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A responsabilidade objetiva em matéria ambiental está disciplinada na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981), mais especificamente no §1º do artigo 14, no seguinte sentido:
§1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Pela teoria da responsabilidade objetiva, o poluidor, direto ou indireto, tem o dever de responder pelos danos causados ao meio ambiente independentemente da existência de culpa, isto é, basta a existência do nexo causal entre a sua atividade e a configuração do dano para que ela tenha incidência.
É comum que durante as fiscalizações ambientais, que os agentes lavrem autos de infração ambiental imputando ao administrado a responsabilidade administrativa pela infração, sem que sejam produzidas quaisquer provas de que o autuado concorreu para a infração.
Muito já se discutiu acerca da natureza da responsabilidade administrativa ambiental em doutrina e jurisprudência, com correntes sustentando se tratar de responsabilidade objetiva, com aplicação na forma acima mencionada, e, ainda, com posicionamentos defendendo a aplicação da responsabilidade subjetiva, fundada na teoria da culpa, na qual a autoria deve estar certa para a aplicação do jus puniendi estatal.
O QUE DIZ A JURISPRUDÊNCIA
A discussão sobre o tema da responsabilidade administrativa se encontra atualmente superada, devido à decisão proferida pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Embargos de Divergência em Recurso Especial, n. 1.318.051-RJ, sob a relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicado em 12/06/2019, na qual assentou o entendimento que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva. Vejamos a ementa da citada decisão:
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA SUBMETIDOS AO ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 2/STJ. EMBARGOS À EXECUÇÃO. AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO EM RAZÃO DE DANO AMBIENTAL. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADE SUBJETIVA.
Na origem, foram opostos embargos à execução objetivando a anulação de auto de infração lavrado pelo Município de Guapimirim - ora embargado -, por danos ambientais decorrentes do derramamento de óleo diesel pertencente à ora embargante, após descarrilamento de composição férrea da Ferrovia Centro Atlântica (FCA).
A sentença de procedência dos embargos à execução foi reformada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pelo fundamento de que "o risco da atividade desempenhada pela apelada ao causar danos ao meio ambiente consubstancia o nexo causal de sua responsabilidade, não havendo, por conseguinte, que se falar em ilegitimidade da embargante para figurar no polo passivo do auto de infração que lhe fora imposto", entendimento esse mantido no acórdão ora embargado sob o fundamento de que "[a] responsabilidade administrativa ambiental é objetiva".
Ocorre que, conforme assentado pela Segunda Turma no julgamento do REsp 1.251.697/PR, de minha relatoria, DJe de 17/4/2012), "a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano".
No mesmo sentido decidiu a Primeira Turma em caso análogo envolvendo as mesmas partes: "A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador" (AgRg no AREsp 62.584/RJ, Rel. p/ Acórdão Ministra Regina Helena Costa, DJe de 7/10/2015).
COMENTÁRIOS AO PRECEDENTE
O caso discutido na citada decisão trata-se de Execução Fiscal proposta pelo Município de Guapimirim/RJ visando à cobrança de multa administrativa ambiental de R$ 5 milhões fundada nos arts. 2º, 6º, 14 da Lei 9.605/1998 e 41 do Decreto 3.179/1999 revogado pelo Decreto 6.514/08.
Tal multa foi imposta pelo derramamento, durante o transporte ferroviário, de aproximadamente sessenta mil litros de óleo diesel de propriedade da Ipiranga Produtos de Petróleo S/A na Baía de Guanabara e na Área de Proteção Ambiental de Guapimirim.
O derramamento decorreu do descarrilamento, no dia 26/04/2005, de sete vagões-tanque de propriedade da Ferrovia Centro Atlântica, os quais transportavam o aludido combustível de propriedade da Ipiranga Produtos de Petróleo S/A.
A divergência suscitada nos embargos do Recurso Especial n. 1.318.051-RJ, cuja decisão consolidou o entendimento de que a responsabilidade administrativa ambiental é subjetiva, teve como paradigma a decisão outrora proferida pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial n. 1.251.697-PR, também da relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, publicada em 17/04/2012, cuja ementa segue com a seguinte redação:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADA ADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
Explica o recorrente - e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado - que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
Pelo princípio da transcendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CF88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai.
Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".
O art. 14, caput, também é claro: "[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]".
Em resumo: a aplicação e a execução das penas limitam-se aos transgressores; a reparação ambiental, de cunho civil, a seu turno, pode abranger todos os poluidores, a quem a própria legislação define como "a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental" (art. 3º, inc. V, do mesmo diploma normativo).
Note-se que nem seria necessária toda a construção doutrinária e jurisprudencial no sentido de que a obrigação civil de reparar o dano ambiental é do tipo propter rem, porque, na verdade, a própria lei já define como poluidor todo aquele que seja responsável pela degradação ambiental - e aquele que, adquirindo a propriedade, não reverte o dano ambiental, ainda que não causado por ele, já seria um responsável indireto por degradação ambiental (poluidor, pois).
Mas fato é que o uso do vocábulo "transgressores" no caput do art. 14, comparado à utilização da palavra "poluidor" no § 1º do mesmo dispositivo, deixa a entender aquilo que já se podia inferir da vigência do princípio da intranscendência das penas: a responsabilidade civil por dano ambiental é subjetivamente mais abrangente do que as responsabilidades administrativa e penal, não admitindo estas últimas que terceiros respondam a título objetivo por ofensa ambientais praticadas por outrem.
Portanto, para a tipificação das infrações ambientais de natureza administrativa, é necessária a existência do elemento subjetivo e o nexo causal, inadmitindo-se a responsabilidade objetiva administrativa.
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