TRANSFORMAÇÃO DIGITAL E O PÓ DE PIRLIMPIMPIM
Na obra de Monteiro Lobato o Pó de Pirlimpimpim, é uma substância de pó mágica usada para se teletransportar para diferentes lugares, e é com a mesma fé no reino fantasioso do universo empresarial que muitos empresários acreditam firmemente que a transformação digital, adquirida em pílulas de auto-ajuda ou em doses mais fortes através de contratos de consultoria que o seu negócio após essa dose, possa se teletransportar, o que o tempo se mostra impossível ficando essa mágica apenas restrita ao universo negacionista que acredita na mágica das soluções simples e pouco dolorosas.
É fato que a transformação digital ocorre pela aplicação conjunta das diversas tecnologias, nesse momento de forma isolada, nenhuma tecnologia produz efeito suficiente para realizar a transformação digital, seja na empresa ou em nossas residências.
Von Neumann, um matemático húngaro de origem judaica, posteriormente naturalizado estadunidense, contribuiu com seus estudos para muito do que vemos ser utilizado na transformação digital, pois seus estudos contribuíram na teoria dos conjuntos, análise funcional, teoria ergódica, mecânica quântica, ciência da computação, economia, teoria dos jogos, análise numérica, hidrodinâmica das explosões, estatística e muitas outras áreas da matemática. Von Neumann faz duas observações importantes: aceleração e singularidade. A primeira ideia é que o progresso humano é exponencial (se expande multiplicando-se repetidamente por uma constante) ao invés de linear (isto é, expandindo por meio da adição repetida de uma constante). Já a segunda é que o crescimento exponencial é insidioso, começando lentamente e praticamente imperceptível, mas além de certo ponto torna-se explosivo e profundamente transformador. Ou seja, o futuro é quase sempre mal compreendido, pois os nossos antepassados esperavam que fosse muito parecido com o presente deles, que tinha sido muito parecido com seu passado.
Isso é bem fácil de entender, veja sobre os mais diversos ramos, quando você vai a um fabricante de mobiliário escolar, ele sempre pensa o futuro com melhores cadeiras e carteiras escolares, de que maneira esse mobiliário pode evoluir e vem a pandemia e diz que as aulas podem ser vistas de casa, sem salas ou com bem menos salas de aula e logo, com muito menos móveis escolares.
Assim, ele fica distante de aproveitar as novas tendências, pois perde sempre muita energia querendo que o futuro seja apenas o seu presente com pequenas e melhorias no seu negócio, por isso que todas as tecnologias quando fica obsoletas quase sempre não são substituídas pelos mesmos atores.
Veja por exemplo alguns casos, por acaso algum fabricante de mimeógrafos fabrica máquinas de cópia? Por acaso algum fabricante de telefonia fixa virou referência na telefonia móvel? E assim poderíamos passar o dia inteiro dando exemplos.
O fato é que as tendências exponenciais já existiam há mil anos, mas nem sempre percebidas pelos observadores da época, pois sempre esses olham um futuro bem mais próximo.
Nesse momento antecipamos o progresso tecnológico contínuo e as repercussões sociais que se seguem como consequência dele.
Existe nessa trajetória aquilo que Nassim Taleb chama de Um cisne negro Para ele coisas altamente improváveis que nunca aconteceram, mas que um dia podem acontecer e terão um impacto enorme. Veja o impacto do 11 de setembro e o impacto da pandemia atual, todo mundo achava que cisnes negros não existiam porque nunca ninguém tinha visto um, até que um foi avistado. Torres não desabam sob o impacto intencional de aviões, isso nunca aconteceu até que aconteceu. Basta um evento para destruir a hipótese de que não existe cisne negro, assim bastará uma IA ficar consciente para que nossa autoestima evapore. O fato é que não há conhecimento estabelecido ou expert que possa ditar regras sobre riscos assim, pois eles não são computáveis, por isso muitos cientistas defendem regulações que impeçam o desenvolvimento de entidades físicas (robôs) que possam se auto replicar.
Cada vez mais não se trata apenas de tecnologia, mas de informação. A transformação digital produz como resultado empresas menores e com menos empregados, porém, elas serão muito mais eficientes e alcançarão muito mais mercados, e a pergunta que você precisa fazer é se está preparado pra comandar essas mudanças, ou você realmente acredita que o simples fato de ser o acionista majoritário do seu negócio já o torna suficientemente qualificado? Ou pelo fato de ser o chefe maior na sua empresa pública já lhe dá o requisito suficiente para operar essas mudanças radicais que podem implicar no redesenho do negócio?
A pandemia já deu duros exemplos para isso, pois não só os empregos que vão se transformar mas os empregadores também vão, logo isso deve acabar com a noção de empresa que temos hoje, pense por exemplo na transformação digital que vai substituir homens por máquinas.
Isso nos leva a outra pergunta:
Se robôs vão substituir pessoas, quem comprará o que eles fabricarão? Isso nos lembra Henry Ford II (neto do fundador) que quando era CEO da Ford, levou o líder do poderoso sindicato dos trabalhadores na época, Walter Reuther para visitar uma de suas fábricas que tinha sido recém-automatizada. Walter, como você vai fazer esses robôs pagarem suas contribuições ao sindicato? Dizem ter sido a provocação do chefe da Ford Motor Company, Reuther respondeu de imediato: Henry, como você vai fazer que eles comprem seus carros?.
Uma nova sociedade, com mais processos e mais robôs será uma sociedade com menos empregos e menos renda distribuída e logo menos consumidores, portanto, quem vai comprar os produtos e serviços nela?
Vejamos como um exercício de reflexão os n´meros atuais da indústria brasileira que derrete de forma acelerada.
Como explicar que mesmo com cerca de 210 milhões de consumidores, e de um BNDES com mais de R$700 bilhões em ativos, e com juros e proteção de incentivos fiscais ela continua diminuindo? Como explicar que ela fique menor mesmo com um câmbio pra lá de favorável? Como explicar o fechamento de fábricas modernas de marcas tradicionais como Ford, Mercedes e a Sony?
Nas entidades de classe o culpado é sempre o mesmo, o elevado custo tributário em um Estado perdulário, que só cresce de tamanho, e que não dá a menor pinta de que vai diminuir ou reduzir os benefícios setoriais de umas poucas categorias privilegiadas.
Mas os pontos acima não são novos, e logo são condições, ou seja como sobreviver com uma carga tributária elevada e com juros altos que já passam de dois dígitos? Qual o índice de inovação dessa indústria? Quanto dessa indústria verticalizou sua cadeia como vem fazendo a Apple, indo do chip a loja? Quantas são as indústrias brasileiras que estabeleceram parcerias com centros universitários de inovação? Quantas fábricas tem parcerias com cursos técnicos de design, ou de tecnologia?
Isso sem falar da falta de acordos comerciais e da baixa integração da indústria brasileira nas cadeias globais de produção e distribuição. Não se fazem acordos comerciais que abram mercado para o produto brasileiro sem dar contrapartidas para os produtores globais no mercado interno.
Para essa indústria atrasada a transformação digital parece se limitar a colocar as fotos da empresa em um site, e chamar o filho mais novo do acionista para participar da inovação da empresa, como se o simples fato dele estar mais familiarizado com os aplicativos do celular o tona-se um especialista em transformação digital. A verdadeira transformação digital vai muito além, pois o que transforma digitalmente uma empresa, além da tecnologia, é o seu alinhamento de conceitos. Pense em uma indústria que fabrica móveis escolares a mais de três décadas, qual o passo que essa indústria deveria ter dado nesse período, quando o ensino a distância já representa mais de 50% das novas matrículas? Qual plataforma de ensino à distância ela desenvolveu? Qual mobiliário para estudo em casa ela criou? Considerando que as compras on-line já superaram as vendas em shoppings centers qual a inovação feita para vender produtos que possam ser despachados pelos correios, exigindo assim um redesenho do produto para esse canal?
A transformação digital, carrega consigo a convergência de múltiplas tecnologias inovadoras potencializadas pela conectividade, que atenderão de maneira superior a uma demanda latente da sociedade ou do consumidor. São ferramentas como big data, computação em nuvem, internet das coisas, sensores, inteligência artificial, blockchain e realidade aumentada. Ao utilizá-las, é possível melhorar a performance, ganhar eficiência, expandir o alcance de um produto ou de um serviço, conectar pessoas e dispositivos instantaneamente, em qualquer lugar. Isso é o básico. De que forma a nossa indústria participa da disrupção? De que maneira essa mesma indústria vai participar desses novos serviços que surgem? Economia colaborativa, economia circular, economia de atenção, onde a atual indústria encontra o seu papel? Pois é disso que falamos, a roda econômica gira e não para aguardando você embarcar.
Veja o exemplo do serviço de taxi, depois do surgimento dos inúmeros serviços de compartilhamento como Uber, 99 e Cabify, o que mudou no serviço do taxi?
Veja a disruptura nesse setor existiu pois o mercado queria um serviço diferente e com preço mais acessível, e logo ter um aplicativo de táxi conectando passageiros e motoristas não seria possível se não houvesse internet, celulares no bolso da maior parte da população, mapas digitais, algoritmos de otimização de rotas e uma turma com energia para mudar hábitos de países inteiros por meio de testes e ajustes no produto. Entretanto, a mudança também não aconteceria se não existisse uma demanda da sociedade por melhores serviços de táxi e transporte urbano ou se o serviço prestado por quem dominava o mercado fosse excelente, essa demanda nasceu pois o serviço de taxi era e é ruim.
Nas projeções do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV/IBRE), o PIB do país deve avançar 0,6% em 2022, com o PIB da agropecuária crescendo 3,5% e o de serviços, 1,3%. Já o da indústria deve ter queda de 1,1%, com a indústria de transformação registrando a pior performance: recuo de 3,2%.
Segundo os cálculos do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), com base em dados do IBGE, mostram que, na média de 2019 a 2021, 63,9% da força de trabalho da indústria tinha carteira assinada. Nos serviços, a proporção foi de 40% e na agricultura, de 16,6%, ou seja a indústria é fundamental para manutenção do emprego formal.
É bom lembrar que para cada R$ 1 gerado pelo segmento leva ao acréscimo de R$ 2,14 no PIB. No setor de serviços, o efeito é de R$ 1,46; na agropecuária, de R$ 1,67, aponta o Iedi. A elevação dos juros públicos só vai piorar essa situação pois com crédito mais baixo a indústria não consegue investir e paga a conta do desmando fiscal do governo.
A transformação digital não é uma pílula mágica, ela requer a compreensão de empresários, empregados e a sociedade civil organizada na junção de esforços para redesenhar o setor produtivo, seja na modernização das plantas, ou na redução do custo da cadeia da produção a distribuição. Repensar é um ato coletivo, plural e vem acompanhado do necessário ganho de massa salarial, o que não ocorre com inflação e juros elevados que condena consumidores a miséria matando junto a indústria.
Consultores jurídicos tem um desafio gigante na compreensão das mudanças, seja no redesenho das estruturas nos contratos com os seu colaboradores e parceiros ou na proteção intelectual da inovação que exerce um papel preponderante.