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Responsabilidade civil do cirurgião plástico por dano estético: A propagação dos procedimentos médicos como produto

Agenda 20/06/2022 às 21:31

RESUMO

As cirurgias plásticas fazem parte da realidade dos brasileiros, podendo ser estas, de duas espécies: reparadora e estética. As de ordem reparadora tratam de um defeito de ordem funcional, seja uma deformidade, uma cicatriz congênita que atrapalhe a função de um membro ou de uma musculatura, ou seja, interfira na rotina diária do paciente. Enquanto a estética, são realizadas com o propósito de melhorar a aparência do paciente, não apresenta função anatômica. É importante frisar que a mídia influencia diretamente no crescimento das cirurgias plásticas no país, com anúncios, propagandas de tratamentos milagrosos, informações sem qualquer embasamento científico, divulgações feitas por pessoa sem qualificação que influenciam milhões de pessoas. O Brasil é responsável por 13,1% do total de cirurgias plásticas realizadas no mundo e os principais procedimentos procurados são aumento dos seios, lipoaspiração, cirurgia das pálpebras, abdominoplastia e rinoplastia, ou seja, se destacam no país os procedimentos estéticos embelezadores, que geralmente buscam alcançar um padrão de beleza e resgatar a autoestima do paciente. Porém além do crescimento de cirurgias plásticas no país, houve também um crescimento de processos, no judiciário, de cirurgias que não deram certo, o presente artigo busca compreender a natureza das obrigações do médico cirurgião, suas penalidades e se na prática possuem eficácia.

PALAVRAS-CHAVE: RELACIONAMENTO MÉDICO-PACIENTE; CIRURGIA ESTÉTICA; RESPONSABILIDADE

ABSTRACT

Plastic surgeries are part of the reality of Brazilians, and they can be of two types: reparative and aesthetic. As a functional treatment deformity, a function of repairing a limb or a musculature, that is, healing in the daily routine of the order. While aesthetics are presented for the purpose of improving the patient's appearance, they have no anatomical function. Plastic is important to a media that directly influences the growth of surgeries, with advertisements, countries of treatments, scientific information without any basis, directly influencing the growth of surgeries, with advertisements, disclosures in millions of people. The increase is responsible for 13.1% of all surgeries performed in the world and the main procedures involved are breast, lipoa, eyelid surgery, abdominoplasty and rhinoplasty, that is, aesthetic procedures stand out in the country beautifies Search for a pattern of beauty and the preservation of the patient's standard. In addition to the growth of plastic surgeries in the country, however, there was also a growth of processes, in the judiciary, of certain surgeries, this article seeks the operation of medical surgeries, their difficulties and if in practice they have the practice.

KEY-WORDS: DOCTOR-PATIENT RELATIONSHIP; SURGERY; AESTHETICS

; RESPONSIBILITY

  1. INTRODUÇÃO

O padrão de beleza, sempre foi algo definido pela sociedade e a cultura atual, e as cirurgias plásticas têm sido um meio de se alcançar tal fato. Prova disso é o crescimento constante do número de procedimentos cirúrgicos e não cirúrgicos embelezadores em todo o mundo.

O Brasil tem posição de destaque, de acordo com a pesquisa realizada pela Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética, entre os países que mais realizam cirurgias plásticas no mundo, com aproximadamente 1.5 milhões de cirurgias ao ano, estima-se que o Brasil e os EUA, juntos possui o número de cirurgias plásticas, com mais de 25% total mundial (ISAPS, 2019). Além disso, mesmo com a diminuição em geral de 10,9% em 2020, com o fechamento das clínicas por conta do COVID-19 o Brasil segue com a posição de segundo país que mais realizar procedimentos em 2020 (ISAPS, 2020).

As cirurgias plásticas podem ser reparadoras, ou embelezadoras, o presente artigo busca a discussão da exposição dos procedimentos médicos embelezadores através das redes socias, como mero produto ou mercadoria qualquer, com objetivo de influenciar milhares de pessoas. O impasse se dá pela quantidade elevada de processos e denúncias dos pacientes que sofrem principalmente por dano estético e ficam insatisfeitos com o resultado. A romantização dos procedimentos estéticos e cirúrgicos, a desinformação no relacionamento médico-paciente sobre todo o processo, possíveis complicações, a necessidade da clareza de informações sobre o resultado do procedimento será abordada neste estudo.

Assim, tem-se como principal motivação para sustentar o presente trabalho de pesquisa, entender a responsabilização Civil do cirurgião plástico pelo não contentamento com o procedimento, pois o paciente ao realizar uma cirurgia plástica diferentemente da reparadora, deseja chegar a um determinado resultado, prometido pelo médico, e diante de tal insatisfação, as medidas legais cabíveis.

  1. DO ERRO MÉDICO

Parafraseando, Santo Agostinho (2008), um importante filósofo da transição da antiguidade clássica para a medieval que argumentou fallor ergo sum, (engano-me, logo existo), ou seja, o erro faz parte da humanidade desde os tempos mais remotos, e como qualquer outra profissão, um médico também pode cometer erros. Porém, cabe ao médico cuidar do bem mais precioso para a espécie humana, a vida, com todas as inúmeras funções dos órgãos vitais no corpo, lidar com a honra e valores do ser humano.

             De acordo com França (1999), o erro médico pode ser verificado por três vias principais: a primeira delas é o caminho da imperícia decorrente da falta de observação das normas técnicas, por despreparo prático ou insuficiência de conhecimento. O segundo é a imprudência, quando por ação ou omissão, o médico assume procedimentos de risco para o paciente sem respaldo científico ou, sobretudo, sem esclarecimentos à parte interessada. O terceiro caminho é o da negligência, a forma mais comum de erro médico no serviço público, quando o profissional negligencia, trata com descaso os deveres e compromissos éticos com o paciente.

O Médico de emergência canadense, autor e orador público, Brian Goldman, em sua palestra proferida no TED taks, Monterey, Califórnia, (GOLDMAN, 2010) Doctors make mistakes. Can we talk about that? (Os médicos cometem erros. podemos falar sobre isso?), comenta sobre seus próprios erros como médico ao longos do anos, sobre a vergonha insalubre que existe na cultura da medicina, sobre o sistema que possuímos, uma negação de erros, mas negar um fato não o faz deixar de existir, portanto o autor comenta sobre a necessidade de uma redefinição na cultura médica, da importância de falar sobre seus erros , para que estes, não sejam repetidos, e servir de aprendizado para outros médicos : falar sobre seu erro, não com orgulho, mas reconhecê-lo, para se tornar um médico redefinido, mais humano. ( GOLDMAN, 2010)

No ordenamento jurídico brasileiro, tem previsão aos crimes comuns e os crimes inerentes a quem exerce a profissão de médico, no Código Penal pátrio, segundo o artigo 18, incisos I e II (BRASIL, 1940):

Art.18- Diz-se do crime:

I- -doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;

II- - culposo, quando o agente deu causa ao resultar por imprudência, negligência ou imperícia.

O médico que por motivos alheios a sua vontade, cause a morte do paciente, por imprudência, imperícia, ou negligência, será imputado o delito de homicídio culposo. À vista disso para que a ação do médico se constitua como um crime o mesmo seja responsabilizado penalmente, é preciso que o agente haja com dolo ou culpa na sua conduta. Isto posto, em termos do Direito Penal, caracteriza-se a chamada Teoria Finalista da Ação. Na prática, o agir delituoso do médico, em teor de responsabilidade Penal, envolve crimes meramente culposos e a sanção é uma pena que pode ser corporal ou pecuniária, e só recai sobre o autor da má prática. Em contrapartida a responsabilidade Civil, alcança o paciente e sua família, a sanção tem natureza exclusivamente patrimonial e alcança o profissional responsável e seus sucessores.

Tratando-se de erro médico, torna-se importante considerar as espécies de dano. No conceito de Lôbo (2018):

O dano é a violação sofrida pela própria pessoa, no seu corpo ou em seu âmbito moral, ou em seu patrimônio, sem causa lícita. Significa perda ou valor a menos do patrimônio na dimensão material, e violação de direitos da personalidade, na dimensão moral.

O dano é o elemento indispensável para o ato ilícito. No Código Civil (CIVIL, 2003) pátrio podemos distinguir em dois campos, o patrimonial (ou materiais) e o extrapatrimonial (ou morais). O autor Gonçalves (2020) descreve o material, como aquele que afeta o patrimônio do ofendido, enquanto o moral, só ofende o devedor como ser humano, não lhe atingindo o patrimônio. Em contrapartida Rosenvald (2020), afirma que o conceito de dano moral previsto no texto constitucional não se sustenta mais, para o autor Civilista, o dano extrapatrimonial é o gênero do qual são espécies: Dano moral; danos à imagem; dano estético; e dano existencial

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     A noção de dano patrimonial é a mais antiga de todas. Segundo Cavalieri (2009), [...] o dano patrimonial atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, entendendo-se como tal conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis economicamente [...].

O Código Civil, no artigo 402, dispõe sobre perdas e danos, baseada no dano material, sendo subdividido em dano emergente e lucro cessante:

Art. 402. Salvo as exceções expressamente previstas em Lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar (BRASIL, 2002).

Por dano emergente, alcança aquilo que o ofendido perdeu, porquanto uma diminuição do seu patrimônio em decorrência de ato ilícito, nas palavras de Diniz (2014):

Dano positivo ou emergente, que consiste num déficit real e efetivo no patrimônio do lesado, isto é, numa concreta diminuição em sua fortuna, seja porque se depreciou o ativo, seja porque aumentou o passivo, sendo, pois, imprescindível que a vítima tenha, efetivamente, experimentado um real prejuízo, visto que não são passiveis de indenização danos eventuais ou potenciais, a não ser que sejam consequência necessária, certa, inevitável e previsível da ação. Tais prejuízos se traduzem num empobrecimento do patrimônio atual do lesado pela destruição, deterioração, privação do uso e gozo etc. de seus bens existentes no momento do evento danoso e pelos gastos que, em razão da lesão, teve de realizar.

Diferentemente deste, o dano emergente, equivale no que o sujeito razoavelmente deixou de ganhar, ou seja deixou de agregar valor ao seu patrimônio, nas palavras de Gonçalves (2016): [...] lucro cessante é a frustação da expectativa de lucro. É a perda de um ganho esperado. Por conseguinte, o lucro cessante, são danos materiais efetivos que necessitam de comprovação e, exigem fundamentação segura.

     Como anteriormente mencionado, o dano moral é a lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, a imagem, como percebe o artigo 5º, V e X da Constituição Federal em vigor (BRASIL, 1988):

V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Portanto o dano moral é a violação de um dos direitos na personalidade, esta modalidade de dano se encontra no campo psíquico, e a responsabilidade Civil, busca reparar os danos psicológicos.

No conceito de Diniz (1995):

O dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marca e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.

Demostra ainda, a necessidade de uma piora em relação a como a pessoa era antes, relativamente aos seus traços de nascimento e não em comparação com algum modelo de beleza.

Nos termos da Lei pátria, o Código Civil, dispõe no seu artigo 949 (BRASIL, 2002), in verbis:

Art. 949.CC No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido

.

O Dano estético, está na família dos danos extrapatrimoniais e nasceu após os danos materiais e morais e apesar de por muito tempo estar atrelado ao dano moral, possui características e elementos essenciais que os diferem. O desembargador do TRT da 3º Região Sebastião Geraldo de Oliveira, adota que é possível a cumulação dos dois danos, nos seguintes termos:

Mesmo estando o dano estético compreendido no gênero dano moral, a doutrina e a jurisprudência evoluíram para deferir indenizações distintas quando esses danos forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis. O dano estético está vinculado ao sofrimento pela deformação com sequelas permanentes, facilmente percebidas, enquanto o dano moral está ligado ao sofrimento e todas as demais consequências nefastas provocadas pelo acidente.

Desse modo, o dano estético materializa-se no aspecto exterior da vítima, enquanto o dano moral reside nas entranhas ocultas dos seus dramas interiores; o primeiro, ostensivo, todos podem ver; o dano moral, mas encoberto, poucos percebem. O dano estético, o corpo mostra, o dano moral, a alma sente. (TRT-1 RECURSO ORDINÁRIO: RO 0022200-72.2006.5.01.0281 RJ)

Em conformidade com o pensamento do jurista, existe uma independência entre o dano moral e o dano estético. Logo, a importância do estudo da relação entre direito e medicina estética, um tema contemporâneo e imprescindível para os indivíduos, terem conhecimento sobre seus direitos, e como agir em caso de complicações em seus procedimentos.

  1. PROCEDIMENTO ESTÉTICO COMO PRODUTO

De acordo com a última pesquisa da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica Estética no mundo (ISAPS, 2020), as principais cirurgias realizadas continuam sendo as mesmas de 2019: aumento de mamas, lipoaspiração, cirurgia das pálpebras, rinoplastia e abdominoplastia. E o Brasil continua em posição de destaque, de segundo país que mais realiza procedimentos cirúrgicos estético. Além disso, segundo o censo de 2018, da Sociedade Brasileira de cirurgia plástica (SBCP, 2018), a faixa etária dos pacientes se concentra principalmente entre os jovens de 19 a 35 anos.

Atualmente um dos fatores que beneficiou a popularização das cirurgias plásticas tornando-as mais acessíveis foi a facilidade de pagamento através de juros e parcelas. Além disso, a mídia é um dos principais meios de comunicação a exercer influência no crescimento das cirurgias plásticas, no censo de 2018 e 2019 do ISAPS, a rede social mais utilizada foram: Instagram profissional, Facebook e WhatsApp (Digital, 2018). Contudo é notável a propagação da ideia de procedimento cirúrgico como mero produto de consumo, um contrato mercantil comum, e evidente desrespeito ao Código do Conselho Regional de Medicina (CRM), quando por exemplo na utilização de fotos de antes e depois de seus pacientes, em suas redes socias, como forma de propaganda, contrariando as normas:

Art. 75. Fazer referência a casos clínicos identificáveis, exibir pacientes ou seus retratos em anúncios profissionais ou na divulgação de assuntos médicos, em meios de comunicação em geral, mesmo com a autorização do paciente.

No §3º é vedado ao médico e aos estabelecimentos de assistência médica a publicação de imagens do antes e depois de procedimentos, conforme previsto na alínea g do artigo 3º da resolução CFM nº 1.974/11.

Todavia, devido a Lei n. 13.874/19, que dispõe sobre a liberdade econômica, e no seu artigo 4º, VIII, dispõe: restringir o uso e o exercício da publicidade e propaganda sobre um setor econômico, ressalvadas as hipóteses expressamente vedadas em Lei federal. Assim a prática se torna possível, mesmo contrariando o posicionamento do conselho federal de medicina. Outra norma importante da citada Lei, refere-se ao comportamento do paciente, ainda no artigo 4º, no parágrafo 4º, que dispõe:

§4º A publicação por pacientes ou terceiros, de modo reiterado e/ ou sistemático, de imagens mostrando o antes e depois ou de elogios a técnicas e resultados de procedimentos nas mídias sociais deve ser investigada pelos Conselhos Regionais de Medicina.

A norma acima, é de essencial importância , pois nos dias atuais , a profissão em crescimento e que alcança milhares de pessoas, são os influenciadores digitais, que até o momento não são dirigidos por nenhum regulamento , ou regra, portanto são livres para relatar sobre seus procedimentos estéticos, mesmo sem qualquer embasamento científico, e influenciar jovens e adolescentes a se submeterem a procedimentos cirúrgicos sem necessidade, ou recomendar médicos que podem estar ou não em conformidade com a SBCP. Nesse ponto há lacuna na legislação brasileira.

Dessa forma, preconiza, pois, um ideal do resultado, e muitos pacientes podem equivocadamente comparar seu corpo a outro, e se submeter a um procedimento cirúrgico para ter os mesmos resultados que viu em um post. Logo, a importância de transparência desde do início do relacionamento entre o médico cirurgião e o paciente.

  1. RELACIONAMENTO MÉDICO-PACIENTE

As cirurgias plásticas como qualquer outro procedimento médico, são uma operação séria, que envolve estudo e formação rigorosa do profissional, com base no princípio da autonomia, definido pela bioética principialista, também conhecido como princípio ao respeito à pessoa, preceitua que o médico tem como uma de suas obrigações ser claro, ter uma linguagem compreensível e comunicar o paciente se a cirurgia pretendida por ele é a mais recomendável, caso não for sugerir a mais adequada, além disso, deve informar sobre todos detalhes pré e pós operatório. É importante falar sobre as expectativas do paciente e nunca pressionar o mesmo a procedimentos desnecessários.

Em harmonia com os artigos 22 e 31 do Código de Ética Médica (CEM), é vedado ao médico:

Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado,

salvo em caso de risco iminente de morte.

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante

legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou

terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

O termo de consentimento informado é um documento que contém esclarecimentos do procedimento a ser submetido, informações dos desconfortos, riscos possíveis e benefícios esperados, é um documento obrigatório. É o meio propício para que o paciente expresse sua vontade e tome ciência do que poderá e irá acontecer durante um procedimento ou cirurgia. Para que tenha validade, esse documento deve ter o aceite livre e espontâneo do paciente. Para uma prática médica bem-sucedida, é indispensável um bom relacionamento médico-paciente, principalmente quando se trata de cirurgias plásticas embelezadoras, pois a existência de danos ou resultados diferentes do almejado, pode ocasionar variadas consequências à vida do paciente, tanto físico, como de cunho psicológico. Logo, a confiança e a transparência da relação do médico- paciente é fundamental para o resultado desejado dos procedimentos médicos.

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL

    1. Resumo Histórico

A responsabilidade Civil no direito romano, segundo a teoria clássica pode ser entendida com base em três pressupostos: um dano, a culpa do autor e a relação de causalidade entre o fato culposo e o mesmo dano. Inicialmente o fator culpa não tinha relevância, e sim o dano, que gerava uma reação de imediato do ofendido. 

A responsabilidade primordialmente seguia a pena de talião olho por olho, dente por dente, apenas após a Lei Aquília, que surge o princípio geral de regular a reparação de dano. O Código Brasileiro de 1916, adotou a teoria subjetiva, que exige a prova de culpa ou dolo de quem causa o dano, para assim repara-la. O desenvolvimento industrial, e os demais avanços da sociedade, fez com que surgisse novas teorias, quanto a responsabilidade Civil, para uma maior proteção aos lesados. Segundo a teoria do risco descrita por Gonçalves (2012) a responsabilidade é encarada sob o aspecto objetivo, se subsume a ideia de exercício de atividade perigosa como fundamento da responsabilidade Civil.

No Direito Moderno a teoria da responsabilidade objetiva é exposta sob duas outras formas: teoria do risco e a teoria do dano objetivo. Para esta teoria será dado mais importância para os casos de procedimentos estéticos, pois, desde que exista dano, independente da ideia de culpa, existe a obrigação do dano ser ressarcido.

O Código Civil Brasileiro de 2002 (CIVIL, 2002) é fundamentado tanto no princípio da responsabilidade com base na culpa, definindo ato ilícito no Artigo 186:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Quanto na teoria do exercício de atividade perigosa e no princípio da responsabilidade independentemente de culpa, nos casos especificados em Lei.

    O Código Civil vigente, distingue duas espécies de responsabilidade, a responsabilidade contratual, disciplinada genericamente dos artigos: 389 e seguintes, e 395 e seguintes, e a responsabilidade extracontratual, conhecida também como aquiliana, nos Artigos. 186 a 188 e 927 a 954 do mencionado diploma legal.

Essa última, não deriva de contrato, o agente infringe um dever legal, ou seja, não existe vínculo jurídico entre a vítima e aquele que causa o dano, quando pratica ato ilícito. Em contrapartida a contratual, deriva de um contrato, portanto possuem convenção prévia entre as partes, logo no seu caso, é descumprido o avençado, tornando-se inadimplente.

Segundo a teoria clássica, sobre a responsabilidade subjetiva, a culpa é o fundamento da responsabilidade Civil, de acordo com ela, será reparado o dano. Portanto a prova de culpa do agente se torna um pressuposto necessário para indenização de um dano. Em contrapartida a situações que são indenizáveis independentemente de culpa, é a chamada responsabilidade objetiva, por esta teoria, chamada também de teoria de risco, tem como pressuposto o nexo de causalidade e o dano.

Historicamente a responsabilidade era objetiva e ligada a ideia de vingança, atualmente além da responsabilidade subjetiva, existe casos em que se prevalece a responsabilidade objetiva, porém não como um ideal de vingança, mas devido a mera culpa não abranger todos os casos possíveis de responsabilidade. Importante, salientar que não existe uma teoria certa ou errada, o Código Brasileiro adota as duas teorias, que devem ser ponderadas e escolhidas ao caso concreto, para correta fundamentação.

Conforme o Código Civil brasileiro, artigo 927, parágrafo único (BRASIL, 2002): Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em Lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

De acordo com a teoria do risco, adotada na responsabilidade objetiva, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros e por este motivo deve reparar, mesmo que sua conduta seja isenta de culpa.

  1. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL

Podem ser extraídos do Código Civil pátrio, no artigo 186, os pressupostos da responsabilidade civil, que são os seguintes: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima.

Refere-se a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, causar dano a outrem. Seja por ato próprio ou de terceiros que esteja sob sua responsabilidade, além de danos causados por animais que lhe pertença.

Na culpa, que ocorre por negligência ou imprudência, não há desígnio de vontade de causar qualquer dano, enquanto no dolo, consiste na intenção de cometer uma violação de direito.

É a relação da causa e efeito, ou seja, o nexo causal entre a ação ou omissão do agente com o dano verificado.

Este pode ser material (danos patrimoniais, dano estético), ou simplesmente moral.

  1. RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO

Diferentemente de erro médico comum, no caso de cirurgião plástico, a obrigação é de resultado. Embora haja debates quanto a teoria e a natureza da obrigação que deve a ser adequada, pois como menciona o cirurgião plástico Avelar (2011):

A existência de componentes psicológicos que podem interferir nas reações orgânicas dos pacientes, bem como uma série de outros fatores, como a conduta pós-operatória individual...a cirurgia plástica é uma especialidade, como as demais áreas da medicina, exposta às reações imprevisíveis do organismo humano e indesejadas consequências.

Seguindo esse entendimento, a obrigação seria de meio e não de resultado. Entretanto é pactuado uma relação contratual de resultado entre médico e paciente, e nas palavras de Lopez (2004):

Quando alguém, que está muito bem de saúde, procura um médico somente para melhorar algum aspecto seu, que considera desagradável, quer exatamente esse resultado, não apenas que aquele profissional desempenhe seu trabalho com diligência e conhecimento cientifico. Caso contrário, não adiantaria arrisca-se a gastar dinheiro por nada.

Dessa forma, é claro que ninguém, estando saudável, se submete a um procedimento cirúrgico, a não ser, pelo motivo estético, objetivando um determinado resultado.

Consoante a isso, a 3º Turma Superior Tribunal de Justiça, consolidou entendimento de obrigação de resultado do cirurgião plástico:

Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado, devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade. No procedimento cirúrgico estético, em que o médico lida com paciente saudável que apenas deseja melhorar sua aparência física e, consequentemente, sentir-se psiquicamente melhor, estabelece-se uma obrigação de resultado que impõe ao profissional da medicina, em casos de insucesso da cirurgia plástica, presunção de culpa, competindo-lhe ilidi-la com inversão do ônus da prova, de molde a livrá-lo da responsabilidade contratual pelos causadores ao paciente em razão de ato cirúrgico. (REsp 81.101-PR, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, 31-5-1999, RSTJ, 119/290 e RT, 767/111.)

Portanto, será devida indenização material e moral, pela frustação a cirurgia plástica e caso agravamento da situação do paciente pode ser necessário novas cirurgias que também devem ser mensuradas na indenização cobrada ao médico cirurgião. Com uma visão mais subjetiva sobre o assunto o Supremo Tribunal de justiça decidiu:

O profissional que se propõe a realizar cirurgia, visando a melhorar a aparência física do paciente, assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fator imprevisível, o que lhe cabe provar. (Rel. Min. Eduardo Ribeiro, j. 28-11-1994, RT, 718/270.)

É evidente que ainda existe muitos embates quanto a teoria mais adequada, porém a cirurgia plástica é um procedimento, como já dito, contratual, em busca de um resultado especifico, e o médico se compromete a um determinado resultado, assim sendo é direito do paciente quando não satisfeito, e principalmente se do procedimento resultar em dano estético, requerer sua devida indenização como uma forma de amenizar o ocorrido, a menos, como o STF na mesma decisão proclamou que seja provado pelo médico causas excludentes de ilicitude , como, caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima, que seja capaz de romper o nexo de causalidade entre o dano e a conduta médica., como descrito no Código Civil artigo 393: O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

  1. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em suma a responsabilidade Civil do cirurgião plástico em cirurgias embelezadoras, apesar de decorrer de obrigação de resultado e de ordem objetiva, no caso concreto que, dê causa a dano estético, uma deformidade permanente, nesse caso altera-se o ônus da prova, para que o médico comprove causa excludente de ilicitude, caso contrário, será responsabilizado e deverá indenizar o paciente como forma de reparar o ocorrido, portanto a objetividade não é absoluta.

De resto, quanto a lacuna da Lei a liberdade de profissionais e principalmente aos pacientes de relatar nome de médicos e procedimentos estéticos sem qualquer embasamento cientifico ou estudo, deve-se total atenção, a escolha de um bom profissional, o que não diz respeito a quantidade de curtidas e exposição em redes sociais, é necessário que o médico esteja regularizado na Sociedade Brasileira de cirurgias plásticas, verificar o seu registro no conselho regional de medicina da região correspondente , desconfiar de profissionais que cobrem valores muitos baixos e agendar a consulta, para tirar todas as dúvidas e iniciar um bom relacionamento médico-paciente.

REFERÊNCIAS 

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