) – com as hipóteses em que a própria deficiência estrutural dessa instituição obriga o Estado a socorrer-se de defensores dativos, situação em que ainda há prevalência do interesse público, isto é, do bem comum que se sobrepõe ao individual.
5. A inexistência de critérios para a produção das tabelas fornecidas pelas diversas entidades representativas da OAB das unidades federativas acaba por resultar na fixação de valores díspares pelos mesmos serviços prestados pelo advogado. Além disso, do confronto entre os valores indicados nas tabelas produzidas unilateralmente pela OAB com os subsídios mensais de um Defensor Público do Estado de Santa Catarina, constata-se total descompasso entre a remuneração por um mês de serviços prestados pelo Defensor Público e o que perceberia um advogado dativo, por atuação específica a um ou outro ato processual.
6. É indiscutível, ante a ordem constitucional vigente, que a atuação do defensor dativo é subsidiária à do defensor público. Não obstante, essa não é a realidade de muitos Estados da Federação, nos quais a atuação da advocacia dativa é francamente majoritária, sobretudo pelas inúmeras deficiências estruturais que ainda acometem as Defensorias Públicas. Nesse cenário, a relevância da participação da advocacia é reconhecida não só por constituir função indispensável à administração da justiça, mas também por ser elemento essencial para dar concretude à garantia fundamental de acesso à justiça. Tal situação, ao mesmo tempo que assegura a percepção de honorários pelos profissionais que atuam nessa qualidade, impõe equilíbrio e razoabilidade em sua quantificação.
7. O art. 22. do Estatuto da OAB assegura, seja por determinação em contrato, seja por fixação judicial, a contraprestação econômica indispensável à sobrevivência digna do advogado, hoje considerada pacificamente como verba de natureza alimentar (Súmula Vinculante n. 47. do STF). O caput do referido dispositivo trata, de maneira geral, do direito do advogado à percepção dos honorários. O parágrafo primeiro, por sua vez, cuida da hipótese de defensores dativos, aos quais devem ser fixados os honorários segundo a tabela organizada pela Seccional da OAB. Já o parágrafo segundo abarca as situações em que não há estipulação contratual dos honorários convencionais, de modo que a fixação deve se dar por arbitramento judicial.
8. A condição sui generis da relação estabelecida pelo advogado e o Estado, não só por se tratar de particular em colaboração com o Poder Público, mas também por decorrer de determinação judicial, a fim de possibilitar exercício de uma garantia fundamental da parte, implica a existência, ainda que transitória, de vínculo que o condiciona à prestação de uma atividade em benefício do interesse público. Em outras palavras, a hipótese do parágrafo primeiro abrange os casos em que não é possível celebrar, sem haver previsão legal, um contrato de honorários convencionais com o Poder Público. O parágrafo segundo, por sua vez, compreende justamente os casos em que, a despeito de possível o contrato de honorários convencionais, tal não se dá, por qualquer motivo.
9. O arbitramento judicial é a forma de se mensurarem, ante a ausência de contratação por escrito, os honorários devidos. Apesar da indispensável provocação judicial, não se confundem com os honorários de sucumbência, porquanto não possuem natureza processual e independem do resultado da demanda proposta. Especificamente para essa hipótese é que o parágrafo segundo prevê, diversamente do que ocorre com o parágrafo primeiro, que os valores a serem arbitrados não poderão ser inferiores aos previstos nas tabelas da Seccionais da OAB. Assim, há um tratamento explicitamente distinto para ambos os casos.
10. A utilização da expressão "segundo tabela organizada", prevista no primeiro parágrafo do art. 22. do Estatuto da OAB, deve ser entendida como referencial, visto que não se pode impor à Administração o pagamento de remuneração com base em tabela produzida unilateralmente por entidade representativa de classe de natureza privada, como contraprestação de serviços prestados, fora das hipóteses legais de contratação pública. Já a expressão "não podendo ser inferiores", contida no parágrafo segundo, objetiva resguardar, no arbitramento de honorários, a pretensão do advogado particular que não ajustou o valor devido pela prestação dos serviços advocatícios.
11. A contraprestação por esses serviços deve ser justa e consentânea com o trabalho desenvolvido pelo advogado, sem perder de vista que o próprio Código de Ética e Disciplina da OAB prevê, em seu art. 49, que os honorários profissionais devem ser fixados com moderação, levando em conta os diversos aspectos que orbitam o caso concreto. O referido dispositivo estabelece alguns critérios para conferir maior objetividade à determinação dos honorários, considerando elementos como a complexidade da causa e sua repercussão social, o tempo a ser empregado, o valor da causa, a condição econômica do cliente, a competência e a expertise do profissional em assuntos análogos. A intenção de se observarem esses critérios é a de que os honorários sejam assentados com razoabilidade, sem serem módicos a ponto de aviltarem a nobre função advocatícia, nem tampouco serem exorbitantes de modo a onerarem os cofres públicos e, consequentemente, a sociedade.
12. Na mesma linha se encontram as diretrizes preconizadas pelo Código de Processo Civil (art. 85, §§ 2º e 6º, do CPC), que, ao tratar de forma mais abrangente os honorários, prestigia o direito do advogado de receber a devida remuneração pelos serviços prestados no processo, sempre com apoio nas nuances de cada caso e no trabalho desempenhado pelo profissional. As balizas para o estabelecimento dos honorários podem ser extraídas do parágrafo segundo, o qual estabelece que caberá ao próprio juiz da demanda fixar a verba honorária, em atenção a todos os aspectos que envolveram a demanda. O parágrafo oitavo ainda preconiza que, "nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º".
13. Na linha de precedentes das Seções de Direito Público, a tabela de honorários produzida pela OAB deve servir apenas como referencial, sem nenhum conteúdo vinculativo, sob pena de, em alguns casos, remunerar, com idêntico valor, advogados com diferentes dispêndios de tempo e labor, baseado exclusivamente na tabela indicada pela entidade representativa.
14. Na hipótese, a despeito de haver levado em conta todo o trabalho realizado e o zelo demonstrado pelo causídico, valeu-se, exclusivamente, das normas processuais que tratam dos honorários, sem, contudo, considerar, como referência, aqueles fixados pela tabela da OAB. Embora não vinculativos, como realçado pelo decisum, nos casos em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, deverá, motivadamente, arbitrar outro valor, com a devida indicação dessa desproporcionalidade.
15. Recurso parcialmente provido para que o Tribunal de origem faça uma nova avaliação do quantum a ser fixado a título de honorários, em consonância com as diretrizes expostas alhures.
16. Proposta a fixação das seguintes teses: 1ª) As tabelas de honorários elaboradas unilateralmente pelos Conselhos Seccionais da OAB não vinculam o magistrado no momento de arbitrar o valor da remuneração a que faz jus o defensor dativo que atua no processo penal; servem como referência para o estabelecimento de valor que seja justo e que reflita o labor despendido pelo advogado; 2ª) Nas hipóteses em que o juiz da causa considerar desproporcional a quantia indicada na tabela da OAB em relação aos esforços despendidos pelo defensor dativo para os atos processuais praticados, poderá, motivadamente, arbitrar outro valor; 3ª) São, porém, vinculativas, quanto aos valores estabelecidos para os atos praticados por defensor dativo, as tabelas produzidas mediante acordo entre o Poder Público, a Defensoria Pública e a seccional da OAB. 4ª) Dado o disposto no art. 105, parágrafo único, II, da Constituição da República, possui caráter vinculante a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos arts 96, I, e 125, § 1º, parte final, da Constituição da República.
Nota-se que, ao serem observados os argumentos anteriores e atuais do Colendo Superior Tribunal, a fundamentação de outrora estava bem mais condizente com aquilo que já prevê a legislação, inclusive se mencionando, no voto, o grau de zelo do profissional e a dificuldade da causa como balizadores legítimos no arbitramento do percentual da verba. Agora, porém, se passa a entender que essa mesma previsão legal de a tabela ser organizada pela OAB não se coaduna com a razoabilidade na ponderação de cada caso sub judice, função de delimitação que seria delegada, por fim, ao julgador.
De mais a mais, não se pode deixar de registrar que causa estranheza, novamente com a vênia própria das argumentações lógico-jurídicas, que o subitem 4 do item 16 acima transcrito e destacado dê regularidade e poder vinculatório “a Tabela de Honorários da Justiça Federal, assim como tabelas similares instituídas, eventualmente, pelos órgãos competentes das Justiças dos Estados e do Distrito Federal, na forma dos arts. 96, I, e 125, § 1º, parte final, da Constituição da República”, porém olvide tal mesmo poder vinculatório sistematizado à instituição que a própria CF/88, em seu art. 133, considerou sui generis e essencial à operacionalização pragmática da Justiça (como Poder de Estado) e da justiça (como teoria dos interesses privados e sociais): “o advogado [como] indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.
Disso tudo, tem-se essencial a manifestação do STF para fins de exame, em controle abstrato, acerca desse relevante tema, na modalidade Ação Declaratória de Constitucionalidade. Segundo o Colendo Supremo Tribunal16:
A interpretação constitucional derivada das decisões proferidas pelo STF – a quem se atribuiu a função eminente de "guarda da Constituição" (CF, art. 102, caput) – assume papel de essencial importância na organização institucional do Estado brasileiro, a justificar o reconhecimento de que o modelo político-jurídico vigente em nosso país confere, à Suprema Corte, a singular prerrogativa de dispor do monopólio da última palavra em tema de exegese das normas inscritas no texto da Lei Fundamental.
(ADI 3.345, rel. min. Celso de Mello, j. 25-8-2005, P, DJE de 20-8-2010)17
Em “A luta pelo direito”, o jurista alemão Rudolf von Jhering18, afirma, logo em seu prólogo, que “no conceito de direito estão reunidos, em iguais proporções, os opostos luta e paz – a paz como meta, a luta como meio do direito, e ambos inseparáveis de seu conceito”19. E atesta: a luta contra a injustiça e o antidireito (“indireito” ou “não direito”, em tradução literal e direta de “Unrecht”). O caso concreto posto acima, como assaz detalhado, urge tal luta para fins de delineamento normativamente adequado à realidade sistemática legal e constitucional da matéria – neste momento, pelo STF em sede de controle abstrato de constitucionalidade, tendo em consideração as antinormatividades apontas quando do estudo do Tema 984, pelo STJ.
O multicitado art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94, encontra respaldo constitucional relevante no art. 133. da CF. Por isso mesmo, por não apresentar vício de inconstitucionalidade, mas tendo controvérsia relevante levantada pelo Tema 984 do STJ, inclusive, data venia, em impróprio overruling, tal dispositivo infraconstitucional deve restar plenamente válido, seja para as matérias criminais, seja também para as cíveis, quando atuantes os defensores dativos: “segundo a teoria da divisibilidade das leis, em sede de jurisdição constitucional, aqueles dispositivos que não apresentem vício de inconstitucionalidade devem permanecer válidos” (ADI 4.081, rel. min. Edson Fachin, julgamento em 22-11-2015, Plenário, DJE de 4-12-2015 – destacou-se).
Há o dever dos Tribunais Pátrios de uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente com o sistema jurídico constitucional e infraconstitucional, nos termos do art. 926. do CPC20. Tal dever, como preconiza Lenio Streck21, resta imbricado na teoria da “ law as integrity” de Dworkin, consubstanciando, fundamentalmente, em “superar as teses convencionalistas e pragmatistas a partir da obrigação de os juízes respeitarem a integridade do Direito a aplicá-lo coerentemente”. Conclui o constitucionalista:
(...) estará assegurada a integridade do Direito a partir da força normativa da Constituição. (...) Há, assim, um direito fundamental a uma resposta adequada à Constituição ou, se quiser, uma resposta constitucionalmente adequada (ou, ainda, uma resposta hermeneuticamente correta em relação à Constituição).22
No caso concreto ora em análise (“direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado” – cf. art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94), têm-se a seguinte applicatio 23:
Resposta constitucionalmente adequada: a manutenção da constitucionalidade plena do art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94, tem norte coerente e integrativo advindo da essencialidade e da natureza institucional e sui generis dada pelo art. 133. da CF; o domínio normativo infraconstitucional encontra resposta adequada no programa normativo constitucional na forma interpretativa lógica, sistemática, histórica, axiológia e teleológica, aplicáveis na hipótese por conter alta densidade normativa (regra de aplicação prevista sem abertura principiológica ponderativa a la conflito de direitos fundamentais);
Inexistência das hipóteses vinculativas pelas quais o juiz pode deixar de aplicar uma lei: segundo o grande constitucionalista brasileiro, Lenio Streck24, de referência mundial, aliás, em apenas seis hipóteses constitucionalmente previstas pode o Judiciário deixar de aplicar uma lei (teoria da nulidade dos atos inconstitucionais e da presunção de constitucionalidade da previsão do domínio normativo): 1) a lei, em si, é inconstitucional (formalmente ou materialmente); 2) nos casos de antinomias (no quesito regras, quando existente alta densidade normativa); 3) pela interpretação conforme a Constituição, desde que dentro da resposta constitucional adequada (compatibilização entre a relevância do programa normativo e a previsão do domínio normativo); 4) pela aplicação da nulidade parcial sem redução de texto (da mesma forma que o item 4, mas por abdução e não por adição, compatibilização entre a relevância do programa normativo e a previsão do domínio normativo); 5) pela declaração de inconstitucionalidade com redução de texto (pela exclusão fundamentada de uma palavra, para manutenção do sentido constitucional do dispositivo); 6) por aplicação principiológica (mas apenas possível, dentro da teoria dos princípios e da decisão judicial, quando se tem baixa densidade normativa por abertura axiológica contida no próprio programa ou domínio normativo, onde, somente e tão-somente aqui, nas chamadas colisões de direitos fundamentais, otimizados por mandamento constitucional, haverá de se ter a análise da proporcionalidade, razoabilidade e ponderação).
Desde logo se assevere, como fundamentado alhures: nenhuma dessas seis hipóteses do item “b” acima está a friccionar ou mesmo abalar a presunção de constitucionalidade do art. 22, § 1º e § 2º, da Lei 8.906/94. Não contém tal dispositivo infraconstitucional, especificamente quanto ao item “b.6”, qualquer abertura principiológica para fins de utilização de técnicas próprias desse tipo de situação (não há colisão de direitos fundamentais para serem utilizadas técnicas próprias de norma de baixa densidade normativa, tais como técnica de ponderação, razoabilidade ou proporcionalidade).
Epistologicamente, não se está a tratar, sequer, de colisão de princípios, pois há norma-regra explícita ao caso e com densidade principiológica inerente e já para pronto atendimento normativo em interpretação-aplicação. Por isso, não haverá incurso em proposta de resposta por dimensão de peso entre fundamentos de princípios colidentes, na forma da teoria de Dworkin25, muito menos na busca de uma norma de direito fundamental atribuída, como propõe Alexy26 no caso da aplicação da tese especial para ponderação em colisão de direitos fundamentais, insista-se, principiológica. Ao contrário: nessa previsão da lei, há alta densidade normativa (regra), sendo que todo o arcabouço principiológico do programa já fora incluído dentro de seu domínio normativo, o qual resta pronto para a applicatio, no modo de plena validade e adequação constitucional.
Em verdade, por um movimento de compreensão normativamente adequada (círculo hermenêutico27), deve ser notado que já há princípio-na-norma-regra com a previsão expressa (de tal norma-regra) – e, portanto, sequer se necessita de abordagem de norma-princípio-tendente-a-uma-norma-fundamental-atribuída. Não há otimização a ser ponderada, pois tal otimização fundamental já o foi inserida no bojo da norma-regra processual e constitucional.
4. DO AVILTAMENTO DE HONORÁRIOS E DO SISTEMA NORMATIVO POSTO PARA FINS DE ARBITRAMENTO POR EQUIDADE (STJ, TEMA 1.076): BREVES INCURSÕES ANALÍTICAS E CRÍTICAS NAS TEORIAS DA INTEGRIDADE DO DIREITO (DWORKIN), DA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA (ALEXY), DOS PRINCÍPIOS (DWORKIN E ALEXY), DO PAMPRINCIPIOLOGISMO (STRECK) E DO AGIR COMUNICATIVO FORTE (HABERMAS)
A questão da aplicação normativamente adequada dos honorários advocatícios também engloba a famigerada hipótese de arbitramento por equidade. Segundo o CPC:
Art. 85. § 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
Nesse ponto, o STJ já vinha concluindo, de forma adequada à própria previsão legal, que, não sendo irrisório o proveito econômico obtido pela parte, incabível a fixação equitativa dos honorários de sucumbência, os quais deveriam obedecer aos percentuais previstos no art. 85, do CPC/2015. Vejam-se algumas decisões paradigmáticas nesse sentido (destacou-se):
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DE COBRANÇA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA DOS PEDIDOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO EQUITATIVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE IRRISORIEDADE DO VALOR DA CONDENAÇÃO. PRECEDENTES.
I - Na origem, trata-se de ação de cobrança que tem por objetivo o recebimento de valor decorrente da inadimplência do contrato de fornecimento de Cartões Sodexo Alimentação e Refeição a servidores municipais.
II - O Tribunal a quo reformou parcialmente a sentença de procedência do pedido, apenas para reduzir a verba honorária, fixada em 10% sobre o valor da condenação, para o valor de R$ 9.000,00 (nove mil reais).
III - O art. 85. do CPC/2015 estabelece os critérios para a fixação dos honorários sucumbenciais, restringindo a aplicação do § 8º - arbitramento equitativo - à impossibilidade de estimativa do proveito econômico obtido e ausência de irrisoriedade do valor da causa, bem como delimitando os percentuais a serem aplicados nas causas em que a Fazenda Pública for parte. Precedentes.
IV - In casu, não sendo irrisório o proveito econômico obtido pela parte, incabível a fixação equitativa dos honorários de sucumbência, que deverá obedecer aos percentuais previstos no art. 85, § 3º, II, do CPC/2015, na medida em que o valor da condenação, ainda que acrescido das atualizações cabíveis, não ultrapassa 2.000 salários-mínimos.
V - Recurso especial provido para fixar os honorários advocatícios em 8% a incidir sobre o valor atualizado da condenação.
(REsp 1806280/RS, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 19/09/2019, DJe 25/09/2019)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. VERBA HONORÁRIA SUCUMBENCIAL. MARCO TEMPORAL. SENTENÇA. FIXAÇÃO. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. REGRA GERAL OBRIGATÓRIA (ART. 85, § 2º). VALOR DA CAUSA. EQUIDADE. REGRA SUBSIDIÁRIA (ART. 85, § 8º).
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. A controvérsia a ser dirimida reside em verificar se os honorários sucumbenciais podem ser fixados, por equidade, em parâmetros diversos daquele previsto no § 2º do art. 85. do Código de Processo Civil de 2015, qual seja, entre 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa.
3. A Corte Especial fixou o entendimento de que a data da sentença é o marco temporal a ser considerado para definição da norma de regência a ser aplicada na fixação da verba honorária de sucumbência.
4. No julgamento do Recurso Especial nº 1.746.072/PR, a Segunda Seção desta Corte decidiu que o § 2º do art. 85. do CPC/2015 constitui a regra geral no sentido de que os honorários sucumbenciais devem fixados no patamar de 10% (dez por cento) a 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou do valor atualizado da causa.
5. O § 8º do art. 85. do CPC/2015 é norma de caráter excepcional, de aplicação subsidiária, para as hipóteses em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, permitindo, assim, que a verba honorária seja arbitrada por equidade.
6. A regra geral do § 2º do art. 85. do CPC/2015 deve incidir no caso em exame, porquanto não configurada nenhuma das hipóteses que permitem a aplicação do critério de equidade.
7. Recurso especial conhecido e provido.
(REsp 1752715/MG, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 01/10/2019)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO DE CRÉDITO. IMPROCEDÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. FIXAÇÃO. LEGISLAÇÃO APLICÁVEL. CPC/2015. NORMA VIGENTE NA DATA DA PROPOSITURA DO INCIDENTE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CRITÉRIO EQUITATIVO AFASTADO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. O recurso especial debate a aplicação do critério equitativo para fixação de honorários advocatícios de sucumbência no julgamento de incidente de impugnação de crédito em processo de recuperação judicial, diante das regras do atual Código de Processo Civil.
2. O novo Código de Processo Civil introduziu, na disciplina da fixação dos honorários advocatícios sucumbenciais, ordem decrescente de preferência de critérios para fixação da base de cálculo dos honorários, na qual a subsunção do caso concreto a uma das hipóteses legais prévias impede o avanço para a categoria seguinte.
3. As alterações reduzem a subjetividade do julgador e incrementa a responsabilidade das partes com a atribuição de valor à causa, ao restringir as hipóteses de cabimento do critério de fixação por equidade, restritas agora às causas: em que o proveito econômico for inestimável ou irrisório ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo (art. 85, § 8º).
4. Embora a improcedência de incidente de impugnação de crédito em processos concursais (recuperacional ou falimentar) não resulte, necessariamente, em exoneração da obrigação de pagamento pelo devedor, é inegável a existência de valor econômico do resultado da disputa.
5. No caso concreto, o incidente teve como único objetivo verificar se o crédito devia ou não ser submetido aos efeitos da recuperação judicial, de modo que o proveito econômico direto não é mensurável.
Todavia, o apontamento do valor atribuído à causa é certo e determinado, devendo este ser o critério utilizado, nos termos preconizados pelo atual sistema processual.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1821865/PR, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/09/2019, DJe 01/10/2019)
Em 16/03/2022, finalmente o STJ proferiu decisão paradigmática nessa temática sob o rito de recurso repetitivo, restando explicitada, clarificada, definida, sem margem de dúvidas em nível anterior solipsista discricionário, a vedação de fixação em honorários por equidade em causas de grande valor, ainda que participe a Fazenda Pública, cujas regras também já constam proporcionalmente previstas em lei. Consoante o STJ, nos termos do Tema 1.076 decidido28:
1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) – a depender da presença da Fazenda Pública na lide –, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Como bem captado o sistema jurídico processual brasileiro por Lenio Streck, “as obviedades do óbvio são tão óbvias que até a obviedade fica óbvia”29. Ou seja, o óbvio normativo precisou ser dito: que os arts. 83. e seguintes do CPC realmente falam o que eles falam. Não por todo órgão jurisdicional aplicando discricionariedades travestidas de equidade. Não. Mas, sim, por alguns destes insistentes em bullying interpretativo30, por puro solipsismo subjetivista atécnico em pamprincipiologismo gravoso à ordem normativa pela não disposição adequada da carga normativa altamente densificada em sede de regra posta pelo código adjetivo processualista (e não princípio, por não ser caso de colisão de fundamentos principiológicos em nível de direitos fundamentais), como se verá de forma mais detalhada adiante.31
O direito deve ser levado a sério, como preconiza Dworkin32, sendo que o STJ acaba por salvar, deste modo, o próprio sistema jurídico com tal decisão no Tema 1.076 (ref.: REsp 1906618, REsp 1850512, REsp 1877883 e REsp 1906623). Os argumentos foram detalhadamente explicados pelo Superior Tribunal33:
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu nesta quarta-feira o julgamento do Tema 1.076 dos recursos repetitivos e, por maioria, decidiu pela inviabilidade da fixação de honorários de sucumbência por apreciação equitativa quando o valor da condenação ou o proveito econômico forem elevados.
O relator dos recursos submetidos a julgamento, ministro Og Fernandes, estabeleceu duas teses sobre o assunto:
1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do Código de Processo Civil (CPC) – a depender da presença da Fazenda Pública na lide –, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Og Fernandes foi acompanhado pela maioria dos ministros que participaram do julgamento. A ministra Nancy Andrighi inaugurou a divergência, por entender que o texto do CPC não poderia ser interpretado em sua literalidade, e que em certos casos a condenação demasiadamente alta poderia configurar enriquecimento sem causa, no que foi acompanhada pelos ministros Laurita Vaz, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin e Isabel Gallotti.
Em seu voto, o relator explicou que o CPC de 2015 trouxe mais objetividade às hipóteses de fixação de honorários e que a regra dos honorários por equidade, prevista no parágrafo 8º do artigo 85, foi pensada para situações excepcionais em que, havendo ou não condenação, o proveito econômico da demanda é irrisório ou inestimável, ou o valor da causa é muito baixo.
"A propósito, quando o parágrafo 8º do artigo 85 menciona proveito econômico 'inestimável', claramente se refere àquelas causas em que não é possível atribuir um valor patrimonial à lide (como pode ocorrer nas demandas ambientais ou nas ações de família, por exemplo). Não se deve confundir 'valor inestimável' com 'valor elevado'", afirmou Og Fernandes.
Decisão corresponde à estrita aplicação da norma vigente
Ao sustentar a inviabilidade da fixação de honorários por equidade em causas de grande valor – rejeitando, assim, o pleito da Fazenda Nacional em um dos recursos –, o relator disse se tratar apenas da efetiva observância do CPC, "norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal".
Segundo o ministro, o legislador, ao estabelecer as regras atuais no CPC, buscou superar a jurisprudência firmada pelo STJ durante a vigência do CPC de 1973 sobre a fixação de honorários por equidade quando a Fazenda Pública fosse vencida.
"A atuação de categorias profissionais em defesa de seus membros junto ao Congresso Nacional faz parte do jogo democrático e deve ser aceita como parte do funcionamento normal das instituições", destacou Og Fernandes ao comentar o processo de formulação e aprovação do atual código.
Sobre o temor de honorários demasiadamente altos nas causas em que a Fazenda é vencida, o que poderia impor um ônus excessivo ao contribuinte, o relator lembrou que o CPC atual prevê especificamente essa situação, ao incluir no parágrafo 3º do artigo 85 a fixação escalonada da verba de sucumbência, de 1% a 20% sobre o valor da condenação ou do proveito econômico.
"Impede-se, assim, que haja enriquecimento sem causa do causídico da parte adversa e a fixação de honorários excessivamente elevados contra o ente público", concluiu.
A divergência ocorreu pelo voto (vencido, ao final) da Ministra Nancy Andrighi34. Argumentou a magistrada que deveria ser aplicada a teoria da derrotabilidade das normas, pela qual a interpretação dar-se-ia por aquilo não previsto pelo legislador. Para ela35:
Diferentemente do que normalmente se propõe, remuneração inadequada não é sinônimo apenas de aviltamento dos honorários do advogado, remunerando-o em patamar abaixo daquele correspondente ao trabalho por ele desenvolvido, mas também sinônimo de exorbitância, remunerando-o em patamar acima daquele correspondente ao trabalho por ele desenvolvido.
Quanto à aplicação da referida teoria trazida no voto da Ministra, que restou vencido, o próprio Humberto Ávila36 adverte que as regras jamais podem ser facilmente superáveis, como numa exceção ou “adaptação ad hoc” referida pela magistrada37. Segundo Ávila, a teoria da derrotabilidade (“defeasibility”), ao contrário, está assaz sistematizada em diversos requisitos, tais como: a) requisito material ou de conteúdo: “a decisão individualizada, ainda que incompatível com a hipótese da regra geral, não prejudica nem a promoção da finalidade subjacente à regra, nem a segurança jurídica que suporta as regras [...]”; b) requisito procedimental ou de forma: deve haver justificativa condizente onde a justiça individual não afete a justiça geral (“demonstração de incompatibilidade entre a hipótese da regra e sua finalidade subjacente”), fundamentação condizente (“a fundamentação deve ser escrita, juridicamente fundamentada e logicamente estruturada”) e comprovação condizente (“a mera alegação não pode ser suficiente para superar uma regra”).
Como deveras adiantado, o normativo processual sempre foi claro no sentido de aplicação dos percentuais previstos em lei quando do arbitramento honorífico, mesmo em causas com elevados valores, mesmo com a presença da Fazenda Pública. E isso foi percebido pelo Ministro Relator Og Fernandes, ao afirmar se tratar apenas da efetiva observância do CPC, ou seja, a “norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, ainda que sob o manto da proporcionalidade e razoabilidade, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal”38.
É dizer, com a devida vênia argumentativa, que eventual utilização de uma exceção implícita “ad hoc”, além de ser a confissão de um indesejado juízo solipsista (requisito procedimental não cumprido), viola o requisito material da própria teoria, qual seja, no caso concreto: há prejuízo evidente pela não promoção das finalidades normativas de valorização da verba honorífica e dignificação da advocacia já postas em sede de regra com alta densidade normativa.
Não se pode dizer que tais finalidade fazem jus à uma adaptação normativa “ad hoc” sob o rótulo da existência de uma situação de ser evitada uma “interpretação inadequada, ineficiente, injusta ou de outra forma inaceitável”39 pela regra atual, como colocado no voto. Outrossim, tais finalidades dignificantes acima mencionadas não carecem do “poder de inserir uma nova exceção a uma regra a fim de evitar um resultado ruim”40. Aliás, relembre-se, honorários que são verbas alimentares (art. 85, § 14, CPC41, e Súmula Vinculante 47, STF42).
A necessidade de um “constrangimento epistemológico”43 revelava-se patente há tempos, mormente no tema objeto deste estudo. Em geral, argumentos em nível genérico do tipo “equidade”, “proporcionalidade”, “razoabilidade” e indistinção da lógica jurídica de “princípios versus regras” são os principais motes incompreendidos na aplicação normativamente adequada de algum direito, como no caso. Da mesma forma, as próprias teorias da argumentação jurídica e outras correlacionadas a ela carecem de efetivo alinhamento em terrae brasilis (por todos, cite-se essa mesma crítica feita por Streck em vários momentos de seus livros e artigos jurídicos)44. Porém, não obstante a apontada carência de apreensão de importantes referenciais jurídicos, todos esses são interconectados, motivo pelo qual a incompreensão ou a compreensão meramente simplista ou parcial de algum deles revela-se preocupante no sentido de se atingir a aplicação do direito normativamente adequado (o tal direito levado a sério, pegando por empréstimo esse termo de Dworkin em obra homônima).
Pela sua relevância, os assuntos trazidos retro devem ser mencionados, ainda que brevemente. Para tanto, filtraram-se algumas teorias pertinentes e seus autores expoentes: Habermas e a teoria do agir comunicativo; Alexy e a teoria da argumentação jurídica; Dworkin e a teoria da integridade do direito; Streck e o pamprincipiologismo.
Atento à virada linguística (linguistic turn) observada durante o século XX, pela qual se foi possível juntar racionalidade, discurso e linguagem, para Habermas, o agir comunicativo inserido num contexto de racionalidade discursiva e tendente a uma argumentação justa, que promova o bem comum e seja pautado pela correção normativa deve ser aquele ao nível forte, isto é, afastando-se o aplicador de si mesmo, de suas preferências, para adotar a solução mais verdadeira, sincera e correta dentro das normas e valores vigentes. Diferentemente de um agir comunicativo em sentido fraco (em que o agente se orienta pelas pretensões de verdade das suas preferências, embora ainda mantendo um passo inserido no entendimento mútuo) ou, pior para a racionalidade do discurso, de um agir estratégico (em que a comunicação se subordina a um agir orientado para fins, a racionalidade teleológica).45 A ética do discurso, portanto, traz, inexoravelmente, segurança para legitimidade do discurso e, em último grau, para a própria democracia deliberativa.46 De certo modo, na realidade brasileira, esse modo racionalizado de agir deliberativo e cooperativo encontra-se previsto no art. 6º, CPC.47
No campo específico da teoria da decisão judicial, foi Alexy quem trouxe maiores abordagens quanto ao discurso especialmente jurídico. Em sua teoria da argumentação jurídica, mais especificamente a tese do caso especial, o discurso jurídico é um caso especial de discurso prático geral, pautado, portanto, pela correção dos enunciados normativos, estando a liberdade dos argumentos limitada externamente pelo ordenamento jurídico (leis, ciência do direito, precedentes jurisprudenciais, além da racionalidade do processo de argumentação, da argumentação empírica e das formas especiais de argumentos jurídicos).48
Cumprindo-se as justificações internas (deduções lógicas do discurso) e externas (sistema jurídico posto e teorias da interpretação jurídica), resta satisfeita a exigência de consistência da decisão jurídica, ao largo do agir discricionário, promovendo-se controlabilidade, aplicabilidade normativamente adequada, distinções de caso concreto, além da legalidade e legitimidade em um Estado Democrático de Direito. O famoso princípio do livre convencimento motivado do juiz só tem razão de ser, destarte, caso se considere a expressão “livre” dentro da limitação do próprio sistema normativo jurídico posto, evitando-se arbitrariedades. Até mesmo por isso, há autores brasileiros49 que seguem a concepção de que o CPC/15, conscientemente, deixou evidente a supressão da palavra “livre”, a exemplo daquilo previsto no art. 29850 e no art. 37151.
Ainda na proposta de abordagem dos referenciais teóricos que se consideram relevantes juridicamente, tem-se a teoria da integridade de Dworkin. Para o autor, “as proposições jurídicas são verdadeiras se constam, ou se derivam, dos princípios de justiça, equidade e devido processo legal que oferecem a melhor interpretação construtiva da prática jurídica da comunidade”, não sendo olvidada a garantia da coerência dos princípios devidamente justificados na lei e em precedentes do passado. O direito deve, assim, ser interpretado como em um “romance em cadeia”, em que cada juiz no papel de “cada romancista da cadeia interpreta os capítulos que recebeu para escrever um novo capítulo, que é então acrescentado ao que recebe o romancista seguinte, e assim por diante”, limitando-se sua liberdade criativa pela questão da adequação à história política e jurídica da comunidade. Daí deriva o método de Hércules, pelo qual os juízes apresentam argumentos com a devida correção normativa que correspondam à melhor interpretação construtiva, sistemática e histórica da prática jurídica da comunidade.52
A citada teoria da integridade detém no sistema processual brasileiro especial guarida no art. 926. do CPC, o qual prevê que “os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Ademais, o art. 927, § 4º, também coloca um ônus argumentativo denso53 para casos de modificação de certos precedentes e jurisprudências pacificadas, dispondo “a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. Muitas vezes, porém, a integridade na aplicação do direito, garantia que é contra arbitrariedades interpretativas, acaba sendo vilipendiada por atitudes solipsistas-voluntaristas54 (discricionariedade arbitrária, enfim).
Explica-se com exemplo daquilo que consta no caso concreto acerca dos honorários e aplicação equitativa fora das hipóteses legalmente previstas. Em certa passagem do voto da divergência não acolhida, tem-se a seguinte análise finalística: “evitar um resultado ruim indicado pelas regras jurídicas mais imediatamente aplicáveis será revestido com a linguagem de localizar a regra real subjacente, ao que apenas superficialmente parecia ser a regra aplicada”, concluindo que “o que teria sido um resultado ruim se a regra fosse fielmente seguida é evitado, tratando a regra como derrotável a serviço de valores maiores de razoabilidade, de eficiência, de bom-senso, justiça ou qualquer uma de uma série de outras medidas pelas quais um determinado resultado pode ser considerado deficiente”.55
Os contra-argumentos em nível discursivo forte já foram, em parte, adiantados supra. Mas, ainda dentro desse texto e do contexto de todo o voto vencido, termos utilizados como “regra real subjacente”, “resultado ruim” e “razoabilidade” encontram também a parametricidade de sua análise crítica na abordagem mais profunda de outros temas correlacionados, tais como, respectivamente, “teoria da Katchanga ou Alexy à brasileira”, “ativismo e pragmatismo jurídico” e “pamprincipiologismo”.
De um lado, a busca de uma eventual “regra real subjacente” descortina o direito como um jogo de cartas marcadas pelos detentores do poder de dizer o que é o direito em certa aplicação processual, mesmo que o diga contra o sistema normativamente posto. É, assim, “decisionista, no sentido da “vontade do poder” (Wille zur Macht)”, pois no referido jogo processual não importa o grau, profundidade, previsibilidade e racionalidade da argumentação jurídica. O que importa é o sentido, mesmo que não caiba na regra, dado pelo aplicador, já que é este o detentor não de uma carta Katchanga, não de duas cartas Katchanga, não de três cartas Katchanga, mas sim da carta Katchanga real (que também é subjacente), ou seja, o texto seria abertamente plenipotenciário para esse aplicador do direito, transformando-se em um álibi para poder “dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa”.56 Konrad Hesse57, com a teoria da força normativa da Constituição, realça essa vontade de Constituição (Wille zur Verfassung) em contraposição à vontade de poder (Wille zur Macht):
Como anotado por Walter Burckhardt, aquilo que é identificado como vontade da Constituição “deve ser honestamente preservado, mesmo que, para isso, tenhamos de renunciar a alguns benefícios, ou até a algumas vontades justas. Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado democrático”. Aquele, que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, “malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas, e que, desperdiçado, não mais será recuperado”.
Tudo isso, adverte Streck58, dentro de uma abordagem mal compreendida da Jurisprudência dos Valores (pós-positivismo), da ponderação alexyana, do ativismo norte-americano, do neoconstitucionalismo e até mesmo dos métodos interpretativos de Savigny. O também constitucionalista George Marmelstein Lima59 percebeu, idem em texto elucidativo, essa incompreensão na realidade jurídica brasileira, chegando à mesma conclusão de Streck e citando outros juristas:
Entre nós, vigora a teoria da Katchanga, já que ninguém sabe ao certo quais são as regras do jogo. Quem dá as cartas é quem define quem vai ganhar, sem precisar explicar os motivos. Virgílio Afonso da Silva conseguiu captar bem esse fenômeno no seu texto “O Proporcional e o Razoável”. Ele apontou diversos casos em que o STF, utilizando do pretexto de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado sem demonstrar objetivamente porque o ato seria desproporcional. Para ele, “a invocação da proporcionalidade [na jurisprudência do STF] é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático (…). O raciocínio costuma ser muito simplista e mecânico. Resumidamente: (a) a constituição consagra a regra da proporcionalidade; (b) o ato questionado não respeita essa exigência; (c) o ato questionado é inconstitucional”. (...) No fundo, a idéia de sopesamento/ balanceamento/ ponderação/ proporcionalidade não está sendo utilizada para reforçar a carga argumentativa da decisão, mas justamente para desobrigar o julgador de fundamentar. É como se a simples invocação do princípio da proporcionalidade fosse suficiente para tomar qualquer decisão que seja. O princípio da proporcionalidade é a katchanga real! Não pretendo, com as críticas acima, atacar a teoria dos princípios em si, mas sim o uso distorcido que se faz dela aqui no Brasil. Como bem apontou o Daniel Sarmento: “muitos juízes, deslumbrados diante dos princípios e da possibilidade de, através deles, buscarem a justiça – ou o que entendem por justiça -, passaram a negligenciar do seu dever de fundamentar racionalmente os seus julgamentos. Esta ‘euforia’ com os princípios abriu um espaço muito maior para o decisionismo judicial. Um decisionismo travestido sob as vestes do politicamente correto, orgulhoso com os seus jargões grandiloqüentes e com a sua retórica inflamada, mas sempre um decisionismo. Os princípios constitucionais, neste quadro, converteram-se em verdadeiras ‘varinhas de condão’: com eles, o julgador de plantão consegue fazer quase tudo o que quiser” (SARMENTO, Daniel. Livres e Iguais: Estudos de Direito Constitucional. São Paulo: Lúmen Juris, 2006, p. 200). Sarmento tem razão. Esse oba-oba constitucional existe mesmo. E não é só entre os juízes de primeiro grau, mas em todas as instâncias, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Isso não significa dizer que se deve abrir mão do sopesamento. Aliás, não dá para abrir mão do sopesamento, já que ele é inevitável quando se está diante de um ordenamento jurídico como o brasileiro que aceita a força normativa dos direitos fundamentais. O que deve ser feito é tentar melhorar a argumentação jurídica, buscando dar mais racionalidade ao processo de justificação do julgamento, através de uma fundamentação mais consistente, baseada, sobretudo, em dados empíricos e objetivos que reforcem o acerto da decisão tomada.
De outro lado, igualmente, a finalidade explicitada de se evitar um chamado “resultado ruim”, além de não ser condizente com a previsão constitucional acerca da dignidade da advocacia pela indispensabilidade à administração da justiça (art. 133, CF), traduz uma tábula rasa focada extremamente no âmbito do “ativismo e pragmatismo jurídico”, diga-se, em seu sentido negativo. Streck faz uma pergunta eloquente: se o juiz ou qualquer tribunal acredita poder passar por cima do Direito constitucional ou mesmo infraconstitucional escrito, liberando-se o caminho para se ludibriar a previsão normativa clara em regra altamente densificada (e não aquela previsão principiológica com abertura por densidade normativa baixa), não se estaria em prol de interesses discricionários controvertidos? E conclui, de forma categórica: tal ativismo revela-se como “extrapolação dos limites na atuação do Judiciário pela via de uma decisão que é tomada a partir de critérios não jurídicos”.60
Observe-se, da mesma forma, a problemática do argumento de princípio, baseado em direito, e do argumento de política, baseado em finalidade, exposta por Ronald Dworkin. Para ele, em brevíssimo resumo:
Os argumentos de política tentam demonstrar que a comunidade estaria melhor, como um todo, se um programa particular fosse seguido. São, nesse sentido especial, argumentos baseados no objetivo. Os argumentos de princípio afirmam, pelo contrário, que programas particulares devem ser levados a cabo ou abandonados por causa de seu impacto sobre pessoas específicas, mesmo que a comunidade como todo fique consequentemente pior. Os argumentos de princípio são baseados em direitos. (...) ambos são importantes, mas exceto em circunstâncias extraordinárias, a disputa deve ser resolvida a favor do princípio.61
O problema do intenso foco em algum resultado na aplicação da norma (interpretação teleológica, jurisprudência dos interesses, análise econômica do direito), mesmo que ocorresse numa abordagem em maniqueísmo voluntarista bom versus ruim (contextualismo), é tratar eventual situação sub judice resumida a um pragmatismo que vê os direitos como mero instrumento na consecução de um fim estratégico orientado para o futuro (consequencialismo ou instrumentalismo), desafiando a lógica de um sistema de precedentes, onde, na prática, primeiro o juiz decide qual será o resultado para depois procurar os fundamentos justificantes da decisão (antifundacionismo), ao estilo próximo do realismo norte-americano com a possibilidade de as diversas perspectivas alternativas serem extraídas do texto legal, já que o próprio direito é o que consta da experiência contida nas decisões judiciais, naquilo que os juízes dizem que é.62
Finalmente, a problemática da “razoabilidade” e dos excessos de valores atuais da sociedade – a tal modernidade líquida63, na sociologia de Bauman, advindos de uma massificação e repetição de uma filosofia de consumo individualista, pelo que o que vale hoje, talvez amanhã não, ou o “pamprincipiologismo”, na jurídica de Streck, como o excesso de princípios no direito com pretensão meramente retórico-corretiva (topoi)64 – tem uma consequência nefasta: perde-se a hierarquia de valores pelas múltiplas ofertas de sistemas de sentido. Uma desconstrução do indivíduo e do sistema, inclusive jurídico, pelo próprio excesso e solipsismo, já que o universal (normativo) e hierárquico (normativo) perde sentido de ser. Em palavras mais diretas: cada um puxa seu valor e encontra referência em algum ponto do marketing consumista, desconstruindo e fragmentando o sistema de referência global.
Esse o motivo da importância de uma resposta normativamente adequada65. Veja-se o exemplo da necessidade do entendimento correto acerca das normas-regras e normas-princípios. Inobstante o agir discricionário seja potencialmente fraco na análise de normas-regras – pois já dimensionadas em seu princípio subjacente e pronta para aplicação normativa adequada –, em contraposição, o agir discricionário potencialmente forte ocorre quando da análise de normas-princípios – pois dependentes da atribuição de uma norma de direito fundamental adstrita (Alexy)66 ou do percurso no romance em cadeia para fins de ajustes de integridade e coerência pela adequação e justificação do ordenamento jurídico, este inserido, pela faticidade, em uma certa comunidade (Dworkin)67. Mas, como dito, para o escorreito raciocínio acerca das limitações e das correções normativas de um agir discricionário (seja potencialmente forte ou fraco), o próprio conceito de regras e de princípios deve restar devidamente apreendido pelo aplicador do direito.
Nesse sentido, conforme detalha Humberto Ávila68, entre princípios e regras há distinções fracas (Esser, Larenz e Canaris – graus de abstração e qualitativos) e fortes (Dworkin e Alexy – graus de estruturação lógica e do modo de aplicação). Os critérios utilizados para tal distinção podem ser assim resumidos: a) caráter hipotético-condicional: as regras possuem hipóteses e consequências estabelecidas em sua prescrição normativa e os princípios apenas indicam o fundamento axiológico para encontrar a regra do caso concreto (a norma de direito fundamental atribuída – Alexy); b) relacionamento normativo: as regras estão sujeitas a antinomias, solucionáveis pela declaração de invalidade ou exceção de hipótese, sendo que os princípios estão sujeitos à colisão, solucionável pela dimensão de peso (Dworkin) e pela ponderação (criação de regras de prevalência - Alexy); c) modo final de aplicação: as regras aplicam-se no modo tudo ou nada (Dworkin) ou dentro ou fora (Alexy) e os princípios, de forma gradual entre mais e menos, a depender do caso concreto.
Entre os vários juristas que analisaram a temática e as distinções normativas, indiscutivelmente se destacam Dworkin e Alexy, merecendo, portanto, um destaque maior em suas abordagens. Para Dworkin69, especificamente, as regras são aplicadas no modo tudo ou nada, no sentido de que, preenchida a hipótese de incidência, ou é a regra válida e a consequência normativa deve ser aceita, ou ela não é considerada válida (“teste de pedigree”). Já os princípios contêm fundamentos os quais devem ser conjugados com outros fundamentos provenientes de outros princípios, possuindo uma dimensão de peso demonstrável na hipótese de colisão entre princípios, caso em que o princípio com peso relativo maior se sobrepõe ao outro, sem que este perca a sua validade.
Por sua vez, para Alexy70, as regras determinam as consequências normativas de forma direta. No conflito entre regras, é preciso verificar se a regra está dentro (válida) ou fora (sujeita a exceção ou invalidade) de determinada ordem jurídica (problema do dentro ou fora). Na regra válida, é determinado a fazer exatamente o que ela exige, nada mais e nada menos. No caso dos princípios, estes são espécie de normas jurídicas por meio da qual são estabelecidos deveres (mandamentos) de otimização aplicáveis em vários graus, segundo as possibilidades normativas e fáticas, pelo que não há prevalência imediata de um princípio sobre outro, mas sim recurso a uma ponderação entre os princípios colidentes no caso concreto a ser analisado. O conflito entre princípios, ao contrário daquele entre regras, já se situa no interior da ordem jurídica (teorema da colisão). Instituem obrigações prima facie superáveis em determinada análise de colisão, mediante criação de regras de prevalência na tensão do caso concreto (norma de direito fundamental atribuída ou, como conhecida no direito alemão, zugeordnete Grundrechtsnorm).
O próprio Humberto Ávila71 acaba por formular o conceito de princípio e de regra baseado no aparato histórico delineado por vários juristas ao longo do tempo:
As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente restropectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte ou nos princípios que lhe são axiologicamente subjacentes, entre a construção conceitual da descrição normativa e a construção conceitual dos fatos. Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisa a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção.
Uma última observação neste ponto: nada obsta, porém, segundo observa Lenio Streck72 e tendo em conta que ambos são espécies de normas jurídicas, que se considerem nas prescrições normativas das regras os princípios subjacentes quando de sua formação em hipótese normativa, bem como que da colisão entre princípios formem-se regras de prevalência em determinado caso concreto. O princípio só se realiza através de uma regra e por trás de uma regra necessariamente haverá algum princípio contextualizado pelo fenômeno da faticidade (condição fática, existencial e histórica existente na moralidade política da comunidade), o que possibilita um tipo de fechamento interpretativo e de aplicação do Direito contra as discricionariedades judiciais no sentido de arbitrariedades.
Relacionada intrinsicamente com a teoria dos princípios, a máxima da proporcionalidade advém, por decorrência lógica, da necessidade de solucionar conflitos que envolvam direitos fundamentais (“fundamentação a partir dos direitos fundamentais”, nas palavras de Alexy73). Ou seja, a máxima da proporcionalidade é válida “de forma estrita quando as normas de direitos fundamentais têm o caráter de princípios”74 ou, dito de outro modo reciprocamente válido, “da máxima da proporcionalidade decorre logicamente o caráter principiológico dos direitos fundamentais”75, a exemplo do direito geral de liberdade e do direito geral de igualdade, além dos direitos fundamentais sociais76. A conceituação de princípios como mandamentos de otimização77, na teoria de Alexy, traz, assim, uma argumentação jusfundamental no que tange à lei de colisão, a qual significa que “as condições sob as quais um princípio tem precedência em face de outro constituem o suporte fático de uma regra que expressa a consequência jurídica do princípio que tem precedência”78.
A proporcionalidade, segundo o citado jurista, possui três máximas parciais: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.79 “A máxima da proporcionalidade em sentido estrito decorre do fato de serem os princípios mandamentos de otimização em face das possibilidades jurídicas. Já as máximas da adequação e da necessidade decorrem da natureza dos princípios como mandamentos de otimização em face das possibilidades fáticas”80, expõe Alexy. A adequação refere-se ao meio ou à medida positiva e maximizada para o fomento ou a realização do objetivo fundado em princípios garantidores das normas de direito fundamental em determinada situação fática. A necessidade, da mesma forma com a análise inserida em um contexto fático e de caráter principiológico das normas de direitos fundamentais, define-se como a exigência de que, dentre os vários meios ou medidas existentes, “o objetivo não possa ser igualmente realizado por meio de outra medida, menos gravosa ao indivíduo”81, procedendo-se, portanto, a essa escolha menos gravosa em relação aos também vários e eventuais princípios (também chamados de valores constitucionais) envolvidos.82
Por fim, como dito, a proporcionalidade em sentido estrito adentra no campo das possibilidades jurídicas (e não fáticas), sendo deduzível também do caráter principiológico das normas de direitos fundamentais. Significa o mandamento do sopesamento (ponderação) propriamente dito, o qual ocorre sempre e inexoravelmente após se ter utilizado da máxima da necessidade. A justificativa é porque, se até o meio adequado e menos gravoso observado na questão da necessidade afetar a realização de um dos princípios subjacentes a uma das normas de direito fundamental, os próprios princípios antes já envolvidos devem passar por uma exigência de sopesamento entre eles83. Essa lei do sopesamento tem a seguinte redação, conforme sintetiza Alexy: “quanto maior for o grau de não-satisfação ou de afetação de um princípio, tanto maior terá que ser a importância da satisfação do outro”84. Há, portanto, três passos de avaliação jurídica racionalizada em nível não radical, mas na versão moderada de resultado máximo possível: 1) o grau de não-satisfação ou afetação de um dos princípios; 2) a importância da satisfação do princípio colidente; 3) se a importância da satisfação do princípio colidente justifica a afetação ou a não-satisfação do outro princípio.
Os exemplos de casos concretos sempre auxiliam na tarefa de aplicação prática da referida teoria acima exposta. O primeiro exemplo a ser citado é o caso Lebach, julgado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão85. Tratava-se de processo judicial em que uma emissora de televisão iria apresentar um documentário sobre o assassinato de quatro soldados alemães perto da cidade de Lebach, sendo as armas deles roubadas para cometimento de outros crimes. Um dos condenados, na época, estava prestes a sair da prisão e, portanto, alegou violação a seu direito fundamental de ressocialização86, restando seu pedido negado em primeira instância e também em sede recursal, pelo que ajuizou uma reclamação constitucional. Em primeiro plano, o Tribunal Constitucional constatou a tensão entre os princípios (valores constitucionais) da proteção da personalidade e da liberdade de informação; em segundo plano, atestou um tipo de possibilidade normativa da liberdade de informar, desde que tal informação sobre atos criminosos fosse atual; finalmente, em terceiro plano, decidiu que a divulgação de uma notícia verídica acerca de fatos ocorridos (princípio da liberdade de informação), porém sem a atualidade no interesse da repetição em documentário (ponderação no quesito da atualidade da informação sobre atos criminosos), viola a proteção da personalidade (princípio da dignidade de pessoa humana), pois coloca em risco a ressocialização do autor (ponderação no quesito direito ao esquecimento).
Como se depreende, já existiam as normas principiológicas de direitos fundamentais estabelecidas (princípio da liberdade de informação e princípio da dignidade de pessoa humana, retratada pela proteção à personalidade), mas foi no caso concreto que a norma de direito fundamental atribuída se fez presente e conclusiva por regra mediante a ponderação advinda de uma correta fundamentação referida a direitos fundamentais, qual seja: “notícia repetida (T1), não revestida de interesse atual pela informação (T2), sobre um grave crime (T3), e que põe em risco a ressocialização do autor (T4), é proibida do ponto de vista dos direitos fundamentais”87.
No contexto jurídico brasileiro, há julgado do STJ que aborda tais análises principiológicas, citando os estudos de Dworkin e Alexy. É o Recurso Especial 948.944/SP, abaixo trazido:
No caso concreto, é possível que a criança tenha direito a receber tutela jurisdicional favorável a seu interesse, com fundamento em princípios contidos na Lei Maior, ainda que nenhuma regra infraconstitucional vigente apresente solução para o caso. Para a solução desse tipo de caso, denominado por R. Dworkin como hard case (caso difícil), não se deve utilizar argumentos de natureza política, mas apenas argumentos de princípio. O pedido de fornecimento do medicamento à menor (direito a prestações estatais stricto sensu - direitos sociais fundamentais) traduz-se, in casu, no conflito de princípios: de um lado, os da dignidade humana, de proteção ao menor, do direito à saúde, da assistência social e da solidariedade e, de outro, os princípios democrático e da separação dos Poderes. A concretização das normas constitucionais implica um processo que vai do texto da norma (do seu enunciado) para uma norma concreta, norma jurídica – que, por sua vez, será um resultado intermediário em direção à norma decisão (resultado final da concretização). (J. J Gomes Canotilho e F. Müller). Pelo modelo síntese de ponderação de princípios (Alexy), o extremo benefício que a determinação judicial para fornecimento do medicamento proporciona à menor faz com que os princípios constitucionais da solidariedade, da dignidade humana, de proteção à saúde e a criança prevaleçam em face dos princípios democrático e da separação de poderes, minimamente atingidos no caso concreto.
Ainda com o foco no sistema jurídico brasileiro, pode-se concluir que as referidas teorias, análises e críticas com incursões em teses de discurso racional, de argumentação jurídica e de hermenêutica restaram sedimentadas, de certa forma, no disposto no art. 489. e parágrafos do CPC de 2015. Veja-se tal previsão, que serve de farol normativo mínimo na aplicação adequada do direito no ordenamento nacional:
Art. 489. (...) § 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:
I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;
II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;
III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;
IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;
V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;
VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
§ 3º A decisão judicial deve ser interpretada a partir da conjugação de todos os seus elementos e em conformidade com o princípio da boa-fé.
Vista toda essa abordagem contextualizada e jurídica acerca dos votos vencedores e vencidos, e voltando-se especificamente à prática do presente caso concreto, cite-se, novamente, a norma objeto de estudo, por ser de necessidade e de clareza cristalina na resolução da contenda (destacou-se):
CPC. Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.
(...) § 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:
I - o grau de zelo do profissional;
II - o lugar de prestação do serviço;
III - a natureza e a importância da causa;
IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
§ 3º Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º e os seguintes percentuais:
I - mínimo de dez e máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido até 200 (duzentos) salários-mínimos;
II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários-mínimos até 2.000 (dois mil) salários-mínimos;
III - mínimo de cinco e máximo de oito por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 2.000 (dois mil) salários-mínimos até 20.000 (vinte mil) salários-mínimos;
IV - mínimo de três e máximo de cinco por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 20.000 (vinte mil) salários-mínimos até 100.000 (cem mil) salários-mínimos;
V - mínimo de um e máximo de três por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 100.000 (cem mil) salários-mínimos.
(...) § 8º Nas causas em que for inestimável ou irrisório o proveito econômico ou, ainda, quando o valor da causa for muito baixo, o juiz fixará o valor dos honorários por apreciação equitativa, observando o disposto nos incisos do § 2º.
Em verdade, a discricionariedade travestida de equidade88 foi o ponto do busílis da questão que sempre restou clara normativamente. Neste particular tema honorífico, ocorriam discricionariedades evidentes (ou seja, argumentos em sentido fraco, na concepção de Habermas acima citada) de alguns juízes ao estipularem honorários fora dos padrões e dos parâmetros estabelecidos pelo próprio legislador, não havendo o respeito sequer à intenção e à própria construção histórica e sistemática do quadro honorífico entre os períodos do CPC de 1973 e o de 2015 – não obstante, paradoxalmente, quando os contribuintes eram réus em ações ajuizadas pela Fazenda Pública, os honorários dos procuradores incidiam, como regra, em percentuais, e não por equidade.89
A integridade e a coerência com o julgamento do Tema 1.076 vêm sendo observadas pelo próprio Superior Tribunal de Justiça, consoante se pode atestar pelo julgamento do EREsp 1.771.147, o primeiro caso na Corte a aplicar a referida tese depois do estabelecido pelo recurso repetitivo. A ministra Assusete Magalhães, relatora de recurso sobre o tema na 1ª Seção, proferiu decisão monocrática acolhendo embargos de divergência e majorou os honorários de 1% para 10% em desfavor da Fazenda Pública.90
Por fim, cabe dizer que no Supremo Tribunal Federal ainda tramita a Ação Declaratória de Constitucionalidade no 71, levada a processamento pelo Conselho Federal da OAB com análogo pedido de proibição de ser aplicado o art. 85. do CPC fora das hipóteses já estabelecidas. O processo tem como Relator o Ministro Nunes Marques, contando com parecer do Procurador-Geral da República pelo não conhecimento da ação, já que a questão não envolveria controvérsia constitucional (ofensa meramente reflexa), sendo restrita à interpretação da lei. Porém, para o PGR, na hipótese de análise meritória pelo STF, as referidas normas haveriam de ser julgadas constitucionais, mas sem a interpretação restritiva pretendida, ou seja, respeitaria a Constituição, em sua visão, “a interpretação sistemática e teleológica dos §§ 3º, 5o e 8o do art. 85. do CPC, no sentido de permitir a fixação dos honorários advocatícios por apreciação equitativa do juiz a fim de evitar a condenação do vencido em valor exorbitante”.