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Abandono socioafetivo e suas consequências

Agenda 22/06/2022 às 18:44

O poder Familiar e o abandono socioafetivo

A família é a base da sociedade, que tem como base o amor, o respeito e a dedicação, estes pilares são fundamentais para que seus filhos se desenvolvam plenamente, sendo através do contato familiar que os filhos receberão afeto e proteção.

O ordenamento jurídico, na constituição do poder familiar, atribuiu aos pais prerrogativas inerentes a sua condição de garantidores dos direitos e deveres dos filhos menores, uma vez que, pela sua condição de vulnerabilidade, tornou-se necessário impor deveres fundamentais para formação e sobrevivência dos filhos.

Lembrando que tanto a Constituição Federal em seu art. 227, art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil em seu art. 1634, atribuem aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar de seus filhos, bem como de preservá-los de negligencias, discriminação, violência, entre outros, por reconhecer a vulnerabilidade das crianças.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Art. 1.634. Compete a ambos os pais, qualquer que seja a sua situação conjugal, o pleno exercício do poder familiar, que consiste em, quanto aos filhos:

I - dirigir-lhes a criação e a educação;

II - exercer a guarda unilateral ou compartilhada nos termos do art. 1.584 ;

III - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem;

IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior;

V - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para mudarem sua residência permanente para outro Município;

VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar;

VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento;

VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha;

IX - exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição.

Ao agir de forma omissa no cumprimento do dever familiar em relação a seus filhos, não prestando assistência psíquica, moral e social, omitindo cuidados referentes a criação e educação, os pais estarão praticando o abandono socioafetivo.

Juridicamente falando, o amor é opcional, mas o dever em relação a criação dos filhos é obrigatório e sua omissão ou ação pode gerar consequências como a perda ou suspensão do poder familiar, responsabilidade no âmbito criminal e uma possível indenização por danos morais caso comprometa seriamente o desenvolvimento e formação psíquica, afetiva e moral; devendo-lhe causar dor, submetendo-lo ao vexame, causando-lhe sofrimento, humilhação, angústia.

Consequências do abandono socioafetivo

Os pais que deixam de prover o sustento do filho menor sem justa causa irão responder pelo crime contra a assistência familiar, nos termos do artigo 244 do Código Penal, em face do qual resta configurado o crime de abandono material, que pode até mesmo dar ensejo à perda do poder familiar. Importante afirmar que deixar de prover a instrução primária, ou seja, a educação do filho, caracteriza crime de abandono intelectual, conforme o artigo 246 do Código Penal.

Art. 244, CP. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo. Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 246 - Deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de filho em idade escolar:

Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa.

O estado atua na fiscalização do cumprimento do poder familiar e em caso do desrespeito ou da prática de atos que prejudiquem os interesses dos menores, como o abandono afetivo há possibilidade de ser imposta suspensão, extinção ou perda do poder familiar.

A suspensão do poder familiar está regida no Código Civil, art. 1.637, sendo aplicada aos casos de abuso de autoridade, verbis:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único - Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.

É uma medida facultativa e temporária porque cessada a causa que a motivou, pode ser cancelada sempre que a convivência familiar atender ao interesse dos filhos.

O procedimento para a perda ou suspensão do poder familiar está regulado dos arts. 155 ao 163 do ECA. A aplicação da suspensão depende de procedimento judicial. Será competente para intentar tal ação qualquer pessoa que tenha legítimo interesse, tanto poderá ser qualquer dos genitores, o Ministério Público, ou até mesmo um parente, conforme rege o art. 155, ECA:

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Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.

A perda do poder familiar se dará por decisão judicial obedecendo os requisitos do art. 1638 do Código Civil e o procedimento é semelhante ao da suspensão, ambos regulados nos mesmos artigos 155 ao 163, ECA, por sua vez, dependerá da configuração das seguintes hipóteses: a) castigo imoderado do filho; b) abandono do filho; c) prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; d) reiteração de faltas aos deveres inerentes ao poder familiar.

Art. 1638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:

I - praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;

II - praticar contra filho, filha ou outro descendente:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

Comprovada a existência do abandono, poderá recair a responsabilidade civil por meio da necessidade de reparação do dano causado a outrem, nos termos do art. 927, do Código Civil:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito , causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Porém esse assunto é controverso nos tribunais, visto que há decisões que condena o genitor a uma indenização por danos morais, como há decisões que não se admite indenização por danos morais em caso de abandono afetivo

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) por meio do Recurso Especial REsp 1.159.242/SP no ano de 2012 reconheceu pela primeira vez no ordenamento jurídico a possibilidade de indenização por abandono socioafetivo. No acórdão a Ministra Relatora Nanci Andrigh (2012, p. 9) arguiu o seguinte:

[...] Nota-se, contudo, que a perda do pátrio poder não suprime, nem afasta, a possibilidade de indenizações ou compensações, porque tem como objetivo primário resguardar a integridade do menor, ofertando-lhe, por outros meios, a criação e educação negada pelos genitores, e nunca compensar os prejuízos advindos do malcuidado recebido pelos filhos. [...]

No mesmo seguimento, a partir desse julgado, alguns Tribunais passaram a julgar da mesma forma:

RECURSO DE APELAÇÃO. DIREITO CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE DOAÇÃO INOFICIOSA. IMPROCEDÊNCIA. ABANDONO AFETIVO. CONSTATADO. INDENIZAÇÃO CABÍVEL. RECURSOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. [...]. 2. O abandono afetivo é identificado quando o dever de sustento, guarda e educação do filho não são cumpridos, de modo que tal omissão de assistência social, moral e psíquica deve ser compensada com indenização a título de danos morais. 3. Recursos de Apelação conhecidos e não providos. (TJ-AM - AC: 06310140620168040001 AM 0631014-06.2016.8.04.0001, Relator: Maria das Graças Pessoa Figueiredo, Data de Julgamento: 09/03/2020, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 11/03/2020).

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE REVISÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO RECONVENCIONAL. INDENIZAÇÃO POR ABANDONO AFETIVO. NÃO CUMPRIMENTO DO DEVER DE CUIDAR. COMPROVAÇÃO DO ATO ILÍCITO. DANO MORAL CONFIGURADO. PRECEDENTE STJ. 1- O art. 1.634 do Código Civil impõe como atributo o poder de familiar a direção da criação dos filhos e o dever de ter os filhos em sua companhia. 2- O dever de cuidado compreende o dever de sustento, guarda e educação dos filhos. Não há dever jurídico de cuidar afetuosamente, de modo que o abandono afetivo, se cumpridos os deveres de sustento, guarda e educação da prole, ou de prover as necessidades de filhos maiores e pais, em situações de vulnerabilidade. (REsp 1579021/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 19/10/2017, DJe 29/11/2017). PRIMEIRA APELAÇÃO CÍVI, CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. (TJ-GO - Apelação (CPC): 02657633920168090175, Relator: JAIRO FERREIRA JUNIOR, Data do Julgamento: 09/09/2019, 6ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 09/09/2019).

Conforme mencionado acima, há o entendimento de que, não pode o judiciário ordenar alguém a amar outrem, assim sendo incabível a indenização por danos morais, conforme julgado explicitado adiante

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE. O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil.

(TJMG, AC 0063791-20.2007.8.13.499, 17ª C. Cível, Rel. Des Luciano Pinto, julg. 27.11.2008, pub. 09.01.09).

Diferença entre Abandono Socioafetivo e alienação parental

A alienação parental acontece quando um genitor desqualifica o outro, provocando a aversão da criança ao pai ou mãe que é alvo da alienação parental e nesse caso o genitor é impedido de ter contato com o filho.

No caso do abandono socioafetivo, o próprio genitor por livre e espontânea vontade age com descaso na criação do filho, não dando a devida assistência

O que diferencia os dois institutos é que na alienação parental, é praticado por terceiros, já o abandono socioafetivo é praticado pelo próprio genitor


Fonte

https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/56721/abandono-socioafetivo-e-a-obrigao-de-indenizar

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/21022022-Pai-e-condenado-a-pagar-R--30-mil-de-danos-morais-por-abandono-afetivo-da-filha.aspx

https://ibdfam.org.br/artigos/1048/Abandono+afetivo+e+a+obriga%C3%A7%C3%A3o+de+indenizar

Sobre o autor
Bruno Fernandes da Silva

Sou Advogado, atuo nas áreas de direito imobiliário e direito dos esportes eletrônicos. estou disponível para dar todo suporte jurídico necessário, uma vez que cada caso é único, devendo ser analisado de forma personalíssima, da forma mais minuciosa possível respeitando sempre os seus interesses. Ética, zelo, honestidade e responsabilidade são os valores da atuação durante todo o processo.

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